PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE DO SUL – PUCRS FACULDADE DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA EM BUSCA DE UM LUGAR AO SOL: ANSEIOS POLÍTICOS NO CONTEXTO DA IMIGRAÇÃO E DA COLONIZAÇÃO ALEMÃ (RIO GRANDE DO SUL - SÉCULO XIX) Marcos Antônio Witt Porto Alegre 2008 PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE DO SUL – PUCRS FACULDADE DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA EM BUSCA DE UM LUGAR AO SOL: ANSEIOS POLÍTICOS NO CONTEXTO DA IMIGRAÇÃO E DA COLONIZAÇÃO ALEMÃ (RIO GRANDE DO SUL - SÉCULO XIX) Marcos Antônio Witt Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação em História da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul – PUCRS, como requisito parcial para a obtenção do título de Doutor em História. Orientador: Prof. Dr. René Ernaini Gertz Porto Alegre 2008 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) W827e Witt , Marcos Antônio Em busca de um lugar ao sol: anseios políticos no contexto da imigração e da colonização alemã (Rio Grande do Sul - século XIX) / Marcos Antônio Witt. ⎯ Porto Alegre, 2008. 428 f. Tese (Doutorado) – Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas. Programa de Pós-Graduação em História. PUCRS, 2008. Orientador: Prof. Dr. René Ernaini Gertz 1. Rio Grande do Sul - História Política. 2. Colonização Alemã Rio Grande do Sul.- Século XIX. 3. Imigrantes Alemães - Rio Grande do Sul. I. Título. CDD : 981.65052 Bibliotecário Responsável Ginamara Lima Jacques Pinto CRB 10/1204 COMPOSIÇÃO DA BANCA EXAMINADORA ________________________________________ Profa. Dra. Ellen Fensterseifer Woortmann Universidade de Brasília - UNB Brasília/DF ________________________________________ Profa. Dra. Margaret Marchiori Bakos Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul - PUCRS Porto Alegre/RS ________________________________________ Prof. Dr. Martin Norberto Dreher Universidade do Vale do Rio dos Sinos - UNISINOS São Leopoldo/RS ________________________________________ Profa. Dra. Núncia Santoro de Constantino Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul - PUCRS Porto Alegre/RS ________________________________________ Prof. Dr. René Ernaini Gertz Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul - PUCRS Porto Alegre/RS Porto Alegre, janeiro de 2008. Agradecimentos Inúmeras cabeças acompanharam-me ao longo desses quatro anos. Sou grato ao professor doutor René Ernaini Gertz, cuja presença foi indispensável para que este trabalho pudesse nascer. Ao professor René, considerado aqui como um mestre, o meu agradecimento e reconhecimento pela sábia e criteriosa orientação. Agradeço também aos historiadores Martin Norberto Dreher, pelo bate-papo, empréstimos e sugestões; Eloísa Helena Capovilla da Luz Ramos, pelo apadrinhamento, sorrisos e a dica de ampliar o espaço de pesquisa; Arthur Blásio Rambo, pelas suas observações e entusiasmo nos projetos de pesquisa; Margaret Marchiori Bakos, pela suavidade com que trata seus alunos, pelo seminário de ego-história e as sugestões sobre biografia e cotidiano; Nilza Huyer Ely, pelo chimarrão das segundas-feiras, por estar sempre pronta a ajudar e pela realização dos simpósios sobre imigração alemã no Litoral Norte do Rio Grande do Sul; Véra Lucia Maciel Barroso, pela organização do Raízes; Isabel Cristina Arendt, Imgart Grützmann e Doris Magalhães, pela troca de idéias, coleguismo, batepapo em viagens e cafezinhos; à professora de língua alemã, Magda Gans, pelo auxílio nas inúmeras traduções; às colegas doutorandas Andrea Helena Petry Rahmeier e Rosane Neumann, pelos anos de convívio, trocas de idéias e estudo; aos professores Áttico Chassot e Gelsa Knijnik, pelas palavras de incentivo e apoio; aos colegas do Instituto Histórico de São Leopoldo, pelo carinho da recepção e pelos valiosos encontros de cada mês; aos colegas das Associações que promovem encontros de história sobre imigração alemã, pelo incentivo e dicas culturais; aos colegas da SMED São Leopoldo, por todo o trabalho em prol da educação; ao professor Ruy Ruben Ruschel, In Memoriam, por toda a sua obra dedicada ao Litoral Norte do Rio Grande do Sul; ao professor doutor Marcos Justo Tramontini, In Memoriam, meu exorientador, pela coragem de ter escrito a sua Tese, obra primordial na releitura da história sobre imigração alemã, pelo respeito com que tratava seus discípulos e pelo incentivo diário para que seguíssemos adiante; a Márcia Fernanda dos Santos e a Ivonir Coimbra, pelas dicas e correção gramatical; às equipes dos Arquivos Histórico e Público do Rio Grande do Sul e do Museu Histórico Visconde de São Leopoldo, pelo pronto atendimento; ao Programa de Pós-Graduação em História da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul – PUCRS, seus professores e funcionários, por todo auxílio e cooperação; aos colegas mestrandos e doutorandos do Programa de Pós-Graduação em História da PUCRS, pelos seminários e discussões; à Elma Strassburg Witt, mãe sábia que está presente em todos os momentos, por acreditar na Educação; ao Friseur Adalberto Pinto Nascimento, pelo companheirismo, incentivo e lucidez nos momentos de crise; e a Mag, é claro, pela doçura, dedicação e espera no portão. Para finalizar esta oração de agradecimentos, a todos que estiveram comigo nesses quatro anos de experiência única, durante os quais senti-me um ressuscitador de homens, o meu agradecimento. Trago dentro do meu coração, como num cofre que se não pode fechar de cheio, todos os lugares onde estive, todos os portos a que cheguei, todas as paisagens que vi através de janelas ou vigias, ou de tombadilhos, sonhando, e tudo isso, que é tanto, é pouco para o que eu quero. Fernando Pessoa. Passagem das horas Esta Tese é dedicada à memória de Marcos Justo Tramontini, professor, historiador e mestre; ao Friseur Adalberto Pinto Nascimento, homem das letras e companheiro de todas as horas; e, em especial, aos meus pais, José Otacílio Witt, In Memoriam, e Elma Strassburg Witt, pelo gesto sublime de 1970. RESUMO Este trabalho tem como objetivo principal analisar a forma pela qual os imigrantes alemães e seus descendentes se organizaram para se aproximar e participar da política no Rio Grande do Sul do século XIX. A pesquisa e posterior escrita da Tese ficaram centradas nos colonos alemães “exponenciais”, verificando-se quais foram os meios utilizados por esse grupo para chegar à política e ocupar espaços teoricamente não-destinados a eles. Quanto às categorias de espaço e tempo, a definição desses recortes esteve vinculada à circulação dos agentes históricos pesquisados. Com isso, houve a necessidade de se delimitar uma área que foi chamada de mega-espaço São Leopoldo-Litoral Norte do Rio Grande do Sul (SLLNRS), por onde as parentelas Diefenthäler e Voges estabeleceram vínculos de parentesco, amizade e negócio. No que se refere à cronologia, a chegada dos imigrantes alemães ao Rio Grande do Sul, em 1824, e a virada política da República, em 1889, serviram de marcos definidores para o recorte temporal. Para se realizar tal pesquisa, buscou-se metodologia que abrangesse um “estudo de caso”, o qual descortinou um mundo extremamente dinâmico no que se refere à busca pela participação política. Ainda sobre o desenvolvimento do trabalho, buscou-se vinculálo com a “nova” história política, a fim de analisar as relações entre um grupo de colonos alemães conceituados de “exponenciais” e as pequenas e médias chefias locais da sociedade hospedeira. Palavras-chave: Política. Imigração. Colonos alemães “exponenciais”. Rio Grande do Sul. Século XIX. ABSTRACT The present theses aims at analyzing the way German immigrants and their descendants got organized in order to participate in the political scene of Rio Grande do Sul in the 19th century. The research focuses on the so called “exponential” peasants of German background, in an attempt to identify which means they used to enter politics and be assigned positions that were not meant to be theirs. Concerning the space and time categories, the definition of such information is connected to the circulation of the historical agents present in the research. Therefore, it was necessary to establish a certain area, which was called mega-space São LeopoldoRio Grande do Sul North Shore (SL-LNRS), where the families Diefenthäler and Voges made business, made friends and formed family bonds. Regarding chronology, the defining dates were the German immigrants’ arrival in Rio Grande do Sul in 1824 and the Republic political turn in 1889. The methodology used to achieve the research objectives needed to be one of “case study”, which unveiled an extremely dynamic world regarding the search for political participation. There was also a concern to link the present work to the “new” political history, so it would be possible to analyze the relations between a group of German peasants called “exponential” and the small and medium local leaderships of the hosting society. Key words: Politics. Immigration. “Exponential” German peasants. Rio Grande do Sul. 19th century. ACERVOS CONSULTADOS Acervo Documental e de Pesquisa vinculado à Biblioteca da Universidade do Vale do Rio dos Sinos – UNISINOS. Arquivo Histórico do Rio Grande do Sul – AHRS Fundos pesquisados: Assuntos Religiosos; Autoridades Municipais – Correspondência das Câmaras; Autoridades Municipais – Correspondência das Intendências; Coleção de Leis do Império; Diretor Geral das Colônias de São Leopoldo; Documentação dos Governantes – Relatórios e Falas dos Presidentes da Província; Eleições; Imigração, Terras e Colonização; Justiça; Polícia; Registro da Correspondência Expedida pelos Presidentes da Província a Autoridades Provinciais; Registro de Ordens, Portaria, Patentes e Provisões passadas pelos Governantes do Rio Grande do Sul; Requerimentos; e Secretaria da Agricultura. Arquivo Histórico de Santo Antônio da Patrulha Fundo pesquisado: Autoridades Municipais – Correspondência das Câmaras. Arquivo Histórico da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil (IECLB) Fundo pesquisado: Documentação avulsa sobre a paróquia evangélico-luterana de Três Forquilhas. Arquivo Histórico da paróquia evangélico-luterana de São Leopoldo Fundo pesquisado: Livros de Registros Eclesiásticos (nascimento, batismo, confirmação, casamento e óbito) sob a forma de CD-ROM. 12 Arquivo Histórico da paróquia evangélico-luterana de Três Forquilhas Fundo pesquisado: Livros de Registros Eclesiásticos (nascimento, batismo, confirmação, casamento e óbito). Arquivo Nacional – Rio de Janeiro/RJ Arquivo Pessoal da Família Schmitt Fundo pesquisado: Manuscrito sobre a família elaborado pelo pesquisador Elio Eugênio Muller. Arquivo Pessoal de Nilza Huyer Ely Fundos pesquisados: Inspetoria de terra e Iconografia. Arquivo Público do Estado do Rio Grande do Sul – APERS Fundos Pesquisados: Escrituras de Compra e Venda de Escravos e Imóveis; Inventários; Processos-Crime; e Registros Paroquiais da Lei de Terras. Biblioteca Central da Escola Superior de Teologia – EST Biblioteca Central da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul – PUCRS Biblioteca Central da Universidade do Vale do Rio dos Sinos – UNISINOS Fundação de Economia e Estatística (FEE) Fundo pesquisado: Séries estatísticas retropesctivas. Vol. 1. Rio de Janeiro: IBGE, 1986. (Separata do Repertório estatístico do Brasil. ano V, 1939/1940). Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Sul - IHGRGS Museu Histórico Visconde de São Leopoldo Fundos pesquisados: Acervo fotográfico; Autoridades Municipais – Correspondência das Câmaras; Livro de Escrituração de Contas Correntes - interior de Osório (18741901); e Livro de registros I da comunidade evangélica de Hamburgo Velho (18451886). INVENTÁRIOS PESQUISADOS – APERS Observação: 1º nome (inventariado) X 2º nome (inventariante) Antonieta Voges Schmitt X Christóvão Schmitt Autos 2 – maço 1 – estante 159 – 1920 – Osório – Inventário fiscal. Balbina Schmitt Voges X Frederico Voges Autos 405 – maço 12 – estante 114 – 1894 – Osório – Cartório de órfãos. Carlos Frederico Voges X Margarida Voges Autos 477 – maço 18 – estante 149 – 1895 – Taquari – Cartório de órfãos e ausentes. Carlos Jacoby X Felisbina Jacoby e outros Autos 83 – maço 2 – estante 159 – 1879 – Conceição do Arroio – Cartório do cível e crime. Carlos Kellermann X Maria Catarina Kellermann Autos 97 – maço 3 – estante 114 – 1867 – Conceição do Arroio – Cartório de órfãos e ausentes. Catarina Grassmann X Matias Grassmann Autos 143 – maço 5 – estante 62 – 1873 – Conceição do Arroio – Cartório do Cível. Felippe Pedro Schmitt e Elisabetta Schmitt X Pedro Koenig e outros Autos 50 – maço 1 – estante 62 – 1867 – Conceição do Arroio – Cartório do cível. Felisbina Schmitt Voges X Carlos Frederico Voges Autos 24 – maço 1 – estante 159 – 1935 – Osório – Coletoria estadual de Osório, inventário fiscal. 14 Guilhermina Voges X Adolpho Felippe Voges Autos 195 – maço 6 – estante 62 – 1880 – Conceição do Arroio – Cartório de órfãos e ausentes. Jacob Diefentheler X Elisabetha Diefenthaeler Autos 966 – maço 35 – estante 71 – 1891 – São Leopoldo – 1º Cartório de órfãos e ausentes. Jacob Diefentäler Filho X Bertha Mª Margaretha Diefentäler Autos 110 – maço 4 – estante 72 – 1880 – São Leopoldo – 2º Cartório de órfãos e ausentes. Jacob Voges X Luiza Voges Autos 216 – maço 7 – estante 114 – 1884 – Conceição do Arroio – Cartório de órfãos e ausentes. Joanna Guilhermina Fith X Henrique Jacob Müller Autos 25 – maço 1 – estante 71 – 1848 – São Leopoldo – Cartório de órfãos e ausentes. José Raupp X Catharina Raupp Autos 5 – maço 1 – estante 104 – 1873 – Torres – Cartório do cível. Margarida Mittmann X Felippe Mittmann Autos 104 – maço 2 – estante 159 – 1884 – Conceição do Arroio – Cartório do cível e crime. Margarida Teifentheler X Pedro Teifentheler Autos 92 – maço 4 – estante 71 – 1853 – São Leopoldo – 1º Cartório de órfãos e ausentes. Margarida Voges X Otto Roberto Voges Autos 558 – maço 20 – estante 101 – 1900 – Taquari – Cartório de órfãos e ausentes. Maria Mittmann X Nicolau Mittmann Autos 92 – maço 3 – estante 62 – 1865 – Conceição do Arroio – Cartório de órfãos e ausentes. Pedro Diefenthäeler X Luiza Carolina Diefenthaeler e outros herdeiros Autos 57 – maço 2 – estante 12 – 1890 – São Leopoldo – 1º Cartório do cível e crime. GLOSSÁRIO - Bom Jardim: cidade que equivale, hoje, ao município de Ivoti, localizado ao pé da serra, logo após a cidade de Novo Hamburgo. - Casal Diefenthäler-Voges: expressão que representa a união de Carlos Leopoldo Voges com sua esposa Elisabeth Diefenthäler. - Cachoeira: hoje, o município de Maquiné, com entrada principal pela BR 101 e ligação com os Campos de Cima da Serra através da Serra do Umbú. Em forma de vale, o município é cortado pelo rio Maquiné. - Campos de Cima da Serra: expressão recorrente na documentação que trata do Norte e Nordeste do Rio Grande do Sul. Os Campos representam, atualmente, os municípios de São Francisco de Paula, Cambará do Sul e Bom Jesus. - Costa da Serra: região que se localizava ao norte de São Leopoldo, compreendendo, hoje, uma parte da cidade de Novo Hamburgo (existe um bairro que ainda leva o nome de Hamburgo Velho), mais partes do território das cidades de Campo Bom e Estância Velha. A região da Costa da Serra se estendia de Novo Hamburgo à subida da serra, sentido norte, tendo mais ou menos como limite os atuais municípios de Ivoti e Dois Irmãos. - Colônia Alemã de São Leopoldo: também identificada como Colônia-Mãe, por se constituir no primeiro núcleo de imigrantes alemães no Rio Grande do Sul. 16 - Colônia Alemã das Torres: a identificação da Colônia Alemã das Torres aparece na documentação de forma variada. É preciso estar atendo para não reduzir o espaço à atual praia de Torres, pois os limites da Freguesia se estendiam até o rio Três Forquilhas. A Colônia também era chamada de Ponta das Torres e Colônia das Torres. - Colônia católica de São Pedro de Alcântara: primeiro núcleo de imigrantes alemães católicos no Litoral Norte do Rio Grande do Sul. Ao se emancipar de Torres em 1995, a Colônia teve seu nome modificado para Dom Pedro de Alcântara. O acesso ao município se dá pela BR 101. - Colônia protestante de Três Forquilhas: primeiro núcleo de imigrantes protestantes (luteranos) no Litoral Norte do Rio Grande do Sul. O nome da Colônia é citado na documentação de forma variada: Colônia evangélico-luterana do Vale do Três Forquilhas; Vale do Três Forquilhas; Vale do rio Três Forquilhas; paróquia de Três Forquilhas e Três Forquilhas. Na atualidade, a antiga Colônia se divide entre os municípios de Itati, Terra de Areia e Três Forquilhas, emancipados em 1996, 1988 e 1992, respectivamente; todos com acesso pela BR 101 e pela Rota do Sol, via Serra do Pinto. - Colônia do Mundo Novo: Colônia fundada pelo colonizador particular Tristão José Monteiro. Também aparece na documentação como Mundo Novo e equivale, hoje, ao município de Taquara. - Conceição do Arroio: uma das portas de entrada para o Litoral Norte do Rio Grande do Sul. Próxima e integrada ao grande município de Santo Antônio da Patrulha, a localidade de Conceição do Arroio conseguiu emancipar-se em 1857, levando consigo toda a extensão de terras que estavam entre o mar e a serra. Conceição do Arroio teve seu nome modificado para Osório, cuja sede está localizada no entroncamento da Freeway (BR 290) com a BR 101. - Diefenthäler-Voges: A expressão refere-se à união das parentelas Diefenthäler, de Hamburgo Velho, e Voges, de São Leopoldo, selada com o casamento de Carlos Leopoldo Voges e Elisabeth Diefenthäler. 17 - Litoral Norte do Rio Grande do Sul (LNRS): região que compreende o espaço delimitado pelos municípios de Santo Antônio da Patrulha, Osório e Torres. Geograficamente, o LNRS integra a região Nordeste do Rio Grande do Sul. - Mega-espaço São Leopoldo-Litoral Norte do Rio Grande do Sul (Mega-espaço SLLNRS): expressão criada para delimitar o espaço compreendido entre as atuais cidades de Porto Alegre, São Leopoldo, Novo Hamburgo, Estância Velha, Dois Irmãos, Ivoti, Campo Bom, Taquara, mais as cidades de Taquari e as do LNRS. - Província do Rio Grande do Sul: o atual estado do Rio Grande do Sul. No século XIX, a província também era identificada na documentação como província de Rio Grande de São Pedro. - Santo Antônio da Patrulha: um dos quatro primeiros municípios do Rio Grande do Sul, cuja criação remonta ao ano de 1809. Até a emancipação de Conceição do Arroio, em 1857, todo o LNRS pertencia ao grande Santo Antônio da Patrulha. Hoje, o município está no entroncamento de diversos caminhos: Freeway (BR 290), Estrada Velha (RS 30, oficialmente chamada de Rodovia Cristóvão Pereira de Abreu) e RS 474. - Torres: o antigo Presídio das Torres marcava uma das divisas do Rio Grande do Sul com Santa Catarina, junto ao rio Mampituba e ao oceano Atlântico. A localidade era formada por uma pequena vila, onde soldados acampavam e guarneciam a fronteira. Ao receber imigrantes alemães católicos e protestantes, a região também passou a ser designada como Colônia Alemã das Torres. No transcorrer do século XX, Torres transformou-se num dos balneários mais conhecidos do Rio Grande do Sul. - Venda: estabelecimento comercial típico do Rio Grande do Sul dos séculos XIX e grande parte do XX. Normalmente, o vendeiro fornecia ao colono aquilo que era produzido fora da Colônia, como sal e fósforo, comprando deste os alimentos e derivados plantados, colhidos e preparados em sua propriedade agrícola. LISTA DE FIGURAS Figura 1: Mapa do mega-espaço São Leopoldo-Litoral Norte do Rio Grande do Sul (SL-LNRS) ................................................................................... 25 Figura 2: Mapa das Colônias de São Leopoldo, São Pedro de Alcântara e Três Forquilhas....................................................................................... 31 Figura 3: Mapa de São Leopoldo antigo................................................................ 55 Figura 4: Carlos Leopoldo Voges ......................................................................... 92 Figura 5: Túmulo de Anna Maria Diefenthäler e Jacob Scriba (Cemitério evangélico de Ivoti)............................................................................... 116 Figura 6: Túmulo de Mathias Wetter (Cemitério da Feitoria, São Leopoldo) ....... 131 Figura 7: Túmulo de Jacob Diefenthäler (Cemitério evangélico de Hamburgo Velho, Novo Hamburgo) ....................................................................... 144 Figura 8: Túmulo de Jacob Diefenthäler Filho (Cemitério evangélico de Hamburgo Velho, Novo Hamburgo) ..................................................... 146 Figura 9: Túmulo de Pedro Diefenthäler (Cemitério evangélico de Hamburgo Velho, Novo Hamburgo) ..................................................... 171 Figura 10: Casa de Carlos Leopoldo Voges na Colônia de Três Forquilhas ......... 202 Figura 11: Casa de Carlos Leopoldo Voges na Colônia de Três Forquilhas (século XIX) .......................................................................................... 240 Figura 12: Luiza Voges.......................................................................................... 247 Figura 13: Família de Carlos Frederico Voges em Taquari ................................... 280 Figura 14: Caminhos do Litoral.............................................................................. 291 Figura 15: Folder turístico apresentando o Litoral Norte do Rio Grande do Sul .... 295 Figura 16: Túmulo de Philip Diefenthäler (Cemitério evangélico de Estância Velha) .................................................................................... 345 LISTA DE TABELAS Tabela 1: Estrutura da Tese ................................................................................... 42 Tabela 2: Compra e venda de terras ...................................................................... 73 Tabela 3: Trajetória pastoral de Carlos Leopoldo Voges........................................ 75 Tabela 4: Inventário e Registros Paroquiais da Lei de Terras.............................. 127 Tabela 5: Casamentos ......................................................................................... 136 Tabela 6: Comparação entre CD-ROM do NETB e Hunsche............................... 142 Tabela 7: Bens de Jacob Diefenthäler.................................................................. 156 Tabela 8: Dívidas.................................................................................................. 166 Tabela 9: Bens de Pedro Diefenthäler.................................................................. 172 Tabela 10: Bens de Guilhermina Voges ................................................................. 174 Tabela 11: Bens de Felisbina Schmitt Voges ......................................................... 177 Tabela 12: Transações imobiliárias I ...................................................................... 179 Tabela 13: Transações Imobiliárias II..................................................................... 179 Tabela 14: Transações Imobiliárias III....................................................................180 Tabela 15: Bens de Carlos Jacoby......................................................................... 186 Tabela 16: Animais................................................................................................. 187 Tabela 17: Bens de Jacob Voges........................................................................... 189 Tabela 18: Investimento em terras ......................................................................... 193 Tabela 19: Propriedades rurais sem benfeitoria ..................................................... 198 Tabela 20: Propriedades rurais com benfeitoria ..................................................... 200 Tabela 21: Preço de colônias conforme inventário................................................. 204 Tabela 22: Preço de propriedades atuais............................................................... 206 Tabela 23: Preço de escravos conforme Mattoso .................................................. 210 20 Tabela 24: Preço de escravos conforme Mattoso e inventário...............................211 Tabela 25: Preço de animais..................................................................................213 Tabela 26: Preço da farinha de mandioca.............................................................. 216 Tabela 27: Preço do feijão...................................................................................... 217 Tabela 28: Preço da banha .................................................................................... 218 Tabela 29: Preço da carne ..................................................................................... 220 Tabela 30: Preço da aguardente ............................................................................ 221 Tabela 31: Preço do vinho...................................................................................... 223 Tabela 32: Preço da mão-de-obra de especialistas na construção de moinhos .... 224 Tabela 33: Preço da mão-de-obra de construtor de pontes (mestre de obra)........ 225 Tabela 34: Preço da mão-de-obra de serviços pedagógicos e/ou administrativo- burocráticos .......................................................................................... 226 Tabela 35: Animais................................................................................................. 253 Tabela 36: Gêneros e mercadorias ........................................................................ 254 Tabela 37: Madeira................................................................................................. 256 Tabela 38: Benfeitorias........................................................................................... 257 Tabela 39: Terras ................................................................................................... 257 Tabela 40: Empréstimo a juros............................................................................... 258 Tabela 41: Ordenados............................................................................................ 260 Tabela 42: Serviços................................................................................................ 261 Tabela 43: Clientes I............................................................................................... 262 Tabela 44: Clientes II.............................................................................................. 263 Tabela 45: Proprietários e transações.................................................................... 264 Tabela 46: Doações ............................................................................................... 267 Tabela 47: Relação de dívidas de Carlos Jacoby .................................................. 272 Tabela 48: Empresas fornecedoras de Carlos Frederico Voges ............................ 279 Tabela 49: Balancete I (6/7/1895) .......................................................................... 281 Tabela 50: Balancete II (9/10/1895) ....................................................................... 282 Tabela 51: Relação de devedores (30/9/1895) ...................................................... 283 Tabela 52: Relação de devedores (12/10/1895) .................................................... 283 Tabela 53: Frete e navegação................................................................................ 296 Tabela 54: “José Rodriguez Mesquitta”.................................................................. 299 SUMÁRIO INTRODUÇÃO .......................................................................................................... 22 PARTE I - COTIDIANO: RELIGIÃO E FAMÍLIA....................................................... 43 Capítulo I - Disputa pastoral: em vez de espadas, bíblias......................................... 43 Capítulo II - Relações de parentesco: incursão à teia ............................................... 97 PARTE II - INTERESSES CERTEIROS I: INVESTIMENTOS ECONÔMICOS ...... 151 Capítulo III - Múltiplas atividades: a abertura do leque............................................ 151 Capítulo IV - Capital econômico: mensuração, realidade e fantasia ....................... 196 PARTE III - INTERESSES CERTEIROS II: PREFERÊNCIAS ECONÔMICAS...... 232 Capítulo V - Locus colonial privilegiado: a venda .................................................... 232 Capítulo VI - O esteio da venda: transporte fluvial e terrestre ................................. 288 PARTE IV - CONFLITOS MIL: ARTICULAÇÃO E ENFRENTAMENTO................ 319 Capítulo VII - O esfacelamento do cristal ................................................................ 319 CONCLUSÃO ......................................................................................................... 371 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS....................................................................... 381 OBRAS CONSULTADAS ....................................................................................... 394 ANEXOS ................................................................................................................. 410 INTRODUÇÃO Reconstruir uma história de família com base em documentos pouco discursivos, como compras, vendas e testamentos, exerce um fascínio semelhante ao de um quebra-cabeça. As coerências e os encaixes, que aos poucos vão sendo encontrados, causam uma satisfação que talvez não seja automaticamente transmitida ao leitor. De qualquer forma, graças a estes pequenos acontecimentos familiares, é possível observar aspectos relevantes da lógica social que operou sob o [Rio Grande do Sul do século XIX].1 1 LEVI, Giovanni. A herança imaterial: trajetória de um exorcista no Piemonte do século XVII. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2000, p. 104. Neste livro, Levi perseguiu os passos de um padre exorcista, investigando como essa liderança pôde circular por uma região que transcendeu sua comunidade local. O autor chegou à conclusão de que a “herança imaterial” se constituiu na maior riqueza do pároco Chiesa, herdada de seu pai, uma espécie de escrivão e juiz da aldeia. O pai, ao longo de sua vida, não se preocupou em deixar bens materiais, ao contrário, sua fortuna era composta das relações que estabeleceu no dia-a-dia. Foi este bem que deixou ao filho, permitindo que o futuro padre se tornasse um exorcista reconhecido pelas comunidades ao redor de Santena. A análise realizada por Levi é fundamental para este trabalho, principalmente no que concerne ao peso social da religião e da política. No entanto, não se trata de ficar limitado à “herança imaterial”; a proposta é de imbricar o “imaterial” com o material, ou seja, analisar como certas lideranças da Colônia alemã do Rio Grande do Sul conseguiram unir estes dois aspectos ao longo de suas vidas. Mesmo que o autor tenha como recorte espacial e temporal uma parte da Itália do século XVII, sua análise centrada na Micro-História serve de parâmetro. A título de síntese, sugere-se a leitura de uma parte da página 195, na qual Levi explicita e justifica sua escolha pela família Chiesa: “A história de Giulio Cesare Chiesa [o pai] mostra, ao contrário, a atividade concreta de um empreendedor político local, que desenvolve uma ação transformadora das regras reguladoras de uma sociedade de ordens, através da realização de uma carreira individual e de atividade inovadora, ocupando os espaços deixados pelas regras imprecisas e contraditórias desta sociedade aparentemente estruturada em instituições rígidas. Giulio Cesare Chiesa era uma espécie de pequeno líder, de funcionário de aldeia, em cansativa atividade de mediação entre o Estado e a comunidade, entre os diversos feudatários e entre os camponeses e os senhores. Sua riqueza advinha das redes de relações que possuía. O dinheiro era investido não em terras e no comércio, mas no problema, ainda indefinido, de manter e aumentar um prestígio que não era totalmente reconhecido pelas leis e pelos usos, e no problema de transmitir para as gerações sucessivas um patrimônio fluido, feito de relações e de posições instáveis, uma herança feita de reservas concretas mas imateriais” Ver, também, do mesmo autor e obra, o último parágrafo da página 190, na qual ele tece comentários semelhantes. 23 O título desta Tese faz referência a dois conceitos: política e imigração. Ambos emolduram os sete capítulos que abordam o cotidiano de imigrantes alemães e seus descendentes no Rio Grande do Sul do século XIX. Deve-se informar, de imediato, que a introdução ora apresentada não corresponde de forma perfeita ao projeto que foi apresentado à Banca de Seleção. A pretensão de analisar a história de chefes locais alemães e nacionais2 esmoreceu face à dimensão do objeto e às dificuldades que decorreriam de dar conta desta proposta, resultando numa pesquisa mais modesta, a qual precisou enquadrar-se às exigências dos órgãos de fomento. Isso significa que a pesquisa e posterior escrita da Tese ficaram centradas nos colonos alemães “exponenciais”,3 tanto imigrantes quanto descendentes, sem prejuízo do diálogo que essas lideranças estabeleceram com seus vizinhos nacionais. Por outro lado, as modificações relativas ao objeto não tocaram nas categorias de espaço e tempo, as quais continuaram sendo o mega-espaço São Leopoldo - Litoral Norte do Rio Grande do Sul (mega-espaço SL-LNRS); e o século 2 O termo “nacional” será usado neste texto para designar os descendentes de portugueses e açorianos, bem como os demais elementos caracterizados como “brasileiros” (escravos libertos, por exemplo) e “colono alemão” (ou simplesmente “colono”) para os imigrantes alemães e seus descendentes. Embora se saiba que a Alemanha surgiu como Estado unificado somente em 1871, quando Otto von Bismarck reuniu sob seu comando reinos e principados de língua alemã, usaremos o termo “alemão” para identificar os imigrantes que vieram ao Brasil antes desta data. Deve-se reconhecer, no entanto, que o termo “nacional” desqualifica o filho do imigrante, situação que perdurou até 1881, quando a Lei Saraiva permitiu o ingresso destes homens na política de forma mais intensa. Não obstante generalizar o termo “alemão” para católicos e protestantes (evangélicoluteranos), a pesquisa ficou centrada na análise deste último grupo. 3 O conceito de “exponencial” foi cunhado em minha Dissertação para designar os colonos alemães que se destacaram no plano sócio-econômico-político. Como não faziam parte da elite que se originou da imigração e colonização açoriana e portuguesa, optou-se por conceituá-los desta forma. Os “exponenciais” identificados e analisados neste trabalho tampouco integram a elite alemã intelectual e/ou de grande destaque econômico, como o jornalista e político von Koseritz. Ao contrário, são personagens de uma camada média que negociava interesses próprios, entremeados com as solicitações dos que estavam socialmente abaixo, com a elite culta e rica tanto nacional, quanto alemã. A aproximação maior com o conceito se dará ao longo do trabalho, quando as características dos “exponenciais” virão à tona. O dicionário Aurélio usou a seguinte frase para definer um dos significados de “exponencial”: “Charles Chaplin é um vulto exponencial do cinema”. Neste caso, adaptou-se a conotação cultural para a sócio-econômico-político. Ver: WITT, Marcos Antônio. Política no Litoral Norte do Rio Grande do Sul: a participação de nacionais e de colonos alemães – 1840-1889. São Leopoldo, 2001. Dissertação [Mestrado]. História da América Latina. Programa de 24 XIX, limitado aos anos de 1824, data emblemática para a imigração alemã no Rio Grande do Sul por simbolizar o ingresso dos primeiros imigrantes em solo riograndense, e 1889, quando o cenário político brasileiro, e também rio-grandense, adquiriu novas feições com o advento da República. As duas datas são entendidas como marcos políticos, quer seja na dimensão Império/República ou na cronologia da história da imigração: 1824 como início e os anos de 1880 como década de conquistas de direitos (a Lei Saraiva, por exemplo, de 1881). A categoria “mega-espaço SL-LNRS” justifica-se à medida que dá suporte para toda a estrutura do trabalho.4 Em vez de se analisar um núcleo colonial específico, optou-se por ampliar o espaço e investigar como os agentes históricos circularam por ele. Defende-se a idéia de que barreiras naturais, como rios e serra, foram transpostas e não impediram que homens carregados de mercadorias e desejos trilhassem os mais distantes caminhos para comprar, vender e matar a fome real e/ou intelectual que os motivava a andar. De São Leopoldo, e por diversas razões, famílias viram-se obrigadas a ampliar o universo colonial, partindo em busca de novas terras. Considerando que esse movimento ininterrupto foi vital para a colonização do Rio Grande do Sul, a proposta de se debruçar sobre o estudo de Pós-Graduação em História – UNISINOS, 2001; FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo dicionário da língua portuguesa. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1986, p. 744. 4 Parte do mega-espaço SL-LNRS correspondia, aproximadamente, ao 1º e 2º distrito de São Leopoldo, criados em 8 de outubro de 1846 pela Câmara Municipal da recente Vila, tendo como limites ao norte as cidades de Ivoti e Dois Irmãos, e ao leste, a de Taquara. Em 1923, a cidade contava com oito distritos, distribuídos da seguinte forma: 1º São Leopoldo; 2º Novo Hamburgo; 3º Bom Jardim (Ivoti); 4º Dois Irmãos; 5º Sapiranga; 7º Sapucaia e 8º Boa Vista do Herval. Neste caso, somente o 8º distrito estaria fora dos limites do mega-espaço SL-LNRS, além do próprio litoral. Ver: PORTO, Aurélio. O trabalho alemão no Rio Grande do Sul. Porto Alegre: Estabelecimento Gráfico Santa Terezinha, 1934, p. 146-147; PETRY, Leopoldo. O município de São Leopoldo no ano do 1º centenário da Independência do Brasil. São Leopoldo: Rotermund, 1923, p.12. 25 uma única Colônia5 parece não ser suficiente para responder às questões aqui colocadas. Figura 1: Mapa do mega-espaço São Leopoldo-Litoral Norte do Rio Grande do Sul (SL-LNRS) 5 Quando escrito com a inicial em maiúsculo, o termo “Colônia” designa o empreendimento agrícola onde colonos foram assentados, o qual, com o tempo, foi elevado à categoria de vila e cidade. Por sua vez, quando for redigido com a inicial em minúsculo, “colônia” terá seu significado vinculado à propriedade territorial recebida pelo imigrante onde morou, trabalhou e retirou sua subsistência. Dessa forma, a Colônia era dividida em muitas colônias. 26 A experiência de Levi, ao perseguir a trajetória de famílias camponesas de Santena, serviu de inspiração para este exercício. De acordo com o autor, o deslocamento dessas pessoas por uma região sensivelmente maior do que a sua propriedade garantiu “uma fonte continuamente renovada de mão-de-obra e de instrumentos de trabalho, de conhecimentos técnicos e fidelidade política, de disciplina e de estabilidade”.6 Assim, a escrita deste trabalho está intimamente ligada à idéia de ampliação de espaço, como se o pesquisador estivesse planando sobre a região delimitada para estudo e pudesse observar a circulação dos agentes históricos por ele analisados. Relacionar política e imigração requer esforço. Ainda persiste, em parte da historiografia, a idéia de que os alemães não se envolveram com política ou que foram vítimas inocentes das promessas infundadas, da legislação excludente ou dos ditames de Getúlio Vargas. Defende essas idéias, por exemplo, o historiador Elio Müller, cujas obras se referem exclusivamente à Colônia de Três Forquilhas, instalada no LNRS, em 1826. O autor considera o isolamento como a causa do seu fracasso. Carlos Hunsche, por ter recebido informações de Müller, repete este equívoco, principalmente quando se reporta à colonização de São Pedro de Alcântara e Três Forquilhas. E Adonis Fauth analisa de forma simples a relação dos imigrantes com a legislação, não percebendo que buscaram alternativas para os impedimentos encontrados na lei. 6 LEVI, op. cit. p.108. Como a idéia de “mega-espaço” está intimamente ligada ao conceito de “espaço”, buscaram-se as análises de Milton Santos sobre essa categoria, a fim de respaldá-la teoricamente. Milton Santos é um dos nomes de maior expressão da geografia humana, que sintetiza a natureza e o homem, relacionando-os entre si. Ver: SANTOS, Milton. Por uma geografia nova: da crítica da geografia a uma geografia crítica. 4.ed. São Paulo: HUCITEC, 1996. Agradeço à sugestão da professora Eloísa Helena Capovilla da Luz Ramos, da UNISINOS, que me aconselhou a ampliar o espaço da pesquisa e extrapolar os limites do LNRS. 27 Pode-se citar, também, os autores que majoritariamente compilaram informações, como Aurélio Porto e Jean Roche, os quais dedicaram pouco espaço em seus livros para o cruzamento de dados, exercício que permitiria novas leituras sobre a imigração. Quiçá não teriam difundido de forma tão marcante os conceitos de isolamento e abstencionismo político em referência aos imigrantes e seus descendentes.7 Contrapondo-se à aridez dos números, Levi defende que as estruturas familiares, os mecanismos protetores da caridade e da clientela e uma certa rede de amizades, vínculos e proteções deviam preencher um quadro que os cálculos estritamente econômicos representavam apenas de maneira parcial e distorcida.8 É preciso definir, ainda, o que se entende por historiografia clássica da imigração alemã: enquadram-se nesse grupo aqueles que se esmeram na louvação étnica, na qual as características de um grupo se sobrepõem aos demais componentes da sua história. É de fundamental importância para esta historiografia destacar os termos “civilizado”, “ordeiro” e “trabalhador”, dentre outros, e suprimir tudo aquilo que poderia macular a imagem dos imigrantes e de seus descendentes. Ao contestar essas idéias, o presente trabalho tem a pretensão de derrubar mitos ou, no mínimo, balançá-los no sentido de mostrar que entre submeter-se à legislação e encontrar alternativas para a prática cotidiana foram necessários ajustes, concessões e conflitos.9 A crítica de Levi sobre a visão que se tem do 7 MÜLLER, Elio Eugenio. Três Forquilhas (1826-1899). Fase de formação da colônia. Curitiba: Fonte, 1992; MÜLLER, Elio Eugenio. Três Forquilhas (1900-1949). Tempos de República. Curitiba: Italprint, 1993; HUNSCHE, Carlos Henrique. O biênio 1824/25 da imigração e colonização alemã no Rio Grande do Sul (Província de São Pedro). 2.ed. Porto Alegre: A Nação, 1975; HUNSCHE, Carlos Henrique. O ano 1826 da imigração e colonização alemã no Rio Grande do Sul. Porto Alegre: Metrópole, 1977; FAUTH, Adonis Valdir. Naturalização e cidadania do colono alemão no século XIX. In: ARENDT, Isabel Cristina; WITT, Marcos Antônio (Orgs.). História, cultura e memória: 180 anos de imigração alemã. São Leopoldo: Oikos, 2005, p.63-74. 8 LEVI, op. cit., p.96. 9 A análise dos conflitos como meio de articulação grupal tem como referência fundamental a Tese de Doutorado de Marcos Justo Tramontini, citada e comentada ao longo deste trabalho. Para maiores 28 mundo rural do século XVII é válida para se pensar a realidade colonial do Rio Grande do Sul do século XIX: a opinião corrente é a de que este mundo era imóvel, defensivo, conservador, fragmentado pela ação de forças totalmente externas, e incapaz de, por si só, engendrar iniciativas autônomas e, portanto, dedicado tão-somente ao esforço para se adaptar e repropor continuamente uma racionalidade própria, que se tornava progressivamente anacrônica e falha.10 Durante a pesquisa e posterior escrita da Dissertação11, surgiram pequenas, mas concretas, divergências com autores que se reportaram à imigração alemã. Um estudo de caso – impactante – envolveu litorâneos do LNRS numa ousada tentativa de expulsão de duas autoridades proeminentes em julho de 1879: o juiz de direito Paulino Rodrigues Fernandes Chaves e o juiz municipal e de órfãos Alexandre Correia de Castro. Participaram deste episódio representantes da política liberal estabelecidos na Colônia protestante de Três Forquilhas12, tendo presença marcante o Major Adolpho Felippe Voges e o professor Seraphim Agostinho do Nascimento. O contato íntimo com a documentação, costurada a outras fontes, permitiu o desenvolvimento de um trabalho que demonstrou a participação política dos colonos alemães, mesmo que estivessem legalmente impedidos. Para se chegar a esta conclusão, foi preciso transcender o campo da política partidária e ampliar o conceito, pensando-o como política que permite inserção social, reconhecimento pelo grupo – par ou estranho – e luta por direitos que garantam conquistas tanto para o grupo minoritário (“exponenciais”) quanto para a maioria dos colonos. Segundo Bobbio, Matteucci e Pasquino, política transcende o detalhes, ver: TRAMONTINI, Marcos Justo. A organização social dos imigrantes: a colônia de São Leopoldo na fase pioneira (1824-1850). São Leopoldo: UNISINOS, 2000. 10 LEVI, op. cit. p. 43. 11 WITT, op. cit., 2001. 29 sistema político partidário. Para eles, o termo amplia-se, envolvendo, inclusive, o sociável e o social. Rémond aproxima-se dessa idéia, ao afirmar que o político tem relações com os outros domínios: liga-se por mil vínculos, por toda espécie de laços, a todos os outros aspectos da vida coletiva. O político não constitui um setor separado: é uma modalidade da prática social. As pesquisas sobre o abstencionismo, os estudos sobre a sociabilidade, os trabalhos sobre a socialização, as investigações sobre o fato associativo, as observações sobre as correspondências entre prática religiosa e comportamento eleitoral contribuem para ressaltar tanto a variedade quanto a força das interações e interferências entre todos esses fenômenos sociais.13 Por sua vez, a assertiva de Max Weber sobre política define o comportamento dos agentes históricos aqui analisados. O autor define política como “a aspiração a participar no poder ou a influir na distribuição do poder entre os diversos estados ou, dentro de um mesmo Estado, entre os diversos grupos de homens que o compõem”.14 A ampliação do conceito de política rasgou o véu, redimensionando o espaço social dos colonos alemães. Para Tramontini, não se pode “concordar com a interpretação de que a vida na colônia foi marcada pela apatia política, por um isolamento individualista, senão anti-social dos colonos, como 12 Sobre a expulsão dos juízes, maiores detalhes podem ser conferidos no Capítulo 3.1 da Dissertação. Ver: WITT, op. cit., 2001. 13 Ver, respectivamente: BOBBIO, Norberto, MATTEUCCI, Nicola e PASQUINO, Gianfranco. Dicionário de política. Brasília: Editora da Universidade de Brasília, 1986, p. 954-962; e RÉMOND, René. Uma história presente. In: RÉMOND, René (Org.). Por uma história política. Rio de Janeiro: UFRJ, FGV, 1996, p. 13-36; p. 35-36. 14 Cf. WEBER, Max. O político e o cientista. Lisboa: Presença, 1979, p. 9. O autor, ao discorrer sobre etnicidade, relaciona este conceito com o de política. De acordo com Weber, “a crença na afinidade de origem – seja esta objetivamente fundada ou não – pode ter conseqüências importantes particularmente para a formação de comunidades políticas... A comunhão étnica não constitui, em si mesma, uma comunidade, mas apenas um elemento que facilita relações comunitárias. Fomenta relações comunitárias de naturezas diversas, mas sobretudo, conforme ensina a experiência, as políticas”. WEBER, Max. Economia e sociedade. Brasília: UNB, 1994, v.1, p. 270 [grifo nosso]. 30 a que perpassa significativa parcela da bibliografia”. Mesmo aqueles que não conseguiram se sobressair encontraram na representação o canal mais viável para reclamar, de tudo e a todo instante, o que consideravam de direito.15 Se, por um lado, chegou-se à conclusão de que colonos alemães tiveram participação política maior do que parte da historiografia apontou, que souberam driblar eventuais entraves e tomaram os conflitos como elemento fundamental para se fazer ouvir, abriram-se novas constelações de curiosidade, dúvidas e inquietações. Refiro-me às vias de acesso e aos pilares de sustentação. Dito de outra forma, quais foram os meios utilizados pelos colonos para chegar à política, para ocupar espaços teoricamente não-destinados a eles? Como se tivesse dado um passo para trás, a pesquisa atual que resultou na elaboração deste trabalho trouxe resultados que permitiram tentar responder a esta e às outras questões, todas interligadas à política no século XIX. Decorre deste exercício o contínuo embate com autores que propagaram a existência do isolamento, forjando a falsa idéia de que os colonos tiveram características diferentes uns dos outros por estarem mais ou menos distantes dos centros mais urbanizados e/ou consumidores. Por essa análise, São Leopoldo deu certo porque comunicava-se facilmente com Porto Alegre através do rio dos Sinos, enquanto São 15 Hill estabeleceu ligação entre o conceito de representação e o de patriarcalismo. Para o autor, o chefe da casa, da indústria ou da fazenda (muitas vezes o mesmo homem) era aquele que possuía as condições para representar os que estavam sob o seu domínio. Embora o autor se refira ao século XVII, a estrutura familiar patriarcal alcançou o século XIX atuando praticamente da mesma forma e com as mesmas personagens, possibilitando, então, que eu me aproprie do conceito para analisar a sociedade colonial, especialmente a relação estabelecida entre representados e representantes. Da mesma forma, Canêdo vê o político como o ser que representa, quer como mediador entre o município, o Estado e o Governo Central, ou como protetor dos seus, distribuindo favores concretos, como cargos públicos, ou simbólicos, como a defesa da honra. Ver: HILL, Christopher. Os pobres e o povo na Inglaterra do século XVII. In: KRANTZ, Frederick (Org.). A outra história: ideologia e protesto popular nos séculos XVII a XIX. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1988, p. 34-53; CANÊDO, Letícia Bicalho. Caminhos da memória: parentesco e poder. Revista de Pós-Graduação em História da Universidade de Brasília, v.2, n.3, p. 85-122, 1994; TRAMONTINI, op. cit., 2000; p. 305. 31 João das Missões, São Pedro de Alcântara e Três Forquilhas não prosperaram porque estavam geograficamente isoladas, sem canais de comunicabilidade que garantissem escoamento de produção e troca/manutenção de identidade grupal. Figura 2: Mapa das Colônias de São Leopoldo, São Pedro de Alcântara e Três Forquilhas 32 Em primeiro lugar, deve-se destacar que o cotidiano teve enorme peso nas atitudes dos colonos. Antes de serem alemães, agricultores ou artesãos, os imigrantes eram pessoas que precisavam suprir necessidades básicas e recompor estrutura social. Benito Schmidt, ao biografar a vida de Antônio Guedes Coutinho, considerou que a “vida cotidiana” seria capaz de representar seu biografado, ao invés de destacar somente a sua “trajetória singular”.16 Não se pode ser ingênuo e pensar que fatores como origem étnica e idioma tenham se colocado como impedimento para as lutas mais do que imprescindíveis para a nova etapa de suas vidas, agora em solo brasileiro. O contato com autoridades dos diversos escalões da burocracia imperial de imediato os alertou para a chave que resolveria as questões que surgiam no dia-a-dia: era preciso dialogar e ocupar espaço. Por conseguinte, todos os passos e todas as atitudes destes imigrantes foram marcados por participação política, mesmo que não se possa caracterizá-los de partidários, no sentido que hoje se atribui ao termo. Não é insensato afirmar que o cotidiano foi forjado e cunhado por luta política.17 Autores que optaram por estudar os anos iniciais da colonização alemã no Rio Grande do Sul destacaram a constante luta pelos direitos, o surgimento de conflitos que não provinham apenas do alcoolismo e o rápido posicionamento 16 Cf. Schmidt: “O que era para ser uma conversa entre um vivo e um morto transformou-se em uma ensurdecedora miscelânea de sons. A maneira de transformar esta barulheira em melodia foi definir uma perspectiva de análise: aquela que me pareceu mais adequada foi a da vida cotidiana. Desta forma, pensava evitar as distorções comuns dos biógrafos que investigam apenas os fatos destacados de uma trajetória singular, sem levar em conta que os homens passam a maior parte de sua existência imersos nas rotinas e nas atribuições da vida diária”. Ver: SCHMIDT, Benito Bisso. Um socialista no Rio Grande do Sul: Antônio Guedes Coutinho (1868-1945). Porto Alegre: UFRGS, 2000, p. 14. 17 Cf. SIRIANI, Silvia Cristina Lambert. Uma São Paulo alemã: vida quotidiana dos imigrantes germânicos na região da capital (1827-1889). São Paulo: Arquivo do Estado, Imprensa Oficial do Estado, 2003. 33 partidário, evidente com a Revolução Farroupilha, a partir de 1835.18 Da mesma forma, ao analisar a disputa pastoral entre os primeiros pastores estabelecidos em São Leopoldo, ficou mais do que evidenciada a presença da política em suas manifestações. Os três líderes espirituais, desde o desembarque no Brasil, tiveram o dia-a-dia pautado por ações que não se limitaram ao universo religioso. A briga pelo cargo de pastor titular em São Leopoldo, a ferrenha disputa para estabelecer residência junto à Colônia-Mãe, o engajamento partidário de João Jorge Ehlers e Frederico Cristiano Klingelhoeffer na Revolução Farroupilha, e a opção de Carlos Leopoldo Voges em aderir à bandeira liberal, consolidada na pessoa de seu filho Adolpho, que se tornou chefe político liberal no LNRS, atestam que esses religiosos tinham olhar aguçado para a realidade que os circundava. Da igreja e do púlpito, ampliaram suas atividades, chegando ao campo da economia e da política. Porém, como se comportaram os colonos que não eram padres ou pastores? A maioria percebeu que os canais de representação eram uma boa opção para lutar por seus direitos. O apoio e também as discordâncias dos colonos formaram a base de sustentação dos “exponenciais”. Receber procuração, encaminhar requerimentos, servir como testemunha, indispor-se com autoridades, tudo isso moldou a imagem dos colonos que se destacaram na economia e na política. Era a eles que a maioria recorria quando precisava de favor, esclarecimento, empréstimo, enfim, de auxílio. Mas, e quanto aos “exponenciais”, de que modo conseguiram inserir-se na sociedade luso-brasileira? Dando continuidade à pesquisa, percebeu-se que os velhos arranjos matrimoniais também foram usados como ferramenta de alavancagem social pelos colonos “exponenciais”. A rede grupal 18 Ver: TRAMONTINI, op. cit., 2000. 34 de apoio foi arquitetada e mantida a partir de batismos e casamentos, pois o convite para ser padrinho e o encaminhamento por vezes sutil de jovens para se casar com pretendentes escolhidos cristalizavam-se como a rocha firme que selaria laços e promoveria o crescimento econômico-político-social das parentelas envolvidas. Os estudos voltados à prosopografia auxiliaram no desenvolvimento desta parte da Tese, servindo como orientação teórica. Embora o trabalho não siga estritamente as recomendações desse campo investigativo, as ferramentas de análise usadas pelos diversos autores que se valeram da prosopografia constituíram-se em instrumentos valiosos quando a espinha dorsal da Tese foi definida, isto é, tentar recompor a trajetória das parentelas Diefenthäler-Voges no Rio Grande do Sul do século XIX. Também não se trata aqui de uma história das elites, mesmo que os agentes históricos colocados em evidência sejam caracterizados de “exponenciais”. Haveria o risco de se reafirmar a “velha história das elites, heróica e heroicizante”, da qual buscou-se fugir. Por outro lado, se reconhece o fascínio que o poder tem sobre os historiadores. Neste caso, “analisar as elites [ou grupo semelhante] é procurar a fundo penetrar em um dos meios que detêm o poder e conhecer seus mecanismos concretos”.19 Em relação aos casamentos e apadrinhamentos, não se deve pensar em micro-espaço. Ao contrário, acordos foram estabelecidos entre parentelas que 19 Como forma de se aproximar da prosopografia, ver: HEINZ, Flávio M. (Org.). Por outra história das elites. Rio de Janeiro: FGV, 2006, p. 10; 30. Sobre o conceito de prosopografia, de acordo com Stone, ela pode ser entendida como “a investigação das características comuns do passado de um grupo de atores na história através do estudo coletivo de suas vidas. O método empregado consiste em definir um universo a ser estudado e então a ele formular um conjunto de questões padronizadas – sobre nascimento e morte, casamento e família, origens sociais e posições econômicas herdadas, local de residência, educação e fonte de riqueza pessoal, ocupação, religião, experiência profissional e assim por diante [...]. O propósito da prosopografia é dar sentido à ação política, ajudar a explicar a mudança ideológica ou cultural, identificar a realidade social, descrever e analisar com precisão a 35 circulavam no mega-espaço SL-LNRS. Tomo como parâmetro os acordos firmados entre as famílias Diehl, Dreher e Voges, as quais celebraram uniões de matrimônio e batismo entre si, obrigando os parentes envolvidos a circular entre Porto Alegre, São Leopoldo e Três Forquilhas. Afora os sentimentos que perpassaram essas relações, foi de vital importância para as famílias manter vínculos estáveis e duradouros, os quais sustentaram, também, abertura, encaminhamento e consolidação de negócios. Neste caso, Diehl, Dreher e Voges uniram comércio e navegação como meio de garantir a continuidade de suas atividades. É lícito pensar que20, em visitas, festas e sepultamentos, as conversas devem ter contemplado os mais diversos temas, inclusive negócios. Para os “exponenciais”, política e economia não estavam dissociadas; para imigrantes e descendentes que abriram espaço no meio político, o crescimento e a consolidação econômica equiparavam-nos aos vizinhos nacionais. Isso explica, por exemplo, por que alemães tornaram-se proprietários de escravos.21 Compreende-se, de igual modo, a razão pela qual as vendas – estabelecimentos comerciais – foram vitais para a ocupação do lugar de líder na comunidade em que o vendeiro residia. Tornar-se comerciante garantia o acesso às estrutura da sociedade e o grau e a natureza dos movimentos que se dão no seu interior”. STONE, Apud HEINZ, op. cit., p. 9. 20 Aproprio-me da expressão “é lícito pensar”, de Ruy Ruben Ruschel, a qual expressa a idéia de que o historiador pode e deve se aproximar da intuição para tentar preencher os vazios deixados pela documentação. 21 Esta afirmação tem como fundamento os trabalhos de Magda Gans, Roland Spliesgart e Tramontini. De certa forma, incluo-me neste grupo, pois durante o Trabalho de Conclusão do curso de História (UNISINOS, 1998) e em pesquisas posteriores deparei-me com imigrantes alemães e descendentes que se tornaram proprietários de escravos. Em todos os casos analisados, os colonos que utilizaram mão-de-obra cativa tinham o objetivo de inserir-se na sociedade luso-brasileira como um “exponencial”, isto é, como alguém que conquistara lugar de destaque na economia e na política. Ver: GANS, Magda Roswita. Presença teuta em Porto Alegre no século XIX. Porto Alegre: UFRGS, Anpuh/RS, 2004; SPLIESGART, Roland. “Verbrasilianerung”und Akkulturation. Deutsche Protestanten im brasilianischen Kaiserreich am Beispiel der Gemeinden in Rio de Janeiro und Minas 36 informações e permitia sua posterior divulgação, com acréscimos ou supressões convenientes. Portanto, as vias de acesso e os pilares de sustentação que imigrantes alemães e descendentes usaram para conquistar espaço político, no sentido amplo da palavra, só podem ser compreendidos a partir do estudo do cotidiano. Compor a rede de relações estabelecidas entre imigrantes e descendentes com seus pares, mas também com seus vizinhos nacionais, talvez venha a se constituir em aspecto metodológico para a análise da imigração. Apesar de trabalhosa, essa é uma das formas de se obter visão geral, menos parcial, da circulação e dos contatos que agentes históricos estabeleceram ao longo do século XIX. Como metodologia, vem a proposta de recortar espaços múltiplos, com agentes históricos diversos, costurando espaço, homem e interesses numa única análise. Nesse caso, o folclorismo cederia lugar à análise crítica. A Colônia de São Leopoldo, por exemplo, que nasceu e viveu graças às relações estabelecidas com outros núcleos, como Porto Alegre e as novas Colônias, deixaria de ser apenas o “berço da imigração alemã no Rio Grande do Sul” para ser vista como um espaço que esteve em permanente contato com o mundo exterior, quer seja através das relações de amizade e de parentesco, de negócio ou até mesmo pelas guerras que de vez em quando sacudiam a Colônia. A Tese está dividida em quatro partes; as três primeiras com dois capítulos cada uma, e a última com um único capítulo de fechamento. A Parte I, intitulada “Cotidiano: religião e família”, aborda estes dois aspectos, servindo de base para o desenvolvimento do trabalho. No Capítulo I, “Disputa pastoral: em vez de espadas, bíblias”, deu-se ênfase à trajetória pastoral de Ehlers, Klingelhoeffer e Voges, os Gerais (1822-1889). Wiesbaden: Harrassowitz Verlag, 2006; TRAMONTINI, op. cit., 2000; WITT, op. 37 quais tiveram como objetivo a ampliação da atividade religiosa, o que permitiu que fossem analisados sob o prisma de colonos “exponenciais” que buscavam crescimento econômico e inserção política. Dito de outra forma, os três pastores não se limitaram ao capital simbólico, ampliando-o ao econômico e político. O próximo texto da Parte I, Capítulo II, analisa as relações de parentesco, consideradas aqui não só como expressão de sentimento entre pessoas, mas como acordos e tratados que visavam ao fortalecimento econômico-político das parentelas envolvidas. A Parte II da Tese – “Interesses certeiros I: investimentos econômicos” – compreende os Capítulos III e IV, nos quais são contemplados os investimentos que estes colonos conseguiram realizar ao longo do século XIX. Para a escrita do Capítulo III foi necessário um exame minucioso dos inventários, a fim de esmiuçá-los e detalhar, para o leitor, quais foram as atividades que proporcionaram enriquecimento a eles. Por sua vez, o Capítulo IV constituiu-se num exercício fatigante que foi o de tentar mensurar a riqueza dos colonos “exponenciais”. Para isso, foram confeccionadas diversas tabelas tomando-se como referência o total dos inventários e o preço de diversas mercadorias. O objetivo principal foi o de estabelecer vínculos entre o que o colono acumulou ao longo de sua vida e o quanto ele poderia comprar ou contratar com esse valor (total do inventário). A Parte III da Tese continua analisando as atividades econômicas dos colonos “exponenciais”. O título desta parte, “Interesses certeiros II: preferências econômicas”, insinua para o leitor que haverá certo direcionamento nesta questão. Se nos Capítulos III e IV foram mencionados praticamente todos os investimentos dos colonos, no Capítulo V o interesse esteve limitado às vendas em função de que cit., 2001. 38 elas foram vitais para o crescimento econômico e para a circulação de informações. O capítulo VI, por sua vez, explora atividades complementares à do comércio, como o transporte de mercadorias e produtos via fluvial ou terrestre. Sabe-se que vendeiros aliaram-se aos proprietários de embarcações para agilizar os seus negócios. Nesse caso, a família Diefenthäler-Voges também dedicou-se à navegação tanto no rio dos Sinos quanto nas lagoas do LNRS. Por último, na Parte IV da Tese – “Conflitos mil: articulação e enfrentamento” –, são contemplados os conflitos intra e extragrupo. No Capítulo VII, os desentendimentos dizem respeito à disputa pela terra e por pequenos cargos jurídico-burocráticos. Além de apresentar novos fatos, far-se-á uma breve releitura de alguns conflitos apontados ao longo da Tese. Na parte final do Capítulo VII, através de um subcapítulo, dar-se-á continuidade à temática, mas através de um estudo de caso, já investigado na Dissertação de Mestrado. Assim, ao retomar o processo que denunciou a tentativa de expulsão de dois juízes de Conceição do Arroio, quer-se aprofundar a análise, demonstrando que os colonos alemães foram conquistando espaço político-partidário ao longo do século XIX. Como resultado final e contribuição inovadora a ser defendida, pretende-se: a) relativizar a tese do isolamento, demonstrando que estradas às vezes intransitáveis não constituíram empecilho para a comunicação, principalmente quando se visava à articulação política e à conquista de cargos públicos; b) propor a análise do cotidiano e a costura das relações estabelecidas pelos colonos como metodologia para o estudo da imigração, isto é, avançar do micro-espaço (a Colônia de São Leopoldo) para o mega-espaço (como a Colônia de São Leopoldo se relacionou com outros núcleos de imigrantes/migrantes, por exemplo); c) e indicar 39 as vias de acesso e os pilares de sustentação que proporcionaram crescimento econômico e inserção política dos imigrantes alemães e descendentes. No conjunto, quer-se demonstrar que os “exponenciais” circulavam pelo mega-espaço SL-LNRS com o firme propósito de estabelecer alianças – matrimoniais e econômicas –, com o intuito de ocupar lugar de destaque na sociedade nacional. Para atingir os objetivos propostos, optou-se pela metodologia do estudo de caso, tomando-se duas famílias como parâmetro: Diefenthäler e Voges. Conforme Thompson, um detalhe, um documento, ou ainda outro fator aparentemente atípico podem revelar uma situação que representa o cotidiano de um grupo ou de uma vila. Loiva Félix comunga da mesma idéia, considerando o detalhe como uma possibilidade de pesquisa e trabalho. Pode-se citar, também, Antonio Candido: “o interesse pelos casos individuais, pelos detalhes significativos, constitui elemento fundamental neste estudo, elaborado na certeza de que o senso qualitativo é condição de eficiência nas disciplinas sociais”.22 Os casamentos e as relações estabelecidas por membros destas duas parentelas ao longo do século XIX formaram a espinha dorsal da Tese. No entanto, como afirmou Levi, “compreendese, sem dúvida, que o personagem central deste livro não seja[m]” as famílias Diefenthäler e Voges “nem mesmo a[s] comunidade[s] de” São Leopoldo ou Três Forquilhas, mas sim os conceitos de política e imigração para a realidade sulina do século XIX. Por outro lado, de acordo com o autor, “a história de [Voges e Diefenthäler] foi... não apenas o objetivo da narrativa, mas também o pretexto para a 22 THOMPSON, E. P. Folklore, Antropología, e História Social. In: Entrepasados. Revista de História. Buenos Aires, n.2, p. 63-86, 1992; FÉLIX, Loiva Otero. Historiografia política: impasses e rumos nas décadas de 1970-90. Logos. Revista de divulgação científica, Canoas, n.1, p. 5-11, mai. 1999; CANDIDO, Antonio. Os parceiros do rio Bonito. Rio de Janeiro: Livraria José Olympio Editoria, 1964, p. 5. 40 reconstituição do ambiente social e cultural da [Colônia]”.23 À espinha dorsal da Tese estão costurados todos os aspectos analisados, começando pela religião (disputa pastoral), passando pela economia e fechando com os conflitos. Portanto, mesmo que as partes e os capítulos reservem certa independência entre si e tenham expressiva densidade narrativa24, todos eles estão conectados pela estrutura central da Tese, ou seja, a união, o fortalecimento e a expansão da parentela DiefenthälerVoges. A estrutura da Tese teve inspiração em duas obras que refletiram sobre política e imigração: Presença teuta em Porto Alegre no século XIX, de Magda Gans, e O aviador e o carroceiro, de René Gertz. A primeira remonta ao século XIX e está dividida em duas grandes partes: uma que investiga a presença de alemães e descendentes na capital da província e outra que analisa o comportamento dessa comunidade, principalmente quando ela precisou ou optou por se mostrar à cidade. O segundo livro tem dez capítulos aparentemente desconectados entre si; porém, no conjunto, formam uma análise densa e profunda do relacionamento o qual descendentes de imigrantes alemães tiveram que travar no campo da “política, etnia e religião”, sobretudo na década de 1920.25 De certa forma, os sete capítulos apresentados na Tese poderiam ser verticalmente aprofundados, dando origem a novos e específicos trabalhos. Por outro lado, imperou a idéia de reuni-los e apresentá-los como um corpo capaz de retratar alguns aspectos da imigração alemã no Rio Grande do Sul. Portanto, a Tese deve ser lida com este olhar: o da costura, pela qual os diversos temas de cada capítulo se tocam e formam um único texto. 23 LEVI, op. cit., p. 26; 47. 24 Aproprio-me do termo “densidade narrativa”, de autoria do historiador René Gertz. 25 GANS, op. cit., p. 17; GERTZ, René E. O aviador e o carroceiro: política, etnia e religião no Rio Grande do Sul dos anos 1920. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2002. 41 Uma das características deste trabalho é a presença de um grande número de tabelas, as quais se justificam pela “densidade narrativa” que perpassa todos os capítulos. Dessa forma, os quadros estatísticos organizam as informações e facilitam a leitura. No que se refere às explicações e aos procedimentos sobre o trabalho, nem todos foram disponibilizados na Introdução; detalhes e notas que facilitam a compreensão foram deixados, propositadamente, para os respectivos capítulos. Do mesmo modo, apesar de o Capítulo VII abordar a temática dos conflitos, o leitor perceberá que em todos os demais há descrição e análise de situações conflituosas. No conjunto, elas querem demonstrar que o cotidiano foi pautado por disputas que perpassavam todos os níveis do social. Os arquivos e outras instituições freqüentados, bem como os fundos documentais que embasaram a pesquisa, encontram-se listados no item “acervos consultados”. Como os inventários constituíram-se num dos motores de propulsão da Tese, a identificação individual desses documentos foi descrita imediatamente após os fundos documentais, nos “acervos consultados”. Por conseqüência, o leitor não encontrará esses dados nas notas de rodapé de cada capítulo. A fim de facilitar a localização espacial ou explicitar as diversas modalidades com que certos nomes aparecem ao longo do trabalho, organizou-se um glossário e anexaram-se, ao longo e ao final da Tese, alguns mapas. Sobre a bibliografia, optou-se por dividi-la em “Referência Bibliográfica” e “Obras Consultadas”, pois o número de obras consultadas e citadas é relativamente extenso. Ainda sobre a escrita de nomes e sobrenomes, muitos deles estão descritos de várias formas, uma vez que se respeitou a grafia conforme apareceu no documento pesquisado. 42 Tabela 1: Estrutura da Tese Introdução PARTE I Capítulo I Capítulo II PARTE II Capítulo III Capítulo IV PARTE III Capítulo V Capítulo VI PARTE IV Capítulo VII Conclusão COTIDIANO: RELIGIÃO E FAMÍLIA Disputa pastoral: em vez de espadas, bíblias Relações de parentesco: incursão à teia INTERESSES CERTEIROS I: INVESTIMENTOS ECONÔMICOS Múltiplas atividades: a abertura do leque Capital econômico: mensuração, realidade e fantasia INTERESSES CERTEIROS II: PREFERÊNCIAS ECONÔMICAS Locus colonial privilegiado: a venda O esteio da venda: transporte fluvial e terrestre CONFLITOS MIL: ARTICULAÇÃO E ENFRENTAMENTO O esfacelamento do cristal PARTE I – COTIDIANO: RELIGIÃO E FAMÍLIA CAPÍTULO I – DISPUTA PASTORAL: EM VEZ DE ESPADAS, BÍBLIAS A cabeça é minha e eu faço o que bem entendo com ela e... Estes pastores precisam saber disto que eu não vou ficar dando dinheiro à toa e abaixando a cabeça para estes ditos pastores.26 A disputa pastoral entre João Jorge Ehlers, Frederico Cristiano Klingelhoeffer e Carlos Leopoldo Voges27 enquadra-se no rol de conflitos que caracterizaram a colonização alemã, sobretudo porque competiram pelos poderes econômico, político e simbólico. Tal concorrência pôde ser percebida na pretensão dos três pastores em fixar residência definitiva na Colônia de São Leopoldo e se estabelecer como líderes locais. Segundo Pierre Bourdieu, o simbólico permitiria conquistar o que é obtido pela força física ou econômica, “graças ao efeito 26 Cristiano Henrique Hoffmann, 1868. APERS – Processo-crime – autos 2934 – 1868 – São Leopoldo – Cristiano Henrique Hoffmann [réu]. 27 Tramontini abordou a disputa entre os três pastores sob a ótica profissional: “Em 1832, numa alteração da lei do orçamento de 1831, o pastor das Colônias voltaria a receber salário do governo imperial, o que abriu um debate e uma ferrenha disputa entre os possíveis candidatos”. Neste texto, pretende-se avançar na discussão e demonstrar que os líderes espirituais também se engalfinharam pelo domínio do capital simbólico que suas profissões representavam. Dessa forma, interesses econômicos, políticos e simbólicos perpassaram o duelo verbal dos três pastores. Ver: TRAMONTINI, Marcos Justo. Ehlers, Voges e Klingelhoeffer: a disputa. In: ELY, Nilza Huyer; BARROSO, Véra Lucia Maciel (Orgs.). Raízes de Terra de Areia. Porto Alegre: EST, 1999a, p. 209-212; p. 209. 44 específico de mobilização”, desde que os personagens envolvidos sejam reconhecidos pelos outros.28 Desta forma, o poder econômico, o político e o simbólico serão analisados conjuntamente, sem que haja degraus de hierarquia entre eles. No entanto, como se trata da análise de personagens que vêm carregados de forte carga simbólica, a palavra empenhada por cada um dos pastores tomou novas dimensões, se comparada aos demais líderes locais do espaço colonial, comprometidos tão somente com a economia ou com a política. No caso de Ehlers, Klingelhoeffer e Voges, houve o acréscimo do poder quase mágico da palavra: O que faz o poder das palavras e das palavras de ordem, poder de manter a ordem ou de a subverter, é a crença na legitimidade das palavras e daquele que as pronuncia, crença cuja produção não é da competência das palavras.29 Ainda, essa análise pode ser complementada com a assertiva de Levi: “a autoridade que provinha de sua posição de pároco acrescentava mais força a sua (pobre) pregação teórica”.30 As referências aos três pastores podem ser encontradas nos documentos relativos à imigração, mas também nas descrições que seus colegas redigiram a partir da segunda metade do século XIX. Um deles, o historiador Carlos Henrique Hunsche (mesmo que não tenha concluído os estudos teológicos), preocupou-se em descrever alguns dados biográficos sobre os religiosos evangélicos que deram início à fé protestante no Brasil. Segundo o autor, João Jorge Ehlers chegou a São Leopoldo em 6 de novembro de 1824, viúvo (sua esposa havia falecido antes da emigração para o Brasil), acompanhado dos filhos Maria Regina Georgina, Augusta 28 BOURDIEU, Pierre. O poder simbólico. Lisboa: Difel, 1989, p. 14. 29 BOURDIEU, op. cit., 1989; p. 15. 45 Francisca e Alexandre Constantino; Frederico Cristiano Klingelhoeffer em 17 de abril de 1826, casado, acompanhado da esposa Luisa Stapp e dos filhos Carolina, Joana Sofia, Jorge Carlos Herrmann, Augusta Carolina Elisa, Ernestina Guilhermina Hedwig e Emília; e Carlos Leopoldo Voges, em 11 de fevereiro de 1825, solteiro, dos quais apenas Ehlers e Klingelhoeffer parecem ter comprovado sua profissão.31 Ehlers permaneceu como pastor em São Leopoldo; Klingelhoeffer atendeu aos colonos situados na Costa da Serra e arredores (Campo Bom e Estância Velha); e Voges ficou na comunidade evangélica da Colônia de Três Forquilhas. Em virtude da morte prematura do pastor Klingelhoeffer, morto em combate durante a Revolução Farroupilha, nas proximidades de Triunfo/RS, no dia 6 de novembro de 1838, a análise da disputa pastoral terá continuidade apenas nas figuras de Ehlers e Voges.32 A competição dos três pastores por São Leopoldo foi significativa: os luteranos eram em maior número, a Colônia tinha possibilidade de prosperar e o contato com Porto Alegre era facilitado pelo rio dos Sinos. O projeto de colonização com sede em São Leopoldo previa o crescimento da Colônia e o cumprimento de algumas metas, como a ocupação do solo, a produção de alimentos e o fornecimento de homens para lutar nas possíveis guerras que envolviam o Sul do 30 LEVI, op. cit., p. 78. 31 De acordo com as informações apresentadas por Schröder, Ehlers foi “sacristão-mor na igreja de São Tiago em Hamburgo, foi ordenado com a concordância dos pastores dessa igreja e de seu Sênior e enviado como pregador de São Leopoldo”. Ver: SCHRÖDER, Ferdinand. A imigração alemã para o Sul do Brasil até 1859. Porto Alegre, São Leopoldo: Edipucrs, Unisinos, 2003, p. 68. [Tradução de Martin Norberto Dreher]. Baseado em Schröder, Prien também concluiu que Ehlers possivelmente chegou ao Brasil como pastor ordenado. “Não obstante, o agente Major Schaeffer foi solicitado a recrutar Ehlers como clérigo. Visto que numa carta ao governo com data de 05/04/1824 Schaeffer coloca como condição a ordenação de Ehlers, pode-se pressupor, junto com Schröder, com grande probabilidade que Ehlers emigrou para o Brasil como clérigo ordenado”. PRIEN, Hans-Jürgen. Formação da igreja evangélica no Brasil: das comunidades teuto-evangélicas de imigrantes até a igreja de confissão luterana no Brasil. São Leopoldo/RS: Sinodal; Petrópolis/RJ: Vozes, 2001, p. 51; nota 102. Quanto a Klingelhoeffer, os documentos que comprovam sua formação teológica serão 46 império.33 Assim, a disputa pelo pastorado em São Leopoldo foi além do desejo de ser o primeiro pastor da Colônia; crescer com ela, aumentar o rebanho de fiéis, ocupar o lugar junto aos maiorais da futura vila estiveram entre os objetivos de Ehlers, Klingelhoeffer e Voges. Porém, os problemas começaram justamente quando o presidente da província abriu apenas uma vaga de pastor titular. Essa oferta bateu de frente com as declarações dos três pastores contratados pelo Major Schäffer, segundo os quais o império, através de seu representante, havia assegurado a cada um a contratação para o cargo de pastor titular na Colônia a ser formada no Brasil. A alternativa encontrada, longe de contentar os interessados, foi a implementação do posto de segundo pastor, o qual ficaria como auxiliar e com uma remuneração menor, razão pela qual os futuros dirigentes espirituais da Colônia redigiram diversos requerimentos solicitando a sua nomeação e/ou permanência no pastorado, bem como que fossem equiparados à situação do titular. De pronto, João Jorge Ehlers foi instituído oficialmente como pastor principal com o dever de orientar espiritual e culturalmente os alemães estabelecidos na Colônia recém-formada. Como não houvesse justificativa por parte do governo explicando por que Ehlers foi escolhido e não os outros, supõe-se que o fato de ter sido o primeiro a chegar ao Brasil lhe desse o direito sobre seus concorrentes, o que é atestado na portaria de 23 de novembro de 1824 pela qual lhe foi atribuída a “gratificação” de 200$000, “à apresentados ainda neste texto. 32 HUNSCHE, op. cit., 1977; p. 487-489; HUNSCHE, op. cit., 1975; p. 221-222, 286-287. 33 Mariseti Lunckes constatou que esses mesmos motivos levaram o império a fixar colonos alemães na divisa das províncias do Rio Grande do Sul e de Santa Catarina, mais precisamente no Presídio das Torre, a partir de 17 de novembro de 1826. Ver: LUNCKES, Mariseti Cristina Soares. Um velho projeto com novos rostos: uma colônia alemã para a Ponta das Torres. São Leopoldo, 1998. Dissertação [Mestrado]. História da América Latina. Programa de Pós-Graduação em História – UNISINOS, 1998. 47 semelhança da Congrua dos nossos vigários”.34 Isso gerou reação por parte de Carlos Leopoldo Voges, que se viu diminuído com a condição de segundo pastor, o qual não somente estava subordinado ao titular, mas também recebia salário menor.35 Conforme resposta datada de 13 de setembro de 1825,36 Voges denunciou que estava sem receber há três meses e solicitou ordenado igual ao de Ehlers, que, no transcorrer de julho de 1824 até aquela data, teve seu salário aumentado de 100$000 para 400$000, conquista que foi obtida via requerimento, o qual foi respondido em 10 de fevereiro de 1825, com parecer favorável: “felizmente posso anunciar-lhe que as privações e faltas, de que se lamenta, acabam de ser remediadas... ordenou que se aumentasse a sua gratificação a quatrocentos mil réis em cada um ano”.37 A petição de Voges teve o aval do inspetor da Colônia de São Leopoldo, o qual testemunhou “o bom procedimento do suplicante” e a intranqüila relação de Ehlers com seus fiéis: “os colonos formam queixas freqüentes sobre os costumes dele”. Além do posicionamento favorável do inspetor, houve referência à 34 Revista do Arquivo Público do Rio Grande do Sul (Revista do APERS), n.15-16, set/dez 1924, p. 25. 35 Somente em 21 de novembro de 1825 o governo concedeu oficialmente a Carlos Leopoldo Voges o título de “Coadjutor ao Pastor Ehlers”, com a gratificação anual de cem mil réis. Cf. aviso de 13 de dezembro de 1825. Revista do APERS, op. cit., p. 169. Os desentendimentos entre os pastores foram contemplados por Tramontini em sua tese (páginas 153-164 e 223-226). Por óbvio, alguns documentos encontram-se repetidos neste trabalho, porém novas fontes foram acrescentadas e aprofundam a questão. Além disso, tomo a figura de Carlos Leopoldo Voges como espinha dorsal, uma vez que Klingelhoeffer e Ehlers desaparecem prematuramente do cenário colonial. Ao perseguir os passos de Voges, consegui chegar ao final do século XIX, incluindo neste período a chegada dos pastores “ordenados”, o que fez surgir novas pendengas envolvendo “ordenados”, “não-ordenados” e comunidades evangélico-luteranas. Como a análise de Tramontini ficou restrita aos três primeiros pastores, o avanço cronológico colaborou para o aprofundamento da questão. Por fim, concordo com o autor quando ele afirma que os desentendimentos entre os pastores extrapolou o assunto religioso, chegando ao plano político. Para reforçar essa afirmação, dei ênfase à disputa e à tentativa de fixação em São Leopoldo por parte das três autoridades eclesiásticas. Longe de se constituir uma réplica, a análise da disputa pastoral estendeu o marco cronológico dos conflitos, aprofundando, assim, a discussão em torno do tema. Ver: TRAMONTINI, op. cit., 2000. 36 Revista do APERS, op. cit., p. 48. 37 Revista do APERS, op. cit., p. 128. Lê-se nessa mesma obra que Ehlers primeiramente teve seu subsídio dobrado para 200$000; insatisfeito, solicitou 400$000 em 27 de novembro de 1824, p. 249. 48 “representação assinada por vários alemães da Colônia”, os quais “pedem [que] seja igualado o Ordenado do Pastor Carlos Leopoldo Voges ao que recebe o Pastor, que primeiramente foi para ali João Jorge Ehlers”.38 Embora os cargos estivessem definidos, pode-se perceber que Ehlers lutara por aumento na sua remuneração e que Voges pedira equiparação de condições tais quais as do seu superior, o que resultou na sua indicação para a Colônia de Três Forquilhas. A indicação de Carlos Leopoldo Voges para assumir a vaga pastoral junto aos colonos que seriam enviados à Colônia alemã das Torres pode ser encontrada no pronunciamento de 11 de outubro de 1826.39 Como o documento anterior estava datado de setembro de 1825, constata-se a demora das autoridades em resolver aquela situação, morosidade que poderia estar relacionada com o planejamento da instalação da Colônia das Torres, pois a equiparação salarial foi vinculada ao atendimento do futuro núcleo colonial: fiz insinuar ao mencionado Voges, que informaria bem seu requerimento caso quisesse fazer parte da colônia com a obrigação de ser seu pastor. Com efeito anuindo a minha insinuação, como se comprova com seu requerimento aqui anexo, e com a participação que a tal respeito me dirigiu o Tenente Coronel Francisco de Paula Soares, considero de justiça conceder-lhe S. M. o I. o Ordenado de quatrocentos mil réis enquanto se achar no exercício de pastor da referida Colônia das Torres.40 38 Revista do APERS, op. cit., p. 58. Segundo Schröder, Ehlers enfrentou dificuldades na Alemanha para exercer o pastorado devido à “tendência a se exaltar”. Problemas com a imigração (ocasionados pelo envolvimento com Schäffer), com os superiores eclesiásticos e demissão do cargo de sacristãomor atormentaram Ehlers antes de viajar ao Brasil. Entretanto, as inúmeras reclamações contra Ehlers também podem ser vistas como reação dos colonos à nova ordem (novo local de moradia, novos líderes locais e inúmeras promessas não cumpridas). Conforme Tramontini, isso tudo levou a conflitos que representavam articulação grupal e não manifestações isoladas. Neste caso, Ehlers havia sido escolhido como bode expiatório, afinal “as lideranças religiosas, assim como as administrativas, eram questionadas e disputadas, as legitimidades, as hierarquias internas, ainda não estavam constituídas ou instituídas”. Por outro lado, essas considerações não desmerecem o caráter político das atitudes e manifestações do pastor Ehlers. Ver: SCHRÖDER, op. cit., p. 68; TRAMONTINI, op. cit., 2000; p. 110-111; p. 164. 39 Revista do APERS, op. cit., p. 58-59. 40 A mesma insinuação foi dirigida ao médico Jorge Zingraf: “no caso de sujeitar-se o referido Jorge Zingraf a exercer sua profissão na Colônia das Torres, sou de opinião que S. M. o I. lhe conceda igual ordenado ao que percebe o Facultativo empregado na de S. Leopoldo”. Revista do APERS, op. cit., p. 49 Com o envio de Voges para Torres, as autoridades da província pretendiam resolver dois problemas: dar atendimento espiritual aos colonos que seriam deslocados para o Litoral Norte do Rio Grande do Sul (LNRS) e aliviar as despesas com São Leopoldo, pois seria “inadmissível sobrecarregar as enormes despesas da Nação, feitas com aquele estabelecimento, com mais quatrocentos mil reis além de igual quantia concedida desde sua fundação ao referido Pastor Ehlers”.41 Ao mesmo tempo em que a querela entre os dois pastores foi dirimida momentaneamente, e os alemães do LNRS receberam o acompanhamento de um líder espiritual a partir de 17 de novembro de 1826, precarizou-se o atendimento pastoral em São Leopoldo, pois, com a saída de Voges, Ehlers viu-se obrigado a atender aos fiéis sem a cooperação de um assistente. As dificuldades enfrentadas tanto pelo pastor quanto pelos colonos que se viam distanciados do atendimento espiritual e educacional podem ser percebidas no relatório do presidente da província escrito após sua visita à Colônia, em 1826, antes que parte deles se dirigissem a Torres. Em especial sobre a freqüência escolar, o relator observou que: E quanto ao objeto da Escola, havendo esta sido colocada junto a antiga Feitoria apenas é, e pode ser freqüentada pelos alunos filhos dos Colonos estabelecidos aquém do Rio dos Sinos, e nunca pelo dos que se acham datados além do dito Rio; inconveniente que nem provém da omissão dos Colonos, nem se poderá remediar-se sem que seja criada outra Escola, que parece não convir por ora, atentas as grandes despesas consignadas à manutenção da Colônia.42 Junto à incumbência de zelar pela educação das crianças vinha a responsabilidade de manter a Colônia em paz, o que não deve ter sido tarefa fácil visto as inúmeras queixas das autoridades em relação aos “embriagados” e “desocupados”, que a toda hora provocavam desarmonia entre os colonos. A 66-67. 41 Revista do APERS, op. cit., p. 58. 50 portaria de 17 de novembro de 1825 admoestou o inspetor da Colônia, José Thomaz de Lima, a tomar providências nesse sentido e ordenou que este entregasse “ao Pastor Voges essa portaria, que diz respeito, e interessa a muitos dos colonos, para a publicar na ocasião da reunião dos colonos”.43 Assim, a tentativa de apaziguar os ânimos entre os pastores acabou resultando no benefício dos colonos que foram para Torres, mas tornando precário o atendimento que era oferecido aos que permaneceram em São Leopoldo. O embate entre os pastores Ehlers e Voges não deixa dúvidas sobre a capacidade de articulação dos dois. Solicitar equiparação de título, por um lado, e pedir aumento salarial, por outro, fez parte de uma estratégia maior a qual teve como meta final ocupar cargo de liderança na Colônia de São Leopoldo. Essa capacidade de articulação transpareceu na insistência dos pedidos e na valorização do serviço prestado, o qual, segundo eles, tinha origem na contratação realizada ainda em solo europeu, quando o governo imperial, através dos seus representantes, comprometeu-se a cumprir com as promessas de liberdade para o exercício da profissão, mesmo sem ser a religião oficial, e pagamento de salários. O pedido reiterado de Voges para que lhe fossem pagas as diferenças entre o subsídio recebido pelos colonos e aquele que havia sido combinado para os pastores exemplifica como esses líderes ocuparam seus espaços e construíram os capitais materiais e simbólicos no Brasil. De acordo com o documento de 24 de outubro de 1826, portanto, menos de um mês antes de chegar em Torres, Voges solicitou o pagamento dessas diferenças: 42 Revista do APERS, op. cit., p. 62. 43 Revista do APERS, op. cit., p. 165. 51 Quando o suplicante chegou a esta Colônia não foi na qualidade de Pastor, é verdade que fazia os ofícios do Pastor, e ensinava a mocidade, porém vencia o subsídio que vence um simples colono, até que S. M. I. lhe concedeu ficar Coadjutor do Pastor Ehlers com cem mil reis de Ordenado, por isso ignoro quais sejam os onze meses que ele diz se lhe devem, pois antes de S. M. I. lhe conceder o ordenado que menciono sempre recebeu o subsídio que é costume dar-se a cada Colono, e depois tem recebido constantemente o seu Ordenado.44 É lícito pensar que, por volta do segundo quartel do século XIX, a obtenção de rendimentos maiores também colocava o possuidor desta quantia num outro patamar, um tanto acima da maioria que recebia apenas o subsídio destinado à imigração. A semelhança dos ordenados fixados para o pastor titular – 400$00 – e para o inspetor – 600$00045 – aproximava as duas atividades no que tange ao dever de representar os governos provincial e imperial junto à população, os quais eram revestidos de poder para exercer aquilo que lhes fora oficialmente designado. Os salários recebidos pelos professores em Conceição do Arroio, no ano de 1844, 600$00, em Vacaria e Santo Antônio da Patrulha, no ano de 1845, 400$00, e pelo juiz municipal e de órfãos em Santo Antônio da Patrulha, neste mesmo ano, 400$00, ratificam a explanação anterior, nivelando as autoridades pelo rendimento que recebiam.46 Porém, mesmo com rendimentos maiores e afastando o possível concorrente para o LNRS, os problemas relacionados aos fiéis continuaram assombrando o pastor Ehlers e estremecendo a concretização do projeto de tornar- se líder local inconteste. Os diversos documentos referentes aos anos de 1825 e 44 Revista do APERS, op. cit., p. 214. Spliesgart relatou com detalhes as reclamações do pastor Friedrich Oswald Sauerbronn, instalado em Nova Friburgo, RJ, em relação a salário, moradia e demais condições de trabalho. Conforme o autor, a maioria das promessas feitas a Sauerbronn não foram cumpridas pelo império, o que gerou lamentações infindáveis por parte do pastor. Ver: SPLIESGART, op. cit., p. 185-195. 45 O salário do inspetor da Colônia de São Leopoldo é referido na página 169. Ver: Revista do APERS, op. cit. 46 Arquivo Histórico de Santo Antônio da Patrulha – Câmara de vereadores – Livro 3 (p. 11/verso e p. 52 1826 denunciam as adversidades que o pastor enfrentou para manter-se no cargo: além de conflitos verbais, sua casa foi arrombada e “roubado sete dobrões espanhóis, um relógio, e seis facas de cabo de marfim”.47 Assim, a violência transcendeu o mundo dos discursos e chegou ao plano físico, atingindo ao mesmo tempo a residência e a figura do próprio pastor, ao permitir que questionassem a versão narrada por ele: “Muitas pessoas dizem que isto foi feito, ou mandado fazer por ele”.48 Dessa forma, a portaria de 3 de julho de 1825, assinada pelo inspetor da Colônia de São Leopoldo, José Thomaz de Lima, deixou transparecer que havia se instalado um quadro de desconfiança entre o pastor e alguns de seus fiéis. O inspetor foi favorável à versão do pastor, ao concluir que a casa realmente fora arrombada. Como autoridade, solicitou ao “Comandante da Polícia para vigiar sobre os Colonos que daqui vão com licença a ver se alguns trocam alguns dobrões, ou vendem o relógio, e mesmo as facas”.49 Pelo relatório do dia 15 do mesmo mês, percebe-se que o inspetor agira corretamente inocentando o pastor, pois a prisão dos colonos Lischer e Schenemann elucidou quem foram os autores do roubo. Porém, no final de agosto, Ehlers viu-se enredado numa outra situação violenta, a qual também expôs os limites de sua atuação. De acordo com o que narrou ao inspetor da Colônia, à “meia noite pouco mais ou menos aconteceu arrombarem a porta... para lhe darem pancadas”.50 O arrombador seria o cirurgião Hensel, o qual fez um relato detalhado dos últimos acontecimentos relacionados ao pastor: Exmo. Sr. O Pastor Ehlers com as suas diárias intrigas, e patifarias (as quais não relato a V. Exça. por serem muitas e muito ridículas) tem indisposto de tal sorte aos colonos em geral, que não há um só que não seja seu inimigo, e isto que aconteceu, eu já receava que acontecesse, pois 12-13, p. 13/verso e p.14, p. 14/verso, p. 15, p. 15/verso e p. 16-17, p. 17/verso e p. 18). 47 Revista do APERS, op. cit., p. 196. 48 Revista do APERS, op. cit., p. 196. 49 Revista do APERS, op. cit., p. 196. 50 Revista do APERS, op. cit., p. 200-201. 53 a indisposição é geral contra ele; e de cada vez vai a mais, ele está aqui isolado sem ter uma só pessoa com quem fale, e já a mais de um mês que não prega, porque quando é dia dele pregar não vai uma só pessoa assistir o sermão.51 O relato do cirurgião contrasta com o atestado de boa conduta que o inspetor da Colônia acrescentou ao final do documento: “Devo dizer a V. Exça. que o cirurgião Hensel todo o tempo que aqui tem estado, tem-se sempre portado mui bem, por isso... julgo não ter sido ele”.52 O posicionamento do inspetor seria tendencioso? Por que ele se absteve de falar bem sobre o pastor? No mês seguinte, quando Voges pediu equiparação salarial, conforme documento analisado anteriormente, por que o inspetor se colocou favorável a este e testemunhou contra Ehlers? Ao que tudo indica, Voges conseguiu cooptar o inspetor, trazendo-o para seu lado, dando início à atividade política que marcaria a atuação de sua família no Brasil. Se por um lado as agressões e os desentendimentos enfrentados pelo pastor Ehlers estremeceram a liderança que ele desejava conquistar entre os colonos, esses mesmos acontecimentos aproximaram Carlos Leopoldo Voges e José Thomaz de Lima, inspetor da Colônia de São Leopoldo. No que se refere a Ehlers, é certo que não estava conseguindo atingir todo o seu rebanho, razão pela qual aquelas ovelhas se desviaram e obtiveram coragem para investir contra ele, relatando que “ele [o pastor Ehlers] fala mal das pessoas... diz que alguns de nós teriam a intenção de matar o nosso Inspetor... diz ainda outras coisas, tudo somente para esquentar a cabeça da gente”.53 Continuam os insatisfeitos: 51 Revista do APERS, op. cit., p. 200-201. 52 Revista do APERS, op. cit., p. 201. 53 HUNSCHE, op. cit., 1975; p. 144-145. 54 Achamos que ele inveja um pouco o Senhor Voges, o outro pastor, o qual amamos e estimamos, porque atua com todo o zelo possível, enquanto que o Senhor Ehlers se mete em muitos outros assuntos, mesmo em assuntos de família, atiçando um contra o outro, como esposa contra marido, faz sacanagens contra seu colega Voges, sem dúvida porque observou que prestigiamos mais este jovem do que a ele. Mas, também, é verdade que este jovem naturalmente não faz intrigas contra o Senhor Ehlers. Enfim, ficaríamos bem contentes se... o Senhor Voges ficasse conosco e que o Senhor Ehlers nos deixasse, para receber talvez um emprego em outra colônia, porque,... Um pastor é suficiente para esta Colônia de São Leopoldo... O Senhor Ehlers fez entrega a V.S.a. ou à Corte de Sua Majestade o Imperador petições nas quais escreveu os nossos nomes sem ter recebido ordens nossas.54 O documento foi assinado por 34 colonos, em 17 de abril de 1825, e tinha como objetivo a transferência de Ehlers e a nomeação de Voges como titular para São Leopoldo. As inúmeras queixas listadas pelos colonos atacaram a “moral” do líder espiritual, o qual, segundo eles, promovia discórdia em vez de harmonia. O tom dessa reclamação favoreceu Voges e pode ser analisada no conjunto dos artifícios que arquitetou com o intuito de permanecer na Colônia-Mãe. Do mesmo modo que Ehlers e Voges, Klingelhoeffer assistiu à formação de, no mínimo, duas facções que se reportavam ao atendimento pastoral prestado por ele. Em 8 de maio de 1829, 254 colonos do “lado Ocidental da... Colônia” de São Leopoldo solicitaram a confirmação de Klingelhoeffer como pastor e que lhe fosse dado “o mesmo ordenado que se dá ao Pastor João Georg Ehlers.” Disseram esses colonos que não podendo concorrer com as suas famílias aos Ofícios Divinos por distar a Igreja de seu culto cinco a seis léguas, e tendo além disso de atravessarem o menos [sic] pântanos, e o caudalosíssimo Rio, que separa a Colônia, e como naquele lado já há uma igreja a ano e meio... e como de cada vez se vai fazendo mais oneroso este emprego... por não perceber lucro algum, e ser um homem necessitado, e que vive de seus trabalhos.55 54 HUNSCHE, op. cit., 1975; p. 145. 55 AHRS – Requerimentos – maço 36 – Pastor Klingelhoeffer. A dificuldade em vencer grandes distâncias para chegar ao culto foi testemunhada pelo colono Mathias Franzen através de correspondência. Tramontini, ao analisar essa fonte, afirmou que [Franzen] “queixava-se da falta de 55 Figura 3: Mapa de São Leopoldo antigo Fonte: Moraes (1994, p. 77). O ponto central do requerimento está na exposição de dificuldades: a distância e o rio dos Sinos impediam o acesso ao culto (de Ehlers, na parte central da Colônia), e o pouco rendimento do pastor praticamente o obrigava a abandonar o pastorado para dedicar-se a outras atividades mais rentáveis. No final da petição, encontra-se a explicação para os lamentos da comunidade: os colonos pediam a designação oficial de Klingelhoeffer como pastor do “lado Ocidental” e o mesmo salário pago a Ehlers. O grande número de assinaturas – 254 – dá conta da Igreja e de uma escola, ou seja, de um padre e de um bom professor alemão, uma vez que para ir ao culto em Santa Ana teria que fazer uma viagem de 4 horas e em São Leopoldo de 7 horas”. Ver: 56 articulação que houve pró-Klingelhoeffer, o qual deve ter reunido forças para motivar esse número expressivo de colonos a se pronunciar a seu favor. Por outro lado, nem todos estavam satisfeitos com o pastor. De 1829 até 1835, Klingelhoeffer havia desapontando alguns de seus fiéis, sobretudo por envolver política e religião no diaa-dia da comunidade: “também no seu emprego eclesiástico ele transmite estas violências, e ilegitimidades”. O resultado desse confronto foi a solicitação de que Ehlers ocupasse o seu lugar no culto de confirmação e desse prosseguimento ao atendimento pastoral mediante a saída de Klingelhoeffer.56 Mesmo que esse requerimento tenha reunido número sensivelmente menor de assinaturas dezesseis nomes -, o que pesa, de fato, é o pronunciamento da facção discordante, a qual se articulou e demonstrou publicamente o descontentamento com o pastor. Pelo teor da reclamação, Klingelhoeffer já estava vinculado às idéias farroupilhas, não conseguindo mais separá-las do seu cotidiano, inclusive da atividade religiosa. Dessa forma, exigiu-se do pastor conduta exemplar e vinculação restrita ao exercício da profissão. Quaisquer outras manifestações por parte dos pastores eram repudiadas por grupos de colonos que recorriam às autoridades competentes para denunciá-los por incompetência, negligência ou abuso de poder. Olhando por esse viés, o embate estabelecido entre colonos e pastores também constituiu-se num ato de repúdio às autoridades, as quais se destacavam naquela sociedade pelo poder normalmente estável que possuíam e por terem rendimento mais ou menos garantido, o que lhes dava certa vantagem no plano econômico frente à maioria, que ainda estava iniciando os plantios e dependendo do subsídio governamental. Por TRAMONTINI, op. cit., 2000; p. 187-188. 56 Anexo ao ofício de Hillebrand ao presidente da província, 10.4.1835. AHRS – Imigração, terras e colonização – Colônia de São Leopoldo – Correspondência de João Daniel Hillebrand – maço 69 – caixa 36 – 1835. 57 fim, quão rico deveria ser o pastor em relação aos demais para causar esse tipo de sentimento e motivar tais ações? O que havia de especial naquela figura, cujo exercício da profissão deveria resultar em paz e harmonia entre os colonos? Quais os entraves que impediam a convivência harmônica entre o pastor e sua comunidade? Por que, aparentemente, houve manifestação pública contra Ehlers e Klingelhoeffer e não contra Voges? As inúmeras indagações suscitadas até este momento talvez não sejam respondidas satisfatoriamente. Entretanto, à medida que a atuação dos pastores foi se mostrando também política e não apenas religiosa, muitos dos conflitos passam a ser esclarecidos por esse viés – inserção política –, o que aconteceu novamente quando o governo suspendeu o pagamento dos subsídios destinados aos imigrantes chegados ao Brasil. A lei de 15 de dezembro de 1830 provocou reação por parte dos pastores, os quais viram-se nivelados aos outros imigrantes que também deixaram de receber aquilo que o governo imperial lhes havia prometido. Sem o pagamento, Voges decidiu investir outra vez na disputa por São Leopoldo, deixando Três Forquilhas sem atendimento pastoral e nas mãos dos leigos que, assim como o imigrante Nicolau Mittmann, tiveram de socorrer os colonos no que tange aos ritos eclesiásticos. Assim, após permanecer cerca de cinco anos no LNRS, Voges retornou para a Colônia-Mãe, a fim de reconquistar espaço e garantir remuneração para sua atividade. O posicionamento de Ehlers, Klingelhoeffer e Voges quanto ao fim dos subsídios pôde ser acompanhado pela documentação redigida pelos pastores, principalmente requerimentos e outros papéis anexados a essa pasta documental. Pela ordem cronológica das petições, percebe-se que Voges adiantou-se, 58 encaminhando sua posição em 11 de janeiro de 1832.57 De todas as informações contidas nesse documento, a mais relevante é o pedido do pastor para que fosse nomeado para São Leopoldo: “e por isso recorre o suplicante a V.Exça. para que a vista do exposto se sirva mandar que o suplicante seja admitido como pastor dos colonos de São Leopoldo”, ou seja, Voges desejava ficar na Colônia-Mãe em vez de retornar para Três Forquilhas. Os motivos aparentemente únicos que o levaram a deixar o LNRS, onde atuou de 1827 a 1831, foram a suspensão dos subsídios destinados aos imigrantes58 e, por conseqüência, dificuldades econômicas em sustentar a família. No que tange a esse último aspecto, ver-se-á nos próximos capítulos que a família de Elisabeth Diefenthäler, esposa de Voges, tinha recursos suficientes para auxiliar o casal em momentos economicamente difíceis, portanto, a lamentação parece ter como objetivo final convencer as autoridades de que ele realmente precisava estabelecer-se em São Leopoldo. De 1831 até janeiro de 1832, quando redigiu a petição, Voges se estabeleceu em algum ponto da Colônia, provavelmente na Costa da Serra, onde moravam os familiares de sua esposa, cuja atuação pastoral foi atestada pelos registros de batismo e casamento. Segundo texto do próprio pastor, e sucedendo que os colonos de São Leopoldo... lhe oferecessem uma soma com que pudesse passar, sem mendigar, sendo esta voluntária, o suplicante aceitou, e se acha presentemente estabelecido, não só como padre, mas com uma escola de ensino de primeiras letras muito a contento de todos os colonos.59 57 AHRS – Requerimentos – maço 42 – Pastor Voges. 58 O documento de 15 de agosto de 1831 redigido por Francisco de Paula Soares, inspetor da Colônia Alemã das Torres ao presidente da província Manuel Antônio Galvão ratifica a afirmação de que Voges deixara Três Forquilhas por causa da suspensão do subsídio: “família de Pedro Petersen, que como outros se tem evadido da colônia depois da ausência do pastor, motivada pela suspensão do seu ordenado”. In: ELY, Nilza Huyer e BARROSO, Véra Lucia Maciel (Orgs.). Imigração alemã: 170 anos. Vale do Três Forquilhas. Porto Alegre: EST, 1996, p. 128. 59 AHRS – Requerimentos – maço 42 – Pastor Voges. 59 Pela forma que descreveu sua atividade, Voges estava plenamente inserido na comunidade que o acolheu. Se houve resistência de alguns colonos quanto a sua chegada e instalação, essa informação talvez tenha sido descartada devido à necessidade de demonstrar às autoridades o bom relacionamento com os fiéis. A resposta ao seu requerimento só foi divulgada em outubro de 1832, quando Voges viu-se reintegrado no emprego de capelão da colônia das Torres de que foi privado pela suspensão do seu ordenado em virtude da lei de 15 de dezembro de 1830... E passa a receber como provisão ...a gratificação mensal de 20$000, pagos pela quota marcada para despesas eventuais da repartição do império.60 Como se vê, o pastor conquistou parcialmente o que desejava, pois foi nomeado para Três Forquilhas e não para São Leopoldo. A compensação a essa resposta insatisfatória veio na confirmação do salário que renderia anualmente 240$000. No documento que escreveu às autoridades competentes solicitando emprego em São Leopoldo, Voges não fez menção ao colega Ehlers, nem anexou atestados de boa conduta como fizeram os outros dois pastores. Ele se limitou a expor as dificuldades em sustentar a família sem o pagamento dos subsídios, razão pela qual deixou Três Forquilhas e desejava ali se estabelecer. Perseguindo a ordem cronológica dos requerimentos, Klingelhoeffer remeteu sua petição no dia seguinte, 12 de janeiro de 1832.61 Das muitas informações que o pastor usou para qualificar-se, destacou o fato de que a província de São Pedro havia recebido ordens para nomeá-lo pastor em São Leopoldo, ou seja, ele não estava solicitando favor, mas exigindo que se cumprisse o que fora determinado anteriormente. Quando descreveu seu cotidiano, disse que há cinco anos estava 60 AHRS – Requerimentos – maço 42 – Pastor Voges. 60 vivendo na Colônia, subsistindo da agricultura e que seus vizinhos, assim como ele, tinham dificuldade de assistir ao culto em São Leopoldo e de receber socorro espiritual por parte do pastor Ehlers nos momentos de maior necessidade. Por conta disso, teria fundado duas igrejas que praticamente não lhe davam nenhum retorno pecuniário. Para fundamentar o requerimento, Klingelhoeffer anexou cinco declarações que confirmavam o que escreveu e atestavam sua formação teológica. O primeiro documento anexado, datado de 12 de janeiro de 1832, portanto escrito no mesmo dia do requerimento principal, foi assinado pelo inspetor da Colônia de São Leopoldo, José Thomaz de Lima, o qual informou que os presidentes da província Salvador Jose Maciel e Caetano Maria Lopes Gama autorizaram o requerente a exercer suas atividades pastorais “d’além do Rio dos Sinos”. De igual modo, atestou que o pastor trabalhou zelosamente e que desconhecia algo que o desabonasse. É provável que o requerimento principal e a declaração do inspetor da Colônia tenham sido redigidos no mesmo momento, pois normalmente esse tipo de petição era feito perante autoridade competente e em português. Já o segundo documento anexado por Klingelhoeffer foi escrito em 15 de janeiro de 1832 pelos colonos da “Mata Virgem” e da “Estância”, fiéis atendidos pelo pastor requerente, os quais estavam cientes de que a Corte novamente estava possibilitando a nomeação de um pastor para São Leopoldo. Segundo eles, Klingelhoeffer exerceu sua atividade profissional naqueles cinco anos baseado na licença de dois presidentes da província, cumprindo meritoriamente suas funções. Mediante a oportunidade de contratá-lo legalmente, os colonos redigiram o documento que era ao mesmo tempo solicitação e atestado de boa conduta. 61 AHRS – Requerimentos – maço 38 – Pastor Klingelhoeffer. 61 Os próximos três documentos anexados por Klingelhoeffer comprovam sua formação teológica, ou, pelo menos, que atuou como pastor na Alemanha. São cópias dos originais traduzidos para o português datados de 23 de janeiro de 1819, no qual se comprova que o pastor trabalhou em Bobenhausen; de 7 de junho de 1825, atestando que ele foi demitido do emprego em Bobenhausen para empreender viagem ao Brasil; e de 6 de agosto de 1825, o qual se constitui nitidamente um atestado de boa conduta, assinado pelas lideranças da cidade onde atuou como pastor. No rol da documentação, há uma folha avulsa em que se lê “provisão em 25 de outubro de 1832”. Como Klingelhoeffer de fato exerceu atividade pastoral junto às comunidades de Campo Bom e Estância Velha, pode-se creditar a essa frase a sua nomeação para o exercício formal da profissão. No entanto, houve reação às petições de Voges e Klingelhoeffer. O colega Ehlers, em seguida, encaminhou requerimento para ser novamente nomeado pastor em São Leopoldo.62 O documento datado de 20 de maio de 1832 foi sensivelmente mais crítico do que o de Klingelhoeffer, porém as críticas ou acusações foram direcionadas ao pastor Carlos Leopoldo Voges, que disputou residência definitiva em São Leopoldo e trabalhou lado a lado com Ehlers, para o qual foi dedicada boa parte da narrativa. Segundo Ehlers, Voges “nunca se habilitou por um exame e ainda menos pelos estudos preparatórios da Theologia... nem ler nem escrever sabe”. Mais grave ainda, de acordo com o acusador: “não se sabe publicamente que ele vivia escandalosamente com uma moça solteira, de cujo comércio criminoso existe um filho natural?” Ao que parece, o propósito de Ehlers era infamar a imagem de seu concorrente desde a formação profissional até a vida íntima. As acusações 62 AHRS – Requerimentos – maço 38 – Pastor Ehlers. 62 foram pontuais e objetivas, sem o uso de metáforas, explicitando o acirramento da relação mantida entre os dois pastores. Quanto a Klingelhoeffer, este estava fora do alvo de Ehlers, porque suas áreas de abrangência não coincidiam; o primeiro estava direcionado ao “lado Ocidental”, enquanto o segundo manteve-se ligado à sede da Colônia. Voges, por sua vez, desde a implantação do núcleo colonial, desejou estabelecer residência em São Leopoldo e aí atuar como pastor, razão pela qual o relacionamento dele e de Ehlers deteriorou a tal ponto de se tornarem públicas as acusações referidas no requerimento. Das inúmeras acusações feitas a Voges, há aquela que converge para a sua formação profissional. Segundo informou às autoridades, toda documentação que comprovaria o estudo teológico perdeu-se durante o naufrágio do bergantim Flor de Porto Alegre, naufragado nos bancos de areia de Mostardas. Mesmo sem esses comprovantes, Voges chegou a São Leopoldo e atuou como pastor e foi justamente sua atuação que Ehlers colocou em xeque ao denunciar que como poderá este homem explicar as verdades evangélicas, pregar, como ensinar a mocidade as doutrinas da religião, objeto de maior importância segundo as leis da igreja protestante e inteiramente ao cargo dos padres; e como poderão se confiar a este homem os assentos e livros da igreja à visto do anexo registro feito por ele, sem provas nem documentos e mesmo com desprezo grosseiro das regras mais gerais da ortografia?63 De acordo com as denúncias, Voges seria totalmente incapaz de desenvolver a atividade de líder espiritual bem como a de professor, funções atribuídas ao pastor junto à comunidade. Porém o exercício pastoral em Três Forquilhas demonstrou que Ehlers exagerara em suas acusações, pois Voges tanto conseguiu atender aos fiéis no plano espiritual quanto realizou as tarefas burocrático-administrativas que lhe cabiam, tais como os registros de batismo, 63 confirmação, casamento e óbito. Se houve exagero, qual a intenção? Tomando como referência o bem que estava sendo disputado – a permanência em São Leopoldo com o objetivo de tornar-se autoridade eclesiástica -, excluir o concorrente na base da difamação foi uma das armas usadas por Ehlers. E mais, a tentativa de manchar a imagem de Voges ultrapassou a questão profissional e chegou à vida íntima ao levantar a hipótese de que Voges “vivia escandalosamente com uma moça solteira”. Novamente, a acusação está baseada em fatos não comprovados, pois afora essa denúncia, não houve qualquer menção à vida privada de Voges em São Leopoldo. No entanto, é preciso recordar que ele casou com Elisabeth Diefenthäler, em 1828, portanto quatro anos antes dessa exposição pública. Como Ehlers não informou a data em que seu colega teria vivido “escandalosamente com uma moça solteira”, fica-se na impossibilidade de saber se isso aconteceu antes ou depois do casamento de Voges. Mas essa denúncia veio acompanhada de adjetivação, isto é, a “moça solteira” provinha de “comércio criminoso”: prostituição ou escravidão? Quanto à primeira possibilidade, não se tem registro sobre o envolvimento de Voges com a prostituição; quanto à segunda, inventários e escrituras de compra e venda trouxeram à luz que a família Voges, assim como outras estabelecidas em várias Colônias, compraram escravos e os mantiveram em suas propriedades. A tradição oral, neste caso específica a Três Forquilhas, sustenta que membros de algumas famílias tiveram filhos com escravas, dentre as quais a do pastor Voges. Todavia, cabe perguntar se no espaço compreendido entre 1826 e 1832 Voges teria recursos suficientes para adquirir uma escrava e como resolveria o nascimento e a criação do filho oriundo dessa relação. 63 AHRS – Requerimentos – maço 38 – Pastor Ehlers. 64 Após levantar dúvidas sobre a conduta ética e moral do seu concorrente, Ehlers tocou numa das questões principais do seu requerimento: o subsídio para a sobrevivência diária. Ele estava requisitando emprego com salário e não apenas a nomeação para um cargo; além disso, anexou atestado de boa conduta assinado por “doze pessoas de reconhecida probidade”. No final do seu requerimento, ofereceu-se “a passar por um exame público junto ao seu competidor para mostrar a sua capacidade”. O fechamento da petição sugerindo debate público demonstra a segurança e, ao mesmo tempo, o risco que Ehlers resolveu correr ao elencar denúncias para as quais talvez não tivesse provas à altura. De todas as acusações, certamente que Ehlers conseguiria comprovar as tentativas de Voges em adentrar seu espaço de trabalho: “enquanto que o senhor Voges é um intruso, vindo da colônia das Torres”. Os registros de batismo e casamento elaborados por Voges, por exemplo, testemunham suas incursões até Ivoti, Dois Irmãos, Campo Bom e arredores. A sua intromissão no espaço alheio rendeu-lhe todas as acusações que visavam a desmoralizá-lo e desqualificá-lo para a ocupação do cargo em São Leopoldo.64 No que concerne à atuação do pastor Voges em Dois Irmãos e arredores, não há evidências de que tenha realizado algum serviço enquanto esteve acompanhando os colonos arranchados no LNRS. Porém, quando retornou para São Leopoldo, a fim de ali se estabelecer, em 1831, desse ano até 1833 realizou 98 batismos, sendo 44 em 1831, 42 em 1832 e 12 em 1833, quando já estava novamente designado como pastor de Três Forquilhas. Nesta comunidade, no 64 Os casamentos dos cunhados de Voges confirmaram a incursão do pastor no território de Ehlers: em 1834, casou Anna Maria; em 1837, Peter; em 1839, Philipp; e, em 1843, Jeanette. Todas as cerimônias foram realizadas em São Leopoldo por Voges. (Os casamentos serão analisados no Capítulo II). 65 período de 1826 a 1833, foram registrados 91 batismos, portanto Três Forquilhas rendeu, em sete anos, 91 atendimentos, enquanto Dois Irmãos, em três anos, 98. Essa diferença nos números dá idéia do contingente populacional que havia no outro lado do rio dos Sinos, se comparado com a Colônia evangélica de Três Forquilhas, e quão vantajoso seria para o pastor se conseguisse se fixar definitivamente no lugar que tivesse maior quantidade de fiéis, por conseqüência de atendimento e prestígio.65 Não obstante, Voges vislumbrava o crescimento econômico, vinculado à família de sua esposa, e a inserção política, características de sua atuação no LNRS, as quais continuarão a ser abordadas nos próximos capítulos.66 Por outro lado, os registros concebidos em Três Forquilhas, entre os anos de 1831 e 1832, devem ter sido elaborados pelo imigrante Nicolau Mittmann, o qual ocupou o vazio deixado pelo pastor quando se retirou para São Leopoldo.67 O fechamento final da disputa que envolveu as três lideranças evangélicas da Colônia de São Leopoldo deu-se com o envio definitivo de Voges para o LNRS e 65 Hunsche apresentou dados do contrato firmado entre os membros da comunidade de Picada Café com Philipp A. Weber em 1º de fevereiro de 1860, no qual foram descritos os valores que o pastor iria receber por cada tipo de serviço prestado: “150$000 réis anuais [salário] e, adicionalmente, 2$000 réis por batismo, 4$000 réis por casamento, 2$000 réis por confirmação e 2$000 réis por enterro. Cada associado entregará ao pastor ainda um quartilho de milho”. Radünz apresentou dados semelhantes para o ano de 1926: “um batismo na igreja, por exemplo, importava Rs 2$000, em casa Rs 7$000. Casamento na Igreja Rs 4$000, em casa Rs 9$000”. Ver: HUNSCHE, Carlos Henrique. Pastor Heinrich W. Hunsche e os começos da Igreja Evangélica no Sul do Brasil. São Leopoldo: Rotermund, 1981, p. 223; e RADÜNZ, Roberto. “A terra da liberdade”: o protestantismo luterano em Santa Cruz do Sul no século XIX. Porto Alegre, 2003. Tese [Doutorado]. Programa de Pós-Graduação em História – Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, 2003, p. 247. 66 É preciso relativizar a afirmação de Amado quando se refere à participação política dos imigrantes alemães. Para a autora, “os imigrantes de São Leopoldo não tiveram nenhum tipo de participação política até 1845. Falar sobre o assunto é falar das razões dessa ausência, dos empecilhos que durante vinte anos alijaram os colonos dos destinos políticos de seu novo país”. A primeira consideração a ser feita é a de que Amado tenha pensado em participação político-partidária; a segunda, é que mesmo abordando certos aspectos da vida de padres e pastores, deixou de constatar que algumas dessas autoridades envolveram-se diretamente com a política, como o caso de Ehlers e Klingelhoeffer; a terceira, refere-se ao objeto de estudo da autora – os Mucker – os quais, segundo sua análise, lutaram para reconquistar o lugar perdido naquela sociedade em transformação. Contudo, essa luta poderia ter sido vista como participação política, não partidária, mas como formação de grupo que desejava se fazer ouvir desde o início da colonização. Ver: AMADO, Janaína. A revolta dos Mucker. 2.ed. São Leopoldo: UNISINOS, 2002, p. 55. 66 a divisão do espaço a ser atendido entre Ehlers e Klingelhoeffer, ficando o primeiro com a parte central da Colônia; e o segundo, com a região de Campo Bom e Estância Velha. Os conflitos de 1832, investigados a partir do fundo documental “Requerimentos”, do Arquivo Histórico do Rio Grande do Sul (AHRS), podem ser ainda mais esmiuçados através das Atas do Conselho Administrativo da Província68, nas quais ficou registrado o trâmite dos requerimentos. Destaca-se o poder de articulação dos três pastores e a importância do assunto, a ponto de discutirem se os requerimentos deveriam ser encaminhados à Assembléia Geral. De acordo com a decisão do presidente do Conselho, os pedidos foram analisados pelo próprio órgão, o qual chegou à conclusão de que Ehlers, Klingelhoeffer e Voges deveriam ser atendidos em suas súplicas, inclusive, com a remuneração de 20$000 mensais. O Conselho reuniu-se em três sessões – 21/5/1832, 9/7/1832 e 18/7/1832 –, deliberando que da atividade dos pastores “dependia a educação e boa moral dos colonos”. Desta maneira, os três pretendentes foram novamente nomeados: Resolveu que se provesse ao dito Capelão, e que devendo nesse caso ser o remédio extensivo a todos os colonos, e não podendo um só Capelão satisfazê-los, pela disparatada distância dos lugares das colônias, se nomeassem os três pretendentes, um para a Colônia da Serra em São Leopoldo, o qual deveria estabelecer-se em Campo Bom, ou no lugar que fosse mais conveniente; o outro na Povoação aquém da Serra na Freguesia; e o terceiro para a Colônia de São Pedro de Alcântara das Torres, assinando-se a cada um a gratificação mensal de vinte mil réis.69 Quanto ao pagamento dos salários, a insistência de Voges em tentar permanecer em São Leopoldo deixou-o em desvantagem frente aos seus colegas, pois o Conselho decidiu que 67 HUNSCHE, op. cit., 1977; p. 159-165. 68 AHRS – Atas do Conselho da Província – 1º vol. – 1824-1832. Os documentos ora citados encontram-se entre as páginas 179 e 191. Agradeço a Miguel Duarte, do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Sul, por ter me indicado e fornecido este material. 69 AHRS – Atas do Conselho da Província – 1º vol. – 1824-1832 – Sessão do dia 9/7/1832. 67 aos dois primeiros Capelães [Ehlers e Klingelhoeffer] se lhes abone a gratificação desde o 1º de julho do corrente ano em diante, visto o terem estado sempre no exercício do seu Ministério, e ao terceiro [Voges], destinado para as Torres, a que pertencia, do dia em que mostrar ter-se nela apresentado e começado as suas funções.70 Na sessão do dia 9 de julho de 1832, foi analisado outro requerimento encaminhado pelos colonos de São Leopoldo, os quais solicitavam terrenos para a construção da escola e do templo, sendo que este último havia sido destruído por “uma grande tempestade”, livros para os assentos de batismo, casamento e óbito, nomeação de autoridade competente para tratar dos divórcios entre os protestantes e a necessidade de se criar força repressora contra os “bugres” que atacavam as propriedades dos colonos. Junto a essas petições, estavam denúncias de calúnias, intrigas, como a que foi analisada pelo Conselho na sessão do dia 18 de julho de 1832, na qual colonos protestavam contra a difamação de Ehlers em relação a seu colega Voges. A disputa entre os dois amenizou-se com o retorno de Voges para Três Forquilhas, onde de imediato encontrou resistência quanto à sua atuação pastoral. De acordo com a tradição oral, alguns colonos davam preferência ao atendimento espiritual prestado pelo imigrante Nicolau Mittmann, um dos líderes “exponenciais” da Colônia, subjugado posteriormente por Voges e limitado a uma situação econômica de destaque. Após buscar evidências que pudessem ser somadas àquilo que era relatado pela tradição oral, três conjuntos documentais, sendo que dois foram localizados no Arquivo Público do Estado do Rio Grande do Sul (APERS) e um na sede da paróquia evangélica de Três Forquilhas, ratificaram aquela antiga versão sobre a disputa pastoral no início da colonização alemã no LNRS. 70 AHRS – Atas do Conselho da Província – 1º vol. – 1824-1832 – Sessão do dia 9/7/1832. 68 A primeira indicação de que havia disputa entre Carlos Leopoldo Voges e Nicolau Mittmann apareceu no inventário da esposa do imigrante, Maria Mittmann, aberto no ano de 1865. Numa das páginas desse documento ficou gravada a reação de Mittmann ao ver seu antigo rival e agora pastor ser indicado como tutor dos bens de uma filha menor de idade. O embate ocorreu meses após a morte de sua esposa, pois o pronunciamento figadal de Mittmann, relatado pelos oficiais que levaram a intimação de seqüestro de bens, está datado de 27 de setembro de 1865: que não aceitava intimação alguma de juiz de órfãos por não ter órfão algum, e mesmo não dar seus bens a seqüestro por já os ter entregado a seus filhos e que seus bens não eram sujeitos a mais ninguém, que era mais fácil ser preso do que por seu consentimento deixar ninguém por mão em bem que lhe pertencesse.71 Cabe destacar as testemunhas que acompanharam os oficiais de justiça até a casa de Nicolau Mittmann: Carlos Jacob e Guilherme Schmitt, o primeiro, conforme Elio Müller, na condição de juiz de paz, pertencente a uma das famílias “exponenciais” da Colônia, cujos filhos contraíram matrimônio com os Schmitt e os Voges, e o segundo, recém-chegado à Colônia, “importado” da Alemanha por seu tio, cuja família também ligou-se via casamento aos Jacoby e Voges.72 A análise dos registros da paróquia evangélica de Três Forquilhas demonstrou que não houve envolvimento dessas três famílias com o núcleo de Nicolau Mittmann, resultando no isolamento dessa liderança. Por sua vez, a ríspida reação de Mittmann parece ser de alguém que ainda tinha forças para se opor a tal intromissão, cujos objetivos 71 A data desse pronunciamento no documento original refere-se ao ano de 1856. Como a esposa de Nicolau Mittmann faleceu a “4 ou 5 de fevereiro de 1865” e todas as outras declarações remontam ao ano de 1865, acredito ter havido inversão dos números finais do ano. 72 Os casamentos envolvendo as famílias Jacoby, Schmitt e Voges, bem como a “importação” do genro Guilherme Schmitt, serão abordados no Capítulo II. Sobre a atuação de Carlos Jacoby como juiz de paz, ver: MÜLLER, op. cit., 1992; p. 62. 69 giravam em torno do aniquilamento do antigo rival que ainda tinha supremacia econômica para atuar como líder “exponencial” na Colônia. Não obstante, Mittmann retratou-se frente às autoridades, dizendo que era estrangeiro e ignorante quanto às leis, principalmente no que se refere aos procedimentos legais, como a abertura do inventário. O procurador indicado pelo imigrante, José Antonio Botelho, foi constituído tutor de sua filha menor, Maria, a qual, naquele momento, tinha “19½ anos”. O inventário de Mittmann era vultoso, chegando a somar 29:492$800, cujos bens estavam distribuídos em dinheiro (4:521$500), três escravos (Manoel, 55 anos, 500$000; Maria, 48 anos, 500$000 e Thereza, 14 anos, 800$000), atafona, engenho e diversas propriedades territoriais. O valor expressivo dos seus bens talvez explique o interesse de Carlos Leopoldo Voges em constituir-se tutor de um dos filhos de Mittmann. Essa nomeação deu-se via juizado de órfãos e ausentes, e tinha como objetivo seqüestrar os bens e repassá-los ao pastor Voges. Julgo por sentença o lançamento desse e em virtude do mesmo passa-se mandado de seqüestro incontinente sobre os bens pertencentes a finada mulher de Nicolau Mittmann, dos quais tomará conta Carlos Leopoldo Voges, a quem [ilegível] inventariante, devendo-se este inteirado, prestar juramento e assinar termo. Em mão do escrivão. Conceição do Arroio, 4 de setembro de 1865. Francisco do Nascimento Marques. [juiz de órfãos e ausentes]. [grifo nosso] Quanto à disputa pastoral em Três Forquilhas, travada entre os dois pretendentes, de acordo com as narrações de Piscator e Elio Eugenio Müller, a Colônia dividiu-se em duas facções: uns apoiavam Mittmann; e outros, Voges. Porém há equívocos na descrição de Piscator quanto aos motivos que levaram o pastor à Colônia de Três Forquilhas: Mas um, o Nicolau Mittmann, não perdeu a esperança. Ele tinha trazido junto a sua bíblia e sabia fazer boas falas. Nós precisamos também pensar 70 em Deus, para que nós não nos tornemos selvagens. Mas ele era tímido em sua pregação, isto nós notávamos no cemitério do Passo, quando ele tinha que enterrar uma criança. O Cristiano Mauer era um bom cantor e foi durante muitos anos o cantor principal nos cultos. Justo neste tempo quando o Nicolau providenciava a construção da igreja, veio de Hannover Carlos Leopoldo Voges da Baumpikade (Dois Irmãos) de mudança para cá. Ele sabia fazer bonitas pregações. Quando o comandante Schmitt teve aniversário ele levou as pessoas às lágrimas, tão bonito tinha ele falado da vida na difícil mata, dos pequenos indivíduos e da ajuda de Deus. Ele mostrou ao comandante Schmitt os livros da igreja que tinha trazido, onde já constavam alguns batizados. Schmitt disse que Voges bem poderia ser o pastor da colônia. Livremente o Nicolau dizia que o Voges além de falso era católico. O pastor Ehlers em São Leopoldo queria bater nele, por isso ele foi com a família para Três Forquilhas. Seu sogro, o Dieffenthaeler não quis acompanhá-lo.73 Em primeiro lugar, Voges foi enviado à Colônia alemã das Torres para acompanhar os evangélico-luteranos mediante proposta governamental: o pedido de elevar o subsídio e ser equiparado a Ehlers foi condicionado a sua ida para Três Forquilhas, conforme os requerimentos e as respectivas respostas anteriormente analisados. Além deste equívoco, possivelmente proporcionado pela fonte que não foi citada, Piscator trouxe à tona a bipolarização do espaço colonial: enquanto o líder Mittmann ocupou-se com as funções da igreja, Schmitt dedicou-se a preservar e fazer valer seu título de “comandante”. A tradução de mais um trecho coloca essa questão em evidência: “O comandante [Schmitt] estava ao lado do Voges, ele não gostava do Mittmann, que teria dito que Voges era muito exibido e em Três Forquilhas todos eram iguais”. A bipolarização estabelecida entre Mittmann e Schmitt foi resolvida graças ao ingresso de Voges, o qual firmou aliança com aquele que não representava perigo imediato, isto é, Schmitt não queria ser o pastor da Colônia e ainda havia se posicionado favoravelmente a Voges. 73 PISCATOR. Jahrweiser, n.38. São Leopoldo: Sinodal, 1966, p. 50-57, p. 52-53. [Tradução de Nilza Huyer Ely]. Deve ser esclarecido que Piscator é pseudônimo de Ernesto Fischer, pastor que atendeu à paróquia evangélica de Três Forquilhas entre os anos de 1959 e 1969. 71 Versão praticamente idêntica a esse fato foi descrita por Müller, o qual acrescentou que a querela entre Mittmann e Voges teria ocorrido no ano de 183374, quando o pastor retornou de São Leopoldo para Três Forquilhas, após permanecer por dois anos na Colônia-Mãe (1831/1832). Contudo, sua visão sobre o relacionamento de Mittmann e Voges é simplista e encobre os futuros desentendimentos que houve entre as duas lideranças: Não se constata entretanto que em algum momento tenha ocorrido um rompimento nas relações entre os dois. É de supor que Mittmann entregou a Voges os apontamentos de eventuais serviços prestados (batismos e enterros) após o retorno do titular. Mittmann não deixou de aceitar os serviços do pastor Voges, desde o seu matrimônio em São Leopoldo (pois estava ali também o P. Ehlers) bem como para posteriores batismos de seus filhos e netos. Certamente existiu entre eles um clima de respeito mútuo que não impedia Mittmann de exteriorizar críticas em virtude de sua linha de visão bíblica divergente. Os descendentes de Mittmann transmitiram que o mesmo, de fato, aspirou assumir a função de pastor de Três Forquilhas, particularmente entre os anos de 1830/1833.75 O documento anexado ao inventário de Maria Mittmann, esposa de Nicolau, apresenta outra versão para o relacionamento entre Mittmann e Voges. A visão laudatória e o agravante de não informar suas fontes colocam em dúvida a análise apresentada por Müller. Usar o casamento e os batismos de filhos e netos como prova de que Mittmann aceitou os serviços de Voges não corresponde à realidade, pois não havia outra opção para o imigrante, a não ser sujeitar-se à liderança religiosa de seu ex-oponente. Não obstante o fato de participar de alguns ritos da igreja, Mittmann foi alijado da diretoria, pois, conforme relação elaborada por Müller, durante o século XIX, a família Mittmann teria ocupado o cargo de presbítero somente uma vez, justamente nos anos iniciais da colonização, período em que o 74 MÜLLER, op. cit., 1992; p. 60. O pastor e historiador Elio Eugenio Muller atendeu à paróquia evangélica de Três Forquilhas entre os anos de 1969 e 1975, casando com Dóris Bobsin, descendente do pastor Voges. 75 MÜLLER, op. cit., 1992; p. 66-67. 72 pastor Voges mais se ausentou da Colônia.76 Afora isso, a outra possibilidade seria trocar de religião e tornar-se católico, mudança radical que Mittmann não aprovaria, pois, segundo Piscator e Müller, era justamente uma das críticas que fazia ao pastor Voges, ao identificá-lo como “muito católico”. Se optasse por mudar de religião, a freqüência à missa exigiria longas viagens até Torres ou Conceição do Arroio, obrigações que inibiriam tal atitude.77 Hermann Borchard, após chegar ao Brasil em 1864, iria sentenciar que o procedimento dos colonos à semelhança de Mittmann era resultado da impossibilidade de voltar à pátria de origem: Os que nasceram na Alemanha têm um sentimento sombrio de que não é decente deixar-se batizar e casar por qualquer vagabundo. Já que é impossível voltarem para a Alemanha, eles não têm outra opção do que aceitar estas práticas.78 O segundo grupo documental a que se fez referência consiste nas escrituras de compra e venda registradas a partir de 1833.79 Esses documentos, de orientação estritamente econômica, traduzem o poder que certas lideranças tinham no seu espaço, tanto situando-as como compradoras/vendedoras ou como testemunhas dos 76 Müller não deu certeza quanto à participação de Mittmann no presbitério, indicando sua dúvida com pontos de interrogação. É de se estranhar que o tenha listado para o ano de 1826, pois os colonos chegaram em Torres em 17 de novembro desse ano, entrando para o Vale do Três Forquilhas no ano seguinte. Mesmo com equívocos, é possível que Mittmann tenha tido alguma expressão até o retorno definitivo de Voges (1832/1833), quando foi posto de lado e passou à condição de simples membro da comunidade. A relação dos presbíteros encontra-se no manuscrito sobre a família Schmitt, elaborado por Müller. Ver: MÜLLER, Elio Eugenio. Família Schmitt. s/data; [Manuscrito]. 77 As considerações sobre a distância que Mittmann seria obrigado a percorrer caso mudasse de religião têm origem no diálogo estabelecido com a historiadora Nilza Huyer Ely, em 19 de junho de 2006. Segundo Ely, ainda no final do século XIX, José Stumpf, cunhado do seu avô, precisou viajar de Três Forquilhas até Conceição do Arroio para batizar os filhos. A presença de José Stumpf na Colônia está confirmada no Capítulo V, Tabela 41. 78 Borchard fez esta crítica ao constatar que “os desvios... eram conseqüência da precariedade das estruturas eclesiásticas locais... era necessário agir imediatamente, de forma drástica: importar pastores com formação teológica e missionária alemã e administrar o indiferentismo das comunidades”. BORCHARD apud BIEHL, João Guilherme. Uma tribo que pensa e negocia em alemão: uma contribuição à história evangélica do germanismo no Sul do Brasil, século 19. In: FISCHER, Luís Augusto e GERTZ, René E. (Orgs.). Nós, os teuto-gaúchos. Porto Alegre: Editora da Universidade/UFRGS, 1996, p. 227-237, p. 230. Sobre o trabalho pastoral de Borchard em São Leopoldo, ver: DREHER, Martin Norberto. Hermann Borchard em São Leopoldo. Simpósio de História da Igreja. São Leopoldo: Rotermund, Sinodal, 1986, p. 23-33. 79 APERS – 1º Livro de notas do distrito de Maquiné – Transmissões. 73 negócios. É visível o poder de Mittmann e de Schmitt já nos primeiros anos da colonização em Três Forquilhas, considerando-se que chegaram às Torres em 17 de novembro de 1826 e somente no ano seguinte adentraram o Vale do Três Forquilhas. A partir de 1835, segundo essas fontes, os dois líderes compraram e venderam colônias e assinaram como testemunhas em transações imobiliárias. A Tabela 2 sintetiza o envolvimento deles nesses negócios: Tabela 2: Compra e venda de terras Comprador João Pedro Schmitt Nicolau Mittmann Vendedor Margarida Izabel Niederauer João Anrique Peters Dom Felippe João Anrique Pedro Schmitt Peters Nicolau Mittmann Nicolau Mittmann (troca de terrenos) Christóvão Colump e Elizabeta Colump João Anrique Geb Serafim Silveira Marques Serafim Silveira Marques Valentim Justin Imóvel Sítio com 100 braças de frente Sítio 12 com 50 braças de frente Valor 200$000 35$000 Sítio 12 com 35$000 50 braças de frente Colônia 26 com 100 90 patacões em cobre80 braças de frente colônia 26 com Nicolau 100 braças de Mittmann frente pela voltou a colônia 11 com quantia de igual medida “seis doblas”81 Cima da Serra colônia 8 com 67$000 100 braças de frente Data 14/2/1835 24/4/1834 24/4/1834 São Leopoldo, 22/9/1834 2/12/1835 2/12/1835 Testemunha Felippe Hoffmann, Luiz Hensem, Felippe Pedro Schmitt Doutor Hillebrand Nicolau Mittmann e Ignacio de Araujo Quadros Nicolau Mittmann e Ignacio de Araujo Quadros 80 Conforme indicador econômico, “pataca”, moeda de prata brasileira, equivaleria, no século XIX, a 320 réis. Como a escritura informa que a colônia foi paga com “90 patacões em cobre”, a equivalência desse montante em réis fica prejudicada. No entanto, se a propriedade tivesse sido paga com 90 patacas em prata, esse valor resultaria em 28$800. Fonte: SIMONSEN, Roberto C. História econômica do Brasil, 1500-1820. São Paulo: Cia. Editora Nacional, 1978, p. 464. 81 De acordo com Simonsen, “dobra” ou “dobrão” equivalia a 12$800. Se as “doblas” referidas na escritura correspondem a essa moeda, Mittmann voltou 76$800 para ficar com a colônia 11. Ver: SIMONSEN, op. cit., p. 464. 74 A observação e a compilação de alguns dados da Tabela 2 ratificam as afirmações de que Mittmann e Schmitt haviam se constituído como lideranças na Colônia de Três Forquilhas. As sete transações selecionadas, que foram concretizadas entre 1834 e 1835, portanto, realizadas oito e nove anos após a efetiva ocupação do Vale do Três Forquilhas, colocam o imigrante Schmitt na condição de comprador, por duas vezes, e na de testemunha, uma vez; já o imigrante Mittmann é visto como comprador e testemunha em duas ocasiões. Destacam-se, ainda, três ações de Mittmann, ou seja, sua atuação no negócio possivelmente firmado em São Leopoldo, onde Hillebrand assinou como testemunha, a troca de colônias entre este e um vizinho e a condição exclusiva de “comprador”, o que significa dizer que não vendeu terras, ao contrário, adquiriu novas propriedades. Neste caso, o poder econômico inicial de Mittmann e Schmitt serviu para elucidar a posição “exponencial” dos dois no cenário colonial do LNRS. Na ocasião oportuna, Schmitt soube somar forças com o pastor Voges, ficando ao seu lado na disputa pastoral, a qual deve ter sido acirrada, pois não se encontra nenhum envolvimento afetivo entre a família Voges e a Mittmann durante o século XIX, tanto em batismos quanto em casamentos, mesmo tendo esta última conquistado importante espaço econômico dentro e fora da Colônia. A análise dos registros da paróquia evangélica de Três Forquilhas (terceiro grupo documental)82, mesmo que parcial em virtude do desaparecimento de alguns livros, permite essa conclusão, que se fundamenta também na análise dos laços afetivos que foram selados entre 82 Os livros de registros da paróquia evangélica de Três Forquilhas encontram-se sob a guarda da pastora Cristina Scherer, a qual iniciou suas atividades junto a essa paróquia no dia 31 de outubro de 2004. A sede da Igreja Evangélica de Três Forquilhas – IECLB - está situada no município de Itati/RS. 75 Jacoby, Schmitt e Voges nos séculos XIX e XX, clãs “exponenciais” do LNRS. Definitivamente, o núcleo Mittmann foi posto à margem pela gradual mas crescente liderança de Voges, a qual pode ser assim sintetizada: Tabela 3: Trajetória pastoral de Carlos Leopoldo Voges Período 1824 a 8/11/1827 1827 a 1831 1831 a 10/1832 1834 1837 1839 1843 1832/33 a 1893 Região Pastor no Rio de Janeiro; durante o deslocamento entre o Rio de Janeiro, Porto Alegre e São Leopoldo e em São Leopoldo como 2º pároco Pastor em Três Forquilhas Pastor em São Leopoldo e retorno para Três Forquilhas Realiza casamento de Anna Maria Diefenthaeller (em São Leopoldo) Realiza casamento de Peter Diefenthaeller (em São Leopoldo) Realiza casamento de Philipp Diefenthaeller (em São Leopoldo) Realiza casamento de Jeanette (em São Leopoldo) Pastor em Três Forquilhas Muito embora tenha se dado ênfase à disputa pastoral nos anos iniciais da colonização, o relacionamento do pastor com sua comunidade foi palco de conflitos constantes, como se percebe na documentação que contemplou o século XIX. E mesmo que não houvesse desentendimentos entre o líder espiritual e seus fiéis, os colonos estavam continuamente interpelando as autoridades no sentido de autorizarem ou providenciarem um pastor para o atendimento espiritual e educacional. Às vezes, o pedido de contratação gerava discussões em torno da subvenção de uma religião que não fosse a oficial do império, como foi o caso da comunidade evangélica de São Leopoldo, ao solicitar recursos para admitir um 76 pastor em 12 de dezembro de 1861, a qual saiu vitoriosa, pois o parecer das autoridades foi favorável à doação do dinheiro para São Leopoldo.83 Unir-se em torno de um objetivo comum e lutar pela sua concretização solidificava laços de amizade e parentesco e permitia o fortalecimento de líderes dentro do grupo. As Colônias de São Leopoldo e Três Forquilhas desde o início da colonização foram atendidas por pastores que, ao menos na versão deles, tinham sido contratados pelo império para dar socorro espiritual aos colonos que seriam fixados no território brasileiro. Porém, nas localidades onde não houve esse tipo de profissional, o posto de líder espiritual foi preenchido por professores e colonos mais letrados, como o caso de Nicolau Mittmann, no LNRS. Em diversas regiões, vozes se levantaram e reivindicaram a autorização, às vezes recursos financeiros, para dar andamento ao projeto de ensino religioso e educacional para a comunidade. Assim, nos anos de 1862 e 1863, as Colônias do Mundo Novo e de São Lourenço pediram licença para que os colonos Christovão Schäffer e Henrique Schmitt, respectivamente, pudessem exercer as funções de “padre protestante”.84 De acordo com Wilhelm Wachholz, o registro do pastor junto ao governo também visava à garantia do reconhecimento das bênçãos matrimoniais, visto que a religião protestante era somente tolerada e não tinha o caráter oficial da católica.85 83 AHRS – Requerimentos – maço 98 – São Leopoldo – 1861. 84 AHRS - Requerimentos – maço 101 – Colonização – Mundo Novo e São Lourenço – 1862/1863. Datas dos requerimentos: Mundo Novo (15/12/1862), São Lourenço (26/5/1863). Amado listou alguns desentendimentos entre os próprios pastores e entre estes e suas comunidades. Muitas vezes, a indicação de um nome para ser constituído como pastor não lhe assegurava convivência harmônica com o rebanho. Isso aconteceu, por exemplo, na Picada de Berghan, em 1832, e no Travessão do Herval, em 1840. Da mesma forma, Bom Jardim e Dois Irmãos brigaram para ter seus próprios pastores, uma vez que o atendimento proporcionado por Ehlers era insuficiente. Tramontini, ao analisar os requerimentos destas duas comunidades (1841 e 1846, respectivamente), transcreveu parte do texto: “só temos mais um pastor [Ehlers] e ele conseguiu chegar a tal extremo que não se pode deixar ver em público”. Ver: AMADO, op. cit, p. 75; nota 68; TRAMONTINI, op. cit., 2000; p. 321. 85 WACHHOLZ, Wilhelm. Atravessem e ajudem-nos: a atuação da “Sociedade Evangélica de Barmen” e de seus obreiros e obreiras enviados ao Rio Grande do Sul (1864-1899). São Leopoldo: Sinodal, 77 Todavia nem todos os requerimentos eram aprovados de maneira ágil e satisfatória para a comunidade. Quando isso acontecia, novo texto era redigido e, se fosse preciso, os mais interessados compareciam frente às autoridades para dar andamento ao processo. A súplica de Carlos Strücker, da Colônia de Santo Ângelo, demonstrou a articulação grupal através da insistência em ser formalmente autorizado a trabalhar como pastor naquela comunidade. Diz o suplicante: Carlos Strücker, que tendo em dias do mês de janeiro do ano corrente sido eleito pastor protestante por 109 colonos, pais de famílias pertencentes aquela região e estabelecidos na colônia de Santo Ângelo, teve ele suplicante a honra de dirigir-se por meio de um requerimento ao Exmo. Antecessor de V. Exça. juntando a este, a ata de sua eleição, assinada pela comissão diretora da dita comuna protestante, solicitando o beneplácito e autorização para poder exercer as funções do cargo para o qual foi eleito; não teve o suplicante solução a sua súplica, e por isso comparece o suplicante por meio deste perante V. Exça. pedindo: se digne, a vista da já referida ata da eleição que deve existir na secretaria do governo, mandar passar ao suplicante a autorização de poder exercer na colônia de Santo Ângelo as funções deste cargo. Colônia de Santo Ângelo, 8 de novembro de 1865.86 Denota-se da narrativa de Carlos Strücker que falhas na burocracia provincial emperraram o andamento do seu pedido. Troca de governo e documentos aparentemente extraviados barravam a concretização dos anseios da comunidade, a qual não desistia frente às adversidades, mas rearticulava-se no sentido de garantir os serviços que julgava imprescindíveis para o crescimento cultural – mas também econômico e político – da Colônia. Nesse caso específico, os requerentes obtiveram 2003, p. 498. Antes de Wachholz, Biehl ponderou que “o pastorado leigo era um ofício eclesiástico legal que atendia às demandas das populações colonas. A Lei de 1863 permitia que comunidades de qualquer religião oficialmente reconhecida pudessem ter validada civilmente a atuação ritual do seu pastor localmente escolhido”. BIEHL, op. cit., p. 235. Do mesmo modo, Radünz trabalhou essa questão em sua tese de doutorado, afirmando que “a situação dos teuto-evangélicos pode ser dividida em dois momentos: de 1824 até 1863, quando a situação religiosa carecia de respaldo legal, e depois da Lei Imperial n. 3.069. A Lei, além de regulamentar o casamento entre os teutoevangélicos, também tratava de outras disposições importantes, como registro de nascimento e óbitos e o próprio registro pastoral”. Ver: RADÜNZ, op. cit., p. 112. O texto da lei 3.069 pode ser encontrado na compilação de IOTTI, Luiza Horn (Org.). Imigração e colonização: legislação de 1747– 1915. Porto Alegre: Assembléia Legislativa do Rio Grande do Sul; Caxias do Sul: Educs, 2001, p. 273-274. 86 AHRS – Requerimentos – Colonização – maço 114 – 1865 – Santo Ângelo. 78 sucesso e ganharam a licença para que o indicado pudesse exercer as funções de pastor.87 Por outro lado, exercer essas funções significava travar conflitos com membros da própria comunidade, bem como com os futuros pastores que chegavam da Alemanha e estranhavam as “novas características” dos protestantes estabelecidos no Sul do Brasil, especialmente a liderança dos fiéis por “pessoas comuns”. Wachholz optou por conceituar esses líderes como “pastores não- ordenados”, ao invés de classificá-los como “pastores colonos”, “pastores livres” ou “pseudopastores”, embora reconheça que os adjetivos vêm acoplados de algum tipo de discriminação. A referência a Bruno Stysinski feita por Wachholz, cujo posicionamento é de 1904, dá conta do embate estabelecido entre os que foram classificados como “não-ordenados” e os que se viam como representantes oficiais da Igreja: Pseudopastores nós denominamos aqueles que exercem o pastorado de forma sofrível, isto é, desembaraçadamente, sem vocação e ordenação, sem formação teológica e, na grande maioria dos casos, sem os conhecimentos e estudos mais necessários. No exercício de seu ministério, o invólucro – o talar, o peitilho, o prontuário litúrgico – é teuto-evangélico. O cerne – o ensinamento, a prédica, a vida, a relação pessoal com a comunidade – no entanto, não é satisfatório nem mesmo em seu aspecto essencial, ao contrário, com muito poucas exceções, deficiente em relação à dogmática e até cristãmente, e eticamente indecente. As profissões exercidas no passado pelos pseudopastores são as mais diversas, até mesmo de natureza disparatada. Não se encontram entre eles ‘estudantes de teologia reprovados’. Não, a maioria deles teve profissões que nem sequer permitem sonhar com o pastorado. São ex-artífices, mecânicos, empregados de fábricas, agricultores, jornalistas, comerciantes, enfermeiros, oficiais e suboficiais, atores, filhos fracassados de condes e barões e mais raramente professores de profissão.88 87 A década de 1870 foi igualmente perpassada por requerimentos que visavam à ocupação de cargos pastorais. A título de exemplo, os colonos de São Lourenço pediram que para fosse instituído como pastor o professor Camillo Loeschner (13/8/1873); três anos depois, há novo requerimento referente a esse professor, no qual é solicitado que Loeschner seja registrado como cura, pois o pastor já está muito velho (31/8/1876); Nesse mesmo ano, colonos das Picadas do Moinho, das Antas e da Boa Vista, da Colônia de São Lourenço, pedem para que seja registrado como pastor Hermann Heyer (21/3/1876). AHRS – Requerimentos – Clero – maço 163 – 1873 – São Lourenço; AHRS – Requerimentos – Clero – maço 195 – 1876 – São Lourenço; AHRS – Requerimentos – Clero – maço 195 – 1876 – São Lourenço (Picadas do Moinho, das Antas e da Boa Vista), respectivamente. 88 STYSINSKI apud WACHHOLZ, op. cit., p. 496-497. 79 A citação de Stysinski representa o olhar parcial de um grupo sobre a realidade da Colônia alemã no século XIX. Wachholz contemporiza a visão crítica dos pastores chegados da Alemanha a partir de 1864, argumentando que o surgimento do pastorado não-ordenado também foi considerado como uma conseqüência da realidade dos teuto-evangélicos no RS. Enquanto os teuto-católicos encontravam uma igreja organizada ao chegarem ao Rio Grande do Sul, os teuto-evangélicos somente eram tolerados pelo governo e tinham que organizar suas próprias comunidades, caso não quisessem tornar-se católicos. A partir desta necessidade, criou-se um hábito. Um ‘colono’ influente e alfabetizado da comunidade era nomeado leitor do culto dominical, na beira da sepultura dirigia palavras de consolo, batizava, confirmava, celebrava a benção matrimonial. Assim, o leitor tornou-se um ‘pastor pronto’.89 No que se refere ao surgimento desse pastorado singular junto às Colônias alemãs – também naquelas que foram instaladas nos Estados Unidos da América90 –, a disputa travada entre Nicolau Mittmann e Carlos Leopoldo Voges ganha dupla dimensão: no plano local, ou seja, na Colônia de Três Forquilhas, estabeleceu-se a querela entre o colono que tinha aptidões para o serviço religioso e o pastor designado oficialmente pela província para atender aos colonos evangélicos do LNRS, mesmo que este estivesse desprovido dos documentos que comprovariam os estudos teológicos realizados na Alemanha. Por outro lado, no plano provincial e da própria instituição eclesiástica, solidificou-se a idéia de que Voges não se enquadrava nos padrões éticos e formais exigidos de um líder espiritual, idéia essa divulgada e cristalizada pelos pastores “ordenados” chegados da Alemanha, os 89 WACHHOLZ, op. cit., p. 498. Segundo Prien, “a formação de comunidades eclesiais teve que acontecer, na maioria dos casos, por iniciativa de leigos, visto que no período de 1824 até 1864 vieram ao Brasil menos que 20 pastores. E também esses não eram enviados por suas Igrejas pátrias, e, sim viajaram, com poucas exceções, por iniciativa e por conta própria, ou, na melhor das hipóteses, com uma duvidosa promessa de ajuda do governo imperial”. PRIEN, op. cit., p. 50. 90 WACHHOLZ, op. cit., p. 496, nota 2. Situações semelhantes entre os americanos foram apresentadas por Prien: “também lá a extrema falta de pastores levou ‘a que comunidades aceitassem como pregador qualquer pessoa que aparecesse, por exemplo, um tanoeiro ou um homem de passado imoral, com a observação: ‘Ele é tão bom de lábia’”; e Biehl: “aqui, no entanto, ainda não impera uma descrença tão selvagem quanto nos Estados Unidos”. Ver: PRIEN, op. cit., p. 74-75; BIEHL, op. cit., p. 227. 80 quais criticaram a disposição de Voges para outras atividades, sobretudo o comércio. Assim, o que era local – Mittmann versus Voges – ganhou nova dimensão ao ser transplantado para o mundo institucional dos pastores, divididos entre as facções dos “não-ordenados” e dos “ordenados”. Ao chegar o término do século XIX e o início do XX, acabou prevalecendo a visão dos “ordenados”. Com a institucionalização da Igreja Evangélica através da criação do Sínodo Rio-Grandense, em 1886, os pastores enviados da Alemanha para o Brasil puderam dar nova forma para o atendimento pastoral junto às comunidades. A imagem deformada dos “não-ordenados” foi cunhada graças à falta de diálogo entre os dois grupos, sendo que os pastores não-ordenados raramente foram alvo de elogios dos pastores ordenados. Na maior parte das vezes foram associados à incredulidade, alcoolismo, jogos, imoralidade, desorganização comunitária, desavenças, desunião.91 Wilhelm Rotermund, um dos pastores mais atuantes quanto à institucionalização da Igreja Evangélica em solo brasileiro, criticou os colegas anteriores (não-ordenados), os quais, para ele, mesmo que tivessem evitado o desaparecimento do protestantismo junto às Colônias alemãs, optaram pelo pastorado, a fim de garantir “um meio confortável de vida”. Para ele, a missão pastoral não deveria se coadunar com outras atividades que comprometessem a vida ética e moral tanto do pastor quanto da comunidade. O adjetivo de “pastorcachaça” foi cunhado devido às criticas dirigidas a líderes espirituais que haviam, de 91 WACHHOLZ, op. cit., p. 499. A curiosidade levou-me a contatar o professor Wachholz, ao qual solicitei o favor de verificar na fonte se Rotermund havia mencionado o nome do pastor. Segundo Wachholz, “Rotermund não faz referência ao nome nem aponta para indícios concretos de local. Ele menciona que se trata de um pastor-cachaça que Borchard já conheceu e que, naquela ocasião (1876) ainda estaria atuando. Contudo, naquela época havia muitos outros destes pastores no RS”. [diálogo estabelecido via e-mail em julho/2005]. 81 alguma maneira, sucumbido ao alcoolismo ou que, nas suas vendas, disponibilizavam bebida alcoólica aos fiéis. Segundo Rotermund, “havia um destes pastores que tinha um boteco onde servia cachaça para os membros da comunidade antes e depois dos cultos”.92 Ainda, “em 1886, observou-se que, no Brasil, uma igreja sem uma ‘venda’, bodega, ao lado era considerada uma instalação incompleta”.93 Muitas dessas críticas foram dirigidas ao pastor Carlos Leopoldo Voges, da paróquia evangélico-luterana de Três Forquilhas, o qual destinava seu tempo para outras atividades que extrapolavam o ofício para o qual havia sido formalmente designado. Como a sua residência ficava ao lado da igreja, onde também estava localizada a venda, sabe-se que os colonos reuniam-se ali antes e depois dos cultos. Pode-se imaginar que faziam compras, trocavam idéias, informações, novidades e, possivelmente, tomassem cachaça.94 Não obstante, o próprio culto e a conduta dos fiéis durante a cerimônia também foram alvo de severas críticas. De acordo com Martin Dreher, “no ano de 1895, a Sociedade Evangélica para os Alemães Protestantes na América... enviou o P. Gottfried Schlegtendal para ser Pastor em Três Forquilhas”.95 O recém-chegado deparou-se com uma comunidade 92 WACHHOLZ, op. cit., p. 500. 93 WACHHOLZ, op. cit., p. 520, nota 123. O autor relacionou o pioneirismo dos pastores com o desenvolvimento da comunidade como um todo: a construção da casa pastoral, do templo, da escola, por exemplo, muitas vezes dependia do incentivo do pastor. Entretanto, as brigas começavam no estágio anterior, isto é, na escolha do terreno onde o templo deveria ser construído. Segundo Wachholz, os ‘vendistas’ brigavam para que o templo fosse construído próximo às suas vendas. 94 O autor presenciou cena semelhante no dia 13 de fevereiro de 2005, em Itati/RS, no minimercado de Odete Klein Werb, situado nas proximidades da igreja: imediatamente após o culto, a “venda” viuse tomada por fiéis que pararam ali para fazer compras, conversar, ver quem era a visita “de fora”, saber das novidades... Alguns chegaram para vender, como foi o caso do colono Vital Bobsin que, naquela manhã, havia colhido abacaxis. Para não fazer duas viagens, colocou as frutas no portamalas do carro, foi ao culto e, na volta, negociou com a comerciante, proprietária do minimercado. Essa descrição estaria incompleta se fosse omitida a informação de que alguns homens também tomaram um “gole de cachaça”. 95 DREHER, Martin N. Restauração européia e restauração religiosa na comunidade evangélica de Três Forquilhas. In: ELY, Nilza Huyer (Org.). Terra de Areia: marcas do tempo. Porto Alegre: EST, 82 cuja trajetória ao longo do século XIX havia alterado os padrões de comportamento esperados pelo religioso alemão fruto da restauração protestante. Chegado a Três Forquilhas dois anos após o falecimento de Voges, Schlegtendal descreveu o culto como um momento de sociabilidade para os colonos, onde “a meia voz eram feitas conversas, fechados negócios; até mesmo anedotas que provocavam aplausos eram contadas em pequenos círculos”. Para ele, “a complacência voluntária ou involuntária do velho pastor” havia permitido o total desmoronamento da Igreja Evangélica naquela região. Prevaleceu, assim, a visão dos “ordenados”, influenciada e formada pela restauração protestante que acontecera na Europa, os quais, a partir dessa opinião, vincularam a imagem de Voges e de sua atuação pastoral a um modelo de Igreja que precisava ser restaurado. Chocaram-se, ainda, neste embate, conforme Dreher, não apenas os valores da religião protestante, mas também a constatação de que a germanidade perdera terreno na comunidade confiada e entregue a Voges, razão pela qual Schlegtendal decretou que “ninguém seria confirmado sem antes haver freqüentado pelo menos um ano a escola comunitária de língua alemã por ele dirigida”.96 Contudo, uma visão global sobre a atividade pastoral de Voges no LNRS é sensivelmente mais abrangente do que a crítica de Rotermund e Schlegtendal, e capaz de redimensionar o olhar sobre o comportamento do pastor. Sem adiantar o que vai ser tratado durante todo o trabalho, o pastorado de Voges serviu de 2000b, p. 43-54. Spliesgart verificou que o pastor Sauerbronn também foi criticado por colegas que chegaram ao Brasil anos mais tarde. Um desses críticos, o pastor Eugen Schmidt, espantou-se e verbalizou o descontentamento com o isolamento e a independência da comunidade de Sauerbronn. Afora isso, o pastor foi censurado por ser muito tolerante e realizar “divórcios” e novos casamentos entre as partes. Por fim, Spliesgart conseguiu mostrar que também em Nova Friburgo houve conflitos entre os antigos pastores imigrantes e os “novos” enviados pela Igreja Prussiana. Ver: SPLIESGART, op. cit., p. 428-430. 96 DREHER, op. cit., 2000b; p. 49. 83 trampolim para a inserção política e o crescimento econômico, o que faz dele um homem da sua época. Visão oposta à de Rotermund foi apresentada por Müller e Hunsche, os quais tentaram justificar a atividade comercial da família Voges, iniciada pelo pastor, em razão do término do pagamento dos subsídios destinados aos imigrantes, suspenso pelo governo imperial em 1830. Contudo, o pragmatismo de Voges denuncia-se ao tentar fixar residência definitiva em São Leopoldo em duas ocasiões – 1825/26 e 1831/32 – e no investimento social e financeiro que empreendeu ao longo do século XIX. No âmbito social, apadrinhamentos e casamentos selaram acordos que sustentaram não só as relações de amizade e familiares, mas oportunizaram a realização de negócios; no plano econômico, a aquisição de terras, a construção de moinho e engenho, a compra e manutenção de escravos, a abertura da venda, a sociedade na navegação fluvial, colocaram Voges e sua família como um dos grupos “exponenciais” no mega-espaço compreendido entre a Colônia-Mãe e o LNRS. A “defesa” do pastor Carlos Leopoldo Voges transpareceu de forma mais nítida em Hunsche, o qual teve como colaborador o pesquisador Elio Eugenio Müller.97 Portanto, as idéias desenvolvidas por Müller em seus dois livros sobre a Colônia de Três Forquilhas encontram-se reunidas na explanação de Hunsche sobre a colonização das Torres. Nesse capítulo98, o autor justificou o incremento financeiro de Voges baseado nas dificuldades enfrentadas após o fim dos subsídios. De fato, o pastor recorreu aos familiares de sua esposa, a família Diefenthaeller, com residência junto à Costa da Serra; porém a abertura da venda no LNRS estava 97 Cf. Müller: “[fui] colaborador do renomado historiador gaúcho Dr. Carlos H. Hunsche, de 1974 a 1983, na pesquisa sobre os primórdios da Colonização e Imigração alemã no Rio Grande do Sul”. Ver: MÜLLER, op. cit., 1992; p. 147. 98 HUNSCHE, op. cit., 1977; p. 118-183. 84 ligada ao projeto de expansão das parentelas Voges e Diefenthaeller, no cenário colonial, e não apenas a um meio de sobrevivência. Os estudos indicaram forte entrelaçamento entre esses núcleos, o que resultou num crescimento econômico considerável, quiçá, também despertado pela observação de outros empreendimentos comerciais: Com esta nova decisão de ficar em Três Forquilhas, voltou à tona a velha pergunta: como subsistir? Como o governo continuava firme na sua negativa de dar subsídios, Voges resolveu solucionar o problema à sua maneira: abriu uma venda, imitando os Orsi, que em São Leopoldo ganhavam muito dinheiro, e o seu próprio sogro Diefenthaeler na Costa da Serra, comprando os produtos aos colonos e vendendo-lhes, em troca, produtos importados, como fazendas, ferramentas, artigos domésticos, etc.99 Na continuação da “defesa” de Voges, Hunsche comparou a situação pastoral do século XIX com a atual, referindo-se às garantias que a Igreja proporciona hoje aos pastores: “ordenado assegurado, [viver] em casas da comunidade, portanto, gratuitamente... aposentadoria... Tudo o que o P. Voges não tinha”.100 A comparação do autor limitou-se a enumerar as conquistas que a classe obteve durante a formação da Igreja Evangélica no Brasil, deixando de perguntar por que Voges deu continuidade aos negócios paralelamente à função eclesiástica. Se a intenção era complementar a renda para poder subsistir, por que elevou-se à categoria de “maior vendeiro, industrial e capitalista da zona”101, nas palavras do próprio Hunsche? A inserção política e as múltiplas atividades econômicas a que a família Voges se dedicou extrapolam a explicação pontual de que a venda foi um mero mecanismo de subsistência. 99 HUNSCHE, op. cit., 1977; p. 167. 100 HUNSCHE, op. cit., 1977; p. 167. 101 HUNSCHE, op. cit., 1977; p. 165. 85 Por outro lado, Hunsche observou com nitidez que os rótulos em relação a Voges “partiram não tanto de membros da sua comunidade e de pastores de sua época, mas de pastores do nosso século [XX]”.102 Nesta afirmação há um pequeno equívoco, pois os pastores que passaram a atender a Três Forquilhas na década de 1890, quando Voges não tinha mais condições de trabalhar devido à idade, foram unânimes em criticá-lo por causa da excepcionalidade do pastorado desenvolvido naquela comunidade, sobretudo o comportamento relapso ao registrar batismos, confirmações, casamentos e sepultamentos, e a dedicação não integral de seu tempo para o socorro espiritual dos fiéis. Desse modo, a construção da figura de Voges como “pastor não-ordenado” foi iniciada já no século XIX pelos colegas que obtiveram informações sobre Três Forquilhas ou que passaram a atendê-la em substituição a Voges. Um dos críticos que imortalizou a imagem de Voges como pastor e ao mesmo tempo vendeiro foi Schröder, o qual escreveu: Ao lado da igreja, ficava a sua casa de compra e venda (uma grande casa de enxaimel, onde morava e onde funcionava a escola). Atendia os seus fiéis com cachaça e outros produtos, mesmo aos domingos, antes e depois dos cultos. Conseguiu desenvolver o seu comércio de tal forma que a sua venda se tornou o centro comercial de toda a zona. Além desta casa de negócio, explorava, mediante escravos, as suas terras, possuía um fábrica de cachaça, uma olaria, um curtume e fazia investimentos consideráveis de capital em Porto Alegre. E, ainda, atendia a parte externa das suas obrigações de pastor: pregava, batizava, confirmava, casava e enterrava os seus fiéis. Isso até os 92 anos de idade. Mas o que ele dava à sua comunidade não era aquilo que ela carecia. Simplificava o desempenho das suas funções, usando textos pré-formulados. Os seus cultos consistiam em simples leituras de prédicas e de orações impressas. A preparação da juventude a ser crismada (‘Konfirmiert’) limitava-se à leitura e decoração de uns 300 versículos e sentenças, dentro de uma concepção cristã racionalista. Sob a orientação de um cura de almas tão deficiente, os últimos restos de uma religiosidade teuto-evangélica, forçosamente, teriam que degenerar, máxime faltando o ensino escolar, mesmo na forma mais precária, em um ambiente predominantemente luso-brasileiro.103 102 HUNSCHE, op. cit., 1977; p. 167. 103 SCHRÖDER, Apud HUNSCHE, op. cit., 1977; p. 167-168. 86 Conforme Dreher, Ferdinand Schröder nasceu em 10 de setembro de 1892, vindo ao Brasil em 1921, onde atuou como pastor em Barão do Triunfo e São Leopoldo. O texto do qual foi retirada a citação acima integra a Tese de Doutorado de Schröder, defendida em Berlim, em 1931, intitulada A imigração alemã para o Sul do Brasil até o ano de 1859.104 Deve ter sido durante o período em que permaneceu no Brasil – 1921 a 1925 –, mas também nos relatórios enviados regularmente à Alemanha pelos pastores que Schröder tomou conhecimento da existência da comunidade evangélica de Três Forquilhas e do longevo pastor Carlos Leopoldo Voges. Certamente causou-lhe estranheza a forma com que o líder espiritual relacionou-se com os fiéis, o que resultou no texto mencionado e que sintetiza a visão geral sobre o pastorado de Voges. A análise dos conflitos que envolveram pastores e suas comunidades, bem como pastores “não-ordenados” e “ordenados”, não deve passar a impressão de que os teólogos enviados da Alemanha para o Brasil a partir de 1864 foram todos bem recebidos e plenamente aceitos nos locais onde trabalharam. Rotermund, cuja atividade pastoral ficou centrada em São Leopoldo, por diversas vezes viu-se no meio turbulento de conflitos e interesses outros que fugiam à esfera espiritual ou ritualística da Igreja.105 O que teria acontecido de 1875, quando a diretoria da 104 SCHRÖDER, op. cit., p. 5. 105 WACHHOLZ, op. cit., p. 386-458, analisou a trajetória pastoral de Rotermund através dos conflitos que essa liderança estabeleceu com seus colegas. Nos próprios títulos de sua obra, o autor sinalizou o teor dos embates que envolveram a figura de Rotermund, por exemplo, “O envio de Hermann Wilhelm Rotermund: os antecedentes e as primeiras crises” (p. 386), “Conflitos entre Rotermund, seus colegas e a Sociedade Evangélica de Barmen” (p. 409), “Conflitos em torno da imprensa e jornais” (p. 409), “Desconfianças em relação à postura ética de Rotermund” (p. 413), “Conflitos em torno da escola” (p. 417), “Conflitos em torno da elaboração de um hinário” (p. 431), “A presidência do Sínodo sob Rotermund e sua renúncia” (p. 433) e “Tensões no Sínodo: uma questão entre pastores de formação missionária e universitária?” (p. 443). Após enfatizar os conflitos estabelecidos entre os pastores, o autor deixou em aberto as querelas de Rotermund com sua comunidade, as quais, possivelmente, tiveram origem nos desentendimentos travados entre as lideranças religiosas (pastores), opção metodológica que pode estar relacionada ao recorte temático e à consulta restrita 87 comunidade evangélica de São Leopoldo solicitou o registro do pastor Rotermund junto ao órgão provincial competente106, a 1877, quando 92 membros assinaram petição solicitando a demissão do mesmo pastor?107 Os documentos não revelam os motivos, mas trazem à luz a intensidade dos conflitos: tendo-se [o pastor Rotermund] excedido nas funções de seu cargo, tendo por isso desmerecido da confiança da comunidade... e como dito Dr. Rotermund tem posto em ação todos os meios possíveis para levar avante sua pertinácia em querer a todo transe continuar a ser o pastor da comunidade, criando com isso desgostos e inimizades entre as pacíficas famílias da referida comunidade, é dever dos abaixo assinados virem ante V. Exça. replicar o seu pedido, na crença de que agentes audaciosos que tem o referido Dr. Rotermund nessa cidade, fossem muito hábeis de iludirem a boa fé dos honrados empregados da secretaria, subtraindo dito documento com a aludida petição. A citação acima refere-se ao posicionamento de sete membros da comunidade, os quais não só denunciaram o “mau” procedimento do pastor, como também alertaram para a possibilidade de fraude no encaminhamento da petição anterior. Segundo eles, o pastor estaria articulado com funcionários da burocracia local, a fim de fazer sumir os papéis que depunham contra ele. Anexas a esta aos arquivos da igreja (Brasil, Alemanha e Suíça [p. 599]), estando excluído desse rol o AHRS, local onde se encontram guardados os documentos ora analisados. Da mesma forma, PRIEN op. cit., p. 118, localizou a “desconfiança” das comunidades em relação à proposta de unificação via Sínodo e trouxe, assim como Wachholz, uma das dissidências enfrentadas por Rotermund em razão de problemas ocorridos na escola que pertencia à comunidade. No entanto, Prien não aprofundou a questão, limitando-se a informar que “somente em 1903 os derradeiros 60-70 dissidentes iriam ser integrados por um pastor missuriano em sua comunidade” (p. 119). O fato de não contemplarem os conflitos do pastor com sua comunidade pode passar a impressão de que esta estava desvinculada dos embates que ocorriam entre os próprios pastores, de maneira que se corre o risco de concluir que a falta de acordo e entendimento entre os pastores não chegasse ao conhecimento dos membros da diretoria da comunidade e dos fiéis que assistiam aos cultos. Assim, mesmo que em poucas linhas, a análise dos conflitos abertos entre Rotermund e a comunidade de São Leopoldo quer preencher essa lacuna. 106 AHRS – Requerimentos – maço 187. Germano Moehlecke transcreveu alguns destes documentos, disponibilizando-os aos pesquisadores. Por opção, o autor esquivou-se de comentá-los. Nas suas palavras: “não vamos descrever todos os detalhes. Deixemos que os documentos o façam na sua originalidade”. Ver: MOEHLECKE, Germano Oscar. Centenário do Sínodo Riograndense: polêmica na Comunidade Evangélica de São Leopoldo. In: Simpósio de História da Igreja. São Leopoldo: Rotermund, Sinodal, 1986a, p. 71-79. 107 AHRS – Requerimentos – maço 195. Gertz chamou a atenção para o fato de que Rotermund enfrentava problemas com o comércio teuto de Porto Alegre. Essa afirmação está baseada na carta do pastor Martin Brauschweig, o qual registrou em 1919 que “sua situação [a de Rotermund] estava 88 documentação estão a carta de exoneração de Rotermund e a nomeação do novo pastor – Christoph Schaefer –, para a qual solicitaram registro.108 Os conflitos envolvendo Rotermund, diferentemente dos que desestabilizaram a relação de Ehlers, Klingelhoeffer e Voges com suas comunidades, encaixam-se em outro contexto: desde 1864, os pastores “ordenados” empenhavam-se em restaurar a Igreja, livrando-a dos hábitos e costumes adquiridos desde 1824, quando, segundo eles, a prática religiosa dos colonos, guiados pelos “não-ordenados”, deu origem a um tipo de fé que diferia dos ensinamentos recebidos na Alemanha. Possivelmente, procedam deste novo contexto os desentendimentos do pastor com seus fiéis, tendo, por um lado, a figura de Rotermund, crítico em relação à Igreja que havia se formado no Brasil e líder na tentativa de institucionalização da entidade religiosa, e, por outro, os membros, temporalmente muito próximos do modelo de Igreja vivido quando os “ordenados” ainda não haviam chegado. Mediante isso, talvez os integrantes da comunidade evangélica de São Leopoldo estranhassem a liderança forte do novo pastor, um dos símbolos da restauração religiosa no Brasil. O desabafo de Pedro Carlos Reihn, em 1852, resume essa situação: eu compreendo o Cristiano [pastor não-ordenado], eu penso que ele explica direito a Bíblia, ele compreende as coisas de Deus e as coisas da gente mas, eu penso, o outro [pastor ordenado] não fala direito e eu não compreendo mesmo nada do que ele fala.109 cada vez mais difícil, tanto em função de sua idade quanto em função de sua má fama frente ao comércio teuto de Porto Alegre, quanto frente ao governo estadual”. GERTZ, op. cit., 2002, p. 40. 108 AHRS – Requerimentos – maço 195. 109 Arquivo Nacional – Colonização – Papéis avulsos – Escritos de Pedro Carlos Reihn – 1852. 89 Longe de se esgotar a trajetória do pastor Rotermund, o que se pretende é chamar a atenção para o fato de que os “ordenados” também enfrentaram resistência e travaram conflitos com suas comunidades, nem sempre fáceis de contornar. Ao que parece, as querelas de 1877 produziram duas facções em São Leopoldo, pró e contra Rotermund. Esse dado apareceu numa longa carta datada de 30 de dezembro de 1884, encaminhada ao presidente da província, quando a parte dissidente expôs suas dificuldades em usar o templo do qual também eram proprietários e mantenedores. O estopim deste novo conflito foi a impossibilidade de realizarem o culto de Natal, motivo que os levou a escrever e denunciar o pastor à autoridade máxima da província. Deste documento é possível constatar que a comunidade evangélica de São Leopoldo encontrava-se dividida, com duas diretorias, sinal de que o pastor “ordenado” não conseguira harmonizar seu rebanho. Os dissidentes acusavam Rotermund de estar em conluio com as autoridades locais, razão pela qual o grupo que o apoiava levou vantagem em relação aos que lhe eram contrários. Mais uma vez, o documento não informa como a questão foi resolvida, embora os solicitantes tivessem apresentado a proposta de se estabelecer um acordo para o uso do templo, a fim de que nenhuma das partes se visse excluída do ensinamento espiritual trazido por seus pastores.110 110 AHRS – Requerimentos – maço 214. Ricardo Rieth analisou a formação da comunidade Concórdia, em São Leopoldo, constatando que sua origem remonta a esse conflito. A contribuição de Rieth é importante, pois denuncia que Rotermund mostrou-se incapaz de unir a sua comunidade após a divisão explicitada neste texto. Spliesgart constatou, igualmente, que o pastor Sauerbronn enfrentou problemas no relacionamento com os próprios fiéis, mas também com autoridades eclesiásticas, civis e burocráticas. Sauerbronn, por exemplo, foi acusado de casar católicos com protestantes e de realizar o sepultamento de um protestante de forma muito pública. Por essas e outras atitudes, o pastor foi obrigado a defender-se frente às autoridades eclesiásticas e civis da época. Ver: RIETH, Ricardo Willy. Sobre a comunidade Concórdia de São Leopoldo. (Manuscrito); SPLIESGART, op. cit., p. 178-182. 90 A extensa bibliografia sobre o pastor Rotermund111 consagrou-o como o articulador das propostas de unificação da Igreja Evangélica no Brasil, resultando na formação do Sínodo em 1886. Depreende-se que Rotermund tenha sido o vencedor da querela de 1884, pois conseguiu formar o Sínodo e dar prosseguimento à consolidação da estrutura religiosa evangélica no território brasileiro até sua aposentadoria, em 1º de janeiro de 1918.112 Por outro lado, enquanto a Igreja Evangélica no Brasil caminhava em direção à unificação, comunidades ainda optavam por registrar como pastores pessoas do seu próprio meio, indo na contramão do que Borchard tentara implantar a partir de 1864, isto é, a desvinculação dos “não-ordenados” e a progressiva substituição pelos “ordenados” vindos da Alemanha. Desse modo, as Picadas Franck, Schmidt e Clara, de Teutônia, solicitaram que fosse registrado como pastor o professor Henrique Beckmann, levando à presidência da província abaixo-assinado com quarenta e um nomes. Procederam da mesma forma a freguesia de São Sebastião, do município de Santo 111 A bibliografia sobre Rotermund é ampla e diversificada. A título de exemplo, foram listadas algumas obras que abordaram a vida do pastor sob diferentes ângulos: ARENDT, Isabel C. A escola comunitária evangélico-luterana e seus condutores no Rio Grande do Sul (1865-1918). In: III congresso internacional de educação. Educação na América Latina, nestes tempos de império, 2003, São Leopoldo. (CD-ROM); DREHER, Martin Norberto. Igreja e germanidade. 2. ed. São Leopoldo: Sinodal, 2003; FAUSEL, Erich. D. Dr. Rotermund: Ein Kampf um Recht und Richtung des Evangelischen Deutschtums in Südbrasilien. São Leopoldo: Verlag der Riograndeser Synode, 1936; GERTZ, op. cit. [2002; capítulo II]; GRÜTZMANN, Imgart. A mágica flor azul: a canção em língua alemã e o germanismo no Rio Grande do Sul. Porto Alegre, 1999. Tese [Doutorado]. Pontifícia Universidade católica do Rio Grande do Sul – PUCRS, 1999; KREUTZ, Lúcio. Um pastor elaborando e imprimindo material didático: desvio de função? In: BASTOS, Maria Helena Camara; TAMBARA, Elomar; KREUTZ, Lúcio (Orgs.). Histórias e memórias da educação do Rio Grande do Sul. Pelotas: Seiva, 2002, p. 65-100; PICCOLO, Helga Iracema Landgraf. A questão religiosa e os protestantes no Rio Grande do Sul. In: Simpósio de história da igreja. São Leopoldo: Sinodal, Rotermund, 1986, p. 91100; e ROTERMUND, Wilhelm. Os dois vizinhos e outros textos. São Leopoldo: Sinodal, Porto Alegre: EST, 1997. [Tradução de Martin Norberto Dreher]. 112 Resumo da biografia de Rotermund pode ser encontrado em WACHHOLZ, op. cit., p. 270-272. O pedido de registro do Sínodo Rio-Grandense encontra-se no AHRS – Requerimentos – maço 236 e o dos Estatutos no AHRS – Requerimentos – maço 196. 91 Amaro, a Colônia de Agudo, pertencente a Santo Ângelo, e a de Santa Cruz, nos anos de 1884, 1885 e 1886.113 Constata-se, assim, que o processo de unificação da Igreja Evangélica no Brasil percorreu longo caminho (1864 -1886), até o Sínodo ser aceito pela maioria dos pastores e consolidar-se como o órgão máximo da entidade. Se a pesquisa percorresse o século XX, outros conflitos viriam à tona e ratificariam a concepção de que o relacionamento comunidade-pastor foi, indubitavelmente, perpassado pelo enfrentamento de idéias e ações, comuns e discordantes, as quais resultaram em acordos e dissidências. No que se refere a São Leopoldo, além do já referido pastor Ehlers, dirigiram os serviços religiosos da Comunidade os pastores August Wilhelm Klenze (de 1843 a 1861), Dr. Hermann Borchard (de 1864 a 1870), Carl Friedrich Wegel (de 1869 a 1874), d. Dr. Wilhelm Rotermund (de 1875 a 918)114; quanto a Três Forquilhas, o pastor Carlos Leopoldo Voges continuou atendendo à comunidade evangélica praticamente até a sua morte, no ano de 1893, somando 67 anos de serviço eclesiástico. 113 AHRS - Requerimentos – maços 214, 222, 236 (Picadas Franck, Schmidt e Clara e freguesia de São Sebastião, maço 214; Agudo, maço 222; Santa Cruz, maço 236). No que se refere à Colônia de Santa Cruz do Sul, Radünz analisou conflitos estabelecidos entre a comunidade e seus pastores, a partir de 1870/1871, deixando em aberto o período de 1850 a 1870, mesmo que o título da sua Tese indique o marco temporal do século XIX. A lacuna desses vinte anos iniciais da colonização em Santa Cruz do Sul sugere as seguintes observações: houve conflitos entre os pastores e a comunidade de 1850 a 1870? O autor usou como recorte o ano de 1864 (vinda do pastor Borchard ao Brasil) para investigar as querelas entre fiéis e pastores? A opção por não investigar a relação pastor-comunidade antes de 1870 está ligada à concepção de mundo idílico pré-chegada dos “pastores ordenados” vindos da Alemanha? Como Radünz não responde a essas questões em sua tese, as observações acima têm caráter reflexivo, mas, ao mesmo tempo, questionador. Ver: RADÜNZ, op. cit. [especialmente o último capítulo, a partir da página 216]. Ainda, sobre as “comunidades-livres” que ousaram desafiar à subordinação ao Sínodo, ver: TEICHAMNN, Eliseu. Imigração e igreja: as comunidades-livres no contexto da estruturação do luteranismo no Rio Grande do Sul. São Leopoldo, 1996. Dissertação [Mestrado]. Escola Superior de Teologia – EST, 1996. 114 PETRY, Leopoldo. São Leopoldo: berço da colonização alemã do Rio Grande do Sul (1864-1966). São Leopoldo: Prefeitura Municipal de São Leopoldo, 1966, p. 22. 92 Difícil concluir se foi a longevidade ou a capacidade de manter os pastores “ordenados” pós-1864 distantes do seu reinado espiritual – ou os dois fatores combinados –, que proporcionaram a Voges quase sete décadas de pastorado. Inegável é que o fato de residir fixamente em Três Forquilhas, ter outras atividades como agricultor, vendeiro e proprietário de atafona, moinho e escravos e inserir-se na política colaborou para que os “ordenados” não conseguissem removê-lo daquela comunidade. Figura 4: Carlos Leopoldo Voges (à esquerda) Fonte: Arquivo pessoal de Nilza Huyer Ely 93 Não obstante, houve críticas em relação ao seu trabalho, antes e depois de sua morte, as quais impulsionaram o Sínodo a enviar novo líder espiritual para restaurar a Igreja em Três Forquilhas, imediatamente após o falecimento do velho pastor.115 Paradoxalmente, Ehlers, mesmo estando em São Leopoldo, teve seu reinado espiritual sensivelmente menor do que o de Voges. A documentação e a bibliografia pesquisada registram que o relacionamento de Ehlers com a comunidade foi conflituoso até a sua saída, quando foi substituído pelo pastor Klenze, em 1843.116 Pelo que consta, faleceu no Rio de Janeiro, em 1850, onde exerceu a função de professor. A acusação de “republicano” reforça sua participação política, tendo aderido, assim como Klingelhoeffer, à causa farroupilha. Müller informou, sem mencionar a fonte, que Ehlers “deixou São Leopoldo em 1843, provavelmente por causa do seu envolvimento com as idéias dos revolucionários separatistas farroupilhas”. Tramontini, em três passagens de sua Tese, analisou documentos que vinculam o pastor ao “movimento rebelde”, sendo os de maior expressão aqueles que denunciam o embate de Ehlers com Hillebrand e a inferência do líder religioso junto aos colonos no sentido de conclamá-los a aderir às tropas farroupilhas. Essa idéia é ratificada com dois documentos selecionados por Moehlecke, os quais ligam o pastor Ehlers, de maneira incontestável, ao movimento farroupilha. Handelmann, 115 Biehl trabalhou com o conceito de “poder pastoral” formulado por Michel Foucault: “[poder pastoral] é co-extensivo e contínuo com a vida; está ligado com a produção da verdade – a verdade individual”. Continua o autor: “É uma forma de poder através do qual não somente se toma conta da comunidade, mas de cada indivíduo em particular, durante toda a sua vida”. A análise de Biehl faz pensar sobre a trajetória de Voges e o uso que ele fez do “poder pastoral” durante os anos em que esteve à frente das comunidades de São Leopoldo e Três Forquilhas. Mesmo que parcialmente, é possível concluir que a condição de líder espiritual abriu caminho para a representação, o crescimento econômico e a inserção política. Embora essas três esferas de atuação estejam imbricadas, a possibilidade de representar tanto os que estavam na condição de dependentes quanto aqueles que formavam o seu grupo de apoio solidificou a imagem de Voges como intermediador: no plano espiritual, era o elo entre salvação e danação; no mundo dos homens, autoridade política, econômica e burocrática. Ver: BIEHL, op. cit., p. 228. 94 por sua vez, provavelmente se referiu a Ehlers ao afirmar que “a grande maioria dos católicos, porém, tomou o partido dos revolucionários; e a estes se associaram também ambos os párocos protestantes”.117 Quanto à possibilidade de Ehlers ter se convertido à religião católica, Tramontini transcreveu parte de uma carta escrita pelo padre Villarrubias, em 1844, da qual se deduz que o pastor evangélico-luterano sondou a Igreja Católica quanto a uma possível troca de instituição. Segundo o padre que redigiu o documento, havia motivos fundados para se desconfiar de tal ministro [Ehlers], homem de idade madura, astuto e ambicioso, que havia dado mostras de ser seu intento principal enriquecer e quiçá derramar com maior facilidade o veneno de seu luteranismo.118 Ao que parece, o pastor Ehlers não foi visto com bons olhos pelo líder da Igreja Católica, o qual desconfiou da sinceridade de seus sentimentos. Se de fato Ehlers aderiu ao catolicismo, até este momento permanece uma incógnita. Por outro lado, o fato de ter permanecido sempre em São Leopoldo não cooperou para que Ehlers despontasse como líder local, ao contrário, sua autoridade foi sendo minada pelos constantes embates que travou com seus fiéis. O crescimento da Colônia em todos os níveis, a agitação para elevá-la à categoria de Vila (concretizada em 1846), o fortalecimento dos laços com Porto Alegre via rio dos Sinos e a expansão colonial em direção à Serra e aos Vales pouco ajudaram Ehlers na concretização do plano inicial idealizado a partir do convite de Schäffer para assumir vaga pastoral no Brasil 116 Cf. Rotermund, “não havia bom relacionamento entre os dois pastores [Ehlers e Klenze] e... havia muita tensão nas próprias comunidades”. De acordo com o autor, Ehlers retirou-se de São Leopoldo preterido pelo seu colega Klenze. ROTERMUND, op. cit., p. 261-262. 117 Ver: MÜLLER, Armindo. O começo da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil contado a partir da atividade dos assim chamados pseudo-pastores (1824-1886). In: ARENDT, Isabel Cristina; WITT, Marcos Antônio (Orgs.). Anais do VI seminário nacional de pesquisadores da história das comunidades teuto-brasileiras. São Leopoldo: Oikos, 2004, p. 34-48, p. 39-40; TRAMONTINI, op. cit., 2000; p. 198; 278; 248-249; MOEHLECKE, Germano Oscar. Os imigrantes alemães e a Revolução Farroupilha. São Leopoldo: Gráfica da Universidade de Caxias do Sul, 1986b, p. 175-176; 95 junto à Colônia alemã a ser formada, isto é, emigrar para tornar-se líder espiritual, mas também líder local junto às demais autoridades e, com isso, progredir com o desenvolvimento da Colônia. Ao longo destas páginas, pretendeu-se localizar e analisar os conflitos estabelecidos entre pastores e entre estes e suas comunidades, com o intuito de transpor a dimensão espiritual das disputas para o cenário político e social da Colônia.119 Em vez de espadas, suas armas foram palavras carregadas de poder simbólico, cujo alcance poderia livrar os homens do destino cruel – inferno – e enviá- los, definitivamente, ao paraíso. Entretanto, as brigas, as especulações, as intrigas proferidas por cada um dos agentes históricos analisados neste texto extrapolavam o campo imediato de suas atuações – o serviço eclesiástico – e os colocavam como personagens articulados, que buscavam inserir-se em outras esferas da sociedade colonial em formação. De acordo com Tramontini, as disputas pela liderança das ‘comunidades’ se reforçam aqui como disputas verdadeiramente políticas, onde, inclusive, acusações sobre o ‘republicanismo’ de Ehlers, da ‘violência’ de Klingelhoeffer, da imoralidade de Voges... Integram as disputas pelo poder local com a discussão política provincial. Portanto, ficam invalidadas as interpretações que supervalorizam o localismo, a política no interior das picadas como única ou maior força na determinação da vida colonial. A organização dos colonos... se articula com a disputa política de lideranças na zona colonial, e, por sua vez, com a discussão política brasileira.120 HANDELMANN, Henrique. História do Brasil. In: Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. Rio de Janeiro: Imprensa nacional, 1931, p. 532. [grifo nosso]. 118 TRAMONTINI, op. cit., 2000; p. 279. 119 “Com Klingelhoeffer fecha o ciclo da vanguarda do protestantismo no sul do Brasil. Os três pastores... [Ehlers, Klingelhoeffer e Voges] foram, em si, uma unidade, não pelo seu nível intelectual e de formação que foi diferente em cada caso: foram todos contratados pelo Major Schaeffer; as suas viagens ao Brasil, com exceção da de Klingelhoeffer, foram pagas pelos cofres do Império; receberam gratificações anuais até 1830/31 e, depois, esporadicamente e por pouco tempo, ordenados por mês; a sua história é a história da Igreja Evangélica no Rio Grande do Sul que abrange, aproximadamente, vinte anos do total dos quarenta que separam a chegada de Ehlers (1824) da do Dr. Borchard (1864)”. Ver: HUNSCHE, Carlos Henrique. Protestantismo no Sul do Brasil: nos quinhentos anos do nascimento de Lutero (1483-1983). Porto Alegre: EST, São Leopoldo: Sinodal, 1983, p. 30-31. 120 TRAMONTINI, op. cit., 2000; p. 226-227. 96 A breve, mas explosiva trajetória de Klingelhoeffer, serve como parâmetro: da condição de líder espiritual passou, conjuntamente, a líder farroupilha, morrendo em combate. Voges, inimigo figadal de Ehlers, conquistou espaços que o colocaram como “expoente” nas esferas econômica e política do mundo colonial do século XIX. Casamentos, apadrinhamentos, alianças, entre outras artimanhas, proporcionaram a Voges lugar de destaque no mega-espaço São Leopoldo-LNRS, tema do próximo capítulo. CAPÍTULO II – RELAÇÕES DE PARENTESCO: INCURSÃO À TEIA Sem minha família eu não sou ninguém.121 A história da família deve ser, portanto, contextualizada. A família isolada nos dá informações, não raro, desviantes, até porque nos leva a supor uma igualdade de condições entre pares, o que não é confirmado quando nos colocamos no âmbito de um quadro mais complexo. De fato, a família, entendida como um conjunto de parentes e aliados, não se estruturou de forma uniforme, com indivíduos que gozassem de deveres e direitos iguais, e sim como um conjunto diferenciado e hierarquizado, muito embora bastante coeso.122 Documentos de Arquivos Familiares, Inventários, Livro-Caixa, ProcessosCrime, Registros Paroquiais de paróquias eclesiásticas, elaborados por padres, pastores e funcionários tanto do governo quanto de outras instituições, Registros Paroquiais da Lei de Terras, entre outras fontes, todas interligadas a obras historiográficas de referência123, colaboraram para a construção deste capítulo. No entanto, elas representam um emaranhado de nomes, datas, lugares e compromissos que, às vezes, deixam o historiador sem saber por onde começar: pelo batismo ou pelo óbito? Pelo compromisso mais explícito ou por aquilo que se lê nas entrelinhas? Deve-se deter especificamente nas relações familiares ou abrir o leque para observar que a instituição família se expandiu e trouxe, nesse movimento de expansão, incontáveis nomes para o seu interior? De fato, a explosão de informações que existe nestas fontes é perturbadora, por que não dizer, quase 121 Franz Becker, 1842. In: AMADO, op. cit., p. 45. 122 LEVI, op. cit., p. 110. 123 CANDIDO, Antonio. Um funcionário da monarquia: ensaio sobre o segundo escalão. Rio de Janeiro: Ouro Sobre Azul, 2002; GINZBURG, Carlo. A micro-história e outros ensaios. Lisboa, Rio de Janeiro: Difel, Bertrand Brasil, 1989; HUNSCHE, op. cit., 1977; LEVI, op. cit.; WOORTMANN, Ellen Fensterseifer. Herdeiros, parentes e compadres: colonos do Sul e sitiantes do Nordeste. São Paulo, Brasília: Hucitec, EdUNB, 1995. 98 sufocantes. As palavras de Hunsche expressam este dilema: “Meu Deus, quanto material!”.124 Apesar das inúmeras fontes e dos quase incontáveis dados obtidos através da investigação, tentou-se fugir da areia movediça e, pouco a pouco, avançar no sentido de dar o primeiro passo em direção ao que se pode chamar de substancial na análise da imigração no século XIX. Não obstante parte da historiografia clássica da história da imigração alemã dedicar-se à genealogia e à descrição dos feitos das famílias que compuseram os núcleos coloniais, há, ainda, muito o que pesquisar e escrever sobre as relações familiares, tanto as locais quanto aquelas que, na expansão da colonização, viram-se separadas por quilômetros de distância. O trabalho, a cultura e o desenvolvimento trazido e proporcionado pelos imigrantes podem ser facilmente encontrados nos autores considerados clássicos. Porém, no que tange às relações familiares – inclusive as de amizade -, tornam-se mais escassas as referências a esse tipo de vínculo entre os imigrantes e seus descendentes, e entre estes e os seus vizinhos nacionais. Levi e Silvia Siriani apontam para essas dificuldades, ao expressarem opinião oposta aos que reduzem a família ao universo de pais e filhos. Segundo Levi, “essas estratégias colocam em jogo... ‘frentes familiares’ formadas por unidades que não residem juntas mas 124 HUNSCHE, op. cit., 1977; p. 396. Tramontini justificou a forte carga documental da sua Tese da seguinte forma: “no que se refere à metodologia do trabalho, optou-se por um levantamente sistemático do maior volume possível de informações sobre o nosso objeto. Assim, o que, por vezes, pode parecer empirismo ou preciosismo, tem um outro objetivo, que é de relativizar interpretações consagradas em documentos e/ou análises”. O autor continua: “o desenvolvimento da questão central, a organização social dos imigrantes... exigiu uma análise detalhada do farto material documental, fundamentalmente nos arquivos locais”. As considerações de Tramontini são pertinentes a este trabalho, também carregado de “farto material documental”. A pesquisa em “arquivos locais”, principalmente AHRS e APERS, se deu em razão de essas instituições serem as mantenedoras de boa parte da documentação que trata sobre imigração no Rio Grande do Sul. Ver: TRAMONTINI, op. cit., 2000; p. 16; p. 14. 99 ‘unidas por laços de parentesco consangüíneo, por alianças ou relações de parentesco fictícias’”. Para Siriani, um dos principais aspectos para a compreensão da dimensão quotidiana no que concerne às relações de sociabilidade de um determinado grupo de indivíduos diz respeito às formas de convívio e organização do ambiente familiar.125 No entanto, apesar de chegar ao âmago da questão – convívio e organização do ambiente familiar –, a autora manifesta-se de modo a desconsiderar o enfrentamento étnico dos imigrantes alemães quando afirma que “as formas de organização familiar, alemãs, parecem não ter sofrido grande impacto ao serem transplantadas para a sociedade paulistana”.126 A aproximação e o contato estreito com as fontes citadas no primeiro parágrafo deste capítulo indicaram caminhos de observação e análise os quais permitem afirmar, hoje, que a história da imigração pode ser melhor compreendida sob a luz das relações familiares intra e extragrupo, independente de se darem dentro de um mesmo núcleo ou entre Colônias que estão separadas geograficamente. Levi destaca que é exatamente esta cotidianidade de uma situação vivida por um grupo de pessoas envolvidas em acontecimentos locais mas, ao mesmo tempo, interligadas a fatos políticos e econômicos que fogem a seu controle direto, a nos colocar problemas bem interessantes no que concerne às motivações e estratégias da ação política.127 No caso das Colônias de São Leopoldo e Torres, Martin Dreher buscou analisar o trânsito humano existente entre esses núcleos coloniais através dos registros elaborados pelos pastores da época, principalmente Ehlers e Voges, chegando também à conclusão de que esses espaços se comunicavam e não 125 LEVI, op. cit., p. 30; SIRIANI, op. cit., p. 203. 126 SIRIANI, op. cit., p. 203. 100 estavam isolados. O texto intitulado “São Leopoldo e Três Forquilhas – Relações Humanas”, contém transcrições dos livros paroquiais que ratificam a posição do autor e permitem uma nova leitura da comunicação e do trânsito entre as Colônias. No mesmo sentido, para Ginzburg, a utilização do nome apontou para um novo objeto de pesquisa: a reconstituição das famílias. A busca de informações, a partir do nome, desdobra-se em múltiplas fontes, como registro das paróquias rurais, registros cadastrais, arquivo privado da propriedade e registros de administração. Após a coleta e análise dos dados encontrados nessas fontes, “é possível reconstruir o entrelaçado de diversas conjunturas”. Defende-se, desta forma, o entrecruzamento de dados de diversas famílias e núcleos coloniais obtidos em inúmeros arquivos, como método de aproximação e análise do processo de colonização no Rio Grande do Sul.128 Valendo-me da metodologia normalmente empregada para os estudos de caso129, optei por tentar responder às questões norteadoras deste trabalho com a análise de um caso singular, porém amplamente representativo, que foi a união das famílias Diefenthäler e Voges.130 Para tal, houve a necessidade de se formular a seguinte pergunta: como o pastor Carlos Leopoldo Voges pôde abrir e dar continuidade à sua venda? A tradição oral e a produção bibliográfica de Müller 127 LEVI, op. cit., p. 46. 128 DREHER, Martin N. São Leopoldo e Três Forquilhas – relações humanas. In: ELY, Nilza Huyer e BARROSO, Véra Lucia Maciel (Orgs.). Raízes de Terra de Areia. Porto Alegre: EST, 1999a, p. 235242; GINZBURG, op. cit., 1989; p. 174. 129 A opção pelo estudo de caso também está respaldada em Ginzburg, o qual afirma que “nota-se o aparecimento de maior número de investigações históricas caracterizadas pela análise extremamente próxima de fenômenos circunscritos (uma comunidade aldeã, um grupo de famílias, mesmo um indivíduo)”. No mesmo texto, o autor discorre brevemente sobre o conceito de “excepcional normal”, de Edoardo Grendi, chegando a teorizar sobre outro significado para o termo: “Se as fontes silenciam e/ou distorcem sistematicamente a realidade social das classes subalternas, um documento que seja realmente excepcional... pode ser muito mais revelador do que mil documentos estereotipados”. GINZBURG, op. cit., 1989; p. 172, 176-177. 101 indicam que os recursos financeiros para a abertura do comércio poderiam ter vindo da família de sua esposa, Elisabeth Diefenthäler. Ginzburg colaborou para a busca de respostas satisfatórias, ao orientar o pesquisador através da seguinte proposição: “Mas se o âmbito da investigação for suficientemente circunscrito, as séries documentais podem sobrepor-se no tempo e no espaço de modo a permitir-nos encontrar o mesmo indivíduo ou grupos de indivíduos em contextos sociais diversos”. 131 Ou seja, ao sair ao encalço dessas famílias, percebi que romperam fronteiras e que o nome de seus componentes passou a ser uma espécie de distintivo reconhecido nos espaços por onde circularam. O CD-ROM do NETB132, no qual foram transcritos os livros de batismo, confirmação, casamento e óbito da paróquia evangélico-luterana de São Leopoldo, constitui-se numa das fontes principais dessa parte da pesquisa. Para complementar alguns dados, cruzei informações com inventários, livro-caixa, processos-crime e registros paroquiais de Três Forquilhas, elaborados pelo pastor Voges, além do auxílio encontrado na historiografia, especialmente no 1826, de Hunsche.133 O cruzamento das fontes resultou na observação e quantificação de elementos que se sobrepuseram aos nomes: os batismos, as propriedades, os devedores, por exemplo, foram quantificados a fim de, no seu conjunto, demonstrarem a totalidade dos batismos realizados, das propriedades que uma família possuía ou do montante da dívida. O entrecruzamento dos dados obtidos encontra respaldo nas orientações 130 Conforme já foi mencionado na Introdução, a grafia dos sobrenomes foi mantida de acordo com a descrição de cada documento. Por isso, o sobrenome Diefenthäler, por exemplo, pode aparecer escrito de várias maneiras. 131 GINZBURG, op. cit., 1989; p. 173-174. 132 DREHER, Martin Norberto (Org.). Livros de registro da comunidade evangélica de São Leopoldo, Rio Grande do Sul, Brasil (século XIX). 2.ed. São Leopoldo: Unisinos, 2004. (CD-ROM). Martin Dreher é coordenador do Núcleo de Estudos Teuto-Brasileiros (NETB), responsável pela transcrição e elaboração do referido CD-ROM. 102 de Ginzburg, para o qual o ponto de partida deve ser o arquivo de maior amplitude; em seguida, os resultados obtidos devem ser contrastados com os arquivos mais pontuais, como os registros de paróquia, nos quais o pesquisador poderá localizar os acontecimentos que estão diretamente ligados à família: nascimento, batismo, casamento e morte.134 A permanência temporária de Voges em São Leopoldo foi abordada no capítulo I. O que interessa, nesta análise, é buscar subsídios para a afirmação de que através das relações estabelecidas entre Voges e a família de sua esposa no mega-espaço SL-LNRS pode-se descortinar outra imigração que foge aos velhos e estanques conceitos estabelecidos pela historiografia clássica da imigração alemã e pelos germanófilos. E qual seria essa outra imigração? A que rompe com a tese do isolamento tanto entre as Colônias quanto entre os colonos alemães e seus descendentes com os nacionais; a que redireciona o holofote do “civilizado”, “ordeiro” e “trabalhador” para o agricultor ou artesão que sabe o que quer, que se articula com os pares ou com os “estranhos” para buscar o que julga de direito; a que impulsiona e mantém colonos alemães e seus descendentes na disputa política e/ou por cargos públicos; a que percebe conluios, arranjos e fraudes no que se relaciona à prática política; e a que estimula a semelhança entre os colonos abastados com seus vizinhos nacionais através da compra e manutenção de escravos. O caminho de volta – o retorno – levou-me até a Alemanha do início do século XIX, quando um pouco antes de 1805, Elisabeth Diehl casou com Philipp 133 O ano “1826” faz referência à segunda obra de Hunsche sobre a colonização alemã no Rio Grande do Sul. Ver: HUNSCHE, op. cit., 1977. 134 HUNSCHE, op. cit., 1977; GINZBURG, op. cit., 1989; p. 170-171, p. 174-175. 103 Diefenthäler. Pelos registros transcritos no CD-ROM do NETB e também pela genealogia encontrada no 1826 de Hunsche, sabe-se que Elisabeth casou pela segunda vez, ainda na Alemanha, em mais ou menos 1816, provavelmente com seu cunhado, Jacob Diefenthäler. As três filhas do primeiro casamento – Catharina, Elisabeth e Anna Maria –, mais os quatro filhos do segundo – Peter, Philipp, Jacob e Johannes135 –, vieram com o casal, sendo que no Brasil Elisabeth ainda teve Jeannette, provavelmente em 1826.136 Não há necessidade de buscar maiores informações sobre a vida do casal enquanto permaneceu em solo pátrio, uma vez que não se trata somente de genealogia.137 No entanto, a referência aos casamentos de Elisabeth é importante à medida que pelas suas uniões pode-se perceber o padrão comportamental em relação aos casamentos (casar, viuvar, casar novamente com cunhado), bem como obter a listagem dos futuros herdeiros para posterior acompanhamento via documentação. O prosseguimento da pesquisa teria sido menos “espinhoso” se a busca do inventário de Jacob Diefenthäler tivesse produzido resultados favoráveis, isto é, após vasculhar as gavetas e listagens de inventários do APERS, não foi possível localizar 135 Johannes Diefenthaler faleceu com três anos e cinco meses, tendo nascido em 18 de agosto de 1823 e falecido em 17 de janeiro de 1827, conforme registro lavrado em 1844, cujas declarantes foram a mãe, Elisabeth Diefenthaeler, e a irmã, Anna Maria. 136 Conforme registro de 1826, no qual se lê que Jacob Diefenthäler e Elisabeth, nascida Diehl, batizam sua filha Jeannette, nascida a 18 de maio e batizada em 28 do mesmo mês, “por autorização do pastor Voges”. Cabe destacar que a batizanda herdou o nome de sua madrinha – Jeannette Fajette – e teve como padrinho Franz Wilhelm Heinrich Petersen, supostamente parente do cunhado Peter Petersen. O convite à família Petersen indica que já havia proximidade suficiente para o estabelecimento de laços mais fortes e duradouros, como o apadrinhamento e o casamento. Observe-se que Jeannette não consta na relação dos filhos apresentada por Hunsche, uma vez que ele se baseou nos dados de Hillebrand para compor a genealogia dos imigrantes, o qual anotou somente os dados dos filhos que chegaram ao Brasil com seus pais. Ver: HUNSCHE, op. cit., 1977; p. 428-429. 137 O cruzamento de todos esses dados familiares indica, inegavelmente, que as ferramentas da genealogia foram requisitadas com todo vigor, embora a análise contemple outras formas de investigação, como prosopografia e biografia. As palavras de Charle sintetizam o que vem sendo proposto neste capítulo: “O historiador reencontra-se com a genealogia e a biografia, os dois gêneros históricos primeiros”. Ver: CHARLE apud HEINZ, op. cit., p. 30. 104 o documento que informaria qual o percentual da herança que fora destinado aos herdeiros. Como Jacob faleceu em 1841, é possível que o inventário não exista, pois, conforme orientação de Tramontini, o qual analisou essa mesma documentação quando pesquisou os conflitos estabelecidos entre os colonos alemães de São Leopoldo, nesse período (década de 1830/40/50), era comum a família esquivar-se de proceder os autos de inventário. Como eram comerciantes e proprietários de diversas colônias, é lícito pensar que os motivos que levaram à decisão de descumprir a lei tenham passado pelo econômico (fugir do pagamento dos impostos), pelo medo das autoridades, ou, talvez, pelo próprio desconhecimento da obrigação de se inventariar os bens.138 A procura do inventário de Jacob terminou com a incerteza sobre a existência, ou não, do documento. Por outro lado, o fato de não o encontrar obrigou-me a uma jornada sensivelmente superior, que foi a busca dos inventários dos filhos e demais parentes. Esse limite é colocado por Levi, ao afirmar que qualquer pesquisa prosopográfica sobre uma população pequena e anônima deve desistir da idéia de totalidade e não pode acompanhar seus atores para além da quantidade mais condensada de documentos... existem lacunas, imprecisões, obscurantismos e ausências.139 O registro de óbito de Jacob Diefenthäler informa que ele era “comerciante na Costa da Serra”. Essa informação, aparentemente tão singela, é de uma relevância singular, pois é uma das raras referências ao tipo de atividade a que os sogros de Voges se dedicavam. Se por um lado não foi possível verificar quanto ou 138 Em relação aos três motivos que poderiam ter levado a família a negligenciar a recomendação de se inventariar os bens, os dois primeiros devem ter relevância sobre o terceiro, uma vez que a venda (ou qualquer outro tipo de estabelecimento comercial) era o local onde as notícias chegavam e eram repassadas quase que instantaneamente. Afora isso, o vendeiro estabelecia contatos que ultrapassavam os limites da comunidade; às vezes viajava, às vezes recebia visitas importantes em sua casa que traziam as boas (nem sempre) novas. 139 LEVI, op. cit., p. 89-90. 105 o que foi herdado pela esposa de Voges, o fato de saber que seus sogros realmente eram comerciantes reforça a idéia de que laços comerciais foram estabelecidos entre a família no mega-espaço SL-LNRS. Cabe destacar que essa constatação é fruto da análise de todo um rol de documentação; porém, somente a leitura dos registros paroquiais de São Leopoldo já indicaria que a família esteve envolvida numa rede de negócios que abarcava comércio (venda), navegação fluvial e terra. Portanto, a união de Carlos Leopoldo Voges com Elisabeth Diefenthäler, casados pelo pastor Ehlers, em São Leopoldo, no dia 24 de março de 1828, pode ser considerada como o símbolo maior desse tipo de acordo que se fazia através dos casamentos. Nesse período, Voges transitou entre São Leopoldo, Costa da Serra, Dois Irmãos, Ivoti e o LNRS, pois ainda não havia estabelecido residência definitiva em Três Forquilhas; ao contrário, engalfinhava-se numa disputa com seu colega Ehlers para tentar permanecer em São Leopoldo. De Três Forquilhas manteve contato com o restante da família de sua esposa, pessoalmente ou representado por outras pessoas através de cartas e/ou recados. O fato de estar geograficamente distante não impediu o casal Diefenthäler-Voges e seus filhos de estar presentes em encontros significativos, como o batismo de uma afilhada. Essa “presença” poderia dar-se pessoalmente ou por representação. Às vezes, o inverso também acontecia. Cunhados de Voges, residentes na Colônia-Mãe, batizavam afilhados nascidos no litoral. Este foi o caso do filho mais novo, Jacob, batizado com o nome do padrinho, Jacob Diefenthäler. A criança nasceu em Três Forquilhas, a 22 de março de 1840 e foi batizada em 12 de abril do mesmo ano. Se o padrinho esteve presente pessoalmente ou se foi representado, de fato, não importa. O significativo é que este batizado indica que havia laços de afetividade e contato entre 106 os parentes. A fim de explicitar ainda mais a importância dos apadrinhamentos para a manutenção de laços afetivos e econômicos, foram localizados no CD-ROM do NETB seis batizados, nos quais membros das famílias Diefenthäler-Voges aparecem como padrinhos. Janaína Amado considera que os laços familiares estabelecidos até 1845, quando a Colônia de São Leopoldo poderia ser considerada uma “sociedade de iguais”, não excluíam noivos ou padrinhos mais ou menos favorecidos economicamente. Após esse período, para a autora, houve certa cisão nas relações de parentesco, sendo que colonos abastados apadrinhavam seus pares, enquanto agricultores ou artesãos empobrecidos fixavam vínculos com vizinhos e parentes que se encontravam em situação semelhante. Os casos analisados neste capítulo propõem uma análise mais fluida, não tão estanque quanto a proposta por Amado. Ao que parece, Voges e Diefenthäler souberam estreitar vínculos afetivos, mas também permeados por outros interesses, com parentes e vizinhos desde a chegada ao Rio Grande do Sul.140 O primeiro batizado é o de Elisabeth Petersen, realizado em Três Forquilhas, em 30 de outubro de 1828. Os pais da menina, Catharina e Peter F. Petersen, cunhada e concunhado de Voges, eram colonos estabelecidos no Vale do Três Forquilhas, os quais acompanharam o pastor em sua transferência para o litoral. O nome da batizanda indica um costume da época: a perpetuação dos nomes no seio familiar. Portanto, “Elisabeth” é o nome da madrinha, mas também o da avó, sendo padrinhos o casal Diefenthäler-Voges. Esse registro, assim como outros, foi copiado posteriormente para os assentos da paróquia evangélico-luterana de São Leopoldo, razão pela qual se encontram no mencionado CD-ROM do NETB. Ao analisar os 140 Ver: AMADO, op. cit., p. 92-94. 107 registros de casamento, verifiquei que, em 1844, essa afilhada de Voges casou em São Leopoldo com Johann Carl Bohrer, de profissão “seleiro”. Do casamento, ressaltem-se a profissão do noivo – seleiro – e o local - São Leopoldo -, o que vincula toda a família Diefenthäler, mais o pastor Voges, com uma das principais atividades da Colônia alemã no RS, que mais tarde deu origem à indústria coureirocalçadista. O vínculo dos padrinhos com sua afilhada é tão estreito que quando Johann Bohrer e Elisabeth Petersen batizaram um de seus filhos em 1852 – Johann Adolph – um dos padrinhos foi Adolpho Voges, filho primogênito do pastor que assumiu os negócios da família e tornou-se chefe político liberal no LNRS. Mais uma vez, constata-se a repetição dos nomes, tanto do pai – Johann –, quanto do padrinho – Adolph –, o que confirma a idéia da permanência e perpetuação dos nomes e a explicitação do prestígio do padrinho junto à comunidade e à família que o convidou. Não se sabe o porquê, mas Adolpho Voges não compareceu ao batizado, sendo substituído por Jacob Diehl, genro de Voges. O nome Adolf vai aparecer, novamente, no filho de Peter Diefenthäler e Caroline, nascida Reichardt, sendo que, neste caso, o tio, Peter Diefenthäler, homenageou seu sobrinho Adolpho Voges, dando seu nome para o filho.141 O segundo batizado é o de Peter Friedrich, filho de Peter Petersen e Catharina Diefenthäler, também realizado em Três Forquilhas, no ano de 1833. Foram padrinhos Peter Diefenthäler, irmão da mãe, e Friederica Voges, filha de Voges. Consta no registro que Friederica foi “representada por sua mãe Elisabeth 141 Apesar de o nome de Adolpho Voges não constar como padrinho, o fato de o batizando levar o seu nome é significativo. Conforme o livro de registro da comunidade evangélica de Hamburgo Velho, foi assentado o “batismo de Adolf Diefenthäler, nascido a 26/11/1860, batizado a 9/12/1860, filho de Peter Diefenthäler e karoline Reichert. Padrinhos: Jakob Skriba, Maria Skriba”. p. 28. Já o casamento de Adolf Diefenthäler com Catharine Elise Uebel, em 1888, encontra-se registrado no CD-ROM do NETB, op. cit. 108 Voges”. Além da referência ao nome, que pode ter vindo do pai ou do padrinho, ou de ambos, pode-se conjeturar sobre a presença de Peter Diefenthäler na hora do batizado. Se de fato ele compareceu, isso significa que empreendeu viagem de São Leopoldo até a Colônia do Vale do Três Forquilhas. O terceiro batizado é o de Carl Friedrich Panitz, filho de Friedrich Wilhelm Panitz e de Janette Diefenthäler, irmã da esposa de Voges. O batizado ocorreu “próximo à vila de São Leopoldo”, em 1849. Foram padrinhos Carl Panitz, Anna Panitz, nascida Gesellgen, e Catharina Friederike Voges, filha do casal DiefenthälerVoges. Isso significa dizer que Catharina foi madrinha de seu primo. Como o batizado foi celebrado em São Leopoldo, Catharina deve ter feito a viagem SL-LNRS para participar do encontro familiar, ou, então, já se encontrava na vila uma vez que em 20 de julho de 1851 casou com Jacob Sebastian Diehl.142 O quarto batizado é o de Pauline Florentine Dreher, em São Leopoldo, em 1851. Foram padrinhos Jacob Diehl e Catharina Diehl, filha de Voges. Esse batismo é importante porque demonstra laços afetivos entre três famílias que também mantiveram negócios: Diehl, Dreher e Voges foram sócios na empresa de navegação fluvial que transportava mercadorias e produtos diversos por algumas lagoas do LNRS. O quinto batizado já foi citado: trata-se do batismo de Johann Adolph Bohrer, de 1852, no qual Adolpho Voges foi um dos padrinhos, sendo substituído por Jacob Diehl. 142 KOLIVER, Isete Maria. Descendência do pastor Carl Leopold Voges. In: ELY, Nilza Huyer (Org.). Terra de Areia: marcas do tempo. Porto Alegre: EST, 1999, p. 119-148. 109 O sexto batizado é o de Maria Louise Eugenia Dreher, também em São Leopoldo, em 1853. Foram padrinhos Carl Voges e Maria Louise Geisbuch. Além da madrinha ser homenageada pelos pais da batizanda, pois a menina levou o seu nome, destaca-se o padrinho Carl Voges. Como neste momento a família Voges tem outros membros que levam o nome do imigrante, não se pode afirmar que o Carl padrinho seja o pastor. Por exemplo, na descrição dos herdeiros de Margarida Teifentheler, falecida em 2 de março de 1846, encontra-se Carlos Leopoldo, então com 11 anos, filho da inventariada e de Pedro Teifentheler, cunhado de Voges.143 Os dados do inventário indicam que houve homenagem e reforço dos laços familiares através da repetição do nome do pastor. Igualmente significativo é que laços de afetividade entre Voges e Dreher foram renovados através deste compromisso. Desse emaranhado de nomes, datas e compromissos estabelecidos, podem-se fazer diversas leituras, dentre as quais a perpetuação da memória e da própria história familiar através da repetição dos nomes, o trânsito empreendido no mega-espaço SL-LNRS e os laços afetivos firmados entre aqueles que também contrataram “laços de negócio”. De acordo com Woortmann, o compadrio servia para estabelecer e reforçar esses laços, agindo “como uma forma de ampliar relações de solidariedade para além da rede de parentesco, vizinhança e amizade, ou como uma forma de reforçar os laços já estabelecidos por essas relações”. O que predomina, neste caso, é a função social do compadrio, isto é, aumentar a 143 Do mesmo modo, Peter F. Petersen e Catharina Diefenthäler homenagearam o pastor chamando seu filho de Carl Leopold, nascido em 28 de janeiro de 1831 e batizado em 18 de fevereiro de 1831. O próprio pastor teve um filho cujo nome era Carlos Frederico, nascido em 9 de julho de 1837. Cf. registros paroquiais da comunidade de Três Forquilhas; KOLIVER, op. cit., p. 133, respectivamente. 110 solidariedade e a estabilidade social através das trocas materiais entre compadres.144 Quanto aos nomes, o costume da época de se homenagear os avós, pais e padrinhos transcende o sentimento de amizade e admiração por aquele que “doará” a duplicidade do seu nome para o batizando. A transmissão do nome vinha carregada de significados: homenagem, memória familiar e desejo de que características positivas e progresso material dos avós, pais e/ou padrinhos estivessem se agregando à vida do recém-nascido. Em outros casos, a criança não recebia o nome da madrinha, mas esperava-se que toda carga positiva do adulto fosse transmitida para o batizando. Janette Diefenthäler, casada com Friedrich Wilhelm Panitz, ao batizar sua filha Maria Henrietta Panitz, convidou sua irmã, Anna Maria Hartmann, casada com o curtidor Johann Heinrich Hartmann, para ser madrinha de sua filha. Para Woortmann, o compadrio... Não é uma relação entre indivíduos, mas entre personagens sociais, pré-definidos por uma totalidade, vista não como um conjunto de relações individuais, mas como ‘pessoa moral’ que se sobrepõe ao indivíduo. Dessa forma, a família, ao escolher um indivíduo para ser padrinho ou madrinha, estava optando pela personagem social que aquela pessoa representava e era essa representação que deveria ser transmitida ao afilhado.145 Dreher compartilha desta mesma idéia ao afirmar que, os livros [paroquiais] nos dão não só informação a respeito da criança batizada, dos noivos ou dos falecidos. Mostram-nos verdadeira história familiar. Assim, somos informados sobre local de nascimento dos pais, 144 WOORTMANN, op. cit., p. 63-64. 145 Conforme registro de batismo de Maria Henrietta Panitz, de 1844. In: CD-ROM do NETB, op. cit. WOORTMANN, op. cit., p. 65. 111 sobre as relações de compadrio, sobre o nome do padrinho ou madrinha, do qual a criança recebe o seu nome.146 No que tange à afirmação de Dreher de que os dados obtidos nessas fontes “mostram-nos verdadeira história familiar”, cabe observar que a verdadeira história familiar, assim construída, pode estar calcada em equívocos, involuntários ou propositais, como os demonstrados neste texto. Em relação ao trânsito SL-LNRS, os registros de batismo colaboram de maneira significativa com os que defendem o fim da tese do isolamento, pois os inúmeros contatos estabelecidos entre os familiares – pessoalmente ou não – ratificam que havia comunicação entre a Colônia-Mãe e a Colônia alemã das Torres. Voges, neste caso, pertenceria a “estratos sociais de elevada mobilidade geográfica”.147 Por todo o século XIX, o Brasil, de uma forma geral, foi um país de lugares geograficamente isolados, separados uns dos outros por inúmeros quilômetros. Se a tese do isolamento imperasse, a comunicação do litoral brasileiro com o interior (sertão) teria sido praticamente impossível. De certa forma, pode-se conjeturar que a tese do isolamento teria impedido a unificação territorial, uma vez que os núcleos estariam tão incomunicáveis que isso dificultaria a formação territorial do Brasil. Paulo Zarth alerta para a situação do mercado agrícola do Rio Grande do Sul no século XIX, mostrando o fato de a situação de instabilidade e as dificuldades de comunicação e transporte serem comuns e tremendas em todo território rio-grandense, o que emperrava o desenvolvimento econômico e cultural de diversas regiões, quer coloniais ou não.148 Por outro lado, o ínfimo desenvolvimento descrito por Zarth não impediu que representantes de famílias se locomovessem 146 DREHER, op. cit., 1999a; p. 235-236. [grifo nosso]. 147 GINZBURG, op. cit., 1989; p. 175. 112 pelo Rio Grande do Sul com o objetivo de concretizar seus planos, os quais poderiam estar ligados a questões pessoais e/ou a negócios. Outra leitura possível dos registros de batismo é a demonstração de laços de afetividade entre famílias que se associaram num empreendimento comercial ou “industrial”. Marina Raymundo da Silva149 analisou a navegação lacustre no LNRS, a qual teria começado com a empresa formada pelos Diehl, Dreher e Voges. Os registros demonstram que os acertos e encontros familiares eram perpassados pelos compromissos de negócios. Casamento e apadrinhamento eram formas de criar vínculos mais perpétuos entre famílias do que meramente a abertura de uma sociedade empresarial. Antonio Candido, ao biografar a vida de um funcionário público do segundo escalão da monarquia150, constatou que os arranjos familiares eram imprescindíveis para o funcionamento da sociedade como um todo, não apenas no plano íntimo-afetivo, mas, inclusive, nas relações de poder tanto públicas quanto privadas. O casamento de Jacob Diehl com a filha de Voges, por exemplo, constituiu-se, portanto, numa dupla aliança: a do casal, que passou a compor uma nova família, e a da empresa de navegação lacustre, uma espécie de casamento ampliado entre as duas famílias, também chamado por Ginzburg de “estratégias matrimoniais de famílias aliadas e afins”.151 Embora tenha dado ênfase aos matrimônios selados entre famílias que se destacaram no cenário litorâneo, a tese do isolamento transparece nas considerações de Silva, a qual afirma que “mesmo assim, muito tempo se passou até que as vilas açorianas, alemãs e italianas do 148 ZARTH, Paulo Afonso. Do arcaico ao moderno: o Rio Grande do Sul agrário do século XIX. Ijuí: Unijuí, 2002. 149 SILVA, Marina Raymundo da. Navegação lacustre Osório – Torres. 2. ed. Porto Alegre: Jollo, 1999. 150 CANDIDO, op. cit., 2002. 151 GINZBURG, op. cit., 1989; p. 175. 113 Litoral Setentrional conseguissem ter um pouco mais de progresso”. Ao invés de reproduzir o que as matrizes historiográficas sentenciaram, a autora poderia ter direcionado seus holofotes para outras regiões, como aos Campos de Cima da Serra, à província de Santa Catarina e ao próprio litoral como um todo, exercício que lhe permitiria relativizar o suposto isolamento do LNRS.152 Por sua vez, o estudo de Siriani acrescenta a busca e a manutenção da germanidade como critério para a escolha dos padrinhos. Somavam-se, portanto, o poder econômico e o grau de influência dos futuros compadres à preservação da cultura germânica. No primeiro caso, os padrinhos eram escolhidos entre os parentes mais próximos ou entre as figuras mais ilustres da sociedade local, uma forma de garantir não apenas a introdução da criança no seio da cristandade como também proporcionarlhe certo status quando os padrinhos eram abastados.153 Quanto à manutenção da germanidade, os filhos eram confiados “a pessoas cuja procedência e hábitos eram conhecidos e similares aos de seus pais”.154 Após analisar os registros de batismo que aproximaram os Diefenthäler dos Voges, deve-se contemplar os registros de casamento que envolveram essas mesmas famílias. A primeira observação a ser feita é que dos seis cunhados de Voges que contraíram matrimônio, cinco foram casados por ele. Os registros de quatro desses casamentos foram transcritos, posteriormente, nos assentos da paróquia evangélica de São Leopoldo pelo pastor Ehlers, provavelmente para facilitar a obtenção de cópias, uma vez que os originais estavam guardados na paróquia evangélica de Três Forquilhas. Dreher, por sua vez, sugere que a 152 SILVA, op. cit., p. 15. 153 SIRIANI, op. cit., p. 224. A autora valeu-se de todo o Capítulo X (p. 221-228) para analisar as “relações por afinidade”, as quais foram entendidas como compadrio, amizade e vizinhança. 154 SIRIANI, op. cit., p. 224. 114 finalidade de reunir toda esta documentação seja a partilha de bens, ocasionada pelo falecimento de membros da família naqueles anos.155 Além do seu próprio casamento, Voges deixou de realizar a cerimônia de seu cunhado Jacob Diefenthäler com Elisabeth Schmitt, cuja união encontra-se firmada no livro de registro da comunidade evangélica de Hamburgo Velho. De acordo com as anotações do pastor Johann Peter Haesbaert, “Jakob Diefenthäler, filho de Jakob Diefenthäler, +, e Elisabeth Diehl, c.c. Elisabeth Schmitt, filha de Heinrich Schmitt, +, e Anna Maria Blauth, ora c.c. Heinrich Peter Bender. Em 20/5/1846”156. Dos cinco casamentos de cunhados realizados por Voges documentados no CD-ROM do NETB, o primeiro foi o de Peter Friederich Petersen com Catharina Diefentheller, no dia 28 de fevereiro de 1826. As anotações descritas no registro são extremamente resumidas, indicando apenas os nomes dos nubentes e dos padrinhos, bem como a data do evento. Talvez a hipótese levantada por Hunsche, o qual afirma que os noivos casaram “um dia depois da chegada a São Leopoldo”157, explique a forma com que Voges redigiu o documento. Por exemplo, as testemunhas foram descritas como “Metz. Jacob Metz. Heichert”, dificultando para o pesquisador reconhecer quem eram as pessoas que participaram daquele momento. O registro de Peter e Catharina assemelha-se a muitos outros encontrados nos livros de registros da paróquia evangélica de Três Forquilhas, nos quais parece ter havido relativa displicência em relação a esse ofício. Por ordem cronológica, o segundo casamento foi o de Johann Heinrich Hartmann e Anna Maria Diefenthäler, celebrado em 1834. O noivo, residente na 155 DREHER, op. cit., 1999a; p. 238. 156 Livro de registro da comunidade evangélica de Hamburgo Velho, p. 145. 157 HUNSCHE, op. cit., 1977; p. 428-429. 115 Costa da Serra, portanto, devia ser vizinho da futura esposa, era “curtidor”, profissão que preparava o couro para a confecção de objetos como calçados e selas de montaria. Às vezes, a proximidade geográfica facilitava o contato entre futuros casais; no entanto, o arranjo do matrimônio pode ter se dado pela profissão do noivo, de cunho artesanal, possivelmente com uma rentabilidade superior às demais atividades, como a agricultura. Segundo Hunsche, Anna Maria teria enviuvado e casado novamente com Jacob Scriba; no entanto, tanto o óbito de Johann Hartmann quanto o registro do novo casamento não foram localizados no CD-ROM do NETB. Após consulta ao documento original, organizado e redigido por Hillebrand, percebe-se que Hunsche equivocou-se ao transcrever o sobrenome do segundo marido de Anna Maria: em vez de Scriba, Hillebrand anotou Scriver.158 158 Dois batizados confirmam a escrita “Skriba” ou “Scriba”: “Batismo de Adolf Diefenthäler, nascido a 26/11/1860, batizado a 9/12/1860, filho de Peter Diefenthäler e karoline Reichert. Padrinhos: Jakob Skriba, Maria Skriba”. p. 28; e “Batismo de Jakob Diefenthäler, nascido a 1/4/1849, batizado a 29/4/1849, filho de Jakob Diefenthäler e Elisabeth Schmitt. Padrinhos: Jakob Scriba, Jakob Schmitt, Maria Scriba, Maria Blauth”. p. 9. Cf. Livro de registro da comunidade evangélica de Hamburgo Velho. 116 Figura 5: Túmulo de Anna Maria Diefenthäler e Jacob Scriba (Cemitério Evangélico de Ivoti) 117 O terceiro casamento ocorreu em 1837 entre Peter Diefenthäler e Margaretha Schmidt. Ele foi descrito como agricultor na Costa da Serra. Quanto à noiva, não consta o local de sua residência nem o nome de sua mãe. Pelo registro de óbito encontrado, fica-se sabendo que Margaretha faleceu em março de 1845, oportunizando ao viúvo uma nova união com Louisa Carolina Reichardt, em 1846, o qual continuava residindo na Costa da Serra; quanto à residência de Louisa, nada consta no registro. O quarto casamento, celebrado em 1839, é o de Philipp Diefenthäler com Maria Catharina Knierim, “nascida Müller”. O noivo é apresentado como “marceneiro e negociante” e “residente no Bom Jardim.” Nesses apontamentos, afora a identificação da profissão do noivo, destaca-se a idade dos nubentes: ele com 21 anos, solteiro, enquanto ela, com 29 anos, “viúva de Adam Knierim e [filha] de Jacob Müller”159, cujos óbitos não foram localizados no CD-ROM do NETB. O registro de casamento de Adam Knierim, 28 anos, morador no Bom Jardim, marceneiro, com Maria Catharina Müller, 19 anos, casados a 28 de junho de 1829, confirma a união anterior dela, enquanto o de batismo de Maria Magdalena realizado pelo pastor 159 É possível que a descrição da noiva esteja equivocada, pois há duas informações que parecem se contradizer: ela foi apresentada como “Maria Catharina Knierim, ‘nascida Müller’” e “viúva de Adam Knierim e de Jacob Müller”. Como Hunsche não menciona o casamento com a família Müller, é possível que o pastor, ao fazer o registro, tenha esquecido de escrever a palavra filha, o que resultaria na seguinte redação: viúva de Adam Knierim e [filha] de Jacob Müller. Com isso, se deduz que Maria Catharina tenha tido somente um casamento antes de unir-se a Philipp Diefenthäler. No entanto, essa rápida constatação não traz resultados definitivos, pois no registro de casamento entre Adam Knierim e Maria Catharina Müller consta que ela era “filha legítima de Peter Müller e Anna Catharina, nasc. Dietrich”. O pai poderia chamar-se Peter Jacob Müller? É bem provável que sim, uma vez que os registros estão repletos de nomes que foram escritos das mais diversas formas: em alguns casos, somente o primeiro nome foi redigido; em outros, o segundo. Ou seja, tudo leva a crer que “Jacob Müller” e “Peter Jacob Müller” fossem a mesma pessoa. A insistência de se permanecer nesse emaranhado de dados tem como objetivo demonstrar quão frágeis são as informações constantes nessas fontes. Levi investigou situação semelhante ao buscar a relação que havia entre as famílias Chiesa e Tana. Neste caso, o nascimento ilegítimo de uma menina serviu de elo entre os dois núcleos. A dificuldade em encontrar respostas se deu em virtude do desaparecimento do sobrenome paterno de Angela Margherita, “filha ilegítima do conde Giovan Battista Tana de Santena”. Ver: LEVI, op. cit., p. 188. 118 Ehlers em 1830, cujos pais eram Adam Knieriem e Maria Catharina, sinaliza que ela tinha uma filha de nove anos quando contraiu novas núpcias. Hunsche e Tramontini trazem a informação de que “Adão Knieriem” foi assassinado pelos farrapos em 26.6.1836.160 No que se refere especificamente à união de Philipp e Maria Catharina, é de se pensar se este casal estaria à frente de seu tempo e se enfrentou resistência para a confirmação de seu desejo, uma vez que ele era, segundo os dados, oito anos mais jovem, solteiro, enquanto ela mais velha, viúva e mãe. O quinto casamento, firmado em 1843, é o de Friedrich Wilhelm Panitz e Jeannette Diefenthäler. O noivo foi descrito como “curtidor em São Leopoldo”, o que significa que a família teve dois novos membros com a mesma atividade profissional. Em 1865, esse casal celebrou o casamento da filha Johanna Panitz com Georg Lamb, residente no Bom Jardim. Talvez o fato de a família estar direcionada para a Costa da Serra e para o Bom Jardim tenha colaborado para que os jovens se encontrassem e formassem uma nova família. O documento não informa a profissão do noivo. O sexto casamento analisado, embora não seja de nenhum dos cunhados de Voges, é o de Wilhelm Christian Matte, “residente em São Leopoldo” e “sapateiro”, com Caroline Bohrer, filha da sobrinha e afilhada de Voges, Elisabeth Petersen, casada com Carl Bohrer. A cerimônia aconteceu em 1869, em São Leopoldo. É lícito pensar que os arranjos via casamento ultrapassassem as gerações e dessem continuidade ao jogo de interesses presentes em cada família, pois, de acordo com Woortmann, “o compadrio opera no sentido de cimentar 160 HUNSCHE, op. cit., 1977; p. 429; TRAMONTINI, op. cit., 2000; p. 255. 119 relações de parentesco”.161 Como o pai da noiva era seleiro, talvez tenha havido a necessidade de agregar novos elementos profissionais ao empreendimento. Assim, um genro cuja profissão se assemelhava à do sogro poderia ser bem vindo para dar continuidade aos negócios. Caso semelhante é descrito por Dreher, o qual localizou o casamento de “Karl Foges” com “Margarethe Lautert”, de Taquari, realizado em 3 de abril de 1862, ele filho do pastor Carlos Leopoldo Voges, sendo que os padrinhos do casal foram Jacob Diehl e Peter Diefenthäler.162 Tanto pelo apadrinhamento quanto pela profissão do sogro de Karl, que era sapateiro, percebe-se a manutenção de laços de afetividade, pois Jacob era genro de Voges enquanto Peter era cunhado ou sobrinho, e o interesse em associar as famílias às profissões mais promissoras da época. Todavia, as famílias não eram exclusivamente manipuladas por interesses materiais. Dramas pessoais perpassavam as relações familiares, como o vivido pelos filhos do casal Peter F. Petersen e Catharina Diefenthäler, concunhado e cunhada de Voges que, após residirem alguns anos na Colônia de Três Forquilhas, retornaram para São Leopoldo. Catharina faleceu em abril de 1839, “de parto”, sendo que seu marido, Peter, deve ter contraído segundas núpcias nos próximos meses,163 uma vez que cometeu suicídio em julho de 1840. Peter foi descrito como “marinheiro em S. Leopoldo, casado com Catharina, nasc. Diefenteller e depois com Barbara, nasc. Schweitzer”. O laudo apontou “suicídio voluntário por afogamento no Rio dos Sinos, na região dos Três Portos e, como seu corpo não foi encontrado, não 161 WOORTMANN, op. cit., p. 213. 162 O casamento de Karl Foges com Margerethe Lautert encontra-se no CD-ROM do NETB, sendo que o autor utilizou esta mesma fonte para produzir o seu texto. DREHER, op. cit., 1999a; p. 237. 163 O casamento de Peter Petersen com Barbara Schweitzer não foi localizado no CD-ROM do NETB, porém, a segunda união dela, agora com Philipp Jacob Sperb, hoteleiro em São Leopoldo junto ao 120 foi sepultado”. Quem teria cuidado das crianças do casal e quem ficou responsável pela sua educação? Quais os traumas que esses trágicos acontecimentos infligiram naqueles que foram obrigados a passar por eles? A menção aos óbitos ao final de uma lista de casamentos traz, justamente, a dualidade desse tipo de compromisso social no século XIX: ao mesmo tempo relação afetiva, voluntária ou “proporcionada” por membros da família, tanto as ligadas às festas que marcavam o início de uma nova relação - casamento -, quanto as que delimitavam o encerramento de uma jornada - velório e sepultamento -, e acordo entre famílias visando à formação e/ou continuação de empresas. Se, por um lado, cada relação trouxe consigo algum tipo de trauma para os que nela estavam colocados, por outro, os arranjos matrimoniais que ligavam jovens desconhecidos por um longo período de suas vidas poderiam significar o início de uma nova relação baseada em acordos e interesses múltiplos, quase sempre centrados na afetividade e no crescimento econômico das parentelas envolvidas. A Colônia do Vale do Três Forquilhas assistiu a um destes acontecimentos, talvez um dos mais ilustrativos quando se trata de acordos matrimoniais, o qual foi narrado por Piscator e Müller e analisado por Woortmann quando comparou a Colônia alemã com sitiantes nordestinos.164 O fato em questão refere-se ao imigrante Philip Peter Schmitt e sua esposa Elisabeth Justin, pais da jovem Bárbara, nascida em 30 de maio de 1829. Pelo relato de Piscator e de Müller, uma das preocupações do imigrante era o casamento de sua filha Bárbara com algum pretendente da Colônia, os quais, para ele, não estavam à altura de adentrar e pertencer a sua família. Tal como Levi constatou, havia a “questão do prestígio social, que fazia parecer uma “Passo”, em 19 de julho de 1844, encontra-se descrita nessa fonte e atesta que ela fora casada com Petersen. A noiva foi assim descrita: “viúva Barbara Peters, nascida Schweitzer”. 121 queda de status o parentesco com pequenos proprietários, sempre a meio caminho entre... a sobrevivência e a fome”.165 A alternativa encontrada por Schmitt foi a importação de um genro da Alemanha, razão pela qual escreveu ao seu irmão, solicitando que enviasse um de seus filhos para casar com a prima Bárbara. Nós sempre cuidamos para que nossos filhos não participem de insignificantes famílias. No Brasil onde nós agora em Três Forquilhas moramos, existem poucas pessoas de bom sangue. A nossa Bárbara está agora em idade de casar. Ela receberá duas colônias de herança, isto é, em torno de 400 Morgen Land e também esta casa e negócio. Querido irmão, eu tenho pensado ser certo mandar teu filho, o Konrad, para cá. Eu devo entregar tudo depois do casamento com a Bárbara.166 Diante desses dados, saí em busca de documentos que pudessem comprovar tal narrativa. Segundo Hunsche, o casal Schmitt-Justin chegou a Três Forquilhas com os filhos Cristovão, Elisabeta e Apolônia; de acordo com os registros da comunidade, tiveram ainda mais três filhas – Maria Magdalena, Bárbara e Philipina Rosina. Como alguns desses livros foram extraviados, não foi possível localizar o casamento de Bárbara com seu primo importado, porém os registros de batismo confirmam que ela casou e teve, segundo esses dados, seis filhos, entre os anos de 1856 e 1869.167 Isso permite concluir que o projeto do imigrante Schmitt foi concretizado, uma vez que a filha casou com um jovem que era estranho à Colônia, isto é, “de fora”. Essa afirmação categórica está fundamentada na análise dos registros da paróquia evangélica de Três Forquilhas, nos inventários do casal imigrante e de Felisbina Schmitt Voges e na tradição oral que sustentou as obras de 164 PISCATOR, op. cit., 1966; p. 50-57, MÜLLER, op. cit., 1992; WOORTMANN, op. cit. 165 LEVI, op. cit., p. 106-107. Complementa o autor: “nesta zona, as benisaglie se juntavam ao dote da noiva documentando, de certa forma, a estima e o peso das relações de amizade e clientela que caracterizavam aquela determinada família”. 166 A citação de parte da carta permite concluir que o autor teve acesso a essa fonte singular para a história das relações familiares. É de se considerar a hipótese de que a carta escrita pelo imigrante Schmitt ao seu irmão ainda possa existir. Quiçá, guardada com o próprio pesquisador Elio Müller, ou confiada a membros da família Schmitt. PISCATOR, op. cit., 1966; p. 56. 122 Piscator e Müller.168 No entanto, deve ser ressaltado que o nome do jovem importado não confere com o mencionado na suposta carta. Lá, ele foi chamado de Konrad, mas nos documentos da comunidade de Wilhelm, o que sugere duas situações: como o nome de seu pai também era Wilhelm, talvez o filho pudesse ter também esse nome, além de Konrad169; a outra possibilidade é que tenha vindo algum outro filho do irmão que estava na Alemanha, hipótese que dificilmente poderá ser confirmada, pois não há menção de nova correspondência entre o imigrante que estava em Três Forquilhas e seu irmão na Alemanha. Além disso, pelas informações de Piscator, quando o jovem pretendente chegou à Colônia, seu tio e futuro sogro já havia falecido, impossibilitando o diálogo e a gestação de novos dados para a posteridade. Quanto ao óbito do imigrante Philip Peter Schmitt, não foi possível precisar a data de sua morte, pois o livro de óbitos encontra-se extraviado. Nem mesmo o inventário do casal imigrante, aberto pelo genro Pedro König, em 1867, traz a data dos óbitos; no entanto, o documento denuncia, de forma óbvia, que ambos faleceram antes daquela data. Como não há possibilidade de se trabalhar com a fonte principal desse fato – a carta escrita por Schmitt para seu irmão que estava na Alemanha –, os únicos dados relativamente confiáveis são os registros da paróquia evangélica de Três Forquilhas e os inventários já mencionados. Por eles, é possível concluir que Bárbara Schmitt casou com Wilhelm Schmitt, os quais tiveram seis filhos, de 1856 a 167 HUNSCHE, op. cit., 1977; p. 542. A descrição dos filhos encontrados nos registros paroquiais não confere com os números apresentados por Müller, o qual afirma que Bárbara e Wilhelm tiveram 5 filhos. Ver: MÜLLER, op. cit., 1992; p. 60. 168 PISCATOR, op. cit., 1966 e MÜLLER, op. cit., 1992. 169 Pela análise dos registros de batismos constante neste texto, é possível perceber que os recémnascidos eram contemplados com os nomes de seus pais e/ou dos padrinhos. 123 1869.170 Por esses mesmos documentos percebe-se que o casal teve influência em seu meio, uma vez que foram convidados a batizar diversas crianças e abençoar inúmeros casamentos, e que mantiveram os laços de amizade, de parentesco e de negócio com os Voges. De tudo isso, o que há de mais relevante é a estratégia utilizada pelo imigrante para casar sua filha: importar um genro, de preferência da própria casa, para gerenciar toda a estrutura montada no Brasil. Fica claro que Schmitt não queria seu patrimônio diluído entre outras famílias e muito menos entre sobrenomes de colonos que também estavam instalados no Vale do Três Forquilhas. Cabe a pergunta: o que motivou Schmitt a proceder de tal forma? Pela tradição oral, é possível perceber de maneira muito nítida que essa família ocupou lugar de destaque no cenário colonial do LNRS. Desde as lembranças mais distantes no tempo, os testemunhos orais apontam para a liderança na comunidade e na igreja; os casamentos com as famílias mais influentes, sobretudo Jacoby e Voges, razão pela qual os Schmitt herdaram a casa do pastor Voges construída ao lado da igreja171; uma economia de destaque conforme os dados do inventário do casal; e a ocupação do cargo de escrivão por parte de Christovam e Alberto Schmitt, respectivamente, neto e bisneto do imigrante. Christovam dedicou-se a essa 170 Pode-se chegar à conclusão de que Bárbara casou com um jovem da própria família através do uso dos sobrenomes, pois, quando se trata de registros de imigrantes alemães, normalmente se menciona os sobrenomes do marido e da esposa. Afora isso, “Wilhelm Schmitt” surge nos registros já casado com “Bárbara Schmitt”, não existindo nenhuma outra referência sobre ele anterior a 1856. Por sua vez, o inventário do casal imigrante – Felipe Pedro Schmitt e Elisabeth Schmitt – de 1867, confirma o casamento de Wilhelm e Bárbara através da lista dos herdeiros, os quais são descritos como “Guilherme Schmitt e Bárbara Schmitt”. Note-se que o nome foi traduzido para o português e a menção aos dois sobrenomes, significando que ambos provêm de dois ramos da família Schmitt. O inventário ora mencionado não faz referência ao país de origem de Wilhelm. 171 A transferência da propriedade de Voges para a família Schmitt se deu através do casamento de Antonieta Voges, filha de Adolpho Voges, com Christovão Schmitt, filho de Wilhelm Schmitt, em 15 de agosto de 1885. Com a morte do pastor Voges em 1893, a casa foi herdada por Adolpho e repassada ao genro Christovão. Cf. registros da paróquia de Três Forquilhas e inventário de Antonieta Voges Schmitt. 124 atividade de 15 de agosto de 1884 até 1923, sendo substituído por seu filho Alberto, escrivão em Itati até mais ou menos 1957.172 O panorama social que envolveu a família Schmitt na Colônia de Três Forquilhas não estaria completo se fosse desconsiderado o suposto sentimento de superioridade que havia em relação às demais famílias, o qual é relatado por Piscator e Müller e comentado nos testemunhos orais das pessoas mais velhas da Colônia. Conforme Müller, o “comandante Schmitt costumava apresentar-se como membro da nobreza prussiana”, sentimento de superioridade que pode ter sido reforçado pela busca da “memória genealógica” das outras famílias da Colônia, mecanismo que, segundo Woortmann, servia para descobrir se havia manifestação de descendência ruim entre os membros de determinada família.173 Sobre esse suposto sentimento de superioridade, pode-se encontrar uma pista na escritura de compra e venda na qual o comprador é descrito como “Dom Fellipe Pedro Xemite”. Trata-se do imigrante ora analisado cuja compra em 24 de abril de 1834 remete a 50 braças de terras no valor de 35$000.174 O que significa o título de “Dom”? Qual o reconhecimento atribuído a ele? Levi observa que arrendatários analfabetos possuíam o título de senhor à frente dos nomes, inclusive nos documentos públicos, numa clara demonstração de prestígio perante a comunidade.175 Seria esse o caso do imigrante Schmitt? Mesmo que as possíveis respostas sejam permeadas de dúvida, pode-se dizer que as fontes sugerem algum tipo de hierarquia entre as 172 O trabalho de escrivão pode ser facilmente comprovado pelos diversos livros que se encontram no cartório de Itati. As informações sobre Christovam Schmitt encontram-se em MÜLLER, op. cit., 1992; p. 137 e sobre Alberto Schmitt conforme depoimento oral da historiadora Nilza Huyer Ely. 173 MÜLLER, op. cit., 1992; p. 60. Segundo Woortmann, “Keim é uma noção que antecede outras relações que engendram o casamento e vincula-se a uma concepção nativa de descendência. Classifica pessoas e famílias a partir da pergunta: von wem bist Du? (de quem você é?), mais do que “quem é você?”. Ver: WOORTMANN, op. cit., p. 138-139. 174 APERS – 1º livro de notas do distrito de Maquiné – p.9/verso, p.10 e p.10/verso – 1834 – João Anrique Peters (vendedor); Dom Fellipe Pedro Xemite (comprador). 125 famílias que compuseram o cenário colonial do LNRS, como aquela que existiu na segunda metade do século XX e dividiu a Colônia em duas partes – os “ovalena” e os “unalena”. A tradução das expressões retiradas do dialeto alemão indica que a geografia do lugar inspirou aqueles que rotularam os “ovalena” de inferiores e os “unalena” de superiores. Woortmann e Radünz também encontraram Colônias divididas. No primeiro caso, Bugerberg (Morro dos Bugres), foi seccionada em duas partes: “montanha” – parte alta – e “Rio Loch” (Buraco do Rio) – parte baixa. Para a autora, “o que antes era pensado como uma unidade passa a operar como duas unidades”.176 Nos estudos de Radünz, é mencionada a Colônia de Rio Pardinho, igualmente fracionada entre “os do Alto Rio Pardinho”, “um grupo forte”, os quais ficaram com a posse da escola e da casa pastoral, e “os do Baixo Rio Pardinho”, situados um pouco mais distantes do local onde esses serviços eram oferecidos.177 Afora estes, mesmo que não se tenha uma massa documental capaz de elucidar o crescimento econômico do imigrante e de sua parentela, o fator econômico pode ter tido algum peso na decisão de providenciar um marido à altura para a filha. Tanto os Registros Paroquiais da Lei de Terras quanto o inventário do casal confirmam a posse de diversos bens, os quais totalizaram 13:205$200. 175 LEVI, op. cit., p. 107. 176 A tradição oral ainda hoje faz menção à divisão da Colônia nessas duas partes: “ovalena” e “unalena”. Como os primeiros estavam mais distantes da sede da Colônia, onde havia igreja e escola, portanto, com maiores dificuldades para acessar a cultura da época, e os segundos geograficamente mais próximos dessas instituições, formaram-se dois grupos distintos entre os colonos: os que tiveram maior acesso à formação/informação e os que se sentiram alijados. Dada à geografia da Colônia, uma simples chuva poderia dificultar a ida à escola ou ao culto. Conforme depoimento de Elma Strassburg Witt, “unalena”, houve críticas sobre o seu casamento com José Otacílio Witt, por ser ele um “ovalena”. Ressalte-se que há um paradoxo no uso dos termos “ovalena” e “unalena”. Os que moravam em cima – ovalena –, tinham menos acesso à cultura, enquanto os que moravam embaixo – unalena –, assistiam às aulas e freqüentavam o culto com maior facilidade. No alemão gramatical, no plural, Oberländer e Unterländer. As observações acerca da divisão da Colônia de Três Forquilhas são fruto do diálogo estabelecido com a historiadora Nilza Huyer Ely e com a Sra. Elma Strassburg Witt. 177 WOORTMANN, op. cit., p. 188-189 e RADÜNZ, op. cit., p. 235. 126 No que se refere ao inventário do casal Felipe Pedro Schmitt e Elisabeth Schmitt, as informações prestadas pelos herdeiros conferem com as declaradas nos Registros Paroquiais da Lei de Terras178, principalmente na descrição das terras. Consta no inventário que o casal possuía “350 braças de terras de frente, com 1600 braças de fundos, situado nas Três Forquilhas, extremando por banda do sul com terras do Sr. Luiz Henze, e por banda do norte com terras do Sr. Friedrico Strassburg”, avaliadas em 2:450$000. Essas 350 braças encontram-se discriminadas nos Registros Paroquiais da Lei de Terras divididas em cinco lotes de 70 braças cada um, tendo os mesmos extremantes ao norte e ao sul, cujas declarações foram feitas no dia 10 de março de 1856 pelos herdeiros Pedro Jacobi, Guilherme Schmitt, Carlos Jacob, Pedro Koenig e Apelonia Schmitt. Além das terras, havia a casa de moradia coberta de telhas, avaliada em 1:500$000, a casa de engenho coberta de palha modestamente considerada em 20$000, a propriedade de um escravo, de nome João, avaliado em 600$000 e a soma de 8:181$620 em dinheiro aparentemente guardado na residência. A divisão das terras em 1856 permite concluir que o imigrante já havia falecido e que a abertura do inventário em 1867 foi acordada previamente entre os herdeiros a fim de que os bens fossem processados legalmente somente após a morte da viúva Elisabeth Schmitt. No que tange ao casamento de Wilhelm (Guilherme) Schmitt e Bárbara Schmitt, os Registros Paroquiais da Lei de Terras, na ausência dos registros da paróquia evangélica de Três Forquilhas, servem para informar que em 10 de março de 1856 a união matrimonial já estava consolidada. 178 APERS – Registros Paroquiais da Lei de Terras – Conceição do Arroio e Torres. Ver: WITT, Marcos Antônio. A Colônia Alemã das Torres e os registros paroquiais da lei de terras: declarações e contradições. In: ELY, Nilza Huyer (Org.). Três Cachoeiras: marcas do tempo: Porto Alegre: EST, 2004, p. 127-144. 127 Tabela 4: Inventário e Registros Paroquiais da Lei de Terras Inventário (23/7/1867) Filhas Genros Abelonia Schmitt Solteira (?) Elisabetha Schmitt Pedro Koenig Filisbina Schmitt Carlos Jacoby Bárbara Schmitt Guilherme Schmitt Magdalena Schmitt Pedro Jacoby Registros Paroquiais da Lei de Terras Declarantes Nº. do Registro e data Apelonia Schmitt 91; 10/3/1856 Pedro Koenig 92; --/3/1856 Carlos Jacob 89; 10/3/1856 Guilherme Schmitt 90; 10/3/1856 Pedro Jacobi 84; 10/3/1856 A tabela 4 ratifica, nas entrelinhas, a preocupação do imigrante Schmitt em casar sua filha com um pretendente da mesma família: como ele não tinha filhos para se constituírem em herdeiros, não só dos bens materiais, mas também de todo o capital simbólico que o nome Schmitt representava nas redondezas, a solução mais viável foi delegar essa tarefa para um sobrinho.179 Ao que tudo indica, o imigrante deve ter falecido antes de março de 1856, pois nessa data as terras já se encontravam repartidas entre todos os herdeiros. A sua morte possivelmente abriu caminho para o casamento de suas outras filhas com jovens da própria Colônia, muito embora as famílias Jacoby e König, especialmente a primeira, fossem núcleos econômicos “exponenciais” na região. Do inventário do casal imigrante destaca-se a quantia de oito contos de réis em dinheiro e a discrepância entre os valores da casa de moradia – 1:500$000 – e da casa de engenho – 20$000. As limitações trazidas pelo inventário ao não informar se o imigrante realizava algum outro tipo de negócio, além da agricultura e do engenho, impossibilitam afirmar, de forma mais contundente, se ele emprestava dinheiro, por exemplo, ou se o trabalho executado no engenho envolveria um número significativo de colonos, os quais pagavam por esse serviço, a tal ponto de resultar na importância de oito contos de réis. Dada a 179 Cf. MÜLLER, op. cit., 1992, p. 60, os dois filhos do casal imigrante faleceram ainda pequenos. 128 importância do engenho e/ou do moinho para a agricultura, é de se relativizar o pouco valor atribuído à “casa de engenho coberta de palha” e a quase excessiva avaliação da casa de moradia. É de pleno conhecimento que a área agrícola necessitava de processadores para os grãos e/ou outras culturas: no século XIX, a produção da farinha de mandioca e da de trigo, por exemplo, dependia exclusivamente dos moinhos que os colonos mais abastados possuíam. Além da farinha, a produção de aguardente e de açúcar estava vinculada ao processamento via alambique e engenho. Da análise de diversos inventários chega-se à conclusão de que muitos inventariantes tentaram subvalorizar os seus bens, a fim de pagar menos impostos; talvez essa tenha sido a opção dos herdeiros do imigrante Schmitt. Porém, como explicar a supervalorização da casa de moradia? De acordo com Woortmann, a casa, no seu interior, transformava-se no lar, local onde as relações aconteciam e onde as tradições eram passadas de geração em geração.180 Porém, no âmbito externo, a casa era a representação familiar, era o local onde tal família residia, era o espaço identificador do sobrenome e do que ele significava para as pessoas que mantinham as mais variadas relações com os ocupantes daquela casa. Supervalorizar a “casa de moradia coberta de telhas” poderia se constituir na tentativa de elevá-la ainda mais no cenário colonial, mesmo que isso significasse o pagamento de uma taxa maior de impostos. Para Levi, muitas vezes a “complexa realidade social” tinha mais peso na determinação dos preços do que o próprio 180 “Na Colônia a casa remete sempre à idéia de família extensa e simboliza uma descendência. A casa, enquanto edificação, e a Stammhaus, enquanto tradição, representam, juntamente com a terra, o patrimônio de uma família-tronco. A terra, naturalmente, é o suporte fundamental para que a casa 129 mercado. Assim, “parentela, vizinhança, amizade, clientela e caridade” poderiam se sobrepor à regulamentação do mercado local, hiper-valorizando, por exemplo, a propriedade de um próspero imigrante.181 Contudo, elevar a casa no cenário colonial consistia também em mantê-la sempre bem relacionada com outras famílias “exponenciais”. Assim como os casamentos que envolveram as famílias Diefenthäler e Voges resultaram no crescimento econômico e social daquelas parentelas, os acordos matrimoniais estabelecidos entre os núcleos Jacoby, Schmitt e Voges fundiram uma estrutura de liderança no cenário colonial do LNRS que chegou até o século XX. Novamente, os casamentos foram transformados em acordos familiares visando à perpetuação da liderança e ao crescimento econômico. A união de Bárbara Schmitt com seu primo importado da Alemanha, Wilhelm Schmitt, reúne todos esses elementos, muito embora não seja o único exemplo a ser explorado. A tabela que descreve os herdeiros do casal Philipp Peter Schmitt e Elisabeth Schmitt, nascida Justin, sintetiza os acordos estabelecidos entre dois sobrenomes exponenciais da Colônia de Três Forquilhas – Jacoby e Schmitt –, os quais uniram dois casais de irmãos: Filisbina Schmitt com Carlos Jacoby e Magdalena Schmitt com Pedro Jacoby. As noivas eram filhas do casal Schmitt-Justin, enquanto os noivos eram filhos de João Pedro Jacoby Senior com a primeira ou a segunda esposa (Maria Elisabeta Leuchtin e Bárbara Helwig), cujos casamentos eram significativos em razão das estruturas familiares que a partir deles se consolidaram. As duas uniões não foram localizadas nos registros elaborados pelo pastor Voges. possa se perpetuar. Essa é uma das razões pelas quais o casamento é, ou era até uma ou duas décadas atrás, um affaire de famille”. WOORTMANN, op. cit., p. 173. 181 LEVI, op. cit., p. 155. 130 Segundo Müller, Carlos Jacoby estudou em Porto Alegre, retornando à Colônia para ocupar o cargo de juiz de paz por volta de 1865182; João Pedro Jacoby Junior, descrito no inventário e nos Registros Paroquiais da Lei de Terras apenas como Pedro Jacoby, construiu um sobrado e instalou uma casa comercial.183 Um dos filhos desse casal, João Pedro Jacoby Neto, casou com Luiza Henrieta Voges, filha do Major Adolpho Felipe Voges, primogênito do pastor Voges. O registro de casamento da paróquia evangélica de Três Forquilhas assim descreve a união: “Johannes Peter Jacoby, 25 anos, evangélico, filho solteiro de Peter Jacoby e sua esposa Magdalena Schmitt, casado com Luisa Henriette Voges, 18 anos, evangélica, filha solteira de Adolpho Felipe Voges e sua esposa Wilhelmina Wetter”, em 12 de julho de 1878. Os acordos matrimoniais entre as três famílias prosseguiram no transcorrer do século XIX, culminando com o casamento de Adolfo Felippe Voges, “47 anos, viúvo”, com Filipina Rosina Schmitt, “52 anos”, em 16 de outubro de 1882 e a união de seu filho Carlos Frederico Voges Sobrinho, “22 anos”, com Bina Rosina Schmitt, “filha de Wilhelm Schmitt e Bárbara Schmitt”, celebrada em 20 de janeiro de 1883. Os dois últimos casamentos descritos, realizados no curto espaço de tempo de três meses, constituíram-se, igualmente, na consolidação de um acordo familiar que transcendeu a afetividade e objetivou a prosperidade econômica dos sobrenomes envolvidos. No entanto, para Adolfo Felippe Voges, terceiro filho do pastor, mas o primeiro do gênero masculino, a união com a viúva Jacoby configurou-se como sua segunda experiência conjugal. Ele havia perdido sua primeira esposa, Guilhermina Wetter, em 13 de outubro de 1879, natural de São 182 De acordo com o registro efetuado, “Carlos Jacoby nasceu em 25 de junho de 1829, filho de Peter Jacobi e Barbara Helbig, faleceu em 19 de fevereiro de 1879, moléstia natural, sepultado no cemitério acatólico”, sendo declarante o inspetor de quarteirão Cristóvão Schmitt. O assento está lavrado no Livro 1, o qual se encontra arquivado no Cartório de Itati. 131 Leopoldo, conforme consta no inventário aberto no ano seguinte. Os sogros de Adolpho, Mathias Friederich Wetter e Johanna Wilhelmine Wetter (nascida Fitt, Fit, Viet, Vitt ou Witt), estabeleceram-se em Lomba Grande, onde se tornaram negociantes. Conforme Hunsche, Wetter foi “sapateiro, curtidor e comerciante”. Apesar de colocar-se tão rapidamente nessa condição, sua vida foi interrompida durante a Revolução Farroupilha, sendo assassinado em 12 de abril de 1839.184 Figura 6: Túmulo de Mathias Wetter (Cemitério da Feitoria, São Leopoldo) “Nascido em 27 de janeiro de 1802, em Schuel no Principado de Witgenstein,Erleburg, na Westfália, morreu assassinado por mãos traiçoeiras em 12 de abril de 1839. Sua mulher Wilhelmina Wettern, nascida Vittin mandou fazer esta pedra tumular um ano depois da morte do seu esposo em 12 de abril de 1840”. Tradução: Magda Gans. Fonte: fotografia do Prof. Dr. Erich Fausel, São Leopoldo. 183 Cf. MÜLLER, op. cit., 1992; p. 62. Parte dessa casa ainda existe e está localizada na localidade “Boa União”, no município de Três Forquilhas/RS. 184 Cf. HUNSCHE, op. cit., 1975; p. 292. O registro de óbito encontra-se transcrito no CD-ROM do NETB, op. cit.: “faleceu a 12 de abril de 1839, às 9 horas da noite, Mathias Wetter, de Schillau, distrito de Ahrensberg, em Westphalen, 37 anos de idade, evangélico, sapateiro, curtidor e comerciante em Lomba Grande, filho legítimo de Heinrich Wetter e Magdalena, nascida N. N., marido de Wilhelmine, nasc. Vitt. Morto por ladrões e assassinos que arrombaram sua casa, levaram-no embora e, após, o evisceraram nas macegas. Foi sepultado pública e solenemente no Cemitério da Feitoria em 14 de abril”. Tramontini listou os colonos assassinados durante a Farroupilha, constando na sua relação o nome de “Wetters”, de Lomba Grande. Ver: TRAMONTINI, op. cit., 2000; p. 255. 132 Foram registrados o batismo de cinco filhos, o óbito de um menino e a confirmação de “Wilhelmine Juliane Caroline Wetter”, nascida a 19 de dezembro de 1836 e confirmada em 1849. Possivelmente, esta criança seja a esposa de Adolpho Voges, para a qual não foi localizado o registro de batismo, mas sim o de confirmação. Após a morte de Mathias, a viúva casou novamente com Heinrich Jacob Müller em 5 de agosto de 1840. O noivo tinha “22 anos, evangélico, seleiro, e comerciante em Lomba Grande”, enquanto a noiva “viúva de Mathias Wettern... 37 anos, evangélica”.185 Atente-se para o fato de que a viúva casou novamente com um “exponencial”, que possuía selaria e comércio, unindo e fortalecendo dois patrimônios. Como Adolpho nasceu em Três Forquilhas, deve ter sido durante os estudos realizados em São Leopoldo que conheceu sua futura esposa. Müller sugere certa aproximação entre as duas famílias, ao afirmar que em 1857/58 Adolfo Felipe Voges, filho do pastor, retornava para a Colônia depois de longa estadia na área de São Leopoldo e Campo Bom para 185 Cf. CD-ROM do NETB, op. cit. Este não é o primeiro caso em que o noivo tem idade inferior à noiva. O casamento de Maria Catharina Müller, 29 anos, com Philipp Diefenthäler, 21 anos, mencionado neste texto, enquadra-se nesta modalidade. O inventário de Joanna Guilhermina Fith, aberto em 1848, confirma os dados apresentados sobre os primeiros sogros de Adolpho Felippe Voges. A inventariada, ao falecer (1º/10/1848), possuía em Lomba Grande, uma colônia e meia de terras, curturme e comércio, avaliados em 4:840$800. As atividades às quais a viúva se dedicou juntamente com seu segundo marido, Henrique Jacob Müller, podem ser identificadas pela descrição dos seguintes itens: “3 dz. Vaquetas”, 108$000; “8 pares de arreio”, 84$000; “uma porção de ferramentas pertencentes ao curtume”, 32$000; “140 couros”, 420$000; “1 curtume com casa”, 600$000 (dados referentes ao curtume); “1 armação de loja”, 32$000; “1 balança velha”, 8$000; “um resto de fazendas”, 40$000; “4 @ de café”, 12$800; “5 @ de açúcar”, 20$000; “um resto de vinho”, 8$000; “1 garrafão vazio”, 1$000; “16 medidas de aguardente”, 16$000; “uma porção de garrafas”, 2$000; e “uma porção de miudezas”, 10$000 (dados referentes ao comércio). O valor modesto do inventário, cujos bens revelam uma família “exponencial” (com curtume e comércio), talvez se deva à morte do primeiro marido de Joanna Guilhermina, Mathias Friederich Wetter, assassinado em 1839 durante a Revolução Farroupilha, acontecimento trágico que provavelmente desestabilizou a família. Se para alguns a Guerra Civil de 1835-1845 proporcionou incremento nas atividades econômicas, como o envio de produtos coloniais para Porto Alegre, para os que se viram atropelados por conflitos verbais, assaltos e assassinatos, o período de dez anos da Farroupilha desencadeou um processo de definhamento econômico. Por outro lado, como a viúva casou novamente com um homem de negócios, o parco valor atribuído aos bens pode denunciar a tentativa de diminuição do pagamento de impostos. Dentre os sete herdeiros, encontra-se “Carolina Juliana, 12 anos”, futura esposa de Adolpho Voges. 133 estudos e aprendizagem da profissão de carpinteiro. Em São Leopoldo ele ingressava na Guarda Nacional, sob o comando de Dr. João Daniel Hillebrand... Frederico Mathias Wetter... tinha residência em Lomba Grande, buscando entretanto a assistência do pastor Voges para serviços eclesiásticos, apesar da enorme distância que tinha que percorrer.186 Por certo, o autor considerou o período em que Voges esteve em São Leopoldo e arredores para fazer tal assertiva. Se de fato Wetter buscou socorro espiritual junto a Voges, esse contato pode ter criado e fortalecido laços de amizade, os quais se mantiveram com a presença de Adolpho na Colônia-Mãe. Portanto, pode-se deduzir que o primeiro casamento do filho homem mais velho do pastor Voges (segundo Müller, em 1857) permitiu o estabelecimento de vínculos duradouros dentro do mega-espaço SL-LNRS, unindo parentelas “exponenciais”. Dois batizados ratificam a união das parentelas Diefenthäler, Voges e Wetter ao longo do século XIX: “batismo de Amália Diefenthäler, nascida a 14/12/1874, batizada a 26/12/1874, filha de Karl Diefenthäler e Elisabeth nascida Diefenthäler. Padrinhos Mathias Wetter, Amália Kupplich” (p. 45); “batismo de Johann Karl Theodor Diefenthäler, nascido a 10/2/1886, filho de Karl Diefenthäler e Elisabeth nascida Diefenthäler. Padrinhos: Karl Wetter, Johann e Dorothea Blos, Ada Diefenthäler” (p. 58).187 Se o matrimônio foi significativo para a vida dos noivos, o falecimento de uma das partes – Wilhelmina – deixou nítida a posição de destaque que a nova família ocupou no LNRS. O registro efetuado junto ao escrivão traz algumas informações: Compareceu em meu cartório em 7.10.1879 Adolfo Felipe Voges, comunicou que no dia 3.10.1879, faleceu sua mulher Guilhermina Voges, com 43 anos de idade, filha de Mathias Wester e Guilhermina Wester, de 186 MÜLLER, op. cit., 1992; p. 52; p. 74. 187 Cf. Livro de registro da comunidade evangélica de Hamburgo Velho. [grifo nosso]. 134 moléstia natural, estava anos de cama, teve assitência do cirurgião Cornélio Jacob, deixa 2 filhos. Foi sepultada no cemitério desta colônia.188 Além de confirmar a filiação de sua primeira esposa, o viúvo, ao declarar que ela tivera assistência médica, solidificou a imagem de “exponencial” da família. O levantamento realizado no livro de registro apontou que até 1898 este foi o único caso em que se mencionou atendimento médico. Esse pequeno detalhe redimensiona o poder de circulação, contato e contratação de serviços essenciais, como a saúde. Pode-se imaginar a dificuldade de um colono sem recursos econômicos para conseguir atendimento médico. Normalmente, a medicina caseira e os remédios adquiridos nas vendas supriam essa necessidade. Por outro lado, nem mesmo as pessoas de posse estavam imunes a doenças mais graves, como a de Guilhermina. Apesar de o marido não citar a enfermidade, o quadro de saúde deve ter se agravado, a tal ponto de deixar a enferma “anos de cama”. Além de comerciante e agricultor - possuía várias propriedades, inclusive fazendas em Cima da Serra -, Adolpho Felippe Voges aderiu ao Partido Liberal, tornando-se chefe político no LNRS. Na Colônia, foi juiz de paz e conquistou o título de Major. Ao enviuvar, uniu forças com a viúva de Carlos Jacoby, Filipina Rosina Schmitt, filha de Philipp Peter Schmitt. Dessa união, resultou a sobreposição de três forças: Filipina trazia consigo o sobrenome paterno, mais a sua parte na herança; o sobrenome do marido, Jacoby, e os bens que haviam adquirido; tudo isso aliado ao sobrenome Voges e às propriedades de Adolfo.189 No entanto, o acordo visava à 188 Cf. livro 1, registro 25, do Cartório de Itati. Nesta declaração, três observações batem de frente com dados encontrados em outros documentos: a data do falecimento não confere com a do inventário (13/10/1879), o sobrenome Wetter foi escrito como “Wester” e o número de filhos era maior do que o mencionado: conforme o inventário, o casal tinha sete filhos quando a mãe faleceu. [grifo nosso]. 189 Para Woortmann, “o casamento não envolve apenas a questão do sentimento/consentimento dos noivos. Estão em jogo, também, os bens envolvidos e as disponibilidades de cada família. A palavra 135 continuidade; era preciso assegurar que os compromissos fixados através do casamento tivessem vida longa e garantissem a posição de destaque para aqueles líderes locais. Esse objetivo foi conquistado com o casamento de Carlos Frederico Voges Sobrinho, filho de Adolfo, o qual também tornou-se comerciante e chefe político no LNRS, porém não liberal, mas republicano, com a sobrinha e afilhada de sua madrasta, Philipina, ou, como consta no registro, “Bina Rosina Schmitt.” Com essa união, o capital simbólico e econômico desses sobrenomes concentrou-se no jovem casal que tinha como missão dar continuidade à posição de destaque que até então suas famílias vinham ocupando. Não é exagero afirmar que essas duas uniões constituíram-se numa das grandes estratégias matrimoniais que o LNRS presenciou. No entanto, os acordos matrimoniais estenderam-se aos demais membros dessas famílias. Frederico e Antoniette, filhos de Adolfo Felippe Voges, casaram com Catharina Bárbara e Christoph, filhos de Wilhelm Schmitt e Bárbara Schmitt. Como Frederico nasceu em 7 de março de 1865 e Antoniette em 9 de janeiro de 1864, possivelmente tenham casado por volta de 1884/5, quando seu pai já estava ligado à viúva Filipina Rosina. Um dos resultados desses acordos foi a passagem da casa do pastor Voges, construída ao lado do templo, para a família Schmitt, a qual mantém parte da casa até os dias atuais. Outrossim, Jacob Voges, filho mais novo do pastor Voges, contraiu núpcias com Elisabeth König, filha de Pedro König e Elisabeth Schmitt, irmã de Filipina, segunda esposa de Adolfo.190 Apesar desse emaranhado de nomes e datas, o fio condutor a ser seguido são as estratégias matrimoniais que tiveram como objetivo fortalecer as parentelas envolvidas. Geschäft significa tanto a transação comercial quanto a casa comercial (venda ou armazém)”. WOORTMANN, op. cit., p. 161-162. 136 Tabela 5: Casamentos Noivos Pais Data Família Jacoby Família Schmitt Família Voges +1855/1856 Bárbara Schmitt/Wilhelm Schmitt Philipp Peter Schmitt e Elisabeth (Justin) Schmitt; Wilhelm Schmitt S/data Carlos Jacoby Filibina Schmitt João Pedro Jacoby Senior e Maria Elisabeta Leuchtin (ou 2ª esposa Bárbara Helwig); Philipp Peter Schmitt e Elisabeth (Justin) Schmitt S/data Pedro Jacoby Magdalena Schmitt João Pedro Jacoby Senior e Maria Elisabeta Leuchtin (ou 2ª esposa Bárbara Helwig); Philipp Peter Schmitt e Elisabeth (Justin) Schmitt 21/4/1871 Elisabeth König Jacob Voges (sua mãe é Schmitt) Pedro König e Elisabeth Schmitt e Carlos Leopoldo Voges e Elisabeth (Diefenthäler) Voges 12/7/1878 Johannes Peter Jacoby Luiza Henriette Voges Peter Jacoby e Magdalena (Schmitt) Jacoby e Adolfo Felippe Voges e Guilhermina (Wetter) Voges 16/10/1882 Filipina Rosina Adolfo Felipe Voges Philipp Peter Schmitt e Elisabeth (Justin) Schmitt; Carlos Leopoldo Voges e Elisabeth (Diefenthäler) Voges 20/1/1883 Bina Rosina Schmitt Carlos Frederico Wilhelm Schmitt e Bárbara Voges Sobrinho Schmitt; Adolfo Felippe Voges e Guilhermina (Wetter) Voges 15/8/1885 Christoph Schmitt Antoniette Voges Wilhelm Schmitt e Bárbara Schmitt; Adolfo Felippe Voges e Guilhermina (Wetter) Voges S/data Catharina Frederico Voges Wilhelm Schmitt e Bárbara Bárbara Schmitt Schmitt; Adolfo Felippe Voges e Guilhermina (Wetter) Voges 190 Cf. KOLIVER, op. cit., p. 129, p. 146 e registros da paróquia evangélica de Três Forquilhas. 137 A tabela 5 permite algumas leituras. Ao que parece, até mais ou menos 1870, a família Schmitt optou por aliar-se aos Jacoby. Somente após essa data é que tiveram início os matrimônios envolvendo os Schmitt e a família do pastor Voges. Com toda a fragilidade que esses dados carregam, como datas imprecisas e documentação escassa, é possível indagar sobre os motivos que levaram a tais sobreposições de nomes. Talvez haja coerência entre a tradição oral e os apontamentos de Müller, quando afirmam que, num primeiro momento, outras famílias estariam à frente da parentela do pastor, sobretudo os Schmitt, Mittmann e Jacoby. É lícito pensar que, à medida que o século XIX transcorria, o poder dos Voges tenha aumentado devido à inserção na política. Dos outros sobrenomes, nenhum envolveu-se de forma mais acentuada na disputa político-partidária como o filho e o neto do pastor. De fato, parece haver tido um certo aniquilamento do sobrenome Jacoby em detrimento dos Schmitt e Voges, agora unidos e fortalecidos também por uma parte da herança que veio da união de Filisbina com Carlos Jacoby. Em se tratando do arrolamento de propriedades, quer compradas ou adquiridas via herança, a transferência da casa do pastor Voges para a família Schmitt após o casamento de Christoph Schmitt com Antoniette Voges, em 1885, deu nova dimensão àquela sede de poder: mesmo que a casa continuasse ao lado da igreja e que o pastor e a esposa residissem nela até falecer (1893 e 1894), a função de escrivão exercida por Christoph acrescentou novos elementos a um espaço que reuniu características tão diversas, como ser igreja, escola, venda e sede política. A partir dessa nova atribuição, as pessoas iam à casa para redigir documentos (certificados de batismo, casamento, procuração, escritura), solicitar 138 cópias desses mesmos documentos, pagar impostos, solicitar auxílio em questões que poderiam envolver herança, medição de terras, questões pessoais, entre outras. Tudo isso tendo como princípio gerador os acordos matrimoniais estabelecidos por parentelas “exponenciais”. Por sua vez, tanto os casamentos celebrados em São Leopoldo, quanto os do LNRS, seguem um mesmo padrão. O que está sendo considerado é a estratégia que determinada família usou para unir-se a outra, para aliar-se àquele grupo que, na troca, de alguma forma, o favoreceria. Isso pode ser detectado tanto nos batizados quanto nos casamentos que foram analisados. Retornando à Colônia de São Leopoldo, parece que a relação do pastor Voges com a família de sua esposa era amistosa, uma vez que celebrou cinco uniões de seus cunhados. Eles poderiam ter optado pelo trabalho do pastor Ehlers, concorrente de Voges na vaga pastoral de São Leopoldo. Mas essa escolha poderia ocasionar ruptura na família, pois preterir o cunhado e pedir as bênçãos de Ehlers exporia a todos publicamente: o pastor que fazia parte da parentela Diefenthäler fora trocado por um estranho. Como as uniões foram celebradas entre os anos de 1826 a 1843, e não há referência exata do local onde elas aconteceram, é muito provável que o pastor Voges tenha se deslocado de sua residência no LNRS para a região da Costa da Serra e Bom Jardim a fim de participar dos festejos.191 De fato, seria improvável imaginar o deslocamento de toda a família e convidados para o litoral a fim de festejaram o casamento. Dessa forma, percebe-se que as atividades pastorais de Voges não ficaram limitadas ao litoral, estendendo-se às regiões onde os familiares de sua esposa residiam. Quiçá a ingerência de Voges no espaço do seu colega Ehlers possa ser entendida como um 139 prolongamento da disputa dos dois pastores pela paróquia de São Leopoldo, cujos reais interesses são nebulosos e difíceis de analisar. Todavia, parece ingênuo concluir que os únicos motivos que levaram Voges a se deslocar do litoral para a serra tenham sido os laços familiares, uma vez que o exercício do pastorado lhe conferia autoridade, prestígio e poder junto àqueles que solicitavam os seus serviços. Dos registros de casamentos analisados, pode-se concluir, também, que a proximidade geográfica deve ter colaborado para aproximar jovens pretendentes. E, caso a distância fosse empecilho, havia as festas, como as de casamento, e outros acontecimentos sociais que não eram desperdiçados para promover o contato e posterior contrato entre as famílias que planejavam e concretizavam a nova união. Esses contratos originavam-se, basicamente, de duas propostas: a que visava à satisfação afetiva das famílias, quer unindo primos ou estranhos, e a que, de maneira perspicaz, objetivava o crescimento econômico, material, das famílias envolvidas. Deve-se considerar que essas duas formas de unir os jovens e criar novos redutos familiares, em certos casos, ocorriam paralelamente, isto é, a afetividade combinava-se com acertos materialmente proveitosos. Dadas as dificuldades de conquistar dias melhores para os integrantes da família somente com o trabalho agrícola, aliar-se a um artesão, de preferência com sua oficina montada e funcionando, poderia vir a ser uma alternativa econômica e social. Martin Dreher, ao analisar esses mesmos registros, constatou que os imigrantes trouxeram consigo diversas habilidades profissionais. De certo modo, o autor conseguiu demonstrar que, junto com agricultores, vieram artesãos – 191 A exceção é o casamento de Peter Friederich Petersen com Catharina Diefenthäler, celebrado 140 profissionais de múltiplas áreas –, o que colaborou para desfazer a imagem amplamente difundida e errônea de que todos os imigrantes chegados ao Brasil eram colonos destinados às pequenas propriedades agrícolas.192 Baseado em estudos relacionados à história da imigração, é possível afirmar que foram, em boa parte, esses artesãos que impulsionaram a economia da Colônia de São Leopoldo.193 Portanto, do ponto de vista econômico e social, era estratégico estabelecer vínculos com esses jovens promissores, os quais, por força da profissão, normalmente se fixavam na vila ou em suas proximidades. Assim, a família que estava confinada à pequena propriedade, talvez a muitas horas de caminhada ou cavalgada até a vila, ao promover o casamento entre alguém de sua casa com o jovem ligado à profissão artesanal (mais tarde, pré-industrial), como que estabelecia uma ponte entre o seu espaço e o núcleo mais desenvolvido e “urbano” da Colônia. Eram as teias sociais que estavam sendo costuradas via casamento. Costuras frágeis, parcial ou totalmente desunidas em muitas conexões, semelhantes à colcha de retalhos na qual faltam muitas peças: metáfora que representa o universo das fontes pesquisadas, às vezes nebulosas, não raro, misteriosas, permeadas de contradições e equívocos. Nos registros das paróquias evangélicas, tanto de São Leopoldo quanto de Três Forquilhas, nos inventários e na bibliografia existem dados que não se encaixam, que se contradizem, que mais desnorteiam do que apontam caminhos seguros para o pesquisador seguir. Antes de antes dos colonos se encaminharem para a Colônia alemã das Torres. 192 Conforme Dreher, “é muito provável que um número relativamente alto... de artesãos... pôde exercer no Vale do Rio dos Sinos suas atividades profissionais em razão da inexistência na região do conhecimento que podiam oferecer. É provável, também, que praticamente todos tenham tido que exercer, parcialmente, atividade agrícola. Quando o próprio profissional não a exerceu, sua família deve tê-lo feito”. Ver: DREHER, Martin N. O desenvolvimento econômico do Vale do Rio dos Sinos. In: Estudos leopoldenses. Série História. São Leopoldo, Unisinos, v.3, n.2, jul/dez 1999b, p. 49-70. 193 Ver: AMADO, op. cit. 141 mais nada, é preciso olhar essas fontes com desconfiança, duvidar, questionar os dados fornecidos por elas. No caso do óbito de Jacob Diefenthäler, sogro de Voges, o registro informa que ele era pai de “6 filhos”. Excluindo as três filhas que eram do primeiro casamento de Elisabeth com o (provável) irmão de Jacob, o casal teve cinco filhos: Jacob, Peter, Philipp, Johannes e Jeannette, esta última nascida no Brasil. Talvez o sexto filho fosse uma criança que não tenha recebido nenhum tipo de registro ou um mero equívoco do informante ou do pastor. De qualquer forma, essa pequena diferença no número de filhos aponta para a fluidez e carência das fontes194. No que se refere a apontamentos, a escrita dos nomes varia de tal forma que obriga o pesquisador a adotar certos procedimentos metódicos para padronizar nomes e sobrenomes. Quanto aos Diefenthäler, o sobrenome aparece escrito nos registros paroquiais de São Leopoldo como Diefenthaeler, Tiefenteller e Diefenteller, e, num inventário, como Teifentheler.195 A fim de optar por uma grafia, escolheu-se por “Diefenthäler”, salvo nas transcrições em que foi mantida a grafia original. Porém, os equívocos ultrapassam a escrita dos nomes e chegam às datas, no mínimo, apresentadas de maneira tão confusa quanto os outros dados que podem ser retirados dessas fontes. A tabela abaixo foi elaborada a partir dos registros do CD-ROM do NETB e da genealogia de Hunsche, e tem como finalidade expor as contradições relacionadas aos números ali mencionados. 194 Um registro encontrado no CD-ROM do NETB continua envolto em mistério. De acordo com os apontamentos, faleceu “Philipp Tiefenteller... filho de Jacob Tiefenteller e Elisabeth, nascida Thieben, 4 ½ anos de idade. Faleceu a 24 de novembro de 1826 e foi sepultado em 25 de novembro”. Em toda a documentação pesquisada não foi encontrada nenhuma união dos Diefenthäler com a família Thieben. Inclusive, o sobrenome “Thieben” não consta na genealogia elaborada por Hunsche. Será equívoco? Em vez de “Thieben”, poderia ser Diehl? Essa criança poderia ser o 6º. filho do casal imigrante? Mais uma vez, o registro tem o poder de demonstrar como as fontes são frágeis e passíveis de questionamento. 142 Tabela 6: Comparação entre CD-ROM do NETB e Hunsche Nome Cf. CD-ROM do NETB Nasc.1 Morte Cf. Hunsche Nasc. Morte Cf. CD-ROM do NETB Cf. Hunsche 1º 2º 1º 2º Casamento Casamento Casamento Casamento Catharina Elisabeth 1806 1808 28/4/1839 22/1/18943 1803 1807 28/4/1839 xxx2 Não houve 28/2/1826 Não houve 22/1/1894 24/3/1828 Não houve xxx Não houve Anna Maria Pedro 1805 xxx 1809 1815 13/1/18904 16/10/1815 xxx xxx 20/6/1834 xxx 20/6/1834 s/data 8/1/1837 16/8/1846 8/1/1837 16/8/1846 Philipp Jacob 1818 xxx 18/1/1817 1/10/1903 10/8/1839 xxx 14/6/1839 xxx xxx 22/7/18915 1809 xxx xxx xxx xxx xxx Johannes 18/8/1823 17/1/1827 1812 17/1/1827 1 - O ano de nascimento é aproximado, uma vez que a base de cálculo para se chegar a esse número foi a data de casamento menos a idade do(a) noivo(a) quando se casou. (Exceção: Johannes, cujo registro de batismo traz a data completa de seu nascimento). 2 - Os três “x” informam que a fonte não traz dados sobre aquele acontecimento. 3 - Cf. registros da paróquia evangélica de Três Forquilhas. 4 - Cf. inventário de Pedro Diefenthäeler. 5 - Cf. inventário de Jacob Diefentheler. As considerações acerca da tabela 6, embora pareçam singelas, têm por finalidade chamar a atenção para a fragilidade dos números, que tanto pode se revelar em lacunas, nas quais não se encontram dados, quanto na diferença de dias, meses e anos. Dessa forma, os comentários não avançam muito mais do que já foi mencionado ao se analisar batismos e casamentos. A sistematização em forma de tabela apenas organiza dados e lacunas para melhor compreensão do todo. A primeira observação a ser feita é sobre o casamento de Catharina, datado de 28 de fevereiro de 1826, conforme consta no CD-ROM do NETB, o qual, segundo Hunsche, teria acontecido um dia após a chegada desses imigrantes ao Brasil. 195 HUNSCHE, Carlos Henrique. Primórdios da vida judicial de São Leopoldo. Porto Alegre: EST, 1979, p. 56. 143 Parece ser um casamento às pressas, urgente, pois certamente não havia local estabelecido para esse tipo de cerimônia ou tempo de prepará-la adequadamente. Se houve uma segunda ocasião na qual os noivos compareceram ao templo perante à comunidade, não se sabe. É preciso pensar que o tempo urgia e que a melhor maneira de se enfrentar o Novo Mundo era com a família constituída. No caso de Anna Maria, há uma diferença maior entre os anos de nascimento que aparecem no CD-ROM do NETB e em Hunsche. É possível que isso explique o fato de o autor ter mencionado o mesmo ano de nascimento para os irmãos Anna e Jacob; além disso, o autor afirma que ela se casou duas vezes, sem mencionar a data do segundo casamento. Quanto a Philipp, a data de seu casamento tem uma pequena variação; talvez uma seja a dos proclames e a outra do acontecimento em si. Por fim, os dados referentes a Jacob são os mais escassos, tanto para nascimento e morte, quanto para casamento. A morte dele ficou conhecida através de seu inventário, e o ano de nascimento foi fornecido por Hunsche, embora essa data pareça discutível. As informações fornecidas por Hunsche também diferem dos apontamentos levantados por Gilson Justino da Rosa, o qual transcreveu o Códice C333, do AHRS. Trata-se das anotações que Hillebrand fazia toda vez que uma família imigrante chegava ao Rio Grande do Sul. De acordo com Rosa, com exceção de Peter, há diferença nas datas de nascimento dos filhos de Jacob Diefenthäler e Elisabeth Diehl quando comparadas com as fornecidas por Hunsche. Catharina teria nascido em 1806; Elisabetha, em 1808; Anna Maria, em 1811; Philipp, em 1819; Jacob, em 1820; e Johannes, em 1823. As discrepâncias maiores se referem aos nascimentos de Jacob e Johannes. De acordo com Hunsche, eles teriam nascido em 1809 e 1812, informações que batem de frente com as de Rosa. Se Hunsche estiver certo, 144 Jacob teria casado com, mais ou menos, 37 anos; sabendo-se que as famílias primavam pelo casamento de seus jovens, o ano fornecido por Rosa parece estar mais próximo do real. Neste caso, Jacob teria casado com Elisabeth Schmitt com, mais ou menos, 26 anos, o que está em sintonia com o registro de casamento dos dois196. De fato, parece que o maior equívoco encontrado em Hunsche diz respeito a Jacob Diefenthäler, cunhado de Voges. O fato de o autor informar o mesmo ano de nascimento para Anna Maria e Jacob reforça a idéia de que há equívoco nessas datas, embora fosse possível que uma mãe ganhasse dois filhos num mesmo ano. Na genealogia do livro 1826, o autor apresenta como filho o neto do casal imigrante, diferenciado pelo acréscimo de “filho” ao final do último sobrenome. 196 ROSA, Gilson Justino da. Imigrantes alemães: 1824-1853. Porto Alegre: EST, 2005, p. 54. 145 Figura 7: Túmulo de Jacob Diefenthäler (Cemitério evangélico de Hamburgo Velho, Novo Hamburgo) 146 Figura 8: Túmulo de Jacob Diefenthäler Filho (Cemitério evangélico de Hamburgo Velho, Novo Hamburgo) Para chegar a essa conclusão, foi preciso cruzar as fontes já elencadas neste texto com dois inventários: o de Jacob Diefenthaeler, casado com Elisabetha, e o de Jacob Diefentäler casado com Bertha Maria Margarida. Comparando o rol dos herdeiros é que se constatou o equívoco de Hunsche: Adão Adalberto, Ada e Adolfo são bisnetos do casal imigrante, netos do Jacob, cunhado de Voges, e filhos do Jacob Filho. A transcrição da fonte talvez ajude a esclarecer esse emaranhado: “F6 – Jacob Diefenthaeler (Filho), filho do 2º matrimônio, n. 1809, Bibelnheim, c.c. Elisabeta Schmidt, pais de 3 filhos, já brasileiros: N1 – Adão Adalberto..., N2 – Ada..., N3 – Adolfo”.197 Sem dúvida, a semelhança e a repetição dos nomes 197 HUNSCHE, op. cit., 1977; p. 429-430.O registro de batismo de Adam confirma a paternidade: “batismo de Adam Adalbert Diefenthäler, nascido a 11/1/1874, batizado a 14/3/1874, filho de Jakob 147 colaboram para que o pesquisador se perca no labirinto da genealogia das famílias imigrantes. Por outro lado, é fundamental fazer esse tipo de correção, não só para os estudos genealógicos, mas, principalmente, para compor e analisar as relações familiares que os filhos dos imigrantes constituíram no Brasil. Conforme transparece na tabela 6, Jacob é o filho de quem se tem menos informações, as quais seriam imprescindíveis para elucidar e acrescentar novos dados à sua história familiar, econômica e social. No que tange aos documentos referentes à Colônia de Três Forquilhas, as contradições são as mesmas. Registros e livros que se perderam, datas que geram controvérsia, nomes e sobrenomes escritos de várias formas, atitudes e procedimentos que parecem indicar conduta relapsa quanto ao cumprimento das tarefas administrativas e burocráticas são obstáculos que o pesquisador enfrenta no dia-a-dia. Suprir carências e dirimir dúvidas são duas habilidades que, forçosamente, o pesquisador precisa desenvolver a fim de dar continuidade ao seu trabalho. Além disso, houve o inusitado, a agradável surpresa de encontrar detalhes que encerraram uma discussão ou abriram novas portas e, portanto, novas possibilidades de pensar um tema ou de resolver um problema. Quanto à “importação” do genro, esboçada e pretendida pelo imigrante Philipp Peter Schmitt, não foi possível localizar a carta escrita do Brasil para a Alemanha. No entanto, diversos documentos continham indícios de que o plano dera certo e que se concretizara, sendo que um dos últimos inventários analisados trouxe a confirmação final de que Wilhelm Schmitt viera ao Brasil por volta de 1855 para casar com a prima Bárbara Schmitt. Essa informação encontra-se na certidão de óbito de sua Diefenthäler e Bertha nascida Diefenthäler. Padrinhos: Adam Bender, Christiane Diefenthäler”, p. 44. 148 filha, Felisbina, casada com Carlos Frederico Voges Sobrinho, falecida em 29 de julho de 1935, a qual está anexada ao inventário aberto no mesmo ano. A certidão descreve os pais de Felisbina da seguinte forma: “filha legítima de Guilherme Schmitt, profissão agricultor, natural da Alemanha e residente em (já falecido) e de Bárbara Schmitt, profissão doméstica, natural deste estado, e residente (também já falecida)”. No que diz respeito a esse fato, a relação dos colonos chegados ao Brasil, elaborada por Hillebrand, talvez colabore para elucidar o mistério: na página 239, linha 36, está registrado que “Wilhelm Schmidt, 27 anos, sapateiro, evangélico, [origem] Hessen Darmstadt” chegou a São Leopoldo no dia 6 de setembro de 1853. Além da proximidade do ano (segundo Piscator, ele deveria ter chegado ao Brasil por volta de 1855), outras coincidências assemelham esse Wilhelm àquele que correspondera ao chamado do seu tio, tais como o fato de ter vindo de forma independente, a mesma procedência na Alemanha (a família Schmitt de Três Forquilhas também viera de Hessen Darmstadt), e o estado civil – solteiro – bem como a idade – 27 anos –, o que pode corroborar a tese de Woortmann, a qual afirma que o imigrante Schmitt chamou para genro o segundo filho, não o primogênito, sendo que para este segundo filho só havia as opções de permanecer no celibato ou emigrar.198 Sobre a condição de ter emigrado de forma independente, sem estar vinculado a um projeto de imigração, as recomendações assinaladas após a listagem dos nomes explicita as condições que os recém-chegados iriam enfrentar: Inteirado pelo seu ofício de 10 do corrente de terem chegado a essa colônia 36 colonos vindos de Bremen na escuna Tell, tenho a dizer a V.Ma. que nenhum destino tem esta presidência a dar a tais colonos que vieram de sua própria vontade procurar estabelecer-se no país, pois que nem a legislação nem contrato algum do agente encarregado da colonização Cf. Livro de registro da comunidade evangélica de Hamburgo Velho. 198 WOORTMANN, op. cit., p. 176. 149 obrigam o governo provincial a lhes fornecer meios de estabelecimento. [redigido em 16 de setembro de 1853].199 Ainda sobre a análise das fontes, batismos e casamentos, quer realizados em São Leopoldo ou em Três Forquilhas, estes dados carecem de cruzamentos e comparações com outros documentos, quer institucionais ou pessoais. Foi dessa forma que os arranjos matrimoniais transpareceram, ganharam vida e passaram a representar toda a sua plenitude, isto é, uniram pessoas, mas também famílias; celebraram a união de duas vidas, mas representaram acordos entre parentelas cujos objetivos extrapolavam o matrimônio. Assim, ao “importar” um genro que também era sobrinho para casar com a filha, o imigrante Schmitt estava arquitetando um plano que ultrapassava os limites do lar que logo deveria ser formado. A falta de um filho homem para herdar o sobrenome e para assumir o capital simbólico da família levou o pai a escrever ao seu irmão expondo os limites a que estava sujeito: não havia pretendentes à altura para tornar-se genro e futuro herdeiro do que ele construíra no Brasil. O exemplo de arranjo matrimonial mencionado acima encerra uma gama de documentos. O entrecruzamento de todas as fontes mencionadas neste texto documentos de Arquivos Familiares, Inventários, Livro-Caixa, Processos-Crime, Registros Paroquiais de paróquias eclesiásticas, elaborados por padres, pastores e funcionários tanto do governo quanto de outras instituições, Registros Paroquiais da Lei de Terras - talvez tenha confundido o leitor. 199 AHRS – Registro geral dos colonos chegados (1824-1853) – C333 [grifo nosso]. Das fontes que mencionam ou insinuam a importação do genro Wilhelm Schmitt, a relação de Hillebrand é a mais suscetível de dúvidas, uma vez que a família Schmitt/Schmidt é extremamente numerosa e descende de vários imigrantes chegados ao Brasil. Por fim, deve ser acrescentado ainda o inventário de Maria Mittmann no rol dos documentos que comprovam a “importação” de Wilhelm Schmitt, no qual ele aparece como testemunha. 150 É possível que outras leituras tenham surgido desse emaranhado de nomes, datas e locais, bem como é muito provável que novas teias tenham sido confeccionadas durante a difícil travessia da primeira à última página. Talvez, o leitor tenha tido alguma empatia com o autor ao sentir-se um “ressuscitador de homens”, ao constatar que a partir dessa imersão, aquelas vidas retornaram, e os que viveram ao longo do século XIX e início do XX puderam dialogar novamente. Mesmo que frágeis e limitadas, as fontes serviram de canal de comunicação entre as propostas que deveriam ser analisadas e a vida dos que foram citados ao longo do texto. Após essas considerações, é permissível a manifestação de algumas curiosidades, como se a criança teria chorado durante o batizado? Por que fulano e não sicrano foi convidado como padrinho? Houve resistência ao casamento? Quais os doces saboreados durante a festa? Quiçá olhos e ouvidos mais atentos revelem essas indagações. O presente capítulo ocupou-se das relações de parentesco, sobretudo as que foram estabelecidas sobre os sacramentos do batismo e matrimônio. Se por um lado não se pode negar que tenha havido uma gama infinita de sentimentos entre os envolvidos, é certo que em muitas uniões prevaleceu a vontade dois pais, agentes históricos experientes que desejavam um casamento duradouro para seus filhos. O Capítulo III centralizará sua atenção no crescimento econômico das parentelas aqui analisadas. Para isso, foi de vital importância devassar a vida material dos Diefenthäler-Voges. PARTE II – INTERESSES CERTEIROS I: INVESTIMENTOS ECONÔMICOS CAPÍTULO III – MÚLTIPLAS ATIVIDADES: A ABERTURA DO LEQUE Terra e nome são patrimônios, simbólico e material, que expressam a descendência e, ao mesmo tempo, o sentido moral da terra. Não se herda um objeto: herda-se uma obrigação.200 Tomei contato com os inventários pela primeira vez em 1998, quando fui pesquisar para o meu Trabalho de Conclusão. Jamais havia pisado no APERS; reconheço, hoje, que o acompanhamento do meu ex-orientador – professor Marcos Justo Tramontini – foi importante para diminuir o nervosismo da iniciação. No arquivo, desejava encontrar dados que ligassem colonos alemães e seus descendentes à posse de escravos, tema central do trabalho que encerraria a graduação em História, na UNISINOS. De fato, inventários e escrituras de compra e venda confirmaram aquilo que a tradição oral sussurrava aos meus ouvidos desde a infância: algumas famílias de colonos alemães do Vale do Três Forquilhas compraram e mantiveram escravos em suas propriedades, sobretudo aquelas que eram consideradas “mais ricas” e “mais importantes”. 152 Em função disso, o uso de mão-de-obra escrava por parte dos colonos alemães foi entendida, aqui, como atividade econômica. Comprar, manter e vender escravos fez parte do cotidiano de alguns “exponenciais”, os quais otimizaram o desempenho de suas propriedades a partir da exploração de trabalhadores cativos. Afora desejar o crescimento econômico, os “exponenciais” que usaram mão-de-obra escrava estavam de olho na inserção social que este recurso poderia proporcionarlhes. Vale repetir o que foi registrado na Introdução: dispor de escravos para executar tarefas dos mais variados tipos auxiliava na equiparação dos “exponenciais” com seus vizinhos nacionais. Inclusive, os próprios pastores foram proprietários de escravos, como Voges, de Três Forquilhas, e Sauerbronn, de Nova Friburgo, Rio de Janeiro. De acordo com Spliesgart, Sauerbronn também batizou escravos em sua comunidade, procedendo de modo semelhante ao seu colega Voges. Contudo, nem todos os líderes religiosos aprovavam a escravidão. Segundo Spliesgart, o pastor Hollerbach, de Teófilo Otoni, Minas Gerais, posicionou-se contra o uso de mão-de-obra cativa. Apesar das constantes lamentações de Sauerbronn sobre o seu estado de pobreza e o da maioria dos colonos de Nova Friburgo, segundo o autor, 15% das famílias da comunidade de Nova Friburgo possuíam escravos em suas propriedades201. Já na província do Rio Grande do Sul, na Colônia de São Leopoldo, de acordo com o Livro de registros I da comunidade evangélica de Hamburgo Velho202, 200 WOORTMANN, op. cit., p. 313. 201 Spliesgart dedicou muitas páginas do seu livro para abordar a questão da escravidão entre imigrantes europeus. Para o autor, os colonos ajustaram-se à nova realidade que os cercava, introduzindo novos costumes ao seu cotidiano. Nesse caso, o uso de trabalhadores escravos foi incorporado ao dia-a-dia, incrementando a economia e igualando-os aos vizinhos nacionais. Ver: SPLIESGART, op. cit. p. 254; p. 285; p. 352; p. 358-359; p. 365-367; p. 474; p. 555. 202 Livro de registro I da comunidade evangélica de Hamburgo Velho (1845-1886), realizado pelo pastor Johann Peter Haesbaert e transcrito por Gaspar Henrique Stemmer, em 1993. 153 o casal Jakob e Elisabeth Diefenthäler batizou e foi padrinho dos seguintes filhos de escravas: - Maria Diefenthaeler, nascida em 7/2/1850, batizada em 24/2/1850, p.10; - Joseph Diefenthaeler, nascido em 20/3/1854, batizado em 23/4/1854, p.17; - João Diefenthaeler, nascido em 23/9/1856, batizado em 14/12/1856, p.21; - Adão Diefenthaeler, nascido em 24/12/1859, batizado em 26/2/1860, p.27; - Luiz Diefenthaeler, nascido em 24/1/1862, batizado em 23/5/1862, p.29-30; - Carlos Diefenthaeler, nascido em 14/1/1866, batizado em 1/4/1866, p. 34. Segundo essa mesma fonte, o irmão de Jakob, Peter Diefenthäler, casado com Karoline Reichert, também se tornou proprietário de escravos, sendo que o casal batizou e apadrinhou as seguintes crianças, filhos de suas escravas: - Rose Diefenthaeler, nascida em 6/7/1865, batizado em 3/9/1865, p.34; - Anna Maria Diefenthaeler, nascida em 7/1/1866, batizada em 25/2/1866, p.34; - José Diefenthaeler, nascido em 9/7/1868, batizado em 18/10/1868, p.38; - João Diefenthaeler, nascido em 29/1/1870, batizado em 5/6/1870, p.40; - Adão José Diefenthaeler, nascido em 3/8/1871, batizado em 22/10/1871, p.41; - Eva Diefenthaeler, nascida em 29/9/1873, batizada em 30/11/1873, filha nascida livre da escrava Luiza. Padrinhos: Frederico e Theresia de Quadro, p.44. 154 Os registros realizados pelo pastor Johann Peter Haesbaert constituem-se prova incontestável de que ambos os casais possuíram escravos em suas propriedades. Em todos os batismos, com exceção de Eva, realizado em 30 de novembro de 1873, Jakob e Peter seguiram o costume de apadrinhar os batizandos, filhos de suas escravas. A atitude do pastor Haesbaert, da comunidade evangélica de Hamburgo Velho, pode ser comparada à de seus colegas Sauerbronn e Voges, os quais também registraram batizados de escravos em seus assentamentos eclesiásticos. Apesar de apenas tangenciar o tema escravidão, os exemplos apontados neste texto inserem os imigrantes alemães e seus descendentes na lógica social do século XIX. Nem mesmo os pastores deixaram de ser agentes históricos do seu tempo, isto é, valores como moral não se colocaram como empecilhos para a posse de escravos. Afinal, poder comprar e usufruir de mão-deobra cativa os identificava como “exponenciais” no campo econômico e social. No Capítulo II, no qual foram analisadas as relações de parentesco e de amizade entre famílias que se destacaram no cenário colonial SL-LNRS, os inventários contribuíram para despertar outros interesses, além do envolvimento com a escravidão e as redes sociais estabelecidas pelos colonos e seus descendentes entre os pares, mas também com os nacionais. Inventários e outros documentos costurados a eles trouxeram à luz o potencial econômico dos colonos ao registrarem a quais atividades as famílias se dedicavam, sugerindo que o enriquecimento se deu através da ampliação dos negócios, os quais envolveram compra e venda de terras, comércio (estabelecimento comercial; venda), empréstimo de dinheiro e o uso de mão-de-obra escrava. Desta forma, os inventários se constituíram na fonte principal deste texto, servindo como motor de propulsão à análise do crescimento econômico 155 dos colonos alemães. Segundo Levi, “a diversificação das atividades e a sua inserção em uma estratégia mais ampla misturaram a administração econômica com as relações sociais, criando interligações muitas vezes complexas”.203 Para dar início a essa discussão, é preciso voltar ao inventário de Jacob Diefenthäler, cunhado do pastor Voges. De acordo com aquilo que já foi expresso no Capítulo II, a localização do inventário do sogro de Voges teria esclarecido parcialmente como o pastor teve suporte econômico para abrir a sua venda e tornarse – já se pode afirmar – um dos homens mais ricos do LNRS. Porém, a procura infrutífera desse documento resultou na necessidade de buscar outras fontes que pudessem substituí-lo e, indiretamente, proporcionar algum tipo de explicação para o problema que estava sendo levantado. Foi assim que os inventários de diversos integrantes das famílias Diefenthäler-Voges foram sendo localizados, lidos, fichados e, pouco a pouco, sobrepostos de tal modo que permitiram redimensionar a potencialidade econômica dos colonos. O inventário de Jacob Diefenthäler, cunhado de Voges, aberto em 1891, data emblemática por estar próxima da transição Império/República, mas também por registrar a vida do inventariado durante os anos em que viveu no Brasil ao longo do século XIX, foi o primeiro documento que sinalizou a amplitude dos negócios aos quais os Diefenthäler-Voges se dedicaram. Quanto aos bens descritos no inventário, eles encontram-se distribuídos entre São Leopoldo, Santa Christina do Pinhal e Taquara, demonstrando que o suposto isolamento das Colônias não era empecilho para a realização e ampliação dos negócios. A tabela abaixo sintetiza os dados contidos nesse documento. 203 LEVI, op. cit., p. 112. 156 Tabela 7: Bens de Jacob Diefenthäler São Leopoldo Colônia/Terra Medidas Frente Fundos Divisa Divisa Colônia de terras de campos, no. 122, 2º distrito 200 braças de Ao Leste com frente; 800 a Estrada braças de Geral que de fundos N. Hamburgo vai ao Travessão Ao Oeste com Divide com terras de Roberto Vicente Eismann [ilegível] Divide com Pedro Mentz Meia colônia de terras de campos, 2º distrito 200 braças de Ao Leste com frente; 400 a Estrada braças de Geral que de fundos N. Hamburgo vai ao Travessão Ao Oeste com Divide com os herdeiros Pedro Mentz de Pedro Diefenthaeler Divide com o Travessão da Estância Velha Meia colônia de terras no 2º distrito Colônia no 2º distrito 100 braças de Ao Sul com o frente; 800 Travessão da braças de Estância fundos Velha 80 braças de frente; 1.600 braças de fundos Ao Sul com o Travessão da Estância Velha Ao Norte com Mathias Grewer Ao Norte com o Travessão de Dois Irmãos Ao Leste com Antonio Friedrichs Ao Oeste com terras da herdeira (Elisabetha Diefenthaeler) Ao leste com Ao Oeste com terras da herdeiros de herdeira Pedro (Elisabetha Diefenthaeler Diefenthaeler) “Na última colônia, descrita uma casa de moradia de pedra, forrada e assoalhada, com cozinha e mais benfeitorias” “Na mesma colônia, uma casa de atafona com o respectivo monte para a fabricação de farinha de mandioca, de moer grão e de socar arroz, com todos os seus pertences, movidos à água” TOTAL DOS BENS DE RAIZ EM SÃO LEOPOLDO Valor 6:000$000 2:500$000 2:500$000 8:500$000 3:000$000 3:000$000 25:500$000 Móveis (diversos) Semoventes “oito bois mansos” “dezenove rezes para criar” “mais oito rezes [para criar]” 276$000 400$000 380$000 160$000 Títulos e ações “Doze ações da estrada de ferro de Porto Alegre a Novo Hamburgo sob número 2411 a 2422, no valor nominal de 200$000 cada uma” “Um título hipotecário da mesma estrada sob número 225, no valor de 13 libras esterlinas” “Um título hipotecário da mesma estrada de ferro sob número 874 no valor de 4 libras esterlinas” SUBTOTAL DOS BENS 600$000 130$000 40$000 27:486$000 157 Colônia/Terra Medidas Colônia de terras de matos 100 mil braças Quadradas SUBTOTAL DOS BENS Santa Christina do Pinhal Frente Fundos Divisa Por um lado com terras de Henrique Brusius Pelo outro lado com terras de João Eltz Divisa Valor 3:500$000 30:986$000 Colônia/Terra Medidas Dez e um quarto de colônias de terras de matos 100 mil braças quadradas cada uma Frente Ao Sul com o rio da Ilha Taquara Fundos Ao Norte com terras de quem por direito pertence Divisa Ao Leste com Guilherme e Germano Ludwig Seis e meia colônia de terras de matos 100 mil braças quadradas cada uma Ao Oeste com Ao leste com o arroio Três João José Irmãos Boeno e outros Ao Norte com terras que foram de Guilherme e Germano Ludwig Duas e uma oitava de colônia de terras de matos Meia colônia de terras de matos 100 mil braças quadradas cada uma Ao Leste com o rio da Ilha 75 mil braças Com o rio da quadradas Ilha TOTAL DOS BENS EM TAQUARA SUBTOTAL DOS BENS Dinheiro em casa Dívida ativa (21 devedores) Ao Oeste com Ao Norte com diversos coronel Jorge proprietários Fleck Com Sezefredo Torres, vulgo Fredo Bravo e um tal Steyer Divisa Ao oeste com Coronel João Schmitt, conforme a planta e escritura de dissolução de sociedade com o mesmo Ao Sul com o lote colonial número 9, conforme planta e escritura de dissolução de sociedade com o coronel Schmitt Sul com Jose Antonio Martins Valor 15:375$000 [valor unitário: 1:500$000] 9:750$000 [valor unitário: 1:500$000] 5:000$000 [valor unitário: +- 1:785$000] 800$00 30:925$000 61:911$000 9:500$000 19:864$500 [média: 945$928] TOTAL DE TODOS OS BENS 91:275$500 Após a exposição dessas informações, alguns comentários são pertinentes. Quanto às propriedades territoriais, elas representam o maior valor descrito no 158 inventário, chegando a 59:925$000, juntamente com a casa de moradia, avaliada em 3:000$000. Três itens da construção da casa justificam o valor que lhe foi atribuído: “de pedra, forrada e assoalhada”, isto é, se trata de uma residência que está acima do padrão da maioria dos colonos e que se equipara à casa de Felisbina Schmitt Voges e de Carlos Frederico Voges Sobrinho, de Três Forquilhas, avaliada em 3:000$000.204 Junto à residência também estavam a atafona e o engenho, igualmente valorizados em 3:000$000, evidenciando que Jacob Diefenthäler dedicava-se ao processamento da mandioca e de grãos, atividade que reforçava o caráter econômico e social da sua família. Os móveis da casa foram descritos com singeleza, e cujas avaliações destoam: três contos para a casa e duzentos e setenta e seis mil réis para os móveis e utensílios. Talvez, a pouca descrição desses bens revele a tentativa de diminuir os impostos205 decorrentes do término do inventário ou o desapego a um interior mais luxuoso e refinado. Em contrapartida, os bens semoventes chegaram a 940$000, distribuídos entre a criação (pecuária) e o uso desses animais no engenho. Afora a agricultura e o processamento de algumas colheitas via atafona e engenho, três outras atividades redimensionam o caráter de investidor atribuído a Jacob Diefenthäler. Em primeiro lugar, o mercado de títulos e ações foi alvo de seu 204 Sobre arquitetura alemã e descrição de uma casa-padrão de colono, ver: WEIMER, Günter. A arquitetura da imigração alemã. In: CULTURAS em movimento: a presença alemã no Rio Grande do Sul: Porto Alegre: Riocell, Timm e Timm, 1992, p. 56-65. Em outra obra, o mesmo autor estudou a arquitetura enxaimel da Colônia de Três Forquilhas, detalhando a construção da casa do pastor Voges. Segundo Weimer, o conjunto arquitetônico de Voges destaca-se na história da imigração alemã no RS por suas dimensões. Ver: WEIMER, Günter. Arquitetura popular da imigração alemã. 2.ed. Porto Alegre: UFRGS, 2005, p. 282-303. 205 Em algumas ocasiões, o coletor de impostos foi chamado para cobrar as dívidas que não haviam sido recolhidas aos cofres públicos. Em 1878, o coletor de São Leopoldo, Franklim Luiz de Vasconcellos Ferreira, recebeu a incumbência de visitar 133 contribuintes que “por erro deixou de cobrar o imposto de patente de água ardente”. Os nomes de Carlos Leopoldo Diefenthäler e Adolfo Diefenthäler e Companhia constam da relação elaborada pela autoridade, sendo que cada um pagou a quantia de 12$500. AHRS – Fazenda – Órgãos fazendários – maço 504 – 1878 – São Leopoldo. 159 interesse ao adquirir papéis da estrada de ferro Porto Alegre – Novo Hamburgo, lançados “à praça” pelo empresário John Mac Ginity, em 7 de julho de 1869.206 Mesmo que não se tenham encontrado outras evidências que expliquem os motivos que levaram Diefenthäler a optar por esse investimento, os estudos sobre a estrada de ferro dão conta da importância desse novo veículo de comunicação entre a capital da província e a Colônia-Mãe, já expandida até Novo Hamburgo. Até a conclusão da ferrovia, o rio dos Sinos continuava sendo o meio de locomoção mais viável para o envio e recebimento de produtos; é lícito pensar que Diefenthäler tenha vislumbrado o crescimento econômico que a nova forma de deslocamento poderia proporcionar ao mundo colonial em que estava inserido. Portanto, adquirir ações e títulos poderia ser uma forma de contribuir e garantir a conclusão da obra ferroviária. A outra atividade econômica a qual Diefenthäler se dedicou está relacionada à expansão da Colônia-Mãe e ao surgimento das companhias particulares de colonização, cujos investimentos, juntamente com a pressão demográfica e a procura de novas terras, ampliaram e valorizaram o mercado imobiliário. Do inventário ora analisado, além das terras destinadas à agricultura, sobressaem aquelas que foram adquiridas para a comercialização, sobretudo as de Santa Christina do Pinhal e de Taquara. Os bens destinados à comercialização no mercado imobiliário somaram a quantia de 34:425$000, ou seja, representam em termos de valor mais do que as propriedades de São Leopoldo, inclusive com a casa de moradia, a atafona e o engenho, os quais totalizaram 25:500$000. De igual importância é a menção ao Coronel João Schmitt no final da descrição das terras, sócio de Tristão José 206 Cf. MOEHLECKE, Germano Oscar. Estrada de ferro: contribuição para a história da primeira 160 Monteiro no processo de colonização do Mundo Novo. A documentação referente à sociedade de Schmitt e Monteiro foi suficientemente explorada por autores que se dedicaram a analisar o empreendimento imobiliário e os desdobramentos dessa iniciativa.207 Para este trabalho, existem duas questões que merecem ser destacadas: a capacidade de articulação de Jacob Diefenthäler ao tornar-se sócio de Schmitt208 e as críticas de Tristão José Monteiro a eles, nada amigáveis e amistosas; ao contrário, as memórias de Monteiro revelam um homem amargo, depois de escrachar o relacionamento com o sócio Schmitt. De acordo com Magalhães, o investimento em terras havia se tornado mais seguro do que o realizado com a compra de escravos209, ainda mais quando se tratava de investir em terras que estavam no cinturão de expansão da zona colonial, a partir de São Leopoldo. Jacob Diefenthäler não desperdiçou a oportunidade de adentrar no negócio de compra e venda de terras, como atesta seu inventário. O fato de tornar-se sócio de João Schmitt e adquirir terras na região de Taquara, antiga Colônia do Mundo Novo, sinalizam para sua capacidade de articulação econômica, política e social, pois a colonização do Mundo Novo transformou-se num dos mais lucrativos mercados imobiliários da história da colonização alemã no Rio Grande do Sul. Nomes como o de Tristão José Monteiro e João Schmitt ficaram gravados na ferrovia do Rio Grande do Sul. São Leopoldo: Rotermund, 2004, p. 37-38. 207 Ver: AMADO, op. cit., p. 79-85; ELY, Nilza Huyer. Tristão José Monteiro: Vice-Consul dos USA – colonizador do Mundo Novo. In: Raízes de Igrejinha (no prelo); ENGELMANN, Erni Guilherme. A saga dos alemães. v. I. Igrejinha: E. G. Engelmann, 2004; KAUTZMANN, Maria Eunice Müller (Org.). História de Taquara. Montenegro: AG Artegraf Computação Gráfica, 2004; MAGALHÃES, Doris Rejane Fernandes. Terras, senhores, homens livres, colonos e escravos na ocupação da fronteira no Vale do Sinos. São Leopoldo, 2003. Tese [Doutorado]. Programa de Pós-Graduação em História – UNISINOS, 2003. 208 A sociedade de João Schmitt com Jacob Diefenthäler também pode ser atestada pela documentação da fazenda provincial, especialmente nas guias de pagamentos de impostos. Dois documentos demonstram que os sócios pagaram impostos em 6 de setembro de 1888 e 20 de outubro de 1888, referentes a venda de terras. AHRS – Fazenda – Coletoria de rendas – maço 514 – 1888 – Santa Cristina. 161 historiografia que analisou questões de terra na zona colonial alemã a partir do rio do Sinos. Via de regra, esse tipo de negócio – compra e venda de terras – foi perpassado por diferentes níveis de conflitos: desde os verbais (xingamentos e ofensas), passando pelos legais (disputas judiciais), chegando à violência extrema, como assassinatos. Janaína Amado salientou que “poucas vezes se viu uma comunidade tão ‘briguenta’ quanto aquela [São Leopoldo]”. Para a autora, “várias brigas foram causadas por problemas de terras, o maior bem dos colonos”, ocasionando disputas individuais ou coletivas.210 No caso da sociedade de Jacob Diefenthäler com João Schmitt, a relação dos dois com Tristão José Monteiro não foi amigável nem amistosa. Os desentendimentos iniciaram quando dois filhos de Monteiro venderam a Schmitt e a Diefenthäler mais de 15 colônias, resultando dessa negociata uma demanda judicial que perdurou de 1879 a 1882, quando a querela foi parar nas mãos do imperador. Durante esses anos, as partes acusaram-se mutuamente, estando em jogo uma extensa área de terras e o prestígio político e social dos envolvidos. Ao solicitar o embargo das medições, Monteiro não quer apenas impedir a continuação do processo de medição e demarcação, mas [denuncia as] falcatruas dos medintes [Diefenthäler e Schmitt] que não seguem a partilha das terras e avançam por sobre as de Tristão.211 Schmitt e Diefenthäler reagiram, defendendo a compra efetuada e a medição das terras. 209 MAGALHÃES, op. cit., 2003; p. 318. 210 AMADO, op. cit., p. 51. 211 MAGALHÃES, op. cit., 2003; p. 408. 162 Na disputa, foram inúmeras as personagens que se colocaram contra e a favor das partes. Advogados, testemunhas e juízes foram chamados a se pronunciar e “tomar partido”. Quanto aos advogados de Monteiro – Ignácio Alves Pereira e Lúcio Schreiner –, ambos foram acusados de traição: “fingindo-se meus amigos e protetores, cruéis, traidores, falsários e perversos que me reduziram à extrema miséria e a perder o juízo”.212 No que se refere às testemunhas, de lado a lado elas foram cooptadas. A título de exemplo, João José Boeno, anteriormente considerado intruso por Monteiro, mas, depois, feito agregado nas futuras terras que seriam comercializadas como lotes coloniais, depôs a seu favor. Conforme Magalhães: “há relações de amizade e laços de solidariedade entre Boeno e Monteiro, comprovados pela colocação dele como testemunha”.213 Pelo cargo e pela proeminência, a cooptação do juiz comissário simboliza maior poder de articulação para Schmitt e Diefenthäler, os quais, segundo Monteiro, conseguiram dar andamento ao processo e conquistar vitórias graças à relação mancomunada com o juiz e o agrimensor. No caso do juiz, mesmo depois de destituído, ele prosseguiu atuando naquela causa. Magalhães constatou que o juiz “continuou seus trabalhos; sua suspensão e a nulidade de seus atos foram publicados na imprensa. Contudo, continuou, ilegalmente, a exercer a função de juiz, conforme consta dos autos”.214 Além dos autores que analisaram a colonização do Mundo Novo, Tristão José Monteiro deixou para a posteridade um texto de memórias, no qual relata com detalhes a batalha judicial contra Schmitt e Diefenthäler. Magalhães, ao analisar essa documentação, conjuntamente com autos de medição, verificou que a disputa passou, por iniciativa do presidente da província, do setor administrativo para o 212 KAUTZMANN, op. cit., p. 439. 163 tribunal judiciário. Essa medida provocou reação por parte dos envolvidos, sendo que todos encaminharam recurso ao Império, usando “de seu poder e das relações locais para defender seus interesses em conflito”.215 Mesmo mencionando a questão mais relevante – o uso das relações locais como defesa de interesses particulares –, Magalhães poderia ter se aproximado mais do âmago da questão, concentrando-se menos na descrição do conflito. A sociedade de Schmitt e Diefenthäler e a disputa judicial por terras desvelam não só articulação econômica, mas poder político e social para enfrentar Tristão José Monteiro, homem de muitas posses, que havia sido vice-cônsul dos USA216 e colonizador do Mundo Novo. Portanto, não se tratava de qualquer batalha judicial; o inimigo não era um joão-ninguém. Ao contrário, Monteiro, ao investir em terras e no mercado imobiliário, revelou-se um homem com tino comercial, pois considerou que os colonos precisariam de novas colônias devido à falta de terras em São Leopoldo. Essa carência levaria, obrigatoriamente, à expansão do território colonial. Para Magalhães, as terras do Vale do Sinos foram as mais valorizadas do país, em decorrência da imigração e colonização alemã.217 Em virtude dos interesses que estavam em jogo, a batalha judicial entre Schmitt/Diefenthäler e Monteiro foi acirrada, controvertida e despendiosa. As memórias de Tristão José Monteiro, recuperadas e datilografadas por Julio Petersen e trabalhadas por Ely, Kautzmann e Magalhães, colocaram em evidência um final de vida amargo e de lamentos, onde dissolução de sociedade, traição nos negócios e fatores pessoais colaboraram para que a reflexão de Monteiro sobre sua vida fosse 213 MAGALHÃES, op. cit., 2003; p. 414. 214 MAGALHÃES, op. cit., 2003; p. 416. 215 MAGALHÃES, op. cit., 2003; p. 422. 216 Sobre a atuação de Tristão José Monteiro como vice-consul dos Estados Unidos, ver: ELY, op. cit., 2005. [no prelo]. 217 MAGALHÃES, op. cit., 2003; p. 319. 164 pessimista.218 Ely, ao final de seu texto, afirmou que “é uma leitura que poder-se-ia dizer deprimente, através da qual a fragilidade do ser humano desponta como ícone do comportamento”.219 Se foi assim para Monteiro, o mesmo não se pode dizer para Jacob Diefenthäler. Ao que tudo indica, Schmitt e Diefenthäler foram vitoriosos na disputa pelas terras do Mundo Novo, uma vez que estão arroladas no inventário de Jacob, de 1891, mais ou menos 18 colônias entre Santa Christina do Pinhal e Taquara, perfazendo o total de 34:425$000. Assim, as terras do rio da Ilha, disputadas por “exponenciais”, diluíram-se entre eles, numa clara e objetiva demonstração de forças econômicas, políticas e sociais. A terceira atividade a que Jacob Diefenthäler se dedicou está ligada ao empréstimo de dinheiro. A dívida ativa descrita no inventário resultou no registro de 21 nomes de devedores, os quais chegaram a dever a soma de 19:864$500, incluída a conta corrente no Banco da Província (fundado em 1858), com o depósito de 2:279$500. Os valores emprestados têm como parâmetro a quantia de 100$000 e de 3:000$000; alguns nomes são conhecidos, como Jacob Diehl, genro do pastor Voges, e Tenente-Coronel João Schmitt. Se essas dívidas decorreram da suposta venda que o pai de Jacob Diefenthäler possuía, ou seja, os devedores poderiam ser fregueses da venda; ou dos serviços prestados na atafona e no engenho; ou do empréstimo de dinheiro a juro; ou da venda de terras, é difícil responder. No entanto, pela dimensão das atividades de Jacob Diefenthäler, é bastante provável que os devedores tenham contraído essas dívidas por todos os fatores mencionados, os 218 Quanto à traição, Monteiro acusa Schmitt de vender colônias a 2:000$000 e registrá-las nas escrituras a 800$000. De acordo com suas palavras: “Quando voltei da Serra soube que Pedro Schmitt e sua mulher haviam vendido colônias dentro da fazenda de Monte Bello, [...] no rio Cahy, venderam colônia a 2:000$000 e passaram escrituras por 800$000 – que grande fraude; o Sr. Carlos Gaertner a pedido meu foi ao Cahy e verificou a verdade da fraude e me deu a nota dos nomes e preços das colônias assim vendidas!!!”. Ver: KAUTZMANN, op. cit., p. 312. 165 quais, de alguma forma, faziam parte da engrenagem econômica e social do mundo colonial do século XIX. Assim, se houve partilha amigável entre os filhos dos bens deixados pelo imigrante Jacob Diefenthäler, vendeiro na Costa da Serra, parte daquela dívida ativa pode ter sido redirecionada para o filho Jacob. Quanto à atafona e ao engenho, é sabido da importância em possuir esses recursos e como essa posse elevava o proprietário das engenhocas acima dos demais colonos que eram obrigados a negociar – às vezes, se sujeitar – com o dono para obter a farinha de mandioca e a moagem dos grãos. Rotermund exemplificou essa submissão da seguinte forma: O Zé bávaro pusera seu novo alambique a funcionar a pleno vapor e já no primeiro ano produzira dez pipas de cachaça. No entanto, teve que vender sua cachaça a um preço tão baixo ao comerciante que lhe vendera a caldeira de cobre a crédito, que a caldeira foi paga pelo triplo de seu valor.220 Apesar de o autor ter colocado em evidência duas personagens que estavam economicamente acima da maioria dos colonos, a situação descrita por Rotermund não deixa dúvidas de que havia um sistema de exploração que começava com o agricultor e terminava com as grandes casas comerciais de Porto Alegre. Porém, os valores relativamente altos das dívidas parecem indicar outros caminhos que mais se aproximam do empréstimo a juro e da venda de terras do que da venda de mercadorias no comércio e dos serviços prestados na atafona e no engenho. A tabela abaixo organiza os dados de acordo com os valores e o número de devedores que os contraíram. 219 ELY, op. cit., 2005. 220 ROTERMUND, op. cit., 1997; p. 224. 166 Tabela 8: Dívidas Valor da dívida 100$000 285$000 300$000 a 340$000 500$000 a 560$000 750$000 1:000$000 1:350$000 1:900$000 2:000$000 3:000$000 Total: 19:864$500 (com o depósito de 2:279$500 no Banco da Província) Número de devedores 3 (três) 1 (um) 2 (dois) 4 (quatro) 4 (quatro) 3 (três) 1 (um) 1 (um) 1 (um) 1 (um) Total: 21 devedores Considerando que o preço de uma colônia em Taquara podia variar em torno de 1:500$000, os valores devidos a partir de 500$000 ganham expressão e fortalecem a idéia de que a relação da dívida ativa constante no inventário de Jacob Diefenthäler está sugerindo atividade complementar àquelas mencionadas neste texto. Essa idéia é reforçada com a informação de que Jacob tinha conta corrente no banco da província, procedimento que não estava ao alcance da maioria dos colonos em virtude das exigências e do conhecimento que o futuro cliente deveria ter para abrir a sua conta. Essa dificuldade ou temerosidade – de abrir conta bancária – chegou até a década de 1990, quando os colonos da localidade de Bananeiras, no município de Itati/RS, ao invés de depositarem suas economias nos bancos BANRISUL ou BRADESCO, de Terra de Areia/RS, optavam por entregá-las aos donos da venda mais forte do lugarejo. A vendeira anotava a quantia confiada num simples caderno, no qual era registrado o rendimento mensal do dinheiro. Paralela a essa anotação, a vendeira abatia o que o colono comprava: alimentos, 167 confecção e tecidos, gás, ferramentas para a agricultura, entre tantas outras mercadorias.221 O nível de riqueza encontrado no inventário de Jacob Diefenthäler contrasta de maneira acentuada com a solicitação de “auto de pobreza” por parte de Bertha Maria Margarida Diefentäler, sua nora, viúva de Jacob Diefentäler Filho, falecido em 30 de outubro de 1876. Segundo a suplicante, o casal não possuía nenhum bem, pois, desde o casamento, moraram com os pais de Jacob. Antes de solicitar o “auto de pobreza”, Bertha sugeriu às autoridades que o avô paterno fosse constituído como tutor de seus filhos: Ada Catharina Elisabetha, com 9 anos; Adão Adalberto, com 7 anos; e Adolfo, com 5 anos. Como Jacob Filho faleceu 15 anos antes de seu pai, a declaração de pobreza por parte da viúva talvez esteja relacionada à tentativa de permanecer com os bens centralizados na casa paterna, onde encontrou abrigo desde o casamento. Afora isso, o pagamento de impostos calculados sobre patrimônio expressivo acarretaria uma despesa desnecessária frente ao acordo familiar estabelecido entre nora e sogro. A parte da herança que caberia a Bertha e a seus filhos foi concedida somente em 1891, quando deram início ao inventário de Jacob Diefenthaeler (seu sogro). O que resulta da análise destes dois inventários? A estratégia familiar de amparo e submissão (Bertha foi amparada pelo sogro desde que abrisse mão temporariamente do total dos seus bens) foi acionada a fim de que a indivisão do patrimônio garantisse a continuidade dos negócios e a burla em 221 Os vendeiros Gelson Trisch Werb e sua esposa Odete Klein Werb negociaram em Bananeiras por cinco anos (1992-1997). A opção dos colonos em confiarem seu dinheiro aos donos da venda pode ser explicada pela exigência dos bancos para a abertura da conta-corrente, pela distância que havia entre Bananeiras e Terra de Areia (era preciso pegar ônibus e perder um turno de trabalho) e pelo medo de um novo congelamento das poupanças (a medida econômica adotada pelo governo Collor ainda estava muito presente no cotidiano dos poupadores). No entanto, o convívio quase diário estabelecido entre os vendeiros e seus fregueses colaborou para que laços de confiança se fortalecessem. Muitas vezes, o vendeiro era o único vizinho capaz de prestar socorro, em diferentes níveis de necessidade, selando o compromisso e a dependência entre as duas partes. 168 relação ao pagamento de impostos. Em contrapartida à declaração de Bertha Diefentäler, pode-se apresentar o atestado de pobreza de Antonio José Gonçalves, o qual possuía terras em Santa Bárbara, próximas à Aldeia dos Anjos.222 Gonçalves foi considerado pobre, porque “sua esposa é aleijada de uma perna” e porque sua casa era coberta de capim. Entre os dois universos – o de Berta e o de Antonio José – havia a diferença abismal do amparo familiar: no primeiro caso, o sogro tinha suporte econômico para sustentar nora e netos, enquanto, no segundo, nada mais restava ao casal senão trabalhar na agricultura e cuidar de alguns animais. O inventário de Margarida Teifentheler,223 casada com Pedro Teifentheler, cunhado do pastor Voges e irmão de Jacob, aponta na mesma direção: a leitura do documento trouxe a querela estabelecida entre duas autoridades em virtude de Pedro não ter declarado os bens móveis e semoventes. O total do inventário é singelo se comparado ao do irmão Jacob, 2:350$000, distribuídos entre uma colônia com casa de moradia e “um engenho de moer cana com um alambique". Isso não impediu que o viúvo se articulasse a tal ponto de colocar em confronto o curador de órfãos, João Nepomoceno das Chagas, o qual insistiu na declaração dos bens móveis e semoventes, e o juiz municipal e de órfãos e ausentes da vila de São Leopoldo, Guilhermino Clemente Marques Bacalhau, nitidamente a favor de Pedro Teifentheler. O pronunciamento do curador é enfático: Requeiro que o inventariante seja notificado para vir a juízo fazer descrever os bens móveis e semoventes que deveriam ficar no seu casal por falecimento da inventariada, pois que não é possível crer-se que não 222 Cf. MAGALHÃES, op. cit., 2003; p. 347. 223 O ano de falecimento de Margarida é duvidoso: o registro de óbito informa 1845, enquanto o inventário diz 1846. 169 existam tais bens muito principalmente animais, sem os quais se tornaria inútil o engenho por não poder sem eles trabalhar.224 Como resposta, o juiz municipal desqualifica a solicitação de seu oponente: Baseando-se o pedido do curador em uma simples presunção que poderia produzir algum resultado proveitoso aos órfãos, se de minha parte já não tivesse indicado ao inventariante quais as penas incursas se ele deixasse de dar à descrição todos os bens e produtos destes deixados por morte de sua primeira mulher; mas ele relacionando sob respectivo juramento e penas que os únicos existentes eram os que se achavam escritos a folha 7, será inútil consentir em tal tentativa que somente poderia ocasionar mais despesas e mais demora ao presente inventário... Por isso resolvo-me a não deferir o que pede... São Leopoldo, 18 de junho de 1853.225 As duas autoridades continuam discutindo a questão, imperando, no termo de encerramento, a versão de Pedro Teifentheler e a determinação de Guilhermino Bacalhau, sem que João das Chagas desistisse de garantir os direitos de seus curados. A leitura integral do documento vincula o inventariante ao juiz municipal e de órfãos e ausentes, uma vez que os bens móveis e semoventes não foram declarados. Desta forma, ambos saíram vencedores, pois o inventário foi encerrado sem que houvesse menção aos bens considerados ausentes no devido arrolamento. Após a morte de sua primeira esposa, Pedro casou em segundas núpcias com Louisa Carolina Reichardt, em 16 de agosto de 1846. De 1853, data do inventário de Margarida, até 1890, quando é aberto o inventário de Pedro Diefenthäeler, o patrimônio da família tem um aumento considerável: de 2:350$000 para 13:260$000. A média de crescimento nos 37 anos que separam o inventário de Margarida do de Pedro ficou em 294$865, resultando nos seguintes bens: 224 Inventário de Margarida Teifentheler. [grifo nosso]. 225 Inventário de Margarida Teifentheler. 170 171 Figura 9: Túmulo de Pedro Diefenthäler (Cemitério evangélico de Hamburgo Velho, Novo Hamburgo) “Da Alemanha tu vieste há tempos, a fé era o teu cajado. Agora tu estás aliviado de todo sofrimento. Enfim, tu repousas no frescor do túmulo”. “Nós choramos lágrimas ardentes porque tu partiste. Quem aquieta a nossa saudade? És tu Jesus Cristo”. Tradução: Magda Gans Tabela 9: Bens de Pedro Diefenthäler Bens Móveis Semoventes 30 reses vacuns 3 animais cavalares Bens de raiz São Leopoldo Um pedaço de terras de lavoura sita na Costa da Serra, 2º distrito de São Leopoldo, contendo o mesmo a superfície de 40 mil braças Quadradas Meia colônia de terras de campo situada na Costa da Serra, 2º distrito de São Leopoldo, a qual tem a superfície de 80 mil braças quadradas mais ou menos Uma colônia de terras de lavoura, sita na Costa da Serra, 2º distrito de São Leopoldo, contendo a mesma 80 braças de frente e 1.600 ditas de fundos... com uma casa de moradia e mais estabelecimentos e benfeitorias 172 Valor 240$000 300$000 60$000 800$000 500$000 4:100$000 São Sebastião do Caí Mais um pedaço de terras irregular, mais de lavoura, situado no lugar denominado Arroio Bonito, município de São Sebastião do Caí, contendo o mesmo a superfície de 528,450 braças quadradas... em cujo pedaço de terras se acham estabelecidos os herdeiros Pedro Frederico Diefenthäler, Frederico Diefenthäler, Jacob Diefenthäler Sobrinho e Henrique Diefenthäler Ações e títulos 3 ações da companhia brasileira da estrada de ferro Porto Alegre – Novo Hamburgo, títulos hipotecários da mesma estrada Total dos bens: 6:000$000 1:260$000 13:260$000 Da tabela 9, pode-se deduzir que houve investimento em terras e na estrada de ferro Porto Alegre–Novo Hamburgo através da aquisição de ações e títulos hipotecários. Apesar de não despontar economicamente como seu irmão Jacob, o mecanismo de enriquecimento usado por Pedro assemelha-se ao dele: não só 173 pensaram no crescimento da Colônia e de si próprios com a estrada de ferro, mas também demonstraram a capacidade de gerenciar terras em lugares distintos ao que viviam. Esse gerenciamento deu-se de duas formas: ao mesmo tempo que familiares, empregados e escravos constituíram-se em mão-de-obra agrícola, sociedades foram estabelecidas para a inserção no mercado imobiliário. No entanto, a diversificação dos investimentos da família Diefenthäler-Voges não se deu apenas em São Leopoldo, mas também no LNRS. A análise dos inventários de alguns membros dessas famílias permitiu concluir que houve crescimento econômico entre os colonos alemães estabelecidos no litoral, sobretudo para aqueles que conseguiram firmar alianças familiares e políticas. O acompanhamento dos inventários de Guilhermina Voges e de Felisbina Schmitt Voges, abertos em 1880 e 1935, respectivamente, redimensionam o poder de articulação e de crescimento econômico dos colonos considerados “exponenciais”. No primeiro caso, a inventariada era esposa de Adolpho Felippe Voges, filho do pastor Voges, falecida em 13 de outubro de 1879.226 O inventário foi aberto no ano seguinte, revelando um patrimônio singelo se comparado aos dos seus primos em São Leopoldo: 10:841$980. Quanto ao inventário de Felisbina Schmitt Voges, nora de Adolpho, o total dos bens conquistados 55 anos após a morte de Guilhermina chegou a cifra de 120:000$000, sendo que deste total, 102:000$000 correspondem a terras localizadas em Cima da Serra. Os bens descritos no inventário de Guilhermina Voges podem ser assim sintetizados: 226 Algumas informações, como as que se referem a casamentos e apadrinhamentos, serão repetidas ao longo de todo o trabalho a fim de facilitar a leitura e o percurso do leitor por esse emaranhado de nomes e datas. 174 Tabela 10: Bens de Guilhermina Voges Três Forquilhas Bens de raiz Valor Metade da casa de moradia coberta de telhas, com duas portas e quatro janelas de frente 220 metros de terras de matos e capoeiras, no lugar da moradia 220 metros de terras de capoeiras, as quais se dividem pelo sul com terras de Christiano Ebaratt, e pelo norte com as de Carlos Frederico Voges 41 metros e 8 centímetros de terras de matos, dividindo-se pelo norte com Serafim Agostinho do Nascimento e pelo sul com as de João Pedro Jacoby Um retaço de terras de capoeiras, compreendendo uma casa coberta de palhas com uma porta e três janelas de frente Total dos bens de raiz Dívida ativa 65 devedores Escravos Affonso 300$000 1:760$000 1:760$000 492$960 400$000 4:712$960 3:151$420 600$000 Antonia 500$000 Thereza 600$000 João 600$000 Rosa 600$000 Total do valor atribuído aos escravos 2:900$000 Semoventes Dois cavalos velhos Uma besta Total dos bens semoventes Móveis Total do inventário 24$000 25$000 49$000 28$600 10:841$980 175 A observação dos dados sintetizados na tabela 10 permite algumas considerações. Se por um lado o total do inventário de Guilhermina Voges era sensivelmente menor que o de Jacob Diefenthäler, os mecanismos usados para a conquista do crescimento econômico não diferem, apesar de tio e sobrinho (Jacob e Adolpho, respectivamente) estarem separados no plano geográfico, mas não no das relações familiares. Quanto aos bens de raiz, há discrepância entre o valor atribuído à casa de moradia e às duas colônias de 220 metros de frente cada uma. A casa de Adolpho Felippe Voges, neste momento, é referência no espaço colonial do LNRS e praticamente se equipara à dos Schmitt e à do seu pai, o pastor Voges. Possivelmente, a subvalorização esteja vinculada à tentativa de diminuir a carga de impostos decorrente do inventário. Porém, o excessivo valor dispensado às duas colônias – quase 2:000$000 para cada uma – confirma a informação de que as terras da família Voges eram as melhores da Colônia: não só por estarem no núcleo principal (no centro) junto à igreja e à escola, mas também em função da geografia local rasgada por um vale estreito, onde há pouca planície para a lavoura. São poucos os espaços em que o vale tem maior abertura, e foi justamente numa dessas ampliações geográficas que o pastor montou a estrutura-sede composta por igreja, escola, venda e moradia. Na seqüência da análise dos bens constantes no inventário de Guilhermina Voges, estão a dívida ativa e o plantel de cinco escravos. Os 65 devedores podem ser fregueses da venda, colonos dependentes das atividades da atafona, do engenho e do moinho ou contraentes de empréstimo. A média do valor devido – mais ou menos 48$483 – demonstra que os negócios foram singelos, se comparados aos elencados no inventário de Jacob Diefenthäler. No entanto, a 176 importância não está no montante das dívidas individuais, mas na capacidade de vender ou emprestar e de comprar e contrair empréstimo. Além do mais, há a singularidade de 46 nomes serem de origem nacional (luso-portuguesa) e 19 de origem alemã, o que evidencia a capacidade de diálogo e comunicação de Adolpho Felippe Voges com seus vizinhos nacionais, quer no LNRS ou na Serra. Quanto ao plantel de cinco escravos, avaliados em quase 3:000$000, a opção, compra e manutenção desse tipo de mão-de-obra aproxima Adolpho Voges da elite nacional escravocrata, bem como informa sobre sua potencialidade econômica, considerando que o montante destinado à aquisição de escravos era, muitas vezes, superior ao de todos os bens de outros inventários. No que tange à tentativa de burlar o fisco, a descrição dos animais é por demais singela e não representa o investimento da família neste setor. Tanto para o deslocamento quanto para o trabalho na agricultura, a relação de “dois cavalos velhos” e de “uma besta” é insuficiente, uma vez que a situação de “exponencial” exigia de Adolpho um belo cavalo para montaria; o cultivo da terra e o processamento de algumas colheitas, por sua vez, necessitava de animais para arar, puxar carros de boi, tocar engenho, entre outras tarefas nas quais bois e cavalos eram imprescindíveis. No caso de Adolpho, havia ainda o comércio, atividade que não ficava restrita à venda atrás do balcão, mas compunha-se, também, da venda e cobrança de “casa em casa”. Como o vendedor ou o cobrador, normalmente, se valia de uma besta para transportar mercadorias e seus pertences, é de se estranhar a declaração de que a família tivesse apenas um exemplar desses animais. Por fim, os bens de menor valor são os móveis, resumidos em mesas, cadeiras, marquesas e caixas, revelando interior modesto ou mais uma tentativa de diminuir os impostos. 177 Em relação ao inventário de Guilhermina Voges, cabe perguntar por que não houve o arrolamento de mercadorias vendidas e negociadas no comércio da família? Há indícios de que em 1880 a venda já estivesse nas mãos de Carlos Frederico Voges Sobrinho, nascido em 1862, portanto, com 18 anos, filho de Adolpho e Guilhermina. Neste caso, o inventário a ser analisado e que faz contraponto ao de Guilhermina Voges é o de Felisbina Schmitt Voges, aberto em 1935, falecida a 29 de julho, com 74 anos. A descrição das propriedades territoriais merece destaque em razão do valor atribuído a elas. Tabela 11: Bens de Felisbina Schmitt Voges Descrição 73 braças de frente por 1600 ditas de fundos (57 hectares +-), de terras de agricultura, situadas neste distrito com frente ao rio Três Forquilhas e fundo ao travessão das colônias, confrontando por um lado com terras dos herdeiros do finado Pedro Feck e por outro lado com ditas de Adolfo Voges e Henrique Bobsin, havidas por compra, feita a Manoel Gildo de Aguiar e sua mulher dona Ismerina Rodrigues de Aguiar, sendo que estes as obtiveram também por compra a Adolfo Delippe Voges e sua mulher 200 braças de frente por 1000 ditas +- de extensão (97 hectares +-) de terras de agricultura situadas no lugar denominado Três Pinheiros neste distrito, com frente ao rio Encantada e fundo ao primeiro taimbé, dividindo-se por um lado com terrenos de Felippe Theodoro Casser e por outro lado com ditas de herdeiros do finado Christiano Eberhardt, havidas por compra feita a João Pedro Jacoby e sua mulher Uma casa de moradia 1.692 hectares +- de campo e mato situados no lugar denominado Potreiros, no 4º distrito do município de São Francisco de Paula, com frente em campos de Bento Silveira da Rosa e fundo em parte ao rio Santanna e em parte ao arroio Cambará, confrontando ao sul com terrenos de herdeiros de dona Efetonia Silveira de Souza e ao norte em parte com ditras de Marcelino Voges e outros, digo, e em parte com campos de Porfaero Rodrigues de Carvalho, havidos em parte por herança de seu pai e sogro Adolfo Felippe Voges, em parte por testamento de Felisbina Jacob Voges e em parte por compra a João Pedro Jacoby, sua mulher e outros Valor 6:000$000 9:000$000 3:000$000 102:000$000 178 Do total do inventário – 120:000$000 –, cento e dois contos pertencem à fazenda no município de São Francisco de Paula. Neste caso específico, não é só o valor da propriedade que desponta, mas a própria aquisição e manutenção da fazenda nos Campos de Cima da Serra. Dessa forma, a pecuária e o investimento em terras somam-se à lavoura, ao comércio, à navegação fluvial, à posse de escravos e à inserção política (primeiro, entre os liberais e, depois, entre os republicanos), numa ampliação de atividades e negócios que relativizam a tese do isolamento para as Colônias alemãs. Todavia, mecanismos de transmissão e concentração de bens na figura de uma só pessoa foram utilizados para assegurar o status de “exponencial” para os Voges. As terras descritas no inventário de Felisbina Schmitt Voges trazem alguns nomes que cooperaram no redirecionamento dos bens de tal modo que grande parte ficasse com Carlos Frederico Voges Sobrinho. Essas informações vão ao encontro do que ficou registrado nas escrituras de compra e venda ao longo do século XIX, cujas descrições estão reunidas em livros guardados no APERS. A título de exemplo, três transações imobiliárias podem elucidar como as terras eram retiradas do seio familiar e passavam para as mãos de um único herdeiro. No primeiro caso, Adolpho e sua mulher Felisbina acionaram o professor Serafim Agostinho do Nascimento para transmitirem 77 metros de terras a Carlos Frederico Voges Sobrinho.227 227 APERS – Transmissões – 10º livro de notas do distrito de Maquiné – Conceição do Arroio –p. 94/verso-p. 95/verso, p. 96/verso-p. 97/verso, respectivamente. 179 Tabela 12: Transações imobiliárias I Vendedor Comprador Adolfo Filippe Voges Serafim Agostinho e sua mulher do Nascimento Filisbina Voges Serafim Agostinho do Nascimento e sua mulher Maria Carolina do Nascimento Carlos Frederico Voges Sobrinho Data 18/9/1885 23/9/1885 Imóvel 77 metros de terras de matos e capoeiras e todas as mais benfeitorias no mesmo Terreno, fazem frente ao rio das Três Forquilhas, extremando pelo lado do sul com terras de Pedro König e pelo lado do norte com os mesmos vendedores 77 metros de terras de matos e capoeiras e todas as mais benfeitorias no mesmo Terreno, fazem frente ao rio das Três Forquilhas, extremando pelo lado do sul com terras de Pedro König e pelo lado do norte com Adolfo Filipe Voges Valor 450$000 500$000 O segundo exemplo desse tipo de mecanismo que concentra parte dos bens num único herdeiro também refere-se à família Voges.228 Veja-se a tabela abaixo. Tabela 13: Transações Imobiliárias II Vendedor Luiza Eigenbrodt Comprador Guilherme Brem Guilherme Brem e sua mulher Magdalena Brem Frederico Eigenbrodt Frederico Eigenbrodt e sua mulher Clarinda Maria Eigenbrodt Jacob Voges Data 4/7/1882 4/7/1882 4/7/1882 Imóvel 48 metros e 4 decímetros de terras de capoeiras e matos que houve por herança de seu finado marido. Fazem frente ao rio Três Forquilhas e fundos a um arroio fundo que deságua na serra geral, extremando pela parte do sul com terras de Pedro Erling e pelo do norte com terras do comprador 48 metros e 4 decímetros de terras de capoeiras e matos que houve por herança de seu finado marido. Fazem frente ao rio Três Forquilhas e fundos a um arroio fundo que deságua na serra geral, extremando pela parte do sul com terras de Pedro Erling e pelo do norte com terras do comprador 48 metros e 4 decímetros de terras de capoeiras e matos que houve por herança de seu finado marido. Fazem frente ao rio Três Forquilhas e fundos a um arroio fundo que deságua na serra geral, extremando pela parte do sul com terras de Pedro Erling e pelo do norte com terras do comprador Valor 200$000 200$000 200$000 228 APERS – Transmissões – 10º livro de notas do distrito de Maquiné – Conceição do Arroio – páginas 27/verso a 28/verso, 28/verso a 29/verso, 29/verso a 30/verso, respectivamente. 180 Por último, o terceiro caso exemplificativo faz menção à família Grassmann, a qual também usou dessa artimanha para concentrar duas propriedades no nome de dois filhos.229 Tabela 14: Transações Imobiliárias III Vendedor Felippe Grassmann e sua mulher Catharina Grassmann Comprador Carlos Jacob Data 7/6/1875 Carlos Jacob e sua mulher Felisbina Jacob Carlos Daniel Grassmann 7/6/1875 Carlos Jacob e sua mulher Felisbina Jacob Felippe Grassmann Filho 7/6/1875 Imóvel 220 metros de terras de matos sitas no distrito de São Domingos das Torres, fazem frente ao rio das Três Forquilhas e fundos ao rio denominado Laranjeira, extremando pelo sul com terrenos de Andre Hoffmann e pelo norte com terrenos de Christiano Tietböhl 110 metros de terras de matos sitas no distrito de São Domingos das Torres, fazem frente ao rio das Três Forquilhas e fundos ao rio denominado Laranjeira, extremando pelo sul com terrenos de Andre Hoffmann e pelo norte com terrenos de Christiano Tietböhl 110 metros de terras de matos sitas no distrito de São Domingos das Torres, fazem frente ao rio das Três Forquilhas e fundos ao rio denominado Laranjeira, extremando pelo sul com terrenos de Andre Hoffmann e pelo norte com terrenos de Christiano Tietböhl Valor Não menciona 500$000 500$000 No primeiro caso, os 77 metros de terras foram repassados a Carlos Frederico Voges Sobrinho, terceiro filho de Adolpho e Guilhermina Voges. Embora não sendo o primogênito, foi escolhido pelo pai para receber a maior parte da herança – tanto material, quanto simbólica –, o que resultou num crescimento econômico vertiginoso se comparado aos seus irmãos. Note-se que há um intervalo de cinco dias entre as duas transações – 18/9 a 23/9 – e que houve o acréscimo de 229 APERS – Transmissões – 7º livro de notas do distrito de Maquiné – Conceição do Arroio – p. 19/verso-p. 20/verso; p. 20/verso-p. 22; p. 22-p. 23/verso, respectivamente. 181 50$000 da primeira para a segunda venda. Com que intuito? Quem sabe, para disfarçar o negócio, cujo real objetivo era repassar as terras para o nome de Carlos Frederico. É significativa a participação do professor Serafim Agostinho do Nascimento, amigo e colega partidário de Adolpho (ambos eram liberais), nome muitas vezes presente em situações como essa. O segundo exemplo também faz menção à família Voges, colocando como último comprador o filho mais novo do pastor Voges, Jacob. Nessa transação, há uma especificidade não encontrada nas outras duas: no mesmo dia (4/7/1882), os 48 metros de terras foram vendidos três vezes: de Luiza para Guilherme, de Guilherme e esposa para Frederico e de Frederico e esposa para Jacob. Por que Guilherme Brem não vendeu as terras diretamente para o último comprador? O documento não deixa indícios que possam auxiliar na elucidação deste enigma. No entanto, deve ter havido sérios motivos para envolver tantas pessoas numa única transação de apenas 48 metros de terras. A última situação descrita apresenta o casal Felippe e Catharina Grassmann repassando 110 metros de terras para dois filhos: Carlos Daniel e Felippe Filho. Para realizar o negócio, foi solicitado ao casal Carlos e Felisbina Jacob que comprasse no dia 7 de junho de 1875 os 220 metros de terras e os transmitisse divididos para os dois compradores. Trata-se do envolvimento de três famílias exponenciais: Grassmann, Jacob e Schmitt, as quais socorreram-se para resolver questões internas entre seus familiares. No que se refere aos Grassmann, esse núcleo localizou-se mais próximo de Terra de Areia, trabalhando com engenho, alambique, atafona, atividades que os levaram a conquistar lugar econômico de destaque entre os colonos do litoral. Num dos inventários da família, aberto em 1873, há o arrolamento de três escravos, de propriedades territoriais, as quais compreendem 182 colônias, mas também parte da sesmaria dos Quadros. O mesmo documento informa que Matias Grassmann era “lombilheiro e curtidor”.230 Sobre o casal que cooperou com seus vizinhos, Carlos e Felisbina, ele era da família Jacoby e ela da Schmitt, suficientemente apresentados no Capítulo II. No entanto, cabe salientar que Felisbina, ao viuvar de Carlos, casou pela segunda vez com Adolpho Felippe Voges, participando do primeiro exemplo que se reporta à transmissão de bens para um único herdeiro. Apesar dos três exemplos apresentarem situações individuais, é possível estabelecer algumas ligações entre elas. Como essas artimanhas se desenrolavam dentro dos núcleos familiares, podese indagar se houve concordância ou protestos por parte dos irmãos que viram o montante da herança diminuído. Como resposta, há apenas o silêncio da documentação, a qual não fornece grandes pistas para que o pesquisador visualize como esses arranjos familiares eram processados. Porém, como se tratava de uma família patriarcal, na qual o pai normalmente conduzia o espetáculo, sua voz autoritária pode ter calado eventuais manifestações. O mais provável é que os arranjos intra-família acertassem eventuais diferenças e convencessem os prejudicados que a estrutura familiar só poderia ser mantida com a concentração da maioria dos bens numa única pessoa. Tratava-se, portanto, de uma estratégia familiar de sobrevivência face ao desmantelamento material provocado pela divisão entre os inúmeros sucessores. Woortmann localizou casos idênticos ao analisar a situação entre os colonos de Dois Irmãos, verificando que, muitas vezes, para que a família não perdesse poder econômico e/ou simbólico, a alternativa encontrada era a concentração 230 Segundo o dicionário Aurélio, “lombilheiro” é a pessoa que faz o lombilho: objeto de montaria que 183 desses bens na figura do homem mais forte, daquele que dispunha de melhores condições para tratar de negócios, resolver questões com as autoridades, que tivesse “capacidade de organização da unidade produtiva, força física, prudência e iniciativa”.231 Da mesma forma, Siriani buscou explicações para a concentração de bens na figura de um único herdeiro na região de São Paulo. Para a autora, esta estratégia poderia ter se originado “na tradição alemã do direito de primogenitura, ou seja, o costume de legar a terra, ou qualquer outro negócio, apenas ao filho mais velho, fazendo com que os demais tivessem que buscar sua sobrevivência de outras formas”.232 Acontece que Carlos Frederico Voges Sobrinho não era o filho mais velho de Adolfo. Antes dele havia o irmão Carlos Leopoldo Neto, o qual havia ido morar em Taquari na companhia do tio Carlos Frederico Voges.233 É muito provável que a mudança do primogênito para outra Colônia tenha privilegiado o secundogênito ao ser escolhido pelo pai como herdeiro especial. Retornando ao inventário de Felisbina Schmitt Voges, percebe-se que houve investimento da família Voges nas pessoas de Adolpho e Carlos Frederico, respectivamente, filho e neto do pastor. Mesmo que os arranjos privilegiassem determinadas famílias, como Jacoby, Schmitt e Voges, o fato de unir jovens de uma e outra não garantiam a divisão igualitária entre os recém-casados. Ao localizar e fichar o inventário de Balbina Schmitt Voges (Catharina Bárbara, filha de Wilhelm e Bárbara Schmitt), casada com Frederico (filho de Adolpho e Guilhermina Voges), saltou aos olhos a enorme diferença entre o total deste inventário e o de Felisbina Schmitt Voges. A comparação dos dois documentos cristalizou a idéia de que o substitui, nos arreios, a sela comum, o selim e o serigote. FERREIRA, op. cit., p. 1046. 231 WOORTMANN, op. cit., p. 142. 232 SIRIANI, op. cit., p. 205. 233 KOLIVER, op. cit., p. 119-148. 184 capital simbólico até poderia ser diluído entre os irmãos, porém, o material deveria ficar concentrado naquele que demonstrasse ser o mais capaz e que, conjuntamente a isso, recebesse o investimento da família para ser o sucessor daquilo que o núcleo representava na e para a comunidade. No que se refere ao inventário de Balbina, foram descritas duas propriedades territoriais, uma com 114 metros de frente e outra com 70 metros de frente, as quais somaram 484$000, ambas tendo como lindeiros membros das famílias Schmitt e Voges. Mesmo que seja levado em conta a diferença das datas – o inventário de Balbina é de 1894 e o de Felisbina 1935 –, o abismo numérico-financeiro existente entre os dois confirma a idéia de que houve incremento por parte da família no herdeiro Carlos Frederico Voges Sobrinho em detrimento de seus irmãos. A discrepância de 120:000$000 para 484$000 é resultado de arranjos familiares via casamento e de negócios que beneficiaram os núcleos Jacoby, Schmitt e Voges, quiçá, premiados pelo acaso quando da morte de Carlos Jacoby, deixando Felisbina viúva e apta para contrair novas núpcias, as quais de fato se realizaram, envolvendo os viúvos mais prósperos da Colônia: Adolpho Felippe Voges e Felisbina Schmitt Jacoby. Esse casal, além de unir filhos e sobrinhos – Carlos Frederico com Felisbina, Frederico com Catharina Bárbara (Balbina) e Antonieta com Christóvão –, preocupou-se com a manutenção do poder simbólico que os sobrenomes Schmitt e Voges representavam no litoral. O inventário de Antonieta Schmitt Voges, aberto em 1920, tem como total dos bens o valor de 6:500$000, situando-se, portanto, entre o de Balbina e o de Felisbina. Os bens descritos compreendem duas propriedades, uma com 105 metros de frente e outra com 440 metros de frente, ambas oriundas de terras pertencentes à família Voges. No entanto, além do valor atribuído a essas 185 extensões, destaca-se a avaliação da casa de moradia, para a qual foi atribuída a quantia de 1:500$000. O detalhe mais importante do inventário está no fato de que não se trata de qualquer casa, mas sim da estrutura montada pelo pastor Voges ao longo do século XIX, símbolo de poder econômico, político e religioso. Mesmo que aberto muitos anos antes, em 1867, o inventário do imigrante Philipp Peter Schmitt informa que a sua casa foi considerada em 1:500$000, colocando-a em condições de igualdade à construída pelo pastor Voges, e que agora, através do casamento de Christóvão Schmitt com Antonieta Voges, passou a pertencer à família Schmitt. Com isso, preservou-se o marco simbólico (a casa) no seio da família, uma vez que Antonieta era filha de Adolpho Voges e Christóvão o filho mais velho de Wilhelm Schmitt, genro importado do imigrante Schmitt, e de Bárbara Schmitt. Acrescente-se à perpetuação da casa a profissão de Christóvão, escrivão, o que reforçou o caráter simbólico da residência junto à comunidade: se ao longo do século XIX ela foi procurada por estar ao lado da igreja, porque ali morava o pastor, por ser escola, por ser uma venda, a partir do momento em que Antonieta e Christóvão assumiram a propriedade, as pessoas passaram a vê-la como espaço jurídico/legal, onde se providenciavam documentos diversos junto ao escrivão. Os arranjos matrimoniais dos filhos de Adolpho Voges com os sobrinhos de sua segunda esposa, Felisbina Schmitt Jacoby, têm origem na união dos dois. Mesmo que já tenha sido mencionada, vale repetir e questionar a atuação do acaso, principalmente se interferiu no casamento de Adolpho Voges e Guilhermina Wetter e no de Carlos Jacoby com Felisbina Schmitt. Pelos inventários de Guilhermina e de Carlos, fica-se sabendo que ambos faleceram no ano de 1879, o que permitiu aos viúvos o acesso a segundas núpcias.234 234 O inventário de Guilhermina informa que ela faleceu em 13/10/1879; já o de Carlos não traz a data 186 Contudo, se o acaso interferiu no destino dessas duas famílias, o que levou Adolpho a casar com Felisbina? Como não se tem acesso a documentos particulares, de foro íntimo, como cartas e diários, a resposta fica limitada à esfera econômica e social, e é respondida pelo inventário de Carlos Jacoby, o qual foi aberto no mesmo ano de seu falecimento, sem informar o dia e o mês da morte. Constam como inventariantes a viúva, Felisbina, e a mãe dele, Bárbara.235 Dos bens de raiz, o que mais se destaca é a fazenda em Cima da Serra, avaliada em 5:000$000. A tabela abaixo sintetiza o investimento do casal em propriedades rurais: Tabela 15: Bens de Carlos Jacoby Colônia das Três Forquilhas Imóvel 154 metros de Terras na colônia com casa de moradia, casa e engenho de cana, forno e mais pertences, casa de atafona e seus pertences e mais benfeitorias “237=60” de terras no lugar denominado Boa União 30m e 80c. de Terras na Cachoeira e casa coberta de palha 103m e 40c. de Terras na sesmaria de Quadros Subtotal Cima da Serra Imóvel 2 retaços de campos em Cima da Serra no lugar denominado Campo Bom, com dois ranchos velhos, engenho de serra em mau estado, mangueira e lavouras Vacaria 1 retaço de campo na Vacaria em sociedade com Pedro König Total Valor 2:500$000 108$000 500$000 50$000 3:158$000 Valor 5:000$000 50$000 8:208$000 de seu falecimento. No entanto, em 7 de julho de 1879, Felisbina, viúva de Carlos, vendeu terras a Serafim Agostinho do Nascimento sem a participação do marido. Supõe-se que ela estivesse viúva na ocasião da venda. Ver: APERS – Livro 9 de notas do distrito de Maquiné – páginas 26/verso a 28. 235 Levi discorreu sobre a história de Maria, de Moncalieri, proprietária de terras e credora de “nove promissórias”. O autor a descreveu como “uma mulher de muita energia” e que “pôde contar com o sólido apoio da sua família de origem”. Há semelhanças entre essa história de vida e a de Felisbina Schmitt Jacoby [Voges]: foram proprietárias de terra, emprestaram dinheiro a juros e destacaram-se socialmente através da manutenção da estrutura familiar. Ver: LEVI, op. cit., p. 114-121. 187 O que se percebe do investimento em terras por parte de Carlos Jacoby é a descentralização espacial, pois além das propriedades que estavam dentro da Colônia, foi comprada parte da sesmaria dos Quadros, campos em Cima da Serra e na Vacaria. Percebe-se que o deslocamento de Carlos Jacoby por todas estas regiões em função da sua atividade comercial lhe proporcionou visão mais ampla no que se refere à aquisição e uso de terras em múltiplos lugares. Estreitamente ligado à manutenção das propriedades estava o investimento em animais. Tabela 16: Animais Descrição 16 cavalos mansos 7 mulas mansas 3 bois 1 vaca com cria 100 rezes de criar 18 animais cavalares de criar 30 ovelhas 1 burro de manada 4 novilhos Total Valor 170$000 112$000 60$000 20$000 1:000$000 72$000 30$000 16$000 64$000 1:544$000 Além da atividade pecuária – 100 reses de criar, por exemplo –, Jacoby tinha uma tropa de mulas, as quais eram usadas no transporte de mercadorias, desde rapaduras até miudezas e sortimentos. Portanto, há diversidade nos locais onde comprou terras, no uso e aproveitamento dessas propriedades, bem como nas atividades econômicas que passaram pela agricultura, pela pecuária e pelo comércio. Quanto a este último item, foram descritas no inventário tanto as dívidas deixadas por Carlos quanto as que ficaram por receber. No primeiro caso, a soma 188 dos débitos chegou a 14:837$880 e, no segundo, o total dos créditos em 12:098$660. O que importa para esta análise é o alcance das atividades comerciais de Carlos Jacoby: ele tinha dívidas contraídas tanto com casas comerciais e pessoas físicas de Porto Alegre, quanto com colonos alemães e nacionais de Três Forquilhas; da mesma forma, foram seus devedores diversos fregueses que moravam na Colônia e arredores, bem como um grande número deles que estavam estabelecidos “serra acima”. As considerações acerca do inventário de Carlos Jacoby foram levantadas a partir da constatação de que o casamento de sua esposa, Felisbina Schmitt, com Adolpho Voges, não pode ser configurada como uma simples união, pois os indivíduos envolvidos representavam as famílias “exponenciais” da Colônia. O que estava em jogo? A manutenção do capital simbólico representado pelos sobrenomes e a garantia da supremacia econômica e política. Desse modo, o casamento de Adolpho e de Felisbina veio assegurar a posse destes patrimônios e promover sua continuidade através da unção de um casal de herdeiros – Carlos Frederico Voges Sobrinho e Felisbina Schmitt –, ele filho de Adolpho, e ela sobrinha e afilhada de Felisbina. No entanto, o poder aparentemente absoluto de Adolpho Voges foi contrabalançado pela figura do irmão mais novo, Jacob. Mesmo que o pastor Voges tenha centralizado a direção da família na pessoa do filho homem mais velho (Adolpho), o inventário de Jacob, bem como alguns outros documentos citados ao longo do texto, relativizam a supremacia de Adolpho, particularmente no campo econômico. O inventário revelou que Jacob faleceu em 27 de outubro de 1884, deixando como viúva Elisabeth König, conhecida como Luísa Voges, e sete 189 herdeiros. O inventário aberto em 1884 permite que se faça a distinção entre os irmãos Adolpho e Jacob, ambos igualmente detentores de muitas posses, porém, somente o primeiro com extenso capital político. As propriedades territoriais que ficaram para a viúva Luísa Voges foram descritas da seguinte forma: Tabela 17: Bens de Jacob Voges Bens 84 metros de matos e capoeiras, norte com Christiano Vekmann, sul com Pedro Erling 220 metros de matos e capoeiras, norte com Miguel Witt e sul com Carlos Frederico Voges Casa de moradia junto a de negócio Uma casa coberta de telhas que serve de depósito para pipa Uma casa com cozinha Casa de engenho coberta de palha Uma casa no sítio coberta de telha 220 matos de terras de matos, frente ao rio de trás, fundos a chapada do morro, por um lado com Maria Luiza de Bittencourt e pelo lado de cima com terras de Felisbina Jacob Total Valor 840$000 2:640$000 500$000 350$000 300$000 64$000 100$000 330$000 5:124$000 As informações reunidas na tabela 17, na qual estão descritos os bens imobiliários do casal Jacob e Luísa Voges, permitem algumas leituras. A primeira constatação é que o casal investiu em terras, pois possuíam praticamente duas colônias e meia, sendo a mais valorizada a que serviu como local de moradia. Há discrepância significativa entre as duas colônias no que concerne à avaliação: enquanto as terras em que está a residência do casal foram avaliadas em 2:640$000, as outras perceberam valor significativamente menor, não ultrapassando 330$000, o que equivale à diferença abismal de 800% entre elas. O que teria gerado essa dessemelhança? Antes de mais nada, a colônia na qual o casal residia, 190 normalmente, concentrava as melhores terras, tanto no aspecto qualitativo, ou seja, “terra boa” para agricultura, quanto no geográfico. De fato, a descrição desta colônia aponta para uma situação espacial privilegiada, pois estava inserida na maior abertura do vale, dentro da propriedade maior, conquistada pelo pastor Voges.236 No que se refere a este aspecto, a terra como local de moradia, via de regra, as colônias foram sorteadas entre os interessados. Porém, tomando Três Forquilhas como parâmetro, as melhores terras ficaram em mãos dos “exponenciais”. No caso do pastor Carlos Leopoldo Voges, além das 100 braças que ganhou do governo imperial (correspondia a uma colônia), Voges conseguiu comprar mais três colônias, tendo como alvo o espaço geográfico mais privilegiado do Vale do Três Forquilhas, onde o vale tem sua maior abertura, com grande planície e água abundante oriunda do Arroio do Padre (por rasgar as terras do “padre Voges”) e do rio Três Forquilhas. O sobrado do pastor Voges foi construído numa pequena elevação, dando destaque à casa, não muito longe do Passo do Cemitério, local de passagem junto ao rio que dava acesso ao outro lado da Colônia. Quanto à propriedade de Jacob e Luisa Voges, ali estavam reunidas as casas de moradia, de negócio, de depósito e outras dependências que serviam para engenho e armazenagem de mercadorias. Pode-se dizer que o poder econômico do casal estava concentrado naquele espaço, o que dificultaria a subvalorização e o menor pagamento de impostos. A outra colônia, que estava no rio “de trás”, fazendo fundos com a “chapada do morro”, espacialmente mais escondida, talvez, em virtude desta localização, tenha recebido uma avaliação menor, com o intuito de diminuir a carga de impostos que incidiria sobre o inventário. Note-se que a colônia inteira foi 236 Essa observação esta baseada na análise dos Registros Paroquiais da Lei de Terras. Ver: WITT, 191 avaliada em 330$000, enquanto que as terras que não chegavam a totalizar meia colônia (84 metros), em 840$000. De igual modo, “a casa de moradia junto à de negócio” foi estimada em 500$000, valor duas vezes menor do que a casa do pastor Voges e do imigrante Schmitt, ambas consideradas em 1:500$000. Porém, se forem somados todos os valores atribuídos às inúmeras casas descritas no inventário, o total chega a 1:314$000, situando o casal no mesmo patamar dos “exponenciais” da Colônia. Da mesma forma, foram arroladas no inventário doze “dívidas documentadas”, perfazendo o total de 2:164$530. Dividido pelo número de devedores, a dívida média de cada um era de 180$377, sendo que a primeira foi contraída no ano de 1867 e a última em 1883; a maior, de 640$000 e a menor, de 50$000. Além destas, também foram mencionadas 74 “dívidas não documentadas”, as quais somaram o total de 10:009$083. A dívida média contraída pelos devedores foi de 135$257; a maior, de 673$500 e a menor, de 14$820. Nesta relação, não há menção à data em que as dívidas foram contraídas. O total das duas modalidades somou 12:173$613, com 86 devedores, com a média de 141$553 para cada um. Constata-se da análise desta seleção de inventários que houve investimento em terras. Se no princípio a terra foi vista como local de moradia e meio de subsistência (agricultura), assim que imigrantes e descendentes tiveram oportunidade, adquiriram outras, tanto para o mercado imobiliário quanto para a pecuária. Desse modo, estão no mesmo patamar o investidor Jacob Diefenthäler, de São Leopoldo, e seus parentes do LNRS, o cunhado Carlos Leopoldo Voges e os sobrinhos Adolpho e Jacob. Basicamente, foi a formação de um mercado imobiliário op. cit., 2004; p. 127-144. 192 movido pela expansão colonial a partir de São Leopoldo que despertou o interesse de Jacob Diefenthäler para formar sociedade com João Schmitt, este sócio de Tristão José Monteiro, colonizador do Mundo Novo. Por outro lado, mesmo que não tenha havido um mercado nesses moldes no LNRS ou em Cima da Serra, não se deve desprezar o olhar perspicaz dos investidores Jacoby, Schmitt e Voges, pois voltaram-se para os espaços que mantinham relação com a Colônia: as sesmarias situadas entre a serra geral e o mar, e os campos de Cima da Serra, local ideal para criação de gado e extração de madeira, devido à grande quantidade de pinheiros. Tanto é assim que os campos descritos no inventário de Carlos Jacoby, em 1879, localizados no Campo Bom, hoje a região de Cambará do Sul, avaliados em 5:000$000, transformaram-se na extensa propriedade de 1.692 hectares, descrita no inventário de Felisbina Schmitt Voges, de 1935, esposa de Carlos Frederico Voges Sobrinho, e considerados em 102:000$000. Portanto, de 1879 a 1935 a propriedade foi expandida em números de hectares e, conseqüentemente, no de valor: de cinco para cento e dois contos de réis, resultando, em 56 anos, a diferença de 2040%, com valorização de mais ou menos 1:821$428 a cada ano. O interesse pela aquisição de novas terras é demonstrado, também, pela capacidade de determinados indivíduos de comprar e vender pequenas propriedades. O mecanismo que impulsionava o mercado imobiliário no século XIX valia ao mesmo tempo para as companhias particulares de colonização, caso de João Schmitt e Tristão José Monteiro, para a aquisição de campos em Cima da Serra ou para a compra de colônias, inteiras ou já fragmentadas. A análise dos livros de escrituras possibilitou a visualização da compra e venda de terras por parte do casal Carlos Jacoby e Felisbina Schmitt Jacoby, o que comprova a sua inserção no 193 mercado imobiliário colonial. A tabela abaixo resume as atividades do casal neste setor. Tabela 18: Investimento em terras Vendedor Comprador Data Descrição Valor Manoel Antonio Quintino e sua mulher Maria Antonia da Conceição Pedro Quinel e Carlos Jacob 9/5/1863 55 e meia braças de terras de matos, frente ao rio das Três Forquilhas e fundos com 750, pelo norte com terras de Anna Antonia da Conceição, pelo sul com terras de Antonio Martins Linhares 444$000 Fermiano Gonçalves de Oliveira e sua mulher Escolasta Antunes de Oliveira Carlos Jacobes 13/1/1867 Um retasso de campos no distrito da Vacaria, no lugar denominado São Paulino (não dá medidas) 2:000$000 Apolinaria Maria Pedro Kenig e 11/4/1867 Um pedaço de campo na Vacaria 468$000 da Trindade Carlos Jacobes (não dá medidas) Carlos Jacob e sua mulher Manoel Ignacio Cardoso 20/12/1869 55 e meia braças de terras de matos de frente com 750 de fundos, divide-se pelo lado do norte com terras do mesmo comprador e pela parte do sul com terras de João Teixeira 600$000 Carlos Klein e sua mulher Margarida Klein Carlos Jacob 26/4/1872 77 braças de terras de matos, extremando pela parte de cima com terras de Carlos Leopoldo Voges e pela parte de baixo com Terras de Christianno Vekmann (com benfeitorias) 4:000$000 Silvestre Francisco de Candia representado por procuração através de Serafim Agostinho do Nascimento Carlos Jacob 10/6/1874 Um pedaço de campo no distrito de São Francisco de Paula de Cima da Serra, no lugar denominado Campo Bom (não dá medidas) 3:000$000 Carlos Jacoby e sua mulher Felisbina Jacoby Jacob Becker 20/8/1878 169m e 4cm de terras de matos sitas neste distrito de Maquiné, extremando pela parte de cima com terras de Adolpho Felippe Voges e pela de baixo com terras de Christianno Veckmann 4:000$000 Felisbina Jacoby Serafim Agostinho 7/7/1879 do Nascimento 56m e 5dc. de terras de matos com casa de moradia e benfeitorias, fazem frente a 600$000 194 Felisbina Jacoby Felisbina Jacoby Maximiano Gomes da Silva e Porcina Silveira Marques Henrique Spaneberg Pedro Spaneberg Felisbina Jacoby 24/9/1879 24/9/1879 13/1/1881 estrada geral e fundos ao rio Três Forquilhas, extremando pela parte de cima com Jacob Becker e pela de baixo com Adolpho Felippe Voges 118m de terras de matos, fazem frente ao rio Josapht, extramando pela parte de cima com terras de Pedro Rodrigues de Azevedo e pela de baixo com terras dela vendedora 118m de terras de matos, fazem frente ao rio Josapht, extremando pela parte de cima com terras de Henrique Spaneberg e pela de baixo com terras do mesmo comprador 440m de terras de matos sitas neste distrito de Maquiné, fazem frente ao rio de trás e fundos a chapada do morro, extremando ambos os lados com terras dos vendedores 200$000 200$000 1:000$000 Felisbina Jacoby Adolfo Felippe Voges e sua mulher Filisbina Voges237 Maria Vaz da Silva João Ernesto Herzog 26/8/1882 26/9/1885 Um retasso de campo e matos no lugar denominado Fazenda dos Potreiros e que houve por herança de seu finado marido Carlos Jacoby (não dá medidas) 103m e 4cm de terras de matos, frete a um arroio nos fundos das terras de Jose Rodrigues e fundos a estrada geral, extremando pelo sul com terras de Jacob Becker e pelo norte com terras de Simplissiana Maria de Joana 600$000 150$000 A título de exemplo, foram selecionadas 13 escrituras entre os anos de 1863 e 1885, nas quais Carlos Jacoby e Felisbina Schmitt Jacoby, depois Felisbina Schmitt Voges, em conjunto ou de forma individual, aparecem como comprador ou vendedor, sendo que a menor transação ficou em 150$000 e a maior em 4:000$000. 237 Todas as escrituras estão descritas nos livros de notas do distrito do Maquiné, guardados no APERS. (Livro 2, p. 4/verso a 5; livro 3, p. 32 a 33; livro 3, p. 36/verso a 37/verso; livro 4, p. 22 a 23/verso; livro 5, p. 30 a 31/verso; livro 6, p. 36/verso a 38; livro 9, as seguintes páginas: 1 a 2; 26/verso a 28; 34 a 35; 35 a 36; 60/verso a 61/verso; livro 10, p. 33/verso a 34/verso; livro 10, p. 98 a 99). 195 Os espaços preferidos pelos investidores foram o próprio litoral, mas também os Campos de Cima da Serra, chegando a Vacaria. Isso demonstra e reforça a idéia de que o LNRS deve ser compreendido e analisado a partir das relações que estabeleceu com Cima da Serra e o Sul da província de Santa Catarina. Quanto aos negócios firmados entre vendedores e compradores, não há diferença entre os realizados no LNRS ou em São Leopoldo. Desde a disputa entre os pastores João Jorge Ehlers, Frederico Cristiano Klingelhoeffer e Carlos Leopoldo Voges, os quais desejavam permanecer em São Leopoldo como pastor titular, desde a estrutura montada pelos Diefenthäler a partir da Costa da Serra, passando pelos colonos alemães do LNRS, que viram nos campos de Cima da Serra uma oportunidade de crescimento econômico, o mecanismo que levou “exponenciais” ao mercado imobiliário foi o mesmo: à medida que as terras foram sendo valorizadas pela expansão colonial, perderam o status exclusivo de local de moradia e de plantio para o de bem vinculado a um mercado em ascensão. Se por um lado este capítulo foi mais descritivo, o próximo terá como característica básica a tentativa de mensuração da riqueza dos imigrantes e de seus descendentes. Realidade e fantasia, portanto, caminharão juntas no Capítulo IV, dividido entre análises maciças e outras que parecerão miragens. CAPÍTULO IV – CAPITAL ECONÔMICO: MENSURAÇÃO, REALIDADE E FANTASIA Devemos observar as formas de solidariedade e cooperação seletiva adotadas para organizar a sobrevivência e o enriquecimento, ou seja, as amplas fontes de favores, dados ou esperados, através dos quais passam informações e trocas, reciprocidades e proteções.238 O fulano é tão rico: nem sabe o que tem.239 O presente capítulo foi motivado por questões de ordem econômico-social: como se pode mensurar a riqueza de um homem ou de uma família do século XIX? Como se pode estabelecer equivalência entre a moeda daquela época (réis, usada até 1942) e a de hoje? O que significam, por exemplo, cem contos de réis? Para responder a estas perguntas, algumas vezes evitadas pelos historiadores240, foram usadas informações obtidas de inventários, escrituras de compra e venda, jornais, livros e sites, como preços de colônias, escravos, bens semoventes (animais), produtos agrícolas e serviços. Num primeiro momento, foram comparados preços de terras sem benfeitorias para, em seguida, analisar o valor atribuído àquelas que foram herdadas ou vendidas com casa de moradia, atafona e engenho. Na seqüência, verificaram-se quantas propriedades determinado colono conseguiria comprar através do montante do inventário, tomando como base o preço da terra registrado nesse documento. Após, há uma tentativa singular de traçar paralelo entre o preço das terras no século XIX com o valor comercializado nos dias atuais. Para isso, foram usados escrituras e contratos de compra e venda, avaliações de 238 LEVI, op. cit., p. 98. 239 Expressão usual nas Colônias alemãs, proferida quando alguém se destaca, real ou supostamente, no plano econômico. 240 Tomo a minha trajetória de historiador como parâmetro. Somente após o Trabalho de Conclusão e a Dissertação de Mestrado, encorajo-me a enfrentar o universo dos números, da economia e da estatística. Oxalá esta aproximação resulte numa visão mais nítida sobre a vida dos imigrantes e seus descendentes no Rio Grande do Sul. 197 prefeituras e anúncios de jornal (cadernos de classificados), tendo como referência a descrição de terras nos mesmos espaços ou o mais próximo possível do local original mencionado nos inventários e nas escrituras. Na seqüência, foram elaboradas inúmeras tabelas, as quais tiveram como parâmetro o preço de escravos, animais, farinha de mandioca, feijão, banha, carne, aguardente, vinho e mão-de-obra de especialistas, como construtor de moinho, de ponte e professor. Embora fatigante, a construção dessas tabelas foi motivada pelo desejo de saber quanto um colono poderia comprar ou contratar com o valor do seu inventário. Por último, tentou-se atualizar o valor da moeda réis. Após algumas visitas à Fundação de Economia e Estatística (FEE), em Porto Alegre, RS, e buscar socorro com pesquisadores que já tivessem se aventurado no terreno árido dos números, chegou-se a resultados certamente insatisfatórios, mas que auxiliam na mensuração da riqueza dos agentes históricos que viveram ao longo do século XIX. A análise do preço das colônias aqui referidas não se restringe às famílias mencionadas nos textos anteriores. Agentes históricos até então relegados ao silêncio foram buscados a fim de contribuírem com dados e informações registrados nos documentos que guardaram um pouco de suas vidas. Junto às famílias Diefenthäler-Voges, Jacoby e Schmitt, os Raupp, de São Pedro de Alcântara, também se constituíram em núcleo “exponencial”. Por conseqüência, ao se estabelecer este recorte social, privilegiaram-se as melhores terras do mega-espaço SL-LNRS. Portanto, deixou-se de lado a grande maioria das propriedades, de menor valor e pertencentes a famílias anônimas. Para melhor visualização, foi elaborada a seguinte tabela: 198 Tabela 19: Propriedades rurais sem benfeitoria Ano 1873 1875 Local São Pedro de Alcântara Três Forquilhas 1879 Três Forquilhas 1884 1891 1891 1891 Três Forquilhas São Leopoldo (2º distrito: Travessão/Estância Velha) Santa Christina do Pinhal Taquara 1935 Três Forquilhas Documento Inventário de José Raupp Escritura de compra e venda entre Felippe Grassmann e Carlos Jacob Inventário de Guilhermina Voges Jacob Voges Inventário de Jacob Diefenthäler Inventário de Jacob Diefenthäler Inventário de Jacob Diefenthäler Inventário de Felisbina Schmitt Voges Descrição da terra 100 braças = uma colônia Uma colônia 220 metros (100 braças) = uma colônia Uma colônia 100 braças = uma colônia Uma colônia Uma colônia 100 braças = uma colônia Valor 1:000$000 1:000$000 1:760$000 2:640$000 3:000$000 a 5:000$000 3:500$000 1:500$000 a 1:785$000 4:500$000 A tabela 19 permite algumas considerações. A primeira delas está ligada à avaliação da colônia, sempre dependente de fatores geográficos e espaciais. Quanto à geografia, estar localizada na parte mais plana e próxima de arroio ou rio redimensionava o valor atribuído à colônia; no que se refere ao espaço, estar na parte central, próxima da igreja e da escola e à margem da estrada principal possibilitava ao colono proprietário dessas terras certa vantagem sobre seus pares que estavam localizados em pontos mais distantes. Pesava, ainda, sobre a avaliação o capital simbólico da família, pois essas terras eram reconhecidas como pertencentes a tal sobrenome. A segunda consideração diz respeito à possível disparidade entre São Leopoldo e Três Forquilhas, tão marcada na historiografia clássica da imigração alemã. Não é abismal a diferença entre o preço da colônia mencionado no inventário 199 de Jacob Voges (1884) – 2:640$000 – e o registrado no de Jacob Diefenthäler (1891) – 3:000$000. Dada a diferença de sete anos entre os dois documentos, podese afirmar, sem receio, que há paridade entre as duas propriedades. Essa idéia é reforçada quando se compara o preço das colônias destinadas ao mercado imobiliário com as de uso para agricultura. No primeiro caso, encontram-se as colônias de Taquara, descritas no inventário de Jacob Diefenthäler, ex-sócio de João Schmitt, o qual havia sido societário de Tristão José Monteiro, avaliadas entre 1:500$000 e 1:785$000. No segundo modelo, isto é, as colônias que não passaram por um mercado imobiliário formal e foram destinadas desde o seu início para a agricultura, estão a de Felippe Grassmann (1875) e a de Guilhermina Voges (1879), avaliadas em 1:000$000 e 1:760$000, respectivamente. Mesmo sendo Taquara uma área de colonização mais recente, o núcleo formado pela empresa colonizadora de Tristão José Monteiro e João Schmitt tinha forte vinculação com São Leopoldo, pois, através do rio dos Sinos, mercadorias eram transportadas até a Colônia-Mãe. Além disso, os portos de Santa Christina do Pinhal e de Taquara serviam de elo entre a grande região que se estendia a (e ao redor de) Santo Antônio da Patrulha e ao mundo colonial mais próximo de São Leopoldo. Desse modo, ficam equilibradas as apreciações das colônias de São Leopoldo, Taquara e Três Forquilhas. Cabe analisar, ainda, se as colônias foram valorizadas ao longo do século XX. Como há estudos que responderam satisfatoriamente a essa questão para São Leopoldo241, o holofote ficou centrado em Três Forquilhas. O inventário de Felisbina 241 Jean Roche ocupou-se deste aspecto ao longo dos seus dois volumes, nos quais aborda o crescimento econômico de São Leopoldo e a conseqüente expansão e valorização das terras. Ver: ROCHE, Jean. A colonização alemã e o Rio Grande do Sul. v. 1 e v. 2. Porto Alegre: Globo, 1969. 200 Schmitt Voges (1935) trouxe a informação de que uma colônia foi considerada em 4:500$000. Como essas terras transitaram entre os núcleos exponenciais Jacoby, Schmitt e Voges, percebe-se que, no transcorrer do final do século XIX até o segundo quartel do XX, houve valorização das colônias: de 1:760$000 e 2:640$000 a 4:500$000, perfazendo percentuais que variaram entre mais ou menos 255% e 170%. A título de comparação, Pellanda informou que em 1920 havia 2.537 estabelecimentos agrícolas distribuídos entre os oito distritos de São Leopoldo, sendo que, na média, cada um deles valia 6:826$000, e 3.354 no município de Taquara, composto por cinco distritos, com o valor mediano de 5:308$635.242 Por outro lado, como se deu a valorização das terras com benfeitorias registradas em inventários ou escrituras de compra e venda? Qual a estrutura que os colonos exponenciais conseguiram montar sobre a colônia na qual residiam? Os inventários analisados ao longo dos textos anteriores respondem a essas questões. De acordo com os dados sintetizados na tabela 20: Tabela 20: Propriedades rurais com benfeitoria Ano 1864 1873 1879 Local São Leopoldo (Costa da Serra) São Pedro de Alcântara Documento Escritura de compra e venda de Elizabeth Diefenthäler243 Inventário de José Raupp Três Forquilhas Inventário de Guilhermina Voges Descrição 100 braças de frente e 1600 de fundos; com casa de moradia, atafona e outras benfeitorias Meia colônia no lugar da moradia, com casa coberta de telhas e suas benfeitorias Uma colônia e metade da casa de moradia Valor 1:500$000 1:980$000 2:060$000 242 PELLANDA, Ernesto. A colonização germânica no Rio Grande do Sul. Porto Alegre: Oficinas Gráficas da Livraria do Globo, 1925, p. 67; 96. 243 APERS – Livro de notas – Tabelionatos – 1º tabelionato – livro 11 – fundo 73 – estante 52 – página 85 – 1864 – São Leopoldo. 201 1884 Três Forquilhas Inventário de Jacob Voges Casa de moradia junto a de negócio, uma casa coberta de telhas que serve de depósito para pipa, uma casa com cozinha, casa de engenho coberta de palha, uma casa no sítio coberta de telha 1:314$000 (das benfeitorias) 1890 1891 1935 São Leopoldo (Costa da Serra) São Leopoldo (2º distrito) Três Forquilhas Inventário de Pedro Diefenthäler Inventário de Jacob Diefenthäler Inventário de Felisbina Schmitt Voges Uma colônia com 80 braças de frente, com uma casa de moradia e mais estabelecimentos e benfeitorias Uma colônia com 80 braças de frente, com casa de moradia de pedra, forrada e assoalhada, com cozinha e mais benfeitorias; atafona, moinho de moer grãos e de socar arroz, movidos à água Uma colônia com 73 braças de frente, com casa de moradia 4:100$000 8:500$000 a colônia; 6:000$000 as benfeitorias 3:000$000 a colônia; 3:000$000 a casa O primeiro documento citado na tabela 20 refere-se a Elizabeth Diefenthäler, sogra do pastor Voges. Pelo que ficou registrado, a matriarca vendeu a um de seus filhos – Jacob – parte da colônia onde residia, pois já havia transacionado 20 braças com o filho Pedro. A benfeitoria principal era a atafona, sendo que, nesta altura de sua vida, Elizabeth não deveria mais ser proprietária do comércio que marcou a trajetória de sua família no Brasil. Possivelmente, um dos filhos tenha assumido a venda após a morte de seu marido Jacob, em 1841. Descontadas as 20 braças que pertenciam a Pedro e mais o quinhão da herança de Jacob (mais ou menos 14,28 braças), Elizabeth vendeu menos de 70 braças para seu filho, o que certamente reduziu o valor da propriedade. Como eram sete herdeiros, caberia a cada um a metragem de mais ou menos 14,28, perfazendo o total de 100 braças, o que teria elevado o valor da compra e venda a mais ou menos 2:307$692. Sem diminuir a importância econômica dessa transação para os objetivos deste texto, o documento 202 é igualmente relevante na medida em que confirma a atividade principal dos sogros do pastor Voges e o local onde residiam. O segundo documento listado na tabela 20 faz menção à propriedade de Adolpho Felippe Voges e Guilhermina Voges, apreciada em 2:060$000, sendo que neste total está a metade da casa orçada em 300$000. Supõe-se, então, que a casa em sua totalidade teria recebido o valor de 600$000, o que a deixa muito aquém das residências de Philipp Peter Schmitt, Carlos Leopoldo Voges e Carlos Frederico Voges Sobrinho. Por enquanto, não foi possível estabelecer conexões que expliquem o baixo valor atribuído à casa e o fato de Adolpho ser proprietário de sua metade. Figura 10: Casa de Carlos Leopoldo Voges na Colônia de Três Forquilhas Fonte: Arquivo pessoal de Nilza Huyer Ely 203 Estranha-se, principalmente, porque Adolpho era comerciante e, como tal, deveria ter uma estrutura apropriada para residência, venda e depósito. Da mesma forma, o inventário de seu irmão, Jacob, aberto em 1884, deixa vago o local onde ele e a mulher residiam. Possivelmente, seja na colônia avaliada em 2:640$000, uma vez que estava situada dentro dos limites das terras do pastor Voges. Impressiona, neste caso, o total das benfeitorias: 1:314$000, distribuídas entre “casa de moradia junto à de negócio, casa coberta de telhas que servia de depósito para pipa, casa com cozinha, casa de engenho coberta de palha e casa no sítio coberta de telha”. Trata-se de propriedade que congregava moradia, comércio e atividades suplementares, a qual destoa da mísera descrição da casa que Guilhermina Voges deixou aos seus herdeiros. Na seqüência da tabela 20, estão descritos os bens parciais dos irmãos Pedro e Jacob Diefenthäler, falecidos com um ano de diferença. Pedro morava na Costa da Serra, onde deixou para a segunda esposa e herdeiros a colônia com 80 braças de frente com “casa de moradia, estabelecimentos e benfeitorias”. Sua riqueza é sensivelmente menor do que a de seu irmão Jacob, também morador na Costa da Serra, o qual ocupava uma colônia de 8:500$000 delimitada por construções que foram avaliadas em 6:000$000. Há, entre as duas residências, o foço de 10:400$000, o que reforça o caráter “exponencial” de Jacob Diefenthäler sobre seus irmãos e demais parentes. Por último, listou-se o inventário de Felisbina Schmitt Voges, a qual deixou para seu marido, Carlos Frederico Voges Sobrinho, a colônia e a casa onde residiam, avaliadas em 3:000$000 cada uma. 204 De um modo geral, todas as colônias listadas na tabela 20 serviram não só como residência, mas como local de trabalho: atafona, moinhos de diversos tipos e negócio (venda) foram mencionados. Não obstante o silêncio de Adolpho Felippe Voges, Louisa Carolina Reichardt Diefenthäler e Carlos Frederico Voges Sobrinho, todos inventariantes, sabe-se que todas essas famílias dedicaram-se ao comércio (venda) e/ou a atividades que estavam ligadas à fabricação da farinha de mandioca, aos fabricos no engenho e à moagem nos moinhos. O fato de morarem na colônia considerada estratégica e ali arquitetarem suas atividades principais mais do que valorizou essas terras. Seus proprietários foram duplamente beneficiados: no plano econômico, as colônias foram hiper-valorizadas e, no social, passaram a ser ponto de referência para a comunidade local. Do mesmo modo, é possível tentar mensurar a potencialidade econômica dos imigrantes e de seus descendentes a partir do preço das colônias, tomando-se como referência o preço das terras em áreas de mercado imobiliário consolidado, como Mundo Novo e em regiões onde o mercado de terras não se estruturou formalmente. Veja-se a tabela abaixo: Tabela 21: Preço de colônias conforme inventário Ano 1867 1873 1879 1879 Inventariado/Local Felippe Pedro Schmitt (Três Forquilhas) José Raupp (São Pedro de Alcântara) Guilhermina Voges (Três Forquilhas) Carlos Jacoby (Três Forquilhas) Total do inventário 13:205$200 39:370$670 10:841$980 22:942$000 Preço das terras (uma colônia) 2:450$000 Quantidade que se poderia comprar 5,39 1:000$000 39,37 1:760$000 6,16 3:666$666 6,25 205 1884 1890 1891 1895 Jacob Voges (Três Forquilhas) Pedro Diefenthäler (São Leopoldo) Jacob Diefenthäler (Taquara) Carlos Frederico Voges (Taquari) 19:562$883 13:260$000 91:275$500 88:663$353 2:200$000 1:000$000 1:500$000 1:942$878 8,89 13,2 60,1 45,63 A tabela 21 confirmou a hipótese de que os “exponenciais” investiam em terras. Havia interesse por aquelas que estavam destinadas à agricultura, mas, sobretudo, estavam na mira as terras que foram direcionadas para o mercado imobiliário. A capacidade de compra de cada “exponencial” demonstrada na tabela 21 elevou-os acima da maioria, que ficou restrita a uma única colônia, muitas vezes dividida entre os herdeiros. O que se poderia tirar da terra em cinco ou seis propriedades era numericamente superior ao que colonos empobrecidos poderiam colher em pedaços de colônias. Levi salientou este aspecto ao constatar que não há dúvidas de que fosse muito grande a fragmentação da propriedade e de que a quantidade de terra disponível para cada família camponesa fosse tão pequena a ponto de tornar significativa qualquer mínima parcela, até mesmo de poucas tavole.244 Quanto a Três Forquilhas, ficou evidente que as famílias “exponenciais” igualavam-se: o montante dos inventários teria possibilitado a compra de 5,39 a 8,89 colônias, variando o ano, o preço e a localização da terra. No que se refere a São Leopoldo e Taquari, a diferença entre os irmãos Pedro e Jacob Diefenthäler também se confirmou pela diferença dos totais dos inventários, sendo que Pedro poderia ter comprado 13,2 colônias, enquanto Jacob 60,1. Do mesmo modo, o irmão de Adolpho Felippe Voges, estabelecido em Taquari, onde era negociante, reuniu fortuna suficiente para adquirir 45,63 colônias, de acordo com o preço da terra 206 naquela região. Evidenciaram-se, através dos dados compilados na tabela retro, as diferenças não só entre regiões coloniais, quanto entre irmãos e primos. Porém, de forma geral, o cálculo demonstrou que todos eles poderiam ter comprado, no mínimo, cinco colônias, o que os projetaria sobre a grande maioria dos colonos fixados no mega-espaço SL-LNRS. Mas, e hoje, quanto valeria uma propriedade no espaço colonial de outrora? Para fazer tal equivalência, buscaram-se preços de terras com e sem benfeitorias em anúncios de jornais, contratos e escrituras de compra e venda. Os dados compilados na tabela 22 descrevem, resumidamente, o tamanho e o preço de bens imóveis localizados na área compreendida entre São Leopoldo e o LNRS. Tabela 22: Preço de propriedades atuais Veículo de comunicação Contrato de compra e venda de Valmir Klein Escritura de compra e venda de Valdir Klein Escritura de compra e venda da prefeitura de Itati Setor de avaliação de bens imóveis da prefeitura de Cambará do Sul Jornal Zero Hora Data 1º/4/2000 20/11/6 Jul/2006 26/3/2007 13/11/5 Descrição 3,6ha em Itati (sem benfeitoria) 2,5ha em Três Forquilhas, com casa de alvenaria (170m2), 2 galpões 13ha em Itati (sem benfeitoria) “Terras entre Capão Penso e Fundo do Cambará e Rio Garrafa” 15ha em Maquiné, na Barra do Ouro, com galpão, riacho, arroio com cascata, mata nativa Valor R$ 20.000,00 R$ 60.000,00 R$ 115.426,00 x.x.x.x.x.x.x.x.x.x. R$ 40.000,00 Valor unitário (em hectares) R$ 5.555,55 R$ 24.000,00 8.878,92 R$ 967,90 R$ 2.666,66 244 LEVI, op. cit., p. 133. 207 Jornal Zero Hora 27/11/5 Jornal Zero Hora 22/1/6 Jornal Zero Hora 29/1/6 Jornal Zero Hora 12/2/6 Jornal Zero Hora 2/4/6 Jornal Zero Hora 2/4/6 300ha em Mostardas 19,2ha em Caraá, com água, luz, arroio, mata nativa, fazendo frente ao rio Caraá 59ha de campo em Santo Antônio da Patrulha 1400ha em Santo Antônio da Patrulha 240ha com casa, galpão, água, luz, para gado ou reflorestamento, em Caraá 9,5ha na Barra do Ouro, em Maquiné, com luz, arroio e mata nativa R$ 384.000,00 R$ 65.000,00 R$ 350.000,00 R$ 2.100.000,00 R$ 270.000,00 R$ 15.000,00 R$ 1.280,00 R$ 3.403,00 R$ 5.932,00 R$ 1.500,00 R$ 1.125,00 1.578,94 Tomando-se as terras de Valmir Klein como referência, as quais se situam num dos melhores pontos da antiga Colônia de Três Forquilhas, exatamente na sede do atual município de Itati, planas, totalmente aráveis e com duas frentes (à estrada Nestor Becker e à Rota do Sol), as colônias descritas na tabela 19, sem benfeitorias, com 100 braças de frente e 1600 braças de fundos, o que resulta em 77 hectares, custariam, no ano 2000, R$ 427.777,35. Com pequenas, mas significativas diferenças, constituem-se as terras adquiridas pela prefeitura de Itati, parcialmente planas, pois dos treze hectares, sete, mais ou menos, estão na parte montanhosa da Colônia, igualmente com duas frentes (à estrada Nestor Becker e à Rota do Sol), sendo que uma das divisas entesta com o rio Três Forquilhas. Baseando-se no preço unitário do hectare, uma colônia de 77 hectares custaria, hoje, R$ 683.676,84. Já as terras de Valdir Klein, com benfeitorias (casa de alvenaria de 170m2, estrebaria, galpão auxiliar e chiqueiro), também situadas na antiga Colônia de Três Forquilhas, próxima à sede do atual município de Três Forquilhas, planas, totalmente aráveis e com frente à estrada homônima, sob número 2350, exigiriam que os 208 proprietários do século XIX descritos na tabela 20 dispusessem de R$ 1.848.000,00 para adquirir uma colônia de 77 hectares com semelhantes benfeitorias.245 Distanciando-se do espaço colonial litorâneo, pode-se calcular de quanto os proprietários da fazenda que pertenceu a Carlos Jacoby, Felisbina Schmitt Voges e Carlos Frederico Voges Sobrinho, precisariam dispor em reais para adquirir os 1.692 hectares situados na atual cidade de Cambará do Sul. De acordo com os dados fornecidos pelo setor de avaliação de bens imóveis da Prefeitura de Cambará do Sul, o preço de um hectare naquele município estaria em torno de R$ 967,90. Multiplicando esse valor pela quantidade de hectares descritos no inventário de Felisbina, esposa de Carlos Frederico, chega-se ao valor de R$ 1.637.686,80.246 Por mais hipotéticos que esses cálculos possam parecer, eles ratificam a idéia de que os “exponenciais” consideraram o bem imóvel como investimento e que a condição econômica privilegiada possibilitou não só a indivisão da terra, mas também a compra de outras propriedades, com ou sem benfeitorias. Mesmo com inúmeras variações, como local, data ou qualidade da terra, as avaliações de bens imóveis atuais demonstram que adquirir, manter e valorizar uma colônia no século XIX não estava ao alcance de todos. Apesar de não terem sido usados como base de cálculo, os demais exemplos da tabela 22 foram mantidos, a fim de que a riqueza do mercado imobiliário fosse explorada com maior representatividade. 245 Como referência, foi usada a metragem de 2,2 metros para cada braça. Assim, 100 braças equivale a 220 metros e 1.600 braças a 3.520 metros. Uma colônia media, então, 774.400m2 que, divididos por 10.000, resulta em 77,44 hectares. Os irmãos Valmir e Valdir Klein residem em Itati e Três Forquilhas, respectivamente, o primeiro à Estrada Nestor Becker, 2513, e o segundo à Estrada dos Imigrantes, 2350. 246 A prefeitura de Cambará do Sul desconsidera a finalidade do uso da terra para fornecer as avaliações, isto é, o preço seria o mesmo para pecuária ou para reflorestamento. Agradeço pela colaboração da historiadora Nilza Huyer Ely, que prontamente se dispôs a conseguir a avaliação junto à prefeitura de Cambará do Sul (em 26/3/2007). 209 Na busca de instrumentos que possibilitassem mensurar a riqueza dos agentes históricos mencionados neste texto, recebeu-se a indicação do trabalho de Kátia Mattoso, a qual, no Capítulo III de sua obra, confeccionou diversas tabelas em que verificou a variação dos preços dos escravos e dos preços do açúcar e do café na Bahia.247 Por serem mercadorias de longo alcance, comercializadas em praticamente todo o Brasil, as listagens referentes ao século XIX servem de parâmetro para a comparação que se pretende estabelecer. Além desta fonte, foram considerados os dados coligidos nos inventários que têm sido pesquisados no APERS, desde 1998. Se por um lado, a tabela de preços de Mattoso possibilita visão mais ampla sobre o comércio de escravos, açúcar e café, os inventários abertos na província do Rio Grande do Sul refletem com maior proximidade e nitidez a realidade das famílias que ocuparam as áreas coloniais a partir de São Leopoldo e no LNRS. Os critérios adotados para essa tentativa de mensuração levaram em conta a avaliação total dos bens descritos nos inventários e o preço de mercadorias referenciais em datas próximas à abertura do processo de transmissão da herança. A tabela abaixo apresenta os dados que Mattoso compilou para o período de 1750-1888.248 Como este estudo tem como recorte temporal o século XIX, fez-se a transcrição dos preços a partir de 1800, de tal modo que o leitor tenha visão integral deste século. 247 MATTOSO, Katia M. de Queirós. Ser escravo no Brasil. São Paulo: Brasiliense, 1982. Os preços encontram-se em réis. Agradeço a Márcia Sanocki Stormowski a indicação desta obra. 248 MATTOSO, op. cit., p. 95. 210 Anos 1800 1810 1820 1830 1840 1850 1860 1870 1880 1888 Tabela 23: Preço de escravos conforme Mattoso Escravos Preço (médio) Índice 150 000 85,7 175 000 100,0 200 000 114,2 250 000 142,8 450 000 257,1 500 000 285,7 650 000 357,1 650 000 357,1 450 000 257,1 400 000 228,5 Açúcar Preço (arroba) Índice 2 595 208,4 1 245 100,0 1 815 145,8 2 160 173,4 ___ ___ 2 685 215,6 6 675 536,1 6 510 522,9 5 835 468,6 4 195 336,9 Café Preço (arroba) Índice ___ ___ 1 245 100,0 3 540 208,4 3 465 207,8 ___ ___ 3 975 319,2 6 735 341,4 6 030 484,3 7 220 579,9 9 600 771,0 Tomando-se o preço do escravo como referência, elaborou-se a tabela abaixo, comparando o total do inventário com o possível número de escravos que esse valor permitiria comprar. Paralelo aos dados apresentados por Mattoso, buscou-se o preço do escravo registrado no próprio inventário, o que aproximou o nível de riqueza do inventariado com a sua própria realidade. Antes de se inferir os números registrados na tabela 24, deve ser levado em consideração que Mattoso utilizou o preço médio dos escravos enquanto o valor retirado dos inventários representa o preço do escravo mais valorizado. Desta forma, ao se utilizar a tabela de Mattoso, tem-se uma visão mais geral do que o total do inventário possibilitaria comprar; no entanto, ao calcular que plantel o colono alemão poderia adquirir a partir do preço mencionado no próprio inventário, tem-se um panorama mais circunscrito do nível de riqueza da família. 211 Tabela 24: Preço de escravos conforme Mattoso e inventário Ano 1867 1873 1879 1879 1884 1890 1891 1895 Inventariado/Local Total do inventário Felippe Pedro Schmitt (Três Forquilhas) José Raupp (São Pedro de Alcântara) Guilhermina Voges (Três Forquilhas) Carlos Jacoby (Três Forquilhas) Jacob Voges (Três Forquilhas) Pedro Diefenthäler (São Leopoldo) Jacob Diefenthäler (São Leopoldo) Carlos Frederico Voges (Taquari) 13:205$200 39:370$670 10:841$980 22:942$000 19:562$883 13:260$000 91:275$500 88:663$353 Preço do escravo Mattoso Inventário (na década) 650$000 600$000 650$000 1:000$000 650$000 650$000 450$000 400$000 400$000 400$000 650$000 884$000 xxx xxx xxx Número de escravos que se poderia comprar 20 a 22 60 a 39 16 35 43 a 22 33 228 221 De acordo com a tabela 24, o total de cada inventário permitiria a compra de número considerável de escravos. Assim, o menor plantel ficaria com 16 peças e o maior, com 228. Segundo Pellanda, em 1850, havia 229 escravos em São Leopoldo, o que se considerava “número demasiado grande num distrito que se pode dispor de tantos braços livres”; porém, vinte anos depois dessa contagem, o número de escravos na Colônia subiu para 1.060.249 A fim de buscar subsídios para esta análise, foram consideradas as estimativas apresentadas por Helen Osório e Luís Augusto Ebling Farinatti.250 Para Osório, cujo levantamento refere-se ao período de 1765 a 1825, a grande maioria dos proprietários de escravos no Rio Grande do Sul 249 PELLANDA, op. cit., p. 61-64. Segundo o autor, esses números geravam controvérsia, pois nem todos aceitavam a contagem apresentada nos relatórios oficiais. No entanto, a título de ilustração, usaram-se os números sugeridos por Pellanda. 250 OSÓRIO, Helen. Campeiros e domadores: escravos da pecuária sulista, século XVIII. In: II Encontro Nacional “Escravidão e Liberdade no Brasil Meridional”. Porto Alegre, 26 a 28 de outubro de 2005. (no prelo); e FARINATTI, Luís Augusto Ebling. Nos rodeios, nas roças e em tudo o mais: 212 possuía, no mínimo, nove peças. Esse número se eleva quando a autora contabilizou a média dos escravos que trabalhavam nas charqueadas: 40 peças por cada empresa. Se esse número for comparado com os dados referentes aos engenhos de açúcar, percebe-se que a diferença entre os plantéis das charqueadas e dos engenhos não é abismal. Segundo Osório, os senhores de engenho possuíam, em média, 66 escravos. Talvez o dado mais relevante apresentado pela autora seja o de que apenas sete proprietários do meio rural do Rio Grande do Sul possuíam 50 escravos ou mais. Da mesma forma, Farinatti realizou levantamento demográfico sobre a população escrava do município de Alegrete, no período de 1831 a 1870. Nesta localidade, em 1858, 391 estâncias possuíam 527 escravos, sendo a média de 1,34 por unidade produtiva. Em outra tabela, que sintetiza os dados sobre escravos com ocupações declaradas (entre 1831-1850), Farinatti localizou 337 escravos em 74 inventários, o que dá a média de 4,55 por documento. Ambos os autores tiveram como objeto de investigação os inventários post–mortem. Apesar de suas análises estarem concentradas nesta documentação, elas procuram dar conta do universo rio-grandense e platino na virada do século XVIII para o XIX e no transcorrer deste último. Se, por um lado, as citações previamente selecionadas e constantes neste trabalho não refletem todo o arcabouço pesquisado e defendido por Osório e Farinatti, elas colaboram para que se possa redimensionar a potencialidade econômica dos imigrantes e de seus descendentes. No que tange à posse de escravos, todas as famílias elencadas na tabela 24 poderiam equiparar-se à maioria dos proprietários que tiveram, no mínimo, 9 escravos. No entanto, três deles se trabalhadores escravos na Campanha rio-grandense, (1831-1870). In: II Encontro Nacional 213 aproximariam dos charqueadores e dois estariam no mesmo patamar dos sete proprietários que tiveram plantel igual ou superior a 50 peças. Assim, aceitando a idéia de que os colonos alemães poderiam ter tido plantéis de escravos que os equiparariam aos demais proprietários da província, pode-se afirmar que os inventários arrolados têm significativa expressão econômica para o cenário do Rio Grande do Sul no século XIX. Outro bem que despertou o interesse dos “exponenciais” foi o gado. As famílias nomeadas em cada inventário aplicaram na compra de animais, que seriam usados na agricultura, nas engenhocas e no comércio. Entretanto, a maioria delas também dedicou-se à pecuária, criando animais para abate e venda, redirecionando as lides do agricultor para atividades paralelas. Os valores mencionados na tabela abaixo foram retirados dos próprios inventários, a fim de que demonstrassem a potencialidade de cada família, tanto na aquisição e criação de animais que foram empregados nas lides diárias, quanto na pecuária. Tabela 25: Preço de animais Ano 1867 1873 1879 1879 1884 1890 Inventariado/Local/Fonte Felippe Pedro Schmitt (Três Forquilhas) José Raupp (São Pedro de Alcântara) Guilhermina Voges (Três Forquilhas) Carlos Jacoby (Três Forquilhas; inventário) Jacob Voges (Três Forquilhas) Pedro Diefenthäler (São Leopoldo) Total do inventário 13:205$200 39:370$670 10:841$980 22:942$000 19:562$883 13:260$000 Preço de animais (diversos) “Uma vaca com terneira” 8$000 “uma rês de criar” 10$000 “uma besta” 25$000 “uma rês de criar” 10$000 “um boi manso” 25$000 “uma rês vacum” 10$000 Quantidade que se poderia comprar 1650 3937 433 2294 782 1326 “Escravidão e Liberdade no Brasil Meridional”. Porto Alegre, 26 a 28 de outubro de 2005 (no prelo). 214 1891 Jacob Diefenthäler (Taquara) 91:275$500 1895 Carlos Frederico Voges (Taquari) 88:663$353 “uma rês para criar” 20$000 “uma rês de criar” 25$000 4563 3546 Em relação à criação de animais, o inventário de Felippe Pedro Schmitt informa que o casal possuía apenas “uma vaca com terneira”, avaliada em 8$000. Dada a potencialidade do imigrante Schmitt, essa informação destoa do universo econômico-social projetado e concretizado por sua família. É muito provável que os bens semoventes já tivessem sido divididos entre os herdeiros, pois o inventário foi aberto após a morte do casal imigrante. Por outro lado, os treze contos de réis contabilizados no inventário teriam possibilitado a compra de 1.650 vacas com terneiras, o que transformaria a família numa grande produtora de leite e seus derivados. Quanto aos irmãos Adolpho e Jacob Voges, os quase onze contos de réis teriam permitido ao primeiro comprar 433 bestas, o que agigantaria seu comércio e o transformaria no maior caixeiro-viajante da província do Rio Grande do Sul. Quanto a Jacob, os 782 bois mansos seriam transformados em 391 juntas de bois, as quais trabalhariam tanto no arado quanto nas engenhocas. Restam ainda os “exponenciais” que também adquiriram animais para a pecuária, resultando em rebanhos que teriam de 1.326 a 4.563 cabeças. Pellanda traz os seguintes números para São Leopoldo, em 1923: 39 mil bovinos e 5.400 mil muares; para Taquara, neste mesmo ano, os números são: 33 mil bovinos e 3.960 mil muares.251 Afora esses dados, Cem anos de germanidade traz a estatística para o segundo distrito de Venâncio Aires, em 1920: em 592,5 colônias, onde viviam 1296 famílias, chegou-se 251 PELLANDA, op. cit., p. 68-96. 215 a 16.270 bovinos, sendo a média de 12,5 animais por família.252 Mesmo que os dados apresentados por Pellanda e Cem anos de germanidade sejam posteriores à abertura dos inventários, é possível aproveitá-los para ilustração e comparação. Apesar de hipotético, o cálculo baseado no montante do inventário sugere que os colonos considerados “exponenciais” estavam muito acima da média da maioria dos seus pares, uma vez que a quantidade de animais em cada propriedade estava muito aquém do que eles poderiam ter adquirido. As próximas tabelas fazem referência a produtos tipicamente coloniais, cuja produção e venda tiveram maior alcance, chegando até os grandes mercados de Porto Alegre. Uma a uma, as tabelas indicam a potencialidade do colono no momento em que seu inventário foi aberto. Quanto ele poderia ter comprado de farinha de mandioca, feijão, banha, carne, aguardente e vinho? Por quanto tempo o colono poderia ter contratado o serviço de um construtor de moinhos, de um pedreiro classificado como “mestre de obras” ou de um professor? Essas ponderações permitem visualizar o que significava um patrimônio de inúmeros contos de réis e o que esse valor teria proporcionado à família. Embora os preços sejam estanques, pois representam um período e uma região determinados, a comparação entre diversos produtos colaborou para que se obtivesse uma visão mais geral do cotidiano dos imigrantes e de seus descendentes. 252 CEM anos de germanidade no Rio Grande do Sul – 1824/1924. São Leopoldo: UNISINOS, 1999, p. 237. [Tradução de Arthur Blásio Rambo]. 216 Tabela 26: Preço da farinha de mandioca Ano Inventariado/Local Total do inventário Preço do saco da farinha mandioca Quantidade de sacos de farinha de mandioca que se poderia comprar 1867 Felippe Pedro Schmitt (Três Forquilhas) 13:205$200 1$800 a 2$000 7336 a 6602 1873 José Raupp 39:370$670 (São Pedro de Alcântara) “ 21872 a 19685 1879 Guilhermina Voges (Três 10:841$980 Forquilhas) “ 6023 a 5420 1879 Carlos Jacoby (Três Forquilhas) 22:942$000 “ 12745 a 11471 1884 Jacob Voges (Três Forquilhas) 19:562$883 “ 10868 a 9781 1890 Pedro Diefenthäler (São Leopoldo) 13:260$000 “ 7366 a 6630 1891 Jacob Diefenthäler (Taquara) 91:275$500 “ 50708 a 45637 1895 Carlos Frederico Voges (Taquari) 88:663$353 “ 49257 a 44331 Preço: 1$800 a 2$000 o saco. Referência: saco de farinha = 2 arrobas = 2 alqueires. Fontes: 1) HÖRMEYER, Joseph. O Rio Grande do Sul de 1850: descrição da província do Rio Grande do Sul no Brasil meridional. Porto Alegre: D. C. Luzzatto; EDUNI-SUL, 1986, p. 52. 2) Roche dispensou quatro páginas para comentar a produção da farinha de mandioca. Como produto de exportação, chegou a valer, em 1948, 600 a 800 réis o quilo. ROCHE, op cit., p. 262-265. 3) Conforme as informações do inventário de Jacob Voges, de 1884, o saco da farinha de mandioca foi comercializado a 2$000 cada um. Já em 1889, o preço da mesma quantidade de farinha elevou-se a 3$500. Ver: Museu Histórico Visconde de São Leopoldo – Livro de Escrituração de Conta Correntes – 1874-1901 – Interior do município de Osório – p.42. Segundo os apontamentos de Pellanda, baseados no relatório de 1858, São Leopoldo exportou 16.000 sacos de farinha de mandioca, a 5$000 cada um, totalizando 80:000$000. Em 1870, esse número elevou-se para 28.000 sacos, a 4$000 a unidade, chegando a somar 112:000$000. Quanto ao LNRS, a Colônia de 217 São Pedro de Alcântara produziu, em 1865, 4.850 sacos de farinha de mandioca.253 No que tange à produção de farinha de mandioca, todas as famílias poderiam ter adquirido quantidades expressivas deste produto. Baseado nos dados de Pellanda, pode-se perceber que o total do inventário de Jacob Diefenthäler lhe teria permitido comprar praticamente duas vezes a produção de farinha de mandioca de São Leopoldo, em 1870. Sobre José Raupp, sua fortuna lhe teria proporcionado a produção anual de farinha de mandioca de São Pedro de Alcântara multiplicada por quatro vezes, no ano de 1865. Tabela 27: Preço do feijão Ano Inventariado/Local Total do inventário Preço do saco do feijão preto Quantidade sacos de feijão preto que se poderia comprar 1867 Felippe Pedro Schmitt (Três Forquilhas) 13:205$200 6$000 a 7$000 2200 a 1886 1873 José Raupp 39:370$670 (São Pedro de Alcântara) “ 6561 a 5624 1879 Guilhermina Voges (Três 10:841$980 Forquilhas) “ 1806 a 1548 1879 Carlos Jacoby (Três Forquilhas) 22:942$000 “ 3823 a 3277 1884 Jacob Voges (Três Forquilhas) 19:562$883 “ 3260 a 2794 1890 Pedro Diefenthäler (São Leopoldo) 13:260$000 “ 2210 a 1894 1891 Jacob Diefenthäler (Taquara) 91:275$500 “ 15212 a 13039 1895 Carlos Frederico Voges (Taquari) 88:663$353 “ 14777 a 12666 Preço: 6$000 a 7$000 o saco. Referência: saco de feijão preto = 2 arrobas = 2 alqueires. Fontes: 1) HÖRMEYER, op. cit., p. 53. 2) ROCHE, op. cit., p. 407, informa que o saco de 60 quilos de feijão era vendido em Porto Alegre, em 1851, por 5$600. 253 PELLANDA, op. cit., p. 62; 64 e 168. Em relação a São Leopoldo, o autor registrou, no original, a quantidade em alqueires, sendo que cada saco de farinha de mandioca equivale a 2 alqueires. Com isso, chegou-se à quantidade de 28.000 sacos. 218 Conforme os dados apresentados por Pellanda, a Colônia de São Leopoldo exportou, por volta de 1858, 20.000 sacos de feijão, a 8$000 cada um, totalizando 160:000$000. Doze anos depois, a produção proporcionou a exportação de 34.000 sacos, a 8$000 a unidade, totalizando 272:000$000.254 Na mesma década de 1850, Três Forquilhas produziu 329 sacos de feijão, tabelados a 4$000 a unidade. De acordo com o mesmo relatório, 16,5 sacos foram comercializados e 312,5 consumidos pelos colonos.255 Percebe-se pela tabela 27 que todos os colonos do LNRS poderiam ter armazenado em seus depósitos quantidade maior de feijão do que a produção anual de seus núcleos coloniais. São Leopoldo, ao contrário, com extensão geográfica superior, teve produção maior do que os totais dos inventários teriam permitido comprar. Denota-se, deste exemplo, a grande produção de feijão nas áreas coloniais e sua importância para o comércio intra e extracolônias. Tabela 28: Preço da banha Ano 1867 1873 1879 1879 1884 Inventariado/Local Felippe Pedro Schmitt (Três Forquilhas) José Raupp (São Pedro de Alcântara) Guilhermina Voges (Três Forquilhas) Carlos Jacoby (Três Forquilhas) Jacob Voges (Três Forquilhas) Total do inventário 13:205$200 39:370$670 10:841$980 22:942$000 19:562$883 Preço do quilo da banha $600 Quantidade quilos de banha que se poderia comprar 22.008 “ 65.616 “ 18.069 “ 38.236 “ 32.604 254 PELLANDA, op. cit., p. 62-64. Note-se que o autor registrou 68.000 alqueires. Como cada saco equivale a 2 alqueires, chegou-se ao número de 34.000 sacos de feijão para o ano de 1870. 255 ELY; BARROSO, op. cit., 1996; p. 167. 219 1890 Pedro Diefenthäler (São Leopoldo) 13:260$000 “ 22.100 1891 Jacob Diefenthäler (Taquara) 91:275$500 “ 152.125 1895 Carlos Frederico Voges (Taquari) 88:663$353 “ 147.772 Preço: $600 o quilo. Fontes: 1) De acordo com Pellanda, a Colônia de São Leopoldo exportou, no ano de 1870, 12.000 arrobas de banha, a 7$500 a arroba, somando 90:000$000. Como a arroba equivale entre 12,5 e 15 quilos, o preço do quilo banha girava em torno de $600 a $500.256 2) ROCHE, op. cit., p. 407, informa que o preço do quilo da banha, em 1851, girava em torno de $400. De 1851 a 1907, a banha tornou-se um produto valorizado para a região colonial, tanto que em 56 anos teve seu preço reajustado em 450%. 3) CEM anos de germanidade, op. cit., p. 238. Conforme os relatórios apresentados nesta obra, o quilo da banha, em 1920, ficava em torno de 1$800 a 1$900 o quilo. A produção de banha em 1907 atingiu os 21.943.867 quilogramas, importando na quantia de 23.472:355$000 e, em 1920, 45.591.169 quilogramas, somando 72.475:435$000. Conforme depoimento de Elma Strassburg Witt, um porco da raça macau que pesasse 150 quilos poderia produzir três latas de banha, sendo que cada uma pesava 18 quilos. Com isso, o montante do inventário de Felippe Pedro Schmitt possibilitaria adquirir 1.222 latas de banha, sendo necessária para produzi-las a quantidade de 407 animais. Tomando outro inventário como exemplo – o de Jacob Diefenthäler –, o montante descrito no documento permitiria que a família comprasse 8.451 latas de banha, cuja produção exigiria o abate de 2.817 porcos. Segundo os dados reunidos no livro Cem anos de germanidade, a localidade de Monte Bello, pertencente ao segundo distrito de Venâncio Aires, chegou a criar, em 1920, 11.840 suínos, sendo que a média por família foi de 110 animais.257 256 PELLANDA, op. cit., p. 64. Conforme o dicionário Aurélio, a arroba situa-se entre 14,7 e 15 quilos. Ver: FERREIRA, op. cit., p. 173. 257 CEM anos de germanidade, op. cit., p. 237. De acordo com a tabela apresentada pelo organizador, Monte Bello foi a localidade que apresentou o maior número de suínos por família. 220 Tabela 29: Preço da carne Ano Inventariado/Local Total do inventário Preço de duas libras de carne (mais ou menos 1 quilo) Quantidade de carne que se poderia comprar (em quilo e tonelada) 1867 Felippe Pedro Schmitt (Três Forquilhas) 13:205$200 $40 a $80 330.130 a 165.065; 330 a 165 1873 José Raupp 39:370$670 (São Pedro de Alcântara) “ 984.266 a 492.133; 984 a 492 1879 Guilhermina Voges (Três 10:841$980 Forquilhas) “ 271.049 a 135.524; 271 a 135 1879 Carlos Jacoby (Três Forquilhas) 22:942$000 “ 573.550 a 286.775; 573 a 286 1884 Jacob Voges (Três Forquilhas) 19:562$883 “ 489.072 a 244.536; 489 a 244 1890 Pedro Diefenthäler (São Leopoldo) 13:260$000 “ 331.500 a 165.750; 331 a 165 1891 Jacob Diefenthäler (Taquara) 91:275$500 “ 2.281.887 a 1.140.943; 2.281 a 1.140 1895 Carlos Frederico Voges (Taquari) 88:663$353 “ 2.216.583 a 1.108.291; 2.216 a 1.108 Preço: 1 a 2 vinténs a libra. Referência: 1 vintém equivale a $20 (vinte réis); 1 libra a 0,45392 quilos. Fontes: 1) CEM anos de germanidade, op. cit., p. 247. O organizador do livro tomou como referência o preço do quilo da carne cobrado pela família Berghan, proprietária de matadouro em Estância Velha, em 1856. 2) FERREIRA, op. cit., p. 1029. Apesar de trazer números exorbitantes – em toneladas –, a tabela 29 tem como objetivo demonstrar que a fartura de alimentos na mesa desses colonos deve ter sido superior se comparada com a maioria de seus pares. Num primeiro momento, essa afirmação parece bater de frente com a imagem difundida do cenário colonial: vários tipos de animais para executar trabalhos e servir de alimento. No entanto, há larga diferença entre os que se mantiveram na condição de subsistentes limitados à criação de reduzido número de animais, e os que extrapolaram essa 221 classificação, chegando à de produtor ou mesmo pecuarista. É essa diferença que a tabela 29 quis apontar entre os que puderam usufruir de mesa farta e os que tiveram que controlar diariamente o acesso à comida. De acordo com reportagem do jornal O Estado de São Paulo, baseada em dados do Instituto de Economia Agrícola (IEA), os preços médios do insumo ao longo do ano de 2005 foram de R$ 53,99 (a arroba do boi gordo), R$ 3,48 (o quilo da carne no atacado) e de R$ 7,31 para o quilo no varejo. A carne para o consumidor teve a menor variação no período (2,1%), enquanto no atacado variou 5,9% e, direto no produtor, teve uma oscilação de 4,6%.258 Tomando esses dados como referência, é possível verificar, por exemplo, que a quantidade de carne que Jacob Diefenthäler poderia ter comprado equivaleria, hoje, a R$ 166.805,93. O valor representado em reais (moeda atual) seria quase suficiente para que a família pudesse ter usufruído de carne durante os 71 anos que Jacob viveu. Se nos 25.915 dias de sua existência tivesse sido consumido, diariamente, um quilo de carne, a família teria desembolsado R$ 189.438,65. Tabela 30: Preço da aguardente Ano 1867 1873 Inventariado/Local Felippe Pedro Schmitt (Três Forquilhas) José Raupp (São Pedro de Alcântara) Total do inventário 13:205$200 Preço da pipa de aguardente 60$000 Quantidade pipas de aguardente que se poderia comprar 220 39:370$670 “ 656 258 Página do Terra, 3/2/6, 7:58h. [Internet]. 222 1879 Guilhermina Voges (Três Forquilhas) 10:841$980 “ 180 1879 Carlos Jacoby (Três Forquilhas) 22:942$000 “ 382 1884 Jacob Voges (Três Forquilhas) 19:562$883 “ 326 1890 Pedro Diefenthäler (São Leopoldo) 13:260$000 “ 221 1891 Jacob Diefenthäler (Taquara) 91:275$500 “ 1521 1895 Carlos Frederico Voges 88:663$353 (Taquari) “ 1477 Preço: 60$000 a pipa. Referência: uma pipa = 700 garrafas de cachaça. Fonte: 1) HÖRMEYER, op. cit., p. 53. 2) Consta no inventário de Jacob Voges, aberto em 1884, o valor de 40$000 para uma pipa de aguardente; cinco anos depois, em 1889, a pipa foi vendida por valores que variaram entre 120$000 e 140$000, conforme Livro de escrituração de conta correntes, op. cit., p. 74-75. Conforme os resultados enviados ao presidente da província pelo relatório de 1858, a exportação de São Leopoldo contabilizou 42 pipas de aguardente, sendo que cada uma custou 150$000, chegando a totalizar 52:251$000. Doze anos após, houve crescimento na produção, com 83 unidades, mas o preço da pipa continuou estacionado em 150$000. Note-se que o LNRS teve supremacia na produção de aguardente, pois somente a Colônia de São Pedro de Alcântara produziu, em 1865, 382 pipas.259 A pipa de aguardente ocupou lugar de destaque no Rio Grande do Sul, do mesmo modo que a farinha de mandioca. Os dois produtos foram de vital importância para a alimentação dos soldados enquanto persistiram as questões cisplatinas. No âmbito da exportação, a aguardente chegou a diversas regiões do país, sendo usada para diferentes fins. Da virada do século XVIII para o século XIX, 223 sobretudo neste século, ambas consolidaram-se como excelente produto de comercialização, principalmente para os colonos do LNRS. Contudo, todos os “exponenciais” referidos na tabela 28 poderiam ter se tornado grandes produtores e exportadores de aguardente. Tabela 31: Preço do vinho Ano Inventariado/Local Total do inventário Preço da garrafa de vinho Quantidade de garrafas de vinho que se poderia comprar 1867 Felippe Pedro Schmitt (Três Forquilhas) 13:205$200 $320 41266 1873 José Raupp 39:370$670 (São Pedro de Alcântara) “ 123033 1879 Guilhermina Voges (Três 10:841$980 Forquilhas) “ 33881 1879 Carlos Jacoby (Três Forquilhas) 22:942$000 “ 71693 1884 Jacob Voges (Três Forquilhas) 19:562$883 “ 61134 1890 Pedro Diefenthäler (São Leopoldo) 13:260$000 “ 41437 1891 Jacob Diefenthäler (Taquara) 91:275$500 “ 285235 1895 Carlos Frederico Voges (Taquari) 88:663$353 “ 277072 Preço: $320 a garrafa. Fonte: 1) CEM anos de germanidade, op. cit., p. 222. De acordo com este fonte, a produção de vinho de 1923 chegou a 61,2 mil toneladas, rendendo 24.480:000$000. Os comentários sobre o preço da garrafa de vinho assemelham-se às considerações realizadas após a tabela 29, na qual se verificou o preço da carne no mundo colonial do século XIX. Desde as primeiras plantações e colheitas, o vinho diferenciou-se da aguardente em função de suas limitações: menor colheita de uva e preço superior da mercadoria. Mesmo que se considerem as variações do produto – 259 PELLANDA, op. cit., p. 62; 64 e 168. 224 de maior e menor qualidade – e dos totais de cada inventário, pode-se presumir que os “exponenciais” usufruíram desta bebida em suas mesas. Moehlecke observou que a fabricação do vinho teria iniciado com a colonização alemã, já em 1825, quando o governo atendeu ao pedido de João Baptista Orsi, o qual havia solicitado terreno para o cultivo de videiras. Anos depois, no relatório de 1854, Hillebrand observou que os colonos fabricavam vinho, que era consumido pelas famílias. Quando havia excedente, as pipas foram comercializadas, como nos anos de 1850 e 1853, cuja exportação foi de 12 e 28 pipas, respectivamente.260 Tabela 32: Preço da mão-de-obra de especialistas na construção de moinhos Ano Inventariado/Local Total do inventário Preço do dia de Quantidade de dias trabalho da de trabalho que se família Mentz poderia contratar 1867 Felippe Pedro Schmitt 13:205$200 (Três Forquilhas) $480 27.510 (75 anos) 1873 José Raupp (São Pedro de Alcântara) 39:370$670 “ 82.022 (224 anos) 1879 Guilhermina Voges (Três Forquilhas) 10:841$980 “ 22.587 (61 anos) 1879 Carlos Jacoby (Três Forquilhas) 22:942$000 “ 47.795 (130 anos) 1884 Jacob Voges (Três Forquilhas) 19:562$883 “ 40.756 (111 anos) 1890 Pedro Diefenthäler (São Leopoldo) 13:260$000 “ 27.625 (75 anos) 1891 Jacob Diefenthäler 91:275$500 “ 190.157 (520 anos) (Taquara) 1895 Carlos Frederico Voges 88:663$353 “ 184.715 (506 anos) (Taquari) Preço: $480 por dia. Referência: 1 vintém = 20 réis; 24 vinténs = 480 réis. Fontes: 1) CEM anos de germanidade, op. cit., p. 245. O organizador de CEM anos de germanidade tomou, a título de ilustração, o custo da mão-de-obra cobrado por membros da família Mentz, especializados na construção de moinhos, de Hamburgo Velho, em 1856. Eles trabalhavam por 24 vinténs ao dia. 2) HÖRMEYER, op. cit., p. 52. 260 MOEHLECKE, Germano Oscar. O Vale do Sinos era assim. São Leopoldo: Rotermund, 1978, p. 109-111. 225 Tabela 33: Preço da mão-de-obra de construtor de pontes (mestre de obra) Ano Inventariado/Local Total do inventário Preço do dia de trabalho de um mestre de obras Quantidade de dias de trabalho que se poderia contratar 1867 Felippe Pedro Schmitt (Três Forquilhas) 13:205$200 3$000 4401 (12 anos) 1873 José Raupp (São Pedro de Alcântara) 39:370$670 “ 13123 (35 anos) 1879 Guilhermina Voges (Três 10:841$980 Forquilhas) “ 3613 (9 anos) 1879 Carlos Jacoby (Três Forquilhas) 22:942$000 “ 7647 (20 anos) 1884 Jacob Voges (Três Forquilhas) 19:562$883 “ 6520 (17 anos) 1890 Pedro Diefenthäler (São Leopoldo) 13:260$000 “ 4420 (12 anos) 1891 Jacob Diefenthäler (Taquara) 91:275$500 “ 30425 (83 anos) 1895 Carlos Frederico Voges 88:663$353 (Taquari) “ 29554 (80 anos) Preço: 3$000 por dia. Fonte: 1) CEM anos de germanidade, op. cit., p. 276. O exemplo usado pelo organizador da obra referese à construção da ponte de pedra sobre o arroio Feitoria, na Picada 48, de 1857 a 1866, sob os cuidados do pedreiro Sauter. Os demais pedreiros recebiam 2$000 e os serventes 1$000. Os Capítulos III e IV, que tratam do crescimento econômico e dos investimentos dos colonos “exponenciais”, trouxeram à luz os diversos setores para os quais essas famílias se dedicaram. Ficou demonstrado, de maneira inequívoca, que esses colonos transpuseram o abismo que separa a subsistência da condição de investidor. Comércio, engenhocas, terras, pecuária, estrada de ferro, entre outras, foram atividades que estiveram na mira e ao alcance destes homens. No entanto, a estrutura montada por eles não se fez sozinha; precisou ser construída e reformada constantemente. Os exemplos compilados nas tabelas 32 e 33 abordam a construção de moinhos e de pontes, obras essenciais em áreas de colonização. O moinho está demonstrando, neste caso, que o agricultor ultrapassou o primeiro 226 estágio da sua vida profissional: plantar, colher e armazenar; e a ponte, abertura, conservação e aprimoramento dos caminhos que serviram para o deslocamento das mercadorias. Pode-se afirmar com precisão que as Colônias não teriam se desenvolvido sem a presença de atafonas, engenhos e moinhos. Do mesmo modo, não adiantaria produzir nessas engenhocas excedentes destinados à comercialização, se não houvesse meios de transportá-los. Portanto, profissionais especializados nessas áreas – e em tantas outras – precisavam ser contratados periodicamente. A possibilidade de poder usufruir desses serviços colaborou para que colonos “exponenciais” firmassem sua posição de dianteira frente àqueles que necessitavam de seus préstimos. Tabela 34: Preço da mão-de-obra de serviços pedagógicos e/ou administrativoburocráticos Ano Inventariado/Local Total do inventário 1867 1873 1879 1879 1884 1890 1891 Felippe Pedro Schmitt (Três Forquilhas) José Raupp (São Pedro de Alcântara) Guilhermina Voges (Três Forquilhas) Carlos Jacoby (Três Forquilhas) Jacob Voges (Três Forquilhas) Pedro Diefenthäler (São Leopoldo) Jacob Diefenthäler (Taquara) 13:205$200 39:370$670 10:841$980 22:942$000 19:562$883 13:260$000 91:275$500 1895 Carlos Frederico Voges (Taquari) 88:663$353 Preço: 600$000 ao ano (50$000 ao mês). Salário de um ano de professor ou inspetor 600$000 “ “ “ “ “ “ “ Quantidade de dias de trabalho que se poderia contratar (em anos) 22 65 18 38 32 22 152 147 227 Referência: professor em Conceição do Arroio, no ano de 1844, 600$000; professor em Vacaria e Santo Antônio da Patrulha, 1845, 400$000; juiz municipal e de órfãos em Santo Antônio da Patrulha, 1845, 400$000; pastor titular em São Leopoldo, 1826, 400$000; inspetor da colônia de São Leopoldo, 1826, 600$000. Fontes: 1) Arquivo Histórico de Santo Antônio da Patrulha – Câmara de vereadores – Livro 3 – páginas 11/verso e 12, 13, 13/verso e 14, 14/verso, 15, 15/verso e 16, 17, 17/verso e 18; 2) Revista do APERS, n.15-16, set./dez. 1924, p. 169. Apesar de a tabela 34 listar diversos profissionais, como professor, juiz, pastor e inspetor, a análise desses dados ficará restrita à figura do professor. A historiografia clássica da imigração alemã vinculou corretamente a imagem das Colônias ao apego à escola e à igreja. De fato, as áreas de colonização foram marcadas pela preocupação com a educação, primeiramente oferecida por membros da própria comunidade e/ou por professores contratados; num segundo momento, a educação foi disponibilizada pela província e posterior estado na forma de escolas públicas. Sem entrar no mérito desta discussão – escolas comunitárias versus escolas públicas –, inúmeras famílias depositaram na educação a esperança de que seus filhos trilhassem caminhos superiores aos dos seus pais. Jacoby, Tietböhl e Voges, por exemplo, enviaram seus filhos a Porto Alegre e São Leopoldo para estudar em outras escolas. Segundo Müller, Carlos Jacoby estudou em São Leopoldo; de acordo com Ely, Leopoldo Tietböhl formou-se na Escola Normal de Porto Alegre, em 1896; conforme os registros paroquiais da comunidade protestante de São Leopoldo, Catarina Frederica, filha do pastor Voges, estudou em São Leopoldo.261 Quanto a Pedro e Jacob Diefenthäler, não se tem conhecimento de como trataram os assuntos relacionados à educação. Porém, tomando como parâmetro a atitude de outras famílias, é muito provável que seus filhos tenham estudado e 228 freqüentado boas escolas. É lícito pensar que os filhos dessas famílias tenham tido acesso a professores particulares, tanto para reforço quanto para aprimorar seus conhecimentos. Educação, para os “exponenciais”, era vista como uma ferramenta que permitiria aos futuros herdeiros consolidarem-se no cargo ou empreendimento pensado ou iniciado pela sua família. Após se tentar mensurar quanto um colono “exponencial” poderia adquirir ou contratar com o valor total do seu inventário, falta responder a uma última pergunta: os contos de réis mencionados em cada documento, equivalem, hoje, a quantos reais? Tomando três inventários como parâmetro – Felippe Pedro Schmitt (13:205$200), Jacob Diefenthäler (91:275$500) e Carlos Frederico Voges (88:663$353) –, chegou-se aos seguintes números: Schmitt, cujo inventário data de 1867, teria acumulado a fortuna de R$ 272.309,33; Diefenthäler, de 1891, R$ 1.567.009,70 e Voges, de 1895, R$ 1.073.379,00262. O caminho espinhoso para se chegar a tais resultados exigiu que o total dos valores fosse convertido em libra esterlina da época dos inventários, com posterior deflação, que se atualizasse novamente esta moeda, para, finalmente, ser transformado em reais. Comparando o resultado destes cálculos com o preço atual da terra (vide Tabela 22), pode-se inferir que a atualização da moeda réis produziu valores razoáveis. Isso significa que, para os dias atuais, Jacob Diefenthäler e Carlos Frederico Voges teriam acumulado, no mínimo, o total resultante da conversão dos réis para reais. No caso de Felippe Pedro Schmitt, além de não ter tido um comércio que se destacasse como o dos 261 MÜLLER, op. cit., 1992; p. 136; ELY; BARROSO, op. cit., 1996; p. 10 e CD-ROM do NETB, op. cit. 262 Cotação da libra esterlina conforme disponível em: , de 21/9/7. Valor para compra: R$ 3,80; valor para venda: R$ 4,15. Os valores atualizados em libra de cada inventário foram multiplicados pelo valor da libra esterlina para compra, R$ 3,80. Inventário de Felippe Pedro Schmitt, 71.660,35 libras x R$ 3,80 = R$ 272.309,33; de Jacob Diefenthäler, 229 outros dois, sua morte mais ou menos trinta anos antes do que a deles interrompeu um fluxo de crescimento que, talvez, poderia ter equiparado o montante dos seus bens aos inventários de Diefenthäler e Voges, aqui analisados. Este último exercício – o de atualizar a moeda réis – mostrou-se tão difícil e cansativo, que vale a pena historiá-lo. Se por um lado foi possível encontrar o material produzido pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)263 na Fundação de Economia e Estatística (FEE), por outro, aquelas tabelas pareciam totalmente incompreensíveis. A solução para o impasse foi buscar ajuda, especialmente com historiadores que já tivessem usado e compreendido o que as estatísticas insistiam em dizer, e com pesquisadores da área da economia. Outra dificuldade foi a de transpor os cálculos para o papel: como tornar compreensível para o leitor algo que para o autor não era muito claro? Os esforços, parciais e longe de serem satisfatórios, talvez auxiliem para que no futuro outros se animem e dêem continuidade a essa tentativa de mensuração de riqueza.264 412.370,99 libras x R$ 3,80 = R$ 1.567.009,70; de Carlos Frederico Voges, 282.468,17 libras x R$ 3,80 = R$ 1.073.379,00. 263 Séries estatísticas retropesctivas. Rio de Janeiro: IBGE, 1986. v.1. (Separata do Repertório estatístico do Brasil, ano v; 1939/1940). 264 Conforme instruções do historiador Paulo Zarth, o uso das tabelas do IBGE exigem o emprego da seguinte fórmula: Valor em réis (VR) x valor da libra em réis do ano (VL), dividir por 1000 (réis) = valor do produto em libra (VPL); VR x VL ÷ 1000 = X. Como 2º passo, os cálculos exigem que o Valor do produto em libra (VPL) seja multiplicado por 1000 (réis) e, depois, dividido pelo valor da libra em réis do ano base (VLAB); VPL x 1000 ÷ VLBA = X (X é o preço deflacionado). A segunda parte dessa tentativa de mensuração teve como colaboradores Nilza Huyer Ely, Pedro Huyer Ely e Tomás Eduardo Huyer, historiadora, matemático e empresário, respectivamente, os quais me auxiliaram nos cálculos e me apresentaram o site . Através do site, é possível fazer a atualização da libra, optando por um dos critérios econômicos. Nesse caso, usou-se o indexador “valor de mercadoria” para estabelecer equivalência entre a libra esterlina do século XIX e a atual. Agradeço aos historiadores Nilza Huyer Ely, Paulo Zarth e Rosane Neumann (esta última quase suplicou para que seu ex-professor Zarth vasculhasse suas gavetas e achasse as instruções de como usar as tabelas do IBGE), bem como a Pedro Huyer Ely e Tomás Eduardo Huyer pela cooperação infindável. 230 A confecção de todas essas tabelas esteve vinculada à tentativa de mensuração da riqueza dos colonos. O questionamento central deste texto – quanto um colono poderia ter comprado ou contratado com o montante acumulado ao longo de sua vida – possibilitou certa aproximação com o mundo econômico das famílias que tiveram seus inventários esmiuçados. A realidade vivenciada pelos núcleos Diefenthäler-Voges, Jacoby, Raupp e Schmitt, obtida após a leitura e análise da documentação pós-morte, demonstrou que, de fato, eles estiveram num patamar que os distinguiu da maioria dos colonos. Por outro lado, a tentativa de mensurar a riqueza dos colonos ampliou horizontes e consolidou a idéia de um mundo colonial homogêneo, se forem tomados como referência as expectativas e os anseios desses “exponenciais”. Para eles, não havia limites geo-políticos quando um investimento lhes parecia convidativo. Jacob Diefenthäler voltou seus interesses para a colonização particular do Mundo Novo; Carlos Frederico Voges adquiriu lotes coloniais em Lajeado; José Raupp transpôs o rio Mampituba e comprou terras na província de Santa Catarina; Adolpho Voges tornou-se fazendeiro nos Campos de Cima da Serra, ao ampliar a fazenda que havia pertencido a Carlos Jacoby, apenas para citar alguns exemplos. O exercício árido que consistiu na aproximação e posterior análise de dados numéricos/estatísticos colaborou para ratificar a tese de que o universo colonial do Rio Grande do Sul só pode ser melhor captado na sua íntegra se houver rastreamento dos investimentos econômicos, políticos e sociais das famílias. Desse modo, as características consideradas depreciativas em virtude de diferenças inerentes a cada grupo e Colônia cedem lugar a uma lógica de sobrevivência/crescimento/enriquecimento que passou não somente pelo viés 231 econômico. As conquistas dos bens materiais estiveram estreitamente relacionadas à inserção política e social, tudo isso imbricado e conscientemente arquitetado pelas famílias “exponenciais”. O próximo Capítulo será dedicado à análise dos estabelecimentos comerciais – as vendas –, loci onde a economia, a política e o social melhor conviveram. PARTE III – INTERESSES CERTEIROS II: PREFERÊNCIAS ECONÔMICAS CAPÍTULO V – LOCUS COLONIAL PRIVILEGIADO: A VENDA A ‘casa de negócios’ mantém-se imune a todos os perigos. E ao pequeno e gordo vendista da Picada Isabelle o tempo parece apropriado para fazer um negócio.265 O colono Ignácio Rasch, que como tem uma venda e algumas patacas todos se ligam a ele, e por isso se vai fazendo de dia em dia mais atrevido, sem respeitar a lei e nem pessoa alguma.266 Os capítulos anteriores demonstraram que praticamente todos os “exponenciais” investigados neste trabalho tiveram alguma ligação com as vendas. Este modelo de estabelecimento comercial, mais tipicamente chamado de venda, existiu no mundo colonial até recentemente e reunia em seu interior diversos tipos de mercadorias.267 De acordo com Lucildo Ahlert, os colonizadores, ao tomarem posse de sua propriedade, tiveram que se preocupar desde logo com a necessidade de produzir excedentes para 265 ROTERMUND, op. cit., p. 11. 266 Relatório do inspetor da Colônia de São Leopoldo, José Thomaz de Lima, 1829 apud Amado, op. cit., p. 67, nota 12. 267 Vide nota n.221 do Capítulo III, sobre a venda de Gelson Trisch Werb e Odete Klein Werb, em Itati/RS. 233 serem vendidos, pois precisavam de recursos para pagar as dívidas contraídas com a compra das terras. Assim, surgiram em todas as localidades as ‘vendas’, onde ocorria a comercialização desses excedentes, em forma de troca de produtos da agropecuária por mantimentos e vestuário. Os agricultores levavam à ‘venda’ ovos, galinhas, manteiga, banha e em troca traziam tecidos, sal, açúcar e outros produtos não existentes na propriedade. Os valores da venda e da compra eram registrados em uma caderneta, e o saldo ficava depositado, como uma espécie de banco, no comerciante, sendo disponibilizado pelo mesmo em espécie quando surgia a necessidade do produtor. Além de uma prosa, a ‘venda’ também era um local ideal para tomar uma cachacinha e fazer um jogo de cartas.268 Visão complementar à de Ahlert é oferecida por Angela Sperb, cujo olhar perspicaz em relação ao vendeiro denuncia que a venda... era o lugar onde [se] ficava sabendo [de] todas as novidades, desde políticas até religiosas, onde seguramente também se faziam mexericos da vida dos vizinhos e se realizavam negócios e transações entre freqüentadores... Sem nenhuma dúvida era o vendeiro a pessoa mais bem informada de toda a região e também aquele que de uma certa forma podia decidir sobre os destinos de um grande grupo de pessoas. Era ele que estabelecia as regras nas transações comerciais com os colonos. Era ele que direta ou indiretamente se comunicava com São Leopoldo e Porto Alegre e de lá trazia toda a sorte de novidades. O vendeiro sabia de tudo e de todos. O estar bem informado, acrescido do controle econômico que exercia, faziam-no um sujeito de prestígio e poderoso na povoação. Prestígio que de uma certa forma o próprio Código Comercial do Império lhe proporcionava. Poder, sobretudo econômico, que lhe advinha através do controle da atividade comercial que lhe revertia na forma de concentração de riqueza.269 Para dar início a esta análise, é preciso voltar ao início do processo imigratório, investigando a atuação econômica de Jacob Diefenthäler, sogro de Voges. Hunsche talvez tenha sido um dos primeiros a mencionar a atividade a qual o 268 AHLERT, Lucildo. A colonização privada no Vale do Taquari em meados do século XIX e a vinda de westfalianos para a Colônia Teutônia. In: ARENDT; WITT, op. cit., 2005; p. 77-87; p. 85. [grifado no original]. 269 SPERB, Angela. O inventário de João Pedro Schmitt. In: Anais do IV simpósio de história da imigração e colonização alemã no Rio Grande do Sul. São Leopoldo, 1987, p. 17-44; p. 17-18. 234 imigrante se dedicou: “era... vendeiro na Costa da Serra”.270 Depois dele, esta afirmação foi repetida diversas vezes, sem que houvesse aprofundamento ou novas pesquisas sobre a atuação dos Diefenthäler no ramo comercial. Müller salientou que “Voges procurou reforçar suas finanças através de serviços pastorais em Dois Irmãos, Ivoti e redondezas, além de um envolvimento em atividades comerciais ao lado do padrasto de sua esposa”, enquanto Roberto Heberle repetiu os dados genealógicos encontrados em Hunsche.271 As duas obras – de Müller e Heberle – têm caráter genealógico, uma vez que deram primazia a nomes, datas e acontecimentos de membros de suas famílias. O primeiro é casado com uma descendente do pastor Voges, enquanto o segundo descende dos Diefenthäler. Assim sendo, estranha-se o fato de que os autores não tenham buscado novas fontes que pudessem explicar o enriquecimento de suas parentelas a partir do suposto envolvimento com a atividade comercial e tenham se limitado a repetir o texto de Hunsche. Sem haver maiores informações nas fontes bibliográficas, passei a buscar outros documentos que, de alguma forma, contribuíssem para elucidar o crescimento econômico dos Diefenthäler-Voges. Como havia trabalhado com inventários em outras ocasiões, foi a eles que me dediquei por primeiro. Talvez essa documentação descrevesse a riqueza acumulada durante a vida do inventariado: suas terras, seus escravos, animais e, quiçá, as mercadorias e os valores transacionados na venda. Se houve frustração por não conseguir localizar o inventário de Jacob Diefenthäler, sogro de Voges, falecido em 1841, os documentos pós-morte dos futuros descendentes trouxeram à luz o universo dinâmico das 270 HUNSCHE, op. cit., 1977; p. 429. 235 vendas. Desta forma, será contemplada neste texto a atuação de diversos membros da parentela Diefenthäler-Voges que se dedicaram ao comércio em São Leopoldo, Três Forquilhas e Taquari. Soma-se a eles o vendeiro José Raupp, de São Pedro de Alcântara, colono “exponencial” da região de Torres. A venda de Jacob Diefenthäler Afinal, o sogro de Voges foi vendeiro na Costa da Serra? Antes de mais nada, é preciso verificar o que havia de especial neste espaço. A Costa da Serra compreendia uma vasta região, além do núcleo central da Colônia de São Leopoldo. Era local privilegiado por ser um entroncamento; dali partiam diversos caminhos que levavam a diferentes pontos do mundo colonial, expandido a partir de São Leopoldo. De acordo com Rotermund, foi somente por volta de 1830 que Johann Peter Schmitt... ousou subir da planície para a elevação agora designada de Hamburgerberg [Costa da Serra] e ali construir uma casa de comércio. O local era apropriado para tanto, pois do Cahy vinha um caminho, beirando a floresta, muito utilizado pelos habitantes do Cahy superior e da Serra.272 Portanto, a Costa da Serra havia se constituído num excelente espaço para abertura e fixação de uma venda. Pode-se dizer, sem medo de errar, que um colono com tino comercial desejaria ter ali uma casa de negócios. Sperb trabalhou o inventário de um desses colonos que considerou a Costa da Serra um excelente espaço para abrir uma venda. A fortuna de João Pedro Schmitt, em 1868, chegou aos 85:005$510, distribuída entre estabelecimento comercial, empréstimo, casas, terras, plantel de dez escravos e animais para criação 271 MÜLLER, op. cit., 1992; p. 34; HEBERLE, Roberto Dillenburg. Os Diefenthaeler no Brasil. 1977, p. 11. [Manuscrito]. 236 e auxílio no transporte de mercadorias. A dimensão dos negócios de Schmitt se equipara à dos “exponenciais” analisados neste trabalho, sobretudo a diversificação dos investimentos e a opção de ter a venda como suporte econômico. Neste caso específico, o comércio de Schmitt serve como parâmetro e indicador de que a Costa da Serra era, de fato, um ponto comercial que se destacou no cenário colonial expandido a partir de São Leopoldo. Afora algumas tabelas comparativas, nas quais organizou os dados sobre os animais e as propriedades de Schmitt, a autora disponibilizou a “relação das mercadorias” que foram arroladas no inventário. Essa listagem servirá como subsídio para que no final deste capítulo se possa comparar as vendas pontuadas em São Leopoldo e arredores, Taquari e LNRS.273 No que se refere à venda de Jacob Diefenthäler, supostamente localizada na Costa da Serra, a primeira dificuldade a ser enfrentada foi localizar a moradia do casal. As fontes não precisavam o local onde os imigrantes haviam se fixado e muito menos se, de fato, haviam tido uma venda. No capítulo anterior, foi analisada a escritura de compra e venda na qual Elizabeth Diefenthäler, sogra do pastor Voges, vendeu a um de seus filhos – Jacob – parte da colônia onde residia. O dado mais significativo deste documento é justamente a localização das terras: elas se encontravam na Costa da Serra. Resolvido este enigma, faltava encontrar algo mais contundente que reforçasse a idéia de que essa família havia tido uma casa comercial. Afora a riqueza demonstrada no inventário de Jacob Diefenthäler, cunhado de Voges, talvez alicerçada na atividade comercial da família, as duas 272 ROTERMUND, op. cit., p. 239. 273 SPERB, op. cit., p. 17-44. É preciso explicar ao leitor que o comerciante João Pedro Schmitt, analisado por Sperb, não é o investidor imobiliário João Schmitt, sócio de Jacob Diefenthäler e de Tristão José Monteiro, fundador do Mundo Novo. Segundo a historiadora Dóris Magalhães, há ainda um terceiro Schmitt, tão rico e destacado socialmente quanto estes dois. Em entrevista via telefone (28/5/6), a historiadora gentilmente esclareceu-me essa dúvida. 237 referências que reforçam a ligação dos Diefenthäler com a posse de uma venda encontra-se no livro de Herta Patro. Segundo a autora, “em 1851, sob a direção do vendedor Phillip Diefenthäler, a velha igreja de madeira no meio do atual cemitério Evangélico foi substituída por uma de alvenaria”. Talvez a autora tenha retirado essa informação de Rotermund, o qual escreveu: “Pouco tempo depois, também se fez necessária a renovação da igreja da Estância, e deu-se início, em 1851, especialmente às instâncias do comerciante Philipp Diefenthäler, à construção de uma igreja de alvenaria”.274 No final de seu livro, Patro identificou diversos profissionais que atuaram na região de Bom Jardim, no ano de 1882. No item “vendas” consta o nome de Adam Diefenthäler, provavelmente neto de Jacob. No capítulo que trata das relações de parentesco, foi esmiuçada a genealogia da família e salientado que o cunhado de Voges, Jacob, perdeu o filho homônimo em 1876, ficando responsável pelos netos, dentre os quais havia um que se chamava Adam. Como a família tinha estreitas ligações com Bom Jardim, é bastante provável que o vendeiro Adam seja o neto de Jacob. Essa afirmação ganha força quando se constata que o vendeiro que auxiliou na construção da nova igreja é cunhado de Voges, portanto irmão de Jacob, o qual também é identificado por Patro como proprietário de alambique. Por outro lado, mesmo que essas vendas – de Phillip e Adam – não procedam da venda original do imigrante Jacob Diefenthäler, o fato de terem se dedicado a essa atividade os coloca no mesmo patamar dos outros vendeiros que serão analisados neste texto.275 No entanto, há um componente a mais na história familiar deste núcleo que parece reforçar a tese de que as vendas de Phillip e Adam tenham ligação com a 274 ROTERMUND, op. cit., p. 245. [grifo nosso]. 238 principal atividade do casal imigrante. Adam também é neto de Phillip, pois os filhos dos dois irmãos – Phillip e Jacob –, os primos Bertha e Jacob, respectivamente, se casarão e serão os futuros pais de Adam. Trata-se, portanto, de um acerto entre parentes, de casamento pensado e arquitetado com o intuito de garantir a indivisão dos bens e o controle do capital simbólico que o sobrenome Diefenthäler representava na região. Em inúmeros outros casamentos, as famílias valeram-se dessa artimanha para garantir maior controle sobre o destino econômico-políticosocial da parentela. Neste caso, tornou-se evidente que os irmãos “exponenciais” arranjaram o compromisso matrimonial dos filhos com a finalidade de dar prosseguimento ao projeto de inserção social da família.276 A precisão do local em que os Diefenthäler moraram e a necessidade de se elucidar a que profissão o casal imigrante se dedicou também foram resolvidas com saídas de campo que resultaram em visitas a cemitérios. A publicação de Heberle colaborou nesse sentido, ao indicar o cemitério, a quadra e a rua em que membros da família Diefenthäler estavam sepultados. De fato, as informações disponibilizadas pelo autor levaram aos túmulos intactos de Jacob, de 1891, e de seu filho homônimo, falecido em 1876. O túmulo de Peter, irmão de Jacob, de 1890, encontra-se quebrado na parte de cima, porém, os dados genealógicos ficaram 275 Ver: PATRO, Herta Sporket. Ivoti: um pontinho no mapa. p. 30; 72-73. [s/cidade, editora e ano]. [grifo nosso]. 276 Além do casamento de Jakob com a prima Bertha Diefenthäler, os pais dos noivos realizaram a união de mais um casal de filhos: Ver: “Jakob Diefenthäler, daqui, 22 anos, filho de Jakob Diefenthäler e Elisabeth Schmitt, cc Bertha Diefenthäler, daqui, 18 anos, filha de Philipp Diefenthäler e Katharine Muller. Padrinhos: Adam Bender, Emilie Lauer. 29 de abril de 1871”, p. 155; “Karl Diefenthäler, daqui, 25 anos, filho de Philipp Diefenthäler e Katharine Muller, cc Elisabeth Diefenthäler, daqui, 19 anos, filha de Jakob Diefenthäler e Elisabeth Schmitt. Padrinhos: Karl Diefenthäler, Karl Matzenbacher. 22 de outubro de 1870”, p.154-155. Cf. Livro de registros I da comunidade evangélica de Hamburgo Velho (1845-1886). 239 legíveis. Todos eles (e outros parentes) estão sepultados no cemitério evangélico de Hamburgo Velho, Novo Hamburgo, antes chamado de Costa da Serra.277 O inventário de Jacob Diefenthäler já foi suficientemente esmiuçado nos capítulos anteriores. Não cabe aqui repetir a quais atividades se dedicou, principalmente porque não há menção específica à venda. Por outro lado, a relação de devedores deixou dúvidas quanto à sua origem. Os montantes teriam procedência na venda das terras de Santa Christina do Pinhal e de Taquara? Ou estariam relacionados com atividade comercial? Como as possíveis respostas apontam para várias direções, pode-se pensar que os devedores estivessem relacionados às múltiplas atividades desenvolvidas pela família em solo brasileiro. A partir da venda na Costa da Serra, os Diefenthäler estenderam seus tentáculos e se ocuparam dos mais variados ofícios, desde os ligados à agricultura/pecuária, passando pela transação imobiliária, até a abertura e consolidação das vendas. A venda do pastor Voges O inventário de Carlos Leopoldo Voges também não foi localizado. É muito provável que tivesse dividido a maior parte do seu patrimônio antes de sua morte, em 1893, usando do subterfúgio de centralizar a maior parte dos bens na figura de um único herdeiro, em especial, o filho Adolpho Fellipe. Essa idéia é reforçada pelo inventário de Carlos Frederico Voges, filho do pastor, morador e comerciante em Taquari, falecido em 1895, portanto, dois anos após a morte de seu pai, no qual inexiste qualquer referência à herança recebida no LNRS. 277 HEBERLE, op. cit., p. 79; 75; 24. Localização no cemitério evangélico de Hamburgo Velho (na cidade de Novo Hamburgo/RS): quadra A, fila 9, número 478 e 479 (Jacob); quadra A, fila 8, número 426 (Jacob Filho); quadra A, fila 6, número 288 e 289 (Peter). 240 Figura 11: Casa de Carlos Leopoldo Voges na Colônia de Três Forquilhas (século XIX) Fonte: Arquivo pessoal de Nilza Huyer Ely Não se tendo o arrolamento dos bens, uma vez que o inventário não pôde ser investigado, a localização da venda de Voges percorreu outros caminhos. Diferentemente do que aconteceu com seu sogro, Jacob Diefenthäler, o estabelecimento comercial de Voges, em Três Forquilhas, transparece de forma mais nítida em diversas fontes. O fato de ser pastor levou a que futuros colegas de profissão o execrassem devido à imoralidade de vender cachaça antes e depois dos cultos. No Capítulo I, em que se abordou a disputa pastoral entre Ehlers, Klingelhoeffer e Voges, foram analisados alguns documentos nos quais pronunciamentos de pastores não deixam dúvida de que Voges fora comerciante no LNRS. Afora a documentação produzida pelos eclesiásticos, Müller apresentou planta baixa da casa de Voges, onde se pode ver o espaço destinado ao 241 comércio.278 Pela estrutura que Voges conseguiu montar ao longo do século XIX, percebe-se que a casa era local de chegada e saída, de pouso para os viajantes, de referência para quem desejasse ou precisasse saber das novidades que “vinham de fora”. Associada a isso, estava a navegação lacustre, a qual tinha como ponto de partida o rio Três Forquilhas. O transporte de mercadorias via lagoas constituiu-se num prolongamento das atividades comerciais mantidas por Voges em seu sobrado, estendendo-se a São Leopoldo e Porto Alegre. Pela sua dimensão, a navegação pelas lagoas do LNRS será abordada no Capítulo VI. Na planta baixa desenhada por Müller, está delimitado o local da senzala. Mesmo que seja difícil rastrear a origem dos escravos de Voges, em algumas situações esse dado transparece. No 3º livro de notas do distrito de Maquiné foi lavrada uma escritura “aos 20 dias do mês de julho de 1864”, na qual ficou registrado que Voges recebeu de Jorge Pessoa da Silva duas escravas como hipoteca, no valor de 4:325$380, “proveniente de gêneros que o dito Sr. Jorge Pessoa da Silva lhe comprou”. O documento tem, no mínimo, duplo valor histórico: liga-se tanto à história da escravidão quanto à da imigração; ou, às duas, caso se queira analisar o uso de mão-de-obra cativa por colonos alemães. No entanto, a escritura de hipoteca foi inserida neste texto para auxiliar na comprovação de que Voges fora comerciante, com certeza, até 1864, e que os negócios foram vultosos, pois o montante chegou a mais de quatro contos de réis. As escravas hipotecadas 278 MÜLLER, op. cit., 1992; p. 107. 242 chamavam-se “Juliana, [com] 17 anos mais ou menos, e Ruffina, [com] 14 anos mais ou menos”.279 Por possuir escravos, é bastante provável que as lavouras do colono Carlos Leopoldo Voges fossem extensas e produzissem volume considerável de culturas. Partindo da hipótese de que alguns comerciantes mantinham-se na função de agricultores, Helen Osório permite outra análise da venda do pastor Voges. Conforme a autora, Voges se enquadraria na figura do “comerciante-agricultor”, pois dedica[m]-se simultaneamente ao exercício do comércio, possuindo estoques e armazéns, e mais à agricultura do que à pecuária. Vários produzem trigo e farinha de mandioca, possuindo atafonas e fornos... É de supor que beneficiassem, além do seu próprio trigo e mandioca, a produção dos pequenos lavradores circundantes que não tinham condições econômicas de serem proprietários de atafonas, atuando como moleiros e comercializadores intermediários desta produção.280 Apesar de Osório analisar a relação dos negociantes rio-grandenses com os do Rio de Janeiro no final do século XVIII, aproprio-me de suas conclusões para aprofundar o debate sobre a importância das vendas para o cenário colonial do século XIX. Outro aspecto destacado em seu texto diz respeito ao “matrimônio”, uma vez que foi constatado que a maioria dos negociantes rio-grandenses era casada. A autora ressalta isso em seu texto em diversos momentos, alertando para a relevância dos acordos estabelecidos via matrimônio, muitas vezes, fator de mobilidade social, o que foi demonstrado no Capítulo II. 279 APERS – 3º livro de notas do distrito de Maquiné – Conceição do Arroio. Tramontini listou diversos nomes de colonos alemães de São Leopoldo que, comprovadamente, possuíram escravos em suas propriedades, quer urbanas como rurais. Ver: TRAMONTINI, op. cit., 2000; p. 369-370. 280 OSÓRIO, Helen. Comerciantes do Rio Grande de São Pedro: formação, recrutamento e negócios de um grupo mercantil da América Portuguesa. In: Revista Brasileira de História. São Paulo: Anpuh/Humanitas Publicações, v.20, n.39, p. 99-134, 2000, p. 118. 243 A venda de Adolpho Felippe Voges e Carlos Frederico Voges Sobrinho A transmissão da venda de Carlos Leopoldo Voges para seu filho Adolpho Fellipe permanece nebulosa. Praticamente não foram encontradas fontes que permitam investigar como se deu essa transação. Uma das poucas referências que se tem é a localização das casas de pai e filho, as quais ficavam uma em frente à outra, em lugar elevado, tendo, entre elas, a estrada que ligava a Colônia. Se de fato a venda do pastor passou para as mãos de seu filho Adolpho, a proximidade das casas deve ter contribuído para a permanência dos fregueses e a continuidade dos negócios. Bastava atravessar a estrada. No entanto, por tudo que foi verificado até agora, é possível, no mínimo, constatar que o pastor privilegiou este herdeiro. Conforme Müller, Adolfo Felipe Voges assumiu as atividades comerciais de seu pai, pastor. Nos últimos 20 anos de pastorado, portanto, C. L. Voges não foi mais comerciante. Consta que nesta época Adolfo Felipe Voges possuía a maior casa comercial de Três Forquilhas. Ele ampliara os negócios do pai e, ao casar com “Felisbina Schmitt”, passou a contar com grandes recursos, pois a viúva era muito rica.281 Apesar de datar o momento em que o pastor transmitiu o comércio para seu filho Adolpho, Müller não foi adiante em suas investigações. A leitura do inventário de Jacob Voges, filho mais novo do pastor, lhe teria indicado que em 1884, portanto dois anos antes, Adolpho Felippe, quando assumiu o cargo de tutor dos sobrinhos, foi classificado pela autoridade competente como “profissão do comércio”. Além de breves comentários, o autor dispensou aspectos importantes como a união de Adolpho com a viúva Felisbina Schmitt Jacoby, sem questionar os porquês deste casamento e o que ele representava para as famílias envolvidas. Por outro lado, a viuvez de Adolpho assegurou para a posteridade algumas informações sobre sua 244 atividade comercial. Embora lacônico, o inventário de sua primeira esposa, Guilhermina Voges, trouxe dados complementares sobre a venda que o casal possuía na Colônia. Ao contrário do que se esperava, não há nenhuma descrição dos produtos e das mercadorias que estavam à disposição dos fregueses. Ao invés disso, listaram os nomes dos devedores que tinham alguma dívida com o vendeiro. Essa relação de nomes pode ter duas origens: a venda ou o empréstimo de dinheiro, havendo a possibilidade de fusão entre as duas situações, isto é, os mesmos fregueses que compravam no estabelecimento comercial também contraíam empréstimos. Sobre a comprovação da existência da venda, Müller reproduziu um documento da câmara municipal de Conceição do Arroio, de 1886, no qual se pode ler: Pagou o Sr. Adolfo Filipe Voges a quantia de Rs. 60:600 de imposto... sendo 40:400 de imposto e 20:200 de multa, da lei do orçamento municipal do corrente exercício, correspondente a sua casa de negócio, de 1º de janeiro a 21 de dezembro de 1886. Vila da Conceição do Arroio, 12 de junho de 1886.282 Pelo conteúdo da citação, Adolpho, em 1886, enquadrava-se na categoria de negociante. O fato de pagar “20:200” de multa sugere que houve algum empecilho para que o vendeiro cumprisse com suas obrigações junto às autoridades competentes. De igual modo, Müller reproduziu o mesmo tipo de documento da câmara municipal de Conceição do Arroio, datado de 22 de fevereiro de 1886, no qual se pode ler que Carlos Frederico Voges Sobrinho pagou o imposto de “Rs. 12:200” correspondente a “seis pipas com aguardente”.283 281 MÜLLER, op. cit., 1992; p. 108. 282 MÜLLER, op. cit., 1992, p. 108. O documento foi reproduzido por Müller na sua forma original (escrito à mão). [grifo nosso]. 283 MÜLLER, op. cit., 1992; p. 117. O documento foi reproduzido por Müller na sua forma original (escrito à mão). 245 O documento que se refere a Carlos Frederico Voges Sobrinho permite algumas leituras. Em primeiro lugar, classifica o filho de Adolpho como negociante, uma vez que pagou impostos sobre a pipa de aguardente, comprovando que a família comprava e/ou vendia essa mercadoria. Mais relevante do que isso, é a comprovação de que pai e filho desenvolviam atividades comerciais, aparentemente juntos, o que fica demonstrado pelo ano em que pagaram impostos: ambos em 1886. De acordo com Müller, “em 1886 Carlos Frederico Voges Sobrinho iniciou sua atividade comercial, assumindo posteriormente (1900) também o estoque e comércio do seu pai Adolfo Felipe”.284 Quanto a essas datas, o autor não mencionou suas fontes. O que se sabe, através da tradição oral, é que Carlos Frederico Voges Sobrinho foi vendeiro e transmitiu o negócio para seu filho, Adolfo, batizado com o mesmo nome do avô, Adolpho Felippe. O inventário de Felisbina Schmitt Voges, esposa de Carlos Frederico Voges Sobrinho, de 1935, descreve apenas os bens imóveis do casal, deixando de fazer qualquer menção à venda. No segundo quartel do século XX, o estabelecimento comercial encontrava-se nas mãos de Adolfo, filho do casal, nascido em 1887. Encerrava-se com o bisneto do pastor Voges a extensa atividade comercial da família, iniciada no segundo quartel do século XIX. A venda de Jacob Voges O filho mais novo do pastor Voges – Jacob – faleceu em 27 de outubro de 1884, tendo conquistado o título de Capitão. Por iniciativa da viúva, Elisabeth König (ou Luiza Voges, como ficou conhecida), o inventário foi aberto neste mesmo ano, no qual foram arrolados os bens deixados pelo casal. Como herdeiros, ficaram a 284 MÜLLER, op. cit., 1992; p. 117. 246 inventariante e sete filhos menores, o mais velho com onze anos de idade e a mais nova, com dois anos. Não obstante as propriedades territoriais de Jacob e Luiza Voges já terem sido descritas nos Capítulos III e IV, é preciso voltar ao inventário e buscar os dados referentes à atividade comercial exercida pelo casal. Em primeiro lugar, a viúva declarou possuir “casa de moradia junto à de negócio”, o que atesta a existência do comércio. Em seguida, descreveu a “casa coberta de telhas que serve de depósito para pipas”, evidenciando que negociavam com aguardente. Ao elencar alguns produtos, a inventariante manifestou às autoridades que haviam ficado para ela “120 sacos de farinha de mandioca”, “12 pipas de aguardente”, “10 arrobas de açúcar” e “os restos dos objetos da extinta casa de negócio”. De acordo com essa última declaração, o comércio estaria de portas fechadas quando o inventário foi aberto. No entanto, a descrição dos semoventes parece não ser compatível com os outros bens descritos, uma vez que foram elecandos apenas “duas vacas mansas”, “duas novilhas”, “uma besta mansa” e “um cavalo manso”. Considerando que bestas e cavalos eram necessários para complementar os afazeres do vendeiro, o número de dois animais é por demais singelo face à dimensão dos negócios realizados por Jacob e Luiza Voges. Afora esses indícios, há no inventário duas listagens referentes a fregueses que contraíram débito junto ao negociante. A primeira lista está intitulada como “dívidas documentadas”, tendo doze nomes, todos de nacionais, os quais contraíram 2:164$530 de dívida, sendo a média de 180$377; a segunda ficou registrada como “dívidas não documentadas” e teve setenta e quatro nomes elencados, dos quais somente um era alemão. O débito desses contraentes chegou a 10:009$083, com a média de 135$257. 247 Se por um lado as declarações da inventariante mostraram que eles exerceram atividades paralelas à agricultura, não se deve ter a impressão de que Luiza Voges, viúva, se acomodou e passou a viver somente para o lar. Seu nome esteve vinculado a outras iniciativas, como a que consta no contrato firmado entre ela e seus sobrinhos emprestados Carlos Frederico Voges Sobrinho e Christovão Schmitt.285 Pelo documento, os três formariam uma sociedade para o “comércio de molhados, fazendas e ferragens”, a qual duraria cinco anos, começando em 24 de setembro de 1894. Figura 12: Luiza Voges Fonte: Arquivo pessoal de Nilza Huyer Ely 285 O primeiro era filho de Adolho Voges, portanto, sobrinho de Jacob; e o segundo, genro de Adolpho, casado com a filha deste, Antoniette, neste caso, sobrinha de Jacob. O original, escrito a próprio punho, encontra-se no Arquivo Pessoal da Família Schmitt. 248 A empresa estaria submetida à “firma social de Carlos Voges e Companhia” (referência explícita ao comércio de Carlos Frederico Voges Sobrinho), tendo como domicílio comercial a propriedade de Christóvão Schmitt. Como o acordo entre os três foi selado em setembro de 1894, portanto, após a morte de Carlos Leopoldo Voges, é possível que Christóvão e Antoniette já estivessem residindo na casa do pastor. As cláusulas seguintes dizem respeito à contribuição de cada sócio no novo negócio, sendo que uma em especial denuncia que Luiza Voges continuou negociando após a morte do marido, em 1884. O artigo 5º diz que será esta firma de Carlos Voges e Companhia suprida de todos os gêneros pela firma social de Luiza Voges e Companhia, não devendo em tempo algum haver falta de gêneros para não prejudicar o sócio Christóvão Schmitt. O artigo 6º vinculou um quarto nome ao contrato, convencionando-se que é fiscal de ambas as firmas de Luiza Voges e Companhia e Carlos Voges e Companhia Adopho José Diehl, o qual não tem ordenado, ficando-lhe o direito de negociar sobre si consistindo seus negócios em gêneros de exportação e navegação. O fiscal citado neste artigo era neto do pastor Voges, filho de Catharina Friederike Voges e Jacob Sebastian Diehl, casados em 20 de julho de 1851. Através de arranjos familiares, Adolho José Diehl casou com a prima Maria Leopoldina, filha de Jacob e Luiza Voges, neste caso, sua tia emprestada e sogra.286 Além de reafirmar que a inventariante tinha uma empresa em seu nome, o artigo informa que Diehl era sócio da empresa de navegação cujas embarcações singravam as lagoas do LNRS. 286 SILVA, op. cit., p. 56. Outrossim, o próprio inventário de Jacob Voges denuncia que a filha Leopoldina estudou em São Leopoldo, no “Colégio das Madres”. Essa informação, valiosa porque revela que os pais tinham condições de enviar uma filha para estudar em São Leopoldo, onde manteve contato com o primo Adolpho que viria a ser seu marido, foi declarada às autoridades por Adolpho Felippe Voges, tutor dos menores, em 4 de julho de 1887. 249 Ainda no final do artigo 7º foi declarado que o salário do caixeiro (empregado) seria pago pela sociedade, o que demonstra o interesse e a necessidade de que o comércio fosse ao encontro dos fregueses, tanto para mostrar e vender novas mercadorias, quanto para cobrar eventuais débitos. O contrato foi encerrado e assinado por todas as partes. Porém, algo aconteceu e fez com que se acrescentasse um adendo ao documento. De acordo com essa nova redação, o tempo de existência do comércio foi reduzido para um ano, tendo o sócio Christóvão Schmitt metade dos lucros da firma social Carlos Voges e Companhia. Os envolvidos assinaram novamente sem explicitar os motivos que levaram à diminuição do prazo contratual de cinco para um ano. Desse modo, o estabelecimento comercial teve sua vida útil reduzida antes mesmo de iniciar. Podese conjeturar sobre os porquês desta alteração, talvez decorrente de divergências de interesse, uma vez que todos os envolvidos tinham anos de experiência nesse tipo de negócio (venda). Acrescente-se a isso o fato de todos serem parentes, abrigados sob o poder da parentela Voges. O convívio de anos pode ter gerado ressentimentos, desconfianças e temores, sentimentos quiçá reavivados quando tia e sobrinhos decidiram unir forças e constituir sociedade. É preciso levar em consideração que as partes envolvidas no mencionado contrato tinham larga experiência na atividade comercial. Luiza havia sido (ou ainda era) proprietária de uma venda juntamente com seu marido, Jacob, o qual crescera num ambiente comercial287; Carlos Frederico Voges Sobrinho, filho de Adolpho, 287 Duas considerações acerca da atividade comercial de Luiza Voges. Em primeiro lugar, no próprio inventário de seu marido, Jacob, ela é classificada, em 1891, como “comerciante”. Apesar de aberto em 1884, a tramitação do inventário foi longa devido à existência de filhos menores. Ao que tudo indica, Luiza manteve-se economicamente ativa após a viuvez. Outro dado interessante sobre a relevância de Luiza Voges no cenário econômico do LNRS é que as letras do seu nome foram usadas como código para identificar o valor de compra das mercadorias. Em vez de números, usava- 250 assistira desde a infância pai e avô dedicarem a maior parte de seu tempo à venda. Ademais, em 1884 fazia um ano e alguns meses que estava casado com Felisbina Rosina Schmitt, sobrinha e afilhada de Felisbina Schmitt Voges, segunda esposa de seu pai, viúva de Carlos Jacoby, também comerciante; e Christovão Schmitt, neto do imigrante Philipp Peter Schmitt e filho de Wilhelm Schmitt, importado da Alemanha, escrivão a partir de 1884, casado com uma das filhas de Adolpho Voges, Antoniette, cuja união estreitou os laços entre as famílias Schmitt e Voges. Dadas essas condições, é lícito pensar que os envolvidos tenham planejado um grande investimento comercial para o LNRS, pois experiência, riqueza e comércio de ambas as partes seriam unidos para se constituírem num único empreendimento. Essa aliança não lograria êxito sem a existência da navegação lacustre, da qual eram (ou haviam sido) sócios Luiza Voges, Carlos Frederico Voges Sobrinho e Adolpho José Diehl. Quanto aos motivos que levaram à diminuição do prazo contratual, por enquanto, eles permanecem uma incógnita. No entanto, isso não tirou o brilho da fonte, inédita para a história econômica da imigração alemã no Rio Grande do Sul. A venda (aparentemente) anônima O título deste subcapítulo antecipa para o leitor que havia algo de indecifrável sobre o estabelecimento comercial que deu origem ao livro de escrituração de contas correntes, que será analisado daqui para frente. O que se sabe sobre ele é que foi doado ao Museu Histórico Visconde de São Leopoldo pelo Sr. Alfredo J. Diehl, que a venda se localizava no interior de Osório e que os se as letras: L=1; U=2; I=3; Z=4; A=5; V=6; O=7; G=8; E=9; S=0, de acordo com o depoimento da historiadora Nilza Huyer Ely. 251 registros nele contidos datam de 1874 a 1901.288 No entanto, a conta de José Lopes, descrita na página 283, indica que já em 1871 ele contraíra empréstimo a juros com o vendeiro, relativizando a cronologia fixada pelo Museu em três anos. Elucidativa também é a pequena etiqueta colada na primeira contracapa, na qual se lê que o livro foi fabricado e vendido pela “Loja de papel e livros em branco e impressos Augusto Dreher”, com sede à rua Silva Tavares, 63, Porto Alegre. O fato de a loja ter como endereço a capital da província sugere que esse comerciante tinha certo poder de circulação, pois deve ter efetuado a compra pessoalmente, sob encomenda, ou adquirido essa mercadoria no próprio litoral por meio de representantes das casas comerciais (vendedores). Além disso, o sobrenome Dreher pode estar acenando para mais um elo de aproximação entre as famílias. No capítulo II ficou demonstrado que laços afetivos foram estabelecidos entre esse núcleo e os Voges; no próximo capítulo ver-se-á que negócios vultosos solidificaram a união de Diehl, Dreher e Voges através da navegação. Mesmo sem saber se o dono da empresa e loja tinha vínculos com os membros da família Dreher que se tornaram sócios de Voges, a menção ao sobrenome, talvez, signifique algo mais do que coincidência.289 Como não há menção ao nome do proprietário da venda, essa ausência tornou-se, aparentemente, indecifrável. Para resolver esse enigma, foram realizadas diversas leituras, inquirições e correlações com outras fontes. Após certo tempo de 288 O livro de escrituração de contas correntes tem 608 páginas, sendo que foram usadas 353. No final, tem-se o índice alfabético no qual foram descritos os nomes dos fregueses com as respectivas páginas. Como acervo, o documento está em perfeitas condições de manuseio e impressiona por suas características: capa dura, papel de boa qualidade e esmero na fabricação. Tudo isso colabora para que se tenha a idéia de que o vendeiro possuía estabelecimento comercial correspondente à necessidade de usar um livro como esse. (O livro de escrituração de contas correntes foi localizado no Museu Histórico Visconde São Leopoldo pelo meu ex-orientador, prof. Marcos Justo Tramontini, no ano de 2000, o qual prontamente me indicou essa fonte). 252 aproximação, uma leitura mais minuciosa foi capaz de trazer à luz pequenos fragmentos elucidativos, como a referência a “Carlos Voges” e “Luiza Voges”, a diversos fregueses que, comprovadamente, moravam na Colônia de Três Forquilhas ou em suas proximidades e à navegação fluvial desde o rio Três Forquilhas. Quanto ao período abrangido pelo livro, duas correlações podem ser estabelecidas. A primeira com Müller, o qual afirmou que Carlos Frederico Voges Sobrinho e Christovam Schmitt, em 1901 comprariam o restante do empreendimento de ‘Luiza Voges’, particularmente, as instalações comerciais ainda existentes no vale do rio Três Forquilhas.290 A data e o possível negócio realizado entre tia e sobrinhos, apontados por Müller, inserem-se no marco cronológico do livro-caixa em questão. A segunda correlação tem a ver com os nomes dos agentes históricos envolvidos. Por exemplo, o documento analisado no subcapítulo da venda de Jacob Voges, no qual se verificou que Luiza Voges tornou-se sócia de Carlos Frederico Voges Sobrinho e Christóvão Schmitt, está igualmente inserido no período abarcado pelo livro. Os três sócios tiveram seu nome registrado inúmeras vezes, como se pode ver na tabela 45, a qual tem como objetivo demonstrar que membros da família Voges estiveram envolvidos com aquele negócio. Apesar de ser importante identificar o(s) possível(is) proprietário(s) da venda, o documento abrange outras questões, como o pagamento das contas com animais e mercadorias, o trabalho com madeira via serraria, a construção e venda de benfeitorias, a transação com terras, o empréstimo de dinheiro a juros, o recebimento de ordenados, a execução de serviços jurídicos, a identificação de clientes, possíveis proprietários e transações 289 Gans localizou a empresa de August Dreher na capital da província, à rua de Bragança, atual Marechal Floriano, classificando-o como “encadernador”. Ver: GANS, op. cit., p. 62. 253 entre esses, doações a entidades e relação de nomes de soldados e oficiais no ano de 1894. Para dar conta de um universo tão vasto, foram elaboradas doze tabelas por ordem de data crescente, nas quais se agruparam essas informações, cujo modelo corresponde às divisões de cada página do livro: data, nome do freguês, item negociado e valor. No original, a coluna “valor” está subdividida entre “deve” (débito do freguês) e “haver” (crédito do freguês). Como meio de facilitar a localização, indiquei, por primeiro, a página do livro.291 Tabela 35: Animais 292 Página 139 190 126 172 221 288 185 90 120 Data 1886 1890 1893 29/3/1893 22/9/1894 Março/1897 Março/1899 18/4/1899 Março/1901 Freguês Manoel Ant. Alves Francisca (irmã do Lazaro) Marcelino S. Pascoal Serafim Aug. do Nascto Victorino Lopes Silveira Amandio José Pereira Zeferino Sant’anna Joaquim Ol. Mello Luiz Cardoso (irmão da Cardosa) Item “recebi 1 vaca?” “recebi 12 frangos” “recebi 1 porco gordo” “1 vaca” (em haver) “recebi 1 vaca c/ cria” “1 junta de bois que foram de Jo de Deus” “recebi um cavalo” “1 burro até outubro” “recebi dinheiro de carne de 1 vaca” Valor 58$960 2$880 40$000 50$000 170$000 185$000 100$000 160$000 40$000 290 MÜLLER, op. cit., 1993; p. 24. 291 Ressalte-se que nem sempre foram utilizadas todas as informações descritas no livro-caixa. Somente quando houve necessidade, fez-se uso de cem por cento dos dados anotados pelo vendeiro. Como exemplo, pode-se citar as colunas “deve” e “haver”, omitidas em praticamente todas as transcrições, porque o seu uso demandaria um acréscimo exagerado de números. Além do mais, interessavam os débitos contraídos junto à venda, estes sim presentes em todas as listas. Da mesma forma, enquanto em algumas tabelas as sínteses são ilustrativas, em outras, por sua relevância, buscou-se a totalidade para dar a real dimensão do que foi registrado. As tabelas completas encontram-se nos Anexos, identificadas pelo mesmo número. Os nomes e a descrição das mercadorias e dos negócios foram mantidos conforme o original. 292 Por questões de praticidade, a maioria das tabelas deste capítulo foram reduzidas; os dados completos encontram-se nos Anexos, identificados pelo mesmo número da tabela (Anexo III – Tabela 35). 254 Como a venda estava inserida num cenário rural, agrícola, os negócios envolvendo animais têm certa naturalidade. Destacam-se os vacuns, dos quais extraíam-se leite, carne e trabalho na lavoura e no engenho, mas também o pagamento parcial da conta com “12 frangos”. Portanto, fregueses com maior e menor capacidade de compra compunham o rol daqueles que se viam obrigados a destinar “1 vaca”, “1 porco gordo” ou “1 junta de bois” para saldar a dívida. Por certo, o recebimento de animais para acerto favoreceu o vendeiro no sentido de aumentarlhe o rebanho, garantir-lhe força motriz para a moenda ou proporcionar-lhe acesso às proteínas. Tabela 36: Gêneros e mercadorias293 Página 141 251 190 230 145 116 158 176 Data Freguês Item 1886 Manoel Marc. Ol. Majé “louça por 1 saco de polvilho” 30/6/1889 Carlos Menger “900 rapaduras” 1890 Francisca (irmã do Lazaro) “2 duz. ovos” 18/51893 Thereza Lopes “75 alq. Farinha” 9/6/1893 Manoel Ign. Filho “lenhas que deu, mas recebeu em gêneros” 17/8/1893 a 23/9/1893 Luiz Mart. Espind. 300 alqueires de farinha Fev/1900 Pedro Feck “recebi 1 q.r de batatas 2$000/½ feijão 2$000/rapaduras 1$000” 2/5/1900 Serafim (filho do Nascimento) “recebi 3 alq. de pinhões” Valor 6$000 22$500 $400 112$500 s/valor 600$000 5$000 6$000 O pagamento de contas com gêneros agrícolas e outras mercadorias tem caráter diferencial do que o acerto realizado com animais. Via de regra, bois, vacas e porcos ficavam com o vendeiro, o que não acontecia com a farinha, por exemplo, 293 Anexo IV – Tabela 36. 255 negociada entre produtor e comerciante, e exportada por este para outras regiões. Pelo visto, “Luiz Mart. Espind.” foi um grande produtor de farinha, pois entregou ao vendeiro 300 alqueires entre 17 de agosto e 23 de setembro de 1893. Os relatórios das câmaras municipais enviados ao presidente da província salientavam o grande desempenho dos produtores de farinha de mandioca desde o século XIX. Essa tabela vai ao encontro daquelas informações, confirmando que o litoral foi um dos grandes fornecedores de “farinha de guerra”. No entanto, outras mercadorias passavam pela venda, como “louça” trocada por “1 saco de polvilho”, “lenha”, combustível indispensável para o período e a entrega de gêneros agrícolas muitas vezes relacionados à subsistência, como “batata”, “feijão” e “ovos”. Afora esses, dois produtos ainda merecem ser colocados em evidência: a rapadura, constituída num produto de exportação, normalmente negociada com tropeiros que ligavam o LNRS com os Campos de Cima da Serra, e o pinhão, acessível para quem ousava subir a Serra do Pinto ou o trocava com os tropeiros. A tabela 36, de um modo geral, transformou o vendeiro em atravessador, uma vez que tinha potencial econômico para comprar de agricultores e revender em centros consumidores maiores, como Porto Alegre. Dessa negociata, obtinha lucros razoáveis, que serviam de suporte para outros empreendimentos, como a serraria. Roche, ao comparar a diferença de preço entre os produtos entregues pelos fregueses e os vendidos pelo negociante, constatou que essa operação favorecia o dono do estabelecimento comercial e que a alta inflacionária ao longo do século XIX mais do que duplicou o valor das mercadorias oferecidas no balcão. Por exemplo, o vendeiro pagava ao colono, em 1851, $200 pelo quilo do toucinho, enquanto, em 256 1892, $460. Por outro lado, o freguês adquiria dez quilos de sal, em 1851, por $460, e um quilo da mesma mercadoria, em 1892, por $200.294 Tabela 37: Madeira295 Página 61 Data 1887 195 1894 106 15/12/1898 344 Março 1899 Freguês Guedes Mart. Espíndula Manoel Teixeira João Bernardino de Souza Alberto Item “o mesmo deve 1 dúzia de tábuas em conta de 1 espingarda” “dinheiro que recebeu da serraria” (deve) “recebi de C. Voges 20 Dz. de tábuas” “despesas [diversas] fornecido ao Alberto para a serraria” Valor s/valor 100$000 54$0000 128$500 As reservas florestais da Colônia de Três Forquilhas deveriam ser consideráveis no último quartel do século XIX. Como a madeira era fundamental para as construções e as árvores impediam o avanço das lavouras, a derrubada da mata serviu a esses dois fatores. A tabela 37, que sintetizou os dados sobre os negócios realizados com madeira, compreende o período de 1887 a 1899; isso demonstra que essa atividade não foi passageira, ao contrário, teve certa durabilidade e movimentou quantias razoáveis. A primeira descrição informa que uma dúzia de tábuas equivalia a uma espingarda; também há referência à serraria, local onde as toras eram beneficiadas e que Carlos Voges vendeu a João Bernardino de Souza a quantia de 20 dúzias de tábuas pelo valor de 54$000. Neste caso específico, o vendeiro teve como suporte econômico, além da venda, extração, beneficiamento e comércio de madeira. 294 ROCHE, op. cit., p. 417-419. [grifo nosso] 295 Anexo V – Tabela 37 257 Tabela 38: Benfeitorias296 Página 141 253 147 Data 1886 1886 25/6/1900 Freguês Manoel Marq. Ol. Majé Pedro Pedersen Manoel Tiburcio Item “1 paiol para farinha” “recebi uma cômoda” “a metade que lhe cabia no alambique” Valor 20$000 s/valor 75$000 No livro caixa registravam-se, também, outros negócios, como construção e aluguel de benfeitorias e compra de móveis. Carpinteiros, marceneiros e construtores de casas, dos mais diversos tipos, tornavam-se fregueses da venda, pagando parte de suas contas com mão-de-obra. O que foi levantado como hipótese nos Capítulos III e IV, isto é, que a posse de alambique, atafona e engenho complementava as atividades do colono “exponencial”, colocando-o acima da maioria dos colonos que necessitavam desses serviços, confirma-se com os dados apresentados na tabela 38. O vendeiro não apenas mandava construir um paiol, mas alugava e tomava do devedor a metade do alambique. Pode-se conjeturar, da mesma forma, que o marceneiro Pedro Pedersen, provavelmente sobrinho do pastor Voges, recebeu a encomenda de uma cômoda e a entregou para saldar a dívida contraída junto ao comerciante. Tabela 39: Terras297 Página 52 259 173 Data s/data 25/6/1879 14/4/1894 Freguês “Finado” Antonio Silveira Marculino Antônio de Espíndula Serafim José Souza Item “campo” e “terras na data do Sangrador” “recebi 90 br. de Terras, 1 engenho de farinha por saldo” “resto das terras que comprou” Valor 398$000 783$284 100$000 296 Anexo VI – Tabela 38 297 Anexo VII – Tabela 39. 258 36 24/1/1900 121 Março 1900 86 1/8/1910 Carolina Germann Lourenço Netto José Silveira sítio arrendado por cinco anos “recebi por saldo 50 br. de terras (110 metros)” 50 braças de terras na Sanga Funda 1:000$000 459$086 100$000 A tabela 39 é uma das mais significativas, porque explica como o vendeiro conquistava tantas propriedades territoriais. Nos negócios vultosos, muitas vezes a parte devedora via-se fatalmente obrigada a entregar ao credor parte ou mesmo toda a sua propriedade. De acordo com os dados compilados, as terras apreendidas variavam de tamanho, de 30 a 90 braças, e de espécie, como “campo” junto à sesmaria dos Quadros (“Sangrador”) e colônias, como a arrendada à Carolina Germann, única mulher arrolada nesta categoria. O arrendamento teve como data inicial o ano de 1894 e chegou a 1904, quando a arrendatária ainda devia ao vendeiro a quantia de 1:525$000. De todos os casos listados, somente no de Serafim José Souza aconteceu o inverso, ou seja, o freguês adquiriu aquelas terras ao invés de entregá-las como parte de pagamento. Excetuando-se as transações de Carolina Germann e Serafim José Souza, todos os outros fregueses tiveram seu bem maior confiscado pelo comerciante. Tabela 40: Empréstimo a juros298 Página 283 259 268 Data 1871 25/6/1879 1886 Freguês José Lopes Marculino Anto d’Esp.la Pedro Leal 155 20/12/1891 Ozorio Cardoso de Lima Item “um documento a juros” “juros de 4 anos 75 a 79” “mandei o documento para José Mesquita cobrar” “resto do documento fora prêmios” 298 Anexo VIII – Tabela 40. Valor s/valor 142$164 32$500 35$940 259 137 9/9/1893 Manoel Silvestre Alves “sujeito aos juros de 10% ao ano desta data em diante” 77$300 316 1894 Miguel Car. Andrade “dinheiro q. pediu em P. Alegre” 2$000 312 5/11/1894 Manoel Balbino Cardoso “dinheiro em P. Alegre” 200$000 333 Jan/1895 Pedro Jacobi “dinheiro entregue em P. Alegre” 3:000$000 217 1/11/1895 Paulino da Silva Medeiros “saldo aos juros de 1% ao 553$190 (da Cachoeira) mês de 4 anos até essa data 16 de abril de 1899 documentada” 257 1/1/1899 Alexandre Manoel Gonçalves “juros vencidos 97 10$800, 98 10$800, 99 10$800” 32$400 90 21/8/1910 Joaquim Ol. Mello “juros até esta data” 50$000 A tabela 40, mais extensa e carregada de informações, confirma as insinuações sobre a atividade bancária do vendeiro. Neste caso, foram aproximadamente quarenta anos de empréstimo a juros, de 1871 a 1910. A esse respeito, faz-se necessário relativizar a afirmação de Janaína Amado sobre a dupla função das vendas nas Colônias: “depois de 1890 o comerciante tornou-se também banqueiro; guardava o dinheiro do colono em troca de uma comissão, e concedia crédito à taxa de 12%”. No que se refere ao LNRS, a concessão de crédito com cobrança de juros remonta ao início da década de 1870, antecipando em vinte anos o que foi observado pela autora.299 Em cada uma das anotações da tabela 40 podese perceber que houve transação financeira entre as partes, o que deu suporte para o vendeiro diversificar sua atuação, a qual chegou até Cachoeira e Porto Alegre. Na conta de Pedro Jacobi, por exemplo, em janeiro de 1895 ficou registrado que a quantia de 3:000$000 foi “entregue em P. Alegre”, colocando em evidência que a distância geográfica entre o litoral e a capital da província não se constituiu como empecilho para que tal negócio fosse realizado. 299 AMADO, op. cit., p. 125; nota 27. [grifo nosso] 260 Tabela 41: Ordenados300 Página 212 172 212 150 232 289 212 309 309 Data Freguês Item 1893 João (Peão) “seu débito c. jornal desc. até fim fevereiro” 29/3/1893 Serafim Aug. do Nasc.to “ordenado até fim de março” 30/4/1893 João (Peão) “ordenado até fins de abril” 23/8/1893 Manoel Gildo “ordenado de maio e junho” 23/8/1893 Manoel Balbino “ordenado de junho” 20/9/1893 Serafim A. do Nascimento “ordenados de setembro de outubro” 5/1/1894 João (Peão) “ordenado até 5 de janeiro de 5 meses a 12$000” 31/1/1895 José Stumpf “61 dias de serviço” 31/1/1895 José Stumpf “comida a Augusto 75 dias” Valor 26$660 1:221$000 24$000 160$000 111$000 110$000 60$000 305$000 75$000 A tabela 41 realçou a capacidade do vendeiro em controlar vidas, uma vez que o pagamento de salários e serviços passava pelo livro caixa. Janaína Amado constatou situação semelhante para a Colônia de São Leopoldo, percebendo que “cada mercadoria comprada ou vendida pelo colono era anotada num livro, na coluna ‘deve’ ou ‘haver’... o agricultor estava irremediavelmente preso à venda. Era sempre devedor”.301 Por isso, quando o peão João, o professor Serafim Agostinho do Nascimento ou o construtor de casas José Stumpf recebiam seus ordenados, o valor era anotado na coluna “haver”; já suas compras ficaram registradas na coluna “deve”, sendo que em praticamente todos os casos o freguês ficou com a conta zerada, isto é, com o seu ordenado ele pagava tão somente as mercadorias e os empréstimos contraídos junto ao comerciante. Essa forma de manter o freguês vinculado à venda levou-me a relativizar o compromisso do professor Serafim Agostinho do Nascimento com a família Voges: apesar de ter sido 300 Anexo IX – Tabela 41. 301 AMADO, op. cit., p. 86. [grifo nosso] 261 adepto do Partido Liberal, assim como Adolpho Felippe Voges, pode-se pensar o quanto deve ter influenciado nesta relação o fato de que todo o seu ordenado estivesse nas mãos do proprietário da venda. Tabela 42: Serviços Página 237 237 173 Data 28/8/1893 9/9/1893 14/4/1894 313 15/9/1894 149 30/1/1895 Freguês Serafim A. do Nascimento Serafim A. do Nascimento Serafim José Souza Christovão Schmitt Manoel Faria Item “dinheiro p. procuração” “abate-se 1 procuração pg.” “dinheiro para subscrição de Nascimento” “dinheiro para batizado” (deve) “figura hoje custas de audiência 14 Nov.” Valor 5$000 s/valor 2$000 2$500 22$000 Dos cinco itens da tabela 42, três referem-se à figura do professor Serafim Agostinho do Nascimento. Mesmo que não tenha conquistado expressivo capital econômico, o professor foi capaz de reunir em torno de si considerável capital simbólico, pois tornou-se procurador e testemunha de inúmeras pessoas, o que pode ser conferido em fontes documentais, como inventários, as quais colocam o professor como co-participante de determinada situação. Faltava, por outro lado, um documento que demonstrasse os bastidores, o que acontecia antes de a procuração ser anexada a um inventário. Um desses atos consistia no pagamento das custas, obviamente com dinheiro. Ao menos nesses casos, o vendeiro socorreu os que lhe solicitaram auxílio. Com Manoel Faria, parece não ter sido diferente, pois precisou de 22$000 para pagar as custas de uma audiência. Embora não se saiba por que, ele também recorreu ao comerciante para conseguir o dinheiro. De todos os serviços prestados, o mais inusitado é o que diz respeito ao batizado, para o qual foi atribuído 262 o valor de 2$500. De imediato, aventam-se duas explicações para esse empréstimo: a doação para uma família sem recursos que, talvez, tenha tido a necessidade de salvar o batizando com urgência, ou, o que parece mais improvável, que Christóvão Schmitt estivesse descapitalizado e precisasse de recursos para efetuar o batismo de um de seus filhos, considerando que provinha da família Schmitt e fosse genro de Adolpho Felippe Voges. Tabela 43: Clientes I302 Página 278 278 170 279 171 314 320 331 Data s/data 7/4/1875 1885 1891 29/3/1894 7/9/1894 10/10/1894 5/1/1896 Freguês Maria Domingos Ricardo Affonso Voges Reginaldo Flno. da Silva Maria Annalia José Rodriguez Mesquitta Identificação “Toucinho” “escr. do Bern. Ozorio” “(escravo do Cornélius)” “negro” “dinheiro que Nicolau Mittmann entregou” “mulher do mulato Adão” “negra” “dinh. a Pedro Mittmann” Valor 15$700 3$600 7$620 57$540 300$000 7$100 2$040 223$500 A tabela 43 tem como finalidade ilustrar a forma pela qual as pessoas eram conhecidas. Profissão, origem étnica e estado civil foram os meios mais usados para identificar o freguês. Chama a atenção a forma pela qual “Affonso Voges” foi descrito: “negro”. Ao cruzar esta fonte com o inventário de Guilhermina Voges, foi possível localizar no rol dos escravos o nome de Affonso, avaliado em 650$000, caracterizado como lavrador, com 44 anos, em 1880.303 Muitas vezes, o escravo ganhava o nome do proprietário e conquistava um pequeno patrimônio, 302 Anexo X – Tabela 43. 303 Ver: WITT, op. cit., 1998; p. 42. 263 exemplificado, neste caso, com a conta corrente. Se a alcunha pejorativa de Affonso aproxima os conceitos de escravidão e imigração, a citação à família Mittmann recupera a disputa pastoral entre os imigrantes Nicolau Mittmann e Carlos Leopoldo Voges, descrita no Capítulo I. Como não se podia antecipar que filhos do oponente do pastor constavam como fregueses numa venda que estava ligada ao núcleo Voges, as referências a “Nicolau Mittmann” e “Pedro Mittmann” foram, propositadamente, deixadas para este subcapítulo. No Capítulo I afirmou-se que a participação da família Mittmann na comunidade evangélico-luterana de Três Forquilhas não significava que os antigos desentendimentos e temores em relação a Voges tivessem desaparecido. Essa premissa é válida para esta nova situação, ou seja, a presença de Nicolau, em 1894, e a de Pedro, em 1896, de modo algum indica que laços de amizade foram mantidos entre as duas parentelas. Realizar negócios com os Voges, no final do século XIX, pode estar apontando para o esquecimento de rixas passadas e/ou para a necessidade de resolver assuntos concretos, como empréstimo a juros, frete e pagamento de mercadorias. Tabela 44: Clientes II304 Página 27 1 19 104 8 1 4 Data 1884 1885 1886 1886 1890 1891 1892 Freguês Identificação Carlos Strasburg “pobre não sei” Amancio José de Barros “não” Bertholina (filha do finado Beriva) “nichs komm heraus”, no sentido de “deste aí nada se tira ”, cf. tradução de Magda Gans João José de Barros “nein” Antonio de Barros “antes não do que sim” Adão Voges “assim” André Germann “superior” Valor 324$360 21$620 19$440 928$110 35$190 1$880 70$500 304 Anexo XI – Tabela 44. 264 11 1892 Anacleto J. Bittcourt. “nada ruim” 152$820 49 1892 Frederico Hoffmann (do Miguel) 2 1893 Augho José Ribeiro “sim regular” “bom” 160$000 210$500 8 1893 Adolfo Brem “sim” 380$000 28 1893 Carlos Thütböhl “não é mais possível salde” 369$130 244 1893 Antonio Dias de Souza “é ladrão ex-comandante do Itapeva” 9$500 249 1894 Catharina Machmann “saldo/negou/velhaca” 32$010 Ao folhear pela primeira vez o livro caixa ora analisado, as identificações que estavam acima dos nomes de todos os fregueses despertaram curiosidade. O que significavam as palavras “sim” e “não”, por exemplo? Por que esses dois vocábulos foram os mais usados para classificar os fregueses? Tudo indica que o vendeiro estava dividindo os compradores em vários grupos, quer para repassá-los a uma nova firma, ou, então, para rotulá-los como “bons”, “médios” ou “maus” pagadores. O mais relevante é que esses adjetivos (pejorativos ou não) sinalizam uma possível negociação entre os comerciantes mencionados no livro. Essa afirmação ganha força quando analisada conjuntamente com os dados das tabelas 45 e 46. Tabela 45: Proprietários e transações305 Página 283 214 130 157 219 234 182 Data Freguês Observação 1871 José Lopes “um lombilheiro q. trabalhava em casa de tia Bina” 3/10/1890 a 10/1/1894 Christ. Schmitt Tecidos 1892 Martinho Nunes Gonç. “passou p. firma nova” 23/5/1893 Pedro Vieira “1 pipa aguardente (p. ordem Adolfo)” 15/7/1893 Miguel Witt “1 pipa que foi p. Christovão” 22/7/1893 Rerimundo (dos Demétrio) “conta passou p. L. Voges e Cia” 27/11/1893 Victorino Constante “diz que entregou ao Gustavo/q. Valor 50$000 209$920 30$000 70$000 110$000 3$500 24$000 305 Anexo XII – Tabela 45. 265 291 152 295 234 252 311 150 313 154 223 132 317/8 334 317/8 318 333 341 106 342 342 344 348 Felix viu” 1894 Serafim Agostinho do Nascimento “Entr. a C. Voges” (deve) 10/1/1894 Manoel Ricardo “diz ele que emprestou 18 metros de [ilegível] ao Gustavo por saldo” 19/1/1894 a 25/8/1894 Christovão Schmitt tecidos e calçados 22/1/1894 Carolina de Deus “passo p. conta de L. Voges e Cia” 29/7/1894 Eduardo Antonio Cardoso “dinh. entr. a Carlos” (haver) Agosto 1894 Adolfo José Diehl “1 par de tamancos 1$100, diversos objetos 7$000” 4/8/1894 Manoel Gildo “imp. do documento L. König” 27/8/1894 a Fev/1896 Christovão Schmitt Diversos objetos, tecidos, pistola, “1 burro” 2/10/1894 Oracio Rodrigues da Silva “saldo tr. p. firma nova” 5/10/1894 Guilherme Jacobi “dinh. a Carlos Voges” 30/11/1894 Martim Jacobi “dinh. de 2 pipas a Carlos [ilegível] 18/12/1894 “Dívidas que entrarão” “conta da viúva L. Voges Ca José Medeiros” 12/9/1895 Relação de dívidas “dívidas q. entrarão p. L. Voges” 31/1/1895 “Dívidas que entrarão” “transp. a conta Luiza Voges e Cia” 2/3/1895 Relação de dívidas “lançado L. V. e Cia” 26/7/1895 João Machmann Sobrinho “passou p. L. V. e Cia” 1897 Relação de dívidas “lançado na firma Luiza Voges e Cia L. 1, fl. 436” 15/12/1898 João Bernardino de Souza “recebi de C. Voges 2 Dz. de tábuas” 1899 “Dívidas entradas” “lançado firma Luiza Voges e Cia L. 1, fl. 493” 1899 Relação de dívidas “transportado a firma Luiza Voges e Compa” Abril 1899 Alberto “dinheiro que Adolfo entregou” 18/6/1900 “Dinheiro entregue por João H. Setter” “D. Luiza Voges” 111$920 5$660 414$040 3$450 9$000 8$100 600$000 481$140 258$880 54$000 330$000 51$740 1:559$270 2:587$240 2:273$330 1:000$000 3:215$200 54$000 2:471$120 680$540 20$000 319$010 A tabela 45 reúne as informações que podem levar à indicação de nomes de possíveis proprietários da venda ora analisada. Os dados compilados nos Capítulos 266 III e IV colocaram a família Voges em evidência e solidificaram a idéia de que membros dessa parentela estiveram envolvidos com os diversos negócios nelas referidos. Nomes como o de Luiza Voges (nora do pastor Voges, casada com Jacob, seu filho mais novo); Bina (Felisbina Schmitt, casada em primeiras núpcias com Carlos Jacoby, e em segundas com Adolpho Felippe Voges); Adolfo (Adolpho Felippe Voges, filho do pastor Voges e herdeiro escolhido para continuar os negócios da família); Christóvão Schmitt (genro de Adolpho Felippe Voges); Gustavo (filho de Jacob e Luiza Voges) e Carlos Voges (filho de Adolpho Felippe Voges, casado com a sobrinha e afilhada de Felisbina Schmitt Voges), não deixam dúvidas de que a venda pertencia à família. Por sua vez, as expressões “lançado L. V. e Cia”, “conta passou p. L. Voges e Cia” e “transp. a conta Luiza Voges e Cia”, por exemplo, sugerem que determinadas contas estavam sendo repassadas para a viúva e comerciante Luiza Voges. Se isso de fato aconteceu, ela poderia ser, então, sócia desta venda. Depois dela, o nome que mais apareceu foi o de Carlos Voges – Carlos Frederico Voges Sobrinho –, filho de Adolpho e sua primeira mulher, Guilhermina. Tia e sobrinho, portanto, foram mencionados de maneira relevante nas páginas do livro, fazendo com que se estabelecesse conexão entre este documento e o contrato firmado entre eles e Christóvão Schmitt, referido no subcapítulo sobre a venda de Jacob Voges. Segundo o termo assinado entre as partes, a nova sociedade duraria de 1894 a 1899, envolvendo as firmas “Luiza Voges e Companhia” e “Carlos Voges e Companhia”. A leitura do livro-caixa sinalizou que a maior parte das transferências para a firma de Luiza Voges ocorreu justamente nos anos de 1894 e 1895: cinco e 267 quatro, respectivamente. Há uma transferência sem data, uma para 1893, uma para 1897, duas para 1899 e uma para 1900. No caso de Carlos Voges, seu nome foi citado cinco vezes no ano de 1894; afora isso, há quatro referências a contas que passaram para “firma nova”: uma em 1892, duas em 1894 e uma em 1895. A exceção, neste caso, é o ano de 1892, o qual não se encaixa no período da sociedade estipulada entre Luiza, Carlos e Christóvão (1894-1899). O que teria acontecido? Equívoco do vendeiro ao fixar o ano? Ou as partes já teriam algum tipo de negócio antes de firmarem o contrato? Junte-se a estas dúvidas a diminuição do prazo contratual para um ano, conforme retificação assinada pelos futuros sócios. Tudo que foi descrito e comentado até este momento colocou em evidência que a venda pode ter pertencido a Luiza Voges ou a Carlos Voges, quer como proprietários individuais ou sócios. De igual modo, as transferências de contas para outras firmas demonstraram que as partes envolvidas estavam efetuando uma espécie de divisão entre os fregueses, idéia reforçada pela classificação sintetizada na tabela 45. Tabela 46: Doações Página 291 Data 1894 132 25/9/1894 315 Nov/1894 Freguês Serafim Agostinho do Nascimento Martim Jacobi Ignacio Nunes Item “dinheiro maçonaria” “dinh. / p. palácio J. Castilho” “dinh. p. palácio Julio Castilho” Valor 108$000 5$000 5$000 A análise da tabela 46 reforçou a idéia de que a venda pertencia a Carlos Voges ou a Luiza Voges, quer como proprietários individuais ou sócios. As indicações sobre doação a entidades descritas nesta tabela ganham ar de veredicto 268 final ao resolverem esse enigma. As duas referências mais significativas demonstram que em setembro e novembro de 1894 foram feitas duas doações para o “palácio de Júlio de Castilhos”, cada uma de 5$000. O que isso tem a ver com a venda? Para responder a essa pergunta, faz-se necessário perseguir a trajetória política da família Voges. De liberais, migraram para o Partido Republicano RioGrandense (PRR), tendo como representantes o Major Adolpho Felippe Voges, liberal, e o Coronel Carlos Frederico Voges Sobrinho, republicano. As fontes existentes sobre a participação política de Voges Sobrinho junto ao PRR o descrevem como um republicano entusiasta e partidário. Portanto, é perfeitamente aceitável que a doação de 10$000 para o palácio de Julio de Castilhos proviesse de suas economias ou de um grupo de correligionários liderados por ele. Essa idéia é reforçada com o pedido de 10$000 para compra de armamento, feito pela direção do PRR a Torres, em 20 de julho de 1897. No documento analisado, seis doadores remeteram ao partido a quantia de 60$000.306 Deve ser observado, ainda, que em 1894 republicanos e federalistas estavam disputando o poder através da Revolução Federalista. No livro caixa, entre as folhas 310 a 315, constam nomes de soldados e seus superiores, os quais realizaram compras naquele estabelecimento, principalmente tecidos e alimentos. Como a Colônia de Três Forquilhas viu-se invadida ora por republicanos, ora por federalistas, é de se supor que os combatentes listados no livro fossem adeptos do PRR, pois inimigos ferrenhos dificilmente se tornariam fregueses de uma venda pertencente a uma família de republicanos.307 306 AHRS – Acervo particular Ruy Ruben Ruschel – Documentação original – maço 7 – caixa 3 – documento 12. 307 A listagem com todos os nomes referidos no livro caixa encontra-se nos Anexos. Ver Anexo XIII. 269 A terceira informação sintetizada na tabela 46 é tão original quanto as duas outras, uma vez que confirma as versões da tradição oral sobre a participação dos Voges e de outros membros da Colônia de Três Forquilhas junto à maçonaria, inclusive do professor Serafim Agostinho do Nascimento. Segundo Janaína Amado, a maçonaria “desenvolveu-se muito em São Leopoldo... especialmente na década de 1870... todos os fundadores, sem exceção, pertenciam à elite socioeconômica de São Leopoldo”. Os vinte e um membros fundadores, de acordo com a ata inaugural, compunham-se de “sete brasileiros e quatorze alemães e teuto-brasileiros”.308 Tomando-se as considerações da autora como referência, pode-se chegar ao entendimento de que as lojas da Colônia-Mãe e do LNRS (como a de Osório) observaram os mesmos padrões de funcionamento, principalmente no que tange à condição socioeconômica de seus membros. No conjunto, os dados relativos à maçonaria e à política permitem concluir que um vendeiro maçom e correligionário ativo do PRR manuseou o livro caixa ora analisado. De todas as personagens antes mencionadas, a única que se enquadra neste perfil é a de Carlos Frederico Voges Sobrinho. Portanto, finalmente pode-se afirmar que a venda localizada no “interior do município de Osório” pertencia à família Voges, embora tenha permanecido indefinido qual o papel de Carlos Frederico Voges Sobrinho, de Christóvão Schmitt e de Luiza Voges em todas as transações mencionadas nas páginas do livro-caixa. Os dados referentes à navegação e aos fretes de mercadorias retirados desse mesmo documento, os quais serão analisados no Capítulo VI, reforçam a assertiva de que a venda era propriedade dos Voges e que estava inserida na empresa de navegação lacustre pertencente aos mesmos agentes históricos. 308 AMADO, op. cit., p. 110-111; 132-133; notas 97, 98 e 99. Spliesgart identifica o pastor Meyer, também de Nova Friburgo, RJ, como maçon e liberal. Cf. SPLIESGART, op. cit., p. 403. 270 A venda de Carlos Jacoby O inventário de Carlos Jacoby foi aberto em 1879, mesmo ano de sua morte. Além de indicar que o inventariado havia comprado terras em Cima da Serra, nas localidades que hoje correspondem a Bom Jesus e Cambará do Sul, o documento traz a relação dos produtos e mercadorias comercializados em sua venda (ver Anexo I). De todos os inventários pesquisados, o de Carlos Jacoby foi o que trouxe maior diferença entre o valor total dos produtos e das mercadorias comercializados na venda e o valor atribuído ao restante dos bens. Anexas ao arrolamento patrimonial, há duas relações que merecem consideração: uma descreve os débitos, os quais chegaram a 14:837$880, e a outra os créditos, que totalizaram 12:098$660. De acordo com essas listagens, o inventariado devia mais do que tinha por receber. Estranha-se, justamente por isso, que o estoque da venda estivesse reduzido a meros 145$620, enquanto o proprietário lidava com somas que chegaram aos doze e quatorze contos de réis. Não obstante esse resultado negativo, Carlos Jacoby conseguira conquistar, ao longo de sua vida, diversas propriedades tanto no litoral quanto em Cima da Serra, as quais somaram 8:208$000. O que teria acontecido com a venda? Falência? Ou manobras cujo interesse era evitar pagamento de impostos? O fato de Jacoby ter sido juiz de paz e fazer parte de família “exponencial” da região lhe deu conhecimento suficiente para lidar com questões burocráticoadministrativas. Se usou a experiência acumulada neste cargo para burlar o fisco, ainda não se pode responder. No entanto, se os dados contidos no inventário insinuaram procedimento suspeito em relação à venda, no que se refere à transmissão total dos bens, é possível perceber que houve acertos entre sogra e nora para que o patrimônio 271 continuasse indiviso. Numa das páginas do documento, pode-se ler que Bárbara Jacoby, mãe do inventariado, desistiu de sua parte da herança – 4:052$200 – em troca de documento correspondente a 2:800$000. Dessa forma, equilibrou-se a diferença entre débito e crédito, salvaguardando-se todas as propriedades para a viúva. É bastante provável que Felisbina Jacoby tenha mantido a venda aberta durante os três anos em que permaneceu viúva, somando o seu patrimônio ao de Adolpho Felippe Voges, quando se casou com ele em outubro de 1882. Assim sendo, uniram-se em segundas núpcias dois comerciantes fortes da Colônia, os quais conseguiram que o estabelecimento comercial agora unificado adentrasse o século XX e chegasse às mãos do neto de Adolpho, batizado com o nome do avô. A descrição dos semoventes também aponta para atividade comercial interregional. Foram listados “sete mulas mansas” e “um burro de manada”, animais usados no transporte de mercadorias. Essa informação é complementada com duas listas de nomes: a primeira refere-se aos devedores que moravam no litoral; a segunda, aos que moravam “Serra Acima”. As propriedades territoriais, a venda, os animais e o elenco desses devedores não deixam dúvidas de que Carlos Jacoby manteve comércio com os Campos de Cima da Serra. Quanto à primeira listagem, foram 98 fregueses que fizeram algum tipo de negócio com o vendeiro. Destes, 81 eram nacionais, 15 alemães e 2 que não puderam ser identificados pelo sobrenome. O total dessa dívida ficou em 4:159$110, cuja média foi de 42$439. A segunda relação de fregueses tem 129 nomes, sendo que 123 eram nacionais, 4 alemães e 2 que deixaram de ser identificados. Eles contraíram 4:876$670 de dívida junto ao vendeiro, configurando-se a média em 37$803. Se não houve diferença abismal entre os montantes negociados pelos dois grupos, o número de pessoas que 272 estabeleceram vínculos comerciais com Carlos Jacoby impressiona: 227, sendo 98 no Litoral e 129 na Serra. O fato de haver 31 nomes a mais na lista que identificou os fregueses da Serra, reforça a idéia de que Jacoby extrapolou o espaço colonial e conquistou novas paragens para dar continuidade aos seus negócios. Afora essas duas listagens, o inventário de Carlos Jacoby apresenta relação de devedores intitulada “dívidas com documentos dos senhores”. São 10 nomes, os quais contraíram 3:062$880, decorrendo daí uma média de 306$288. Percebe-se, de imediato, que se trata de valores maiores do que os 42$439 e 37$803 referentes às médias mencionadas no parágrafo anterior. Neste caso, o documento não revela se os contraentes moravam no Litoral ou na Serra. O total das três dívidas somou os 12:098$660 apresentados como crédito de Carlos Jacoby. Por se tratar de um vendeiro, é pertinente transcrever nomes e valores daqueles que estavam na posição de credores. A tabela abaixo sintetiza essas informações. Tabela 47: Relação de dívidas de Carlos Jacoby “Relação das dívidas que ficou a dever o finado Carlos Jacoby. Em Porto Alegre os senhores” Nome José Luís Pereira, como consta de sua conta corrente no. 1 Francisco José Esteves Barboza, conta no. 2 Fraitag H e Cia, no. 3 Christiano Reaitres (?), AL no. 4 Frederico Benfeld, conta no. 5 Frederichs em depuclação, conta no. 6 Joaquim da Rocha Ramos, conta no. 7 João Alves Cantero, conta no. 8 Subtotal “Nas Três Forquilhas aos senhores” Valor 1:794$930 673$880 1:251$950 266$600 28$000 721$040 1:420$380 99$900 6:256$680 273 Pedro Jacobe, documento no. e 1º e prêmios Pedro Konig, documento no. 2 João Dahl e prêmios, documento no. 3 Filipp Konig e prêmios do documento no. 4 João Mauer, documento e prêmios no. 5 Christiano Jacoby Barbara Jacoby Carlos Mauer João Stuar Pedro Poppsim Antonio dos Santos Pedro Mittermann Antonio N. da Silveira Damião Gonçalvez Frederico José Saaus (?) Fermiano da Silva Aos herdeiros da viúva Apelonia Jacoby Staimmetz Manoel Antonio Alves Luiz da Silveira Marques Jacob Vargas Subtotal Total 2:070$000 700$000 428$000 127$000 1:920$000 260$000 100$000 40$000 10$000 30$000 500$000 210$000 560$000 100$000 300$000 30$000 40$000 450$000 208$000 45$000 453$200 8:581$200 14:837$880 A tabela 47 tem importância porque talvez seja a única que auxilie na comprovação de que os vendeiros do LNRS negociaram com as casas comerciais de Porto Alegre.309 Dadas as circunstâncias de transporte e deslocamento no século XIX, a menção às empresas estabelecidas na capital da província diminui a distância entre o LNRS e os grandes centros de negócios. Contudo, Carlos Jacoby também contraiu dívidas com os litorâneos, sobretudo com seus pares. As três maiores estavam comprometidas com famílias de maior destaque econômico, como a dele 274 próprio – “Jacobe” –, Mauer e König. Em termos unitários, as quantias devidas eram bem mais expressivas do que as que o vendeiro tinha como crédito; do mesmo modo, o percentual de alemães nos negócios de Jacoby era superior quando se tratava de contrair dívidas. Isso talvez possa ser explicado pela proximidade geográfica, o que facilitava o contato entre negociante e credores. Quanto aos produtos e mercadorias existentes na venda de Jacoby, o sortimento corresponde aos demais estabelecimentos comerciais pesquisados. No entanto, se a declaração da viúva for comparada com a que os herdeiros de José Raupp elaboraram, a diferença que se configura entre as duas é abismal: o estoque de Raupp contabilizou 3:231$750, sem contar os 2:554$000 de aguardente e açúcar, enquanto o de Jacoby, apenas 145$620. Neste caso, as semelhanças pesam contra a viúva e a mãe, as quais aparentemente esconderam parte do estoque. Ambas as vendas estavam localizadas no litoral, uma em Torres e outra no Vale do Três Forquilhas; as duas tinham comunicação com ambientes externos: a de Raupp com a província de Santa Catarina e com os altos da Serra, através da estrada da Glória, e a de Jacoby com a abertura do vale em direção à planície litorânea e os Campos de Cima da Serra, via Serra do Pinto. Afora isso, os dois inventariados faleceram na mesma década, sendo que o inventário de José Raupp foi aberto em 1873, enquanto o de Carlos Jacoby em 1879. Apesar de todos esses indícios, fica-se sem saber por que a venda de Jacoby teve seu estoque avaliado em valor tão reduzido. Pode-se perguntar se estava doente e liquidando o comércio, ou, então, colocando em prática os conhecimentos adquiridos com a ocupação de cargos jurídico-burocrático-administrativos. 309 Pelo menos um dos nomes descritos na tabela 47 foi localizado nas listas elaboradas por Gans. 275 A venda de José Raupp em Torres José Raupp integrou a caravana dos colonos que foram enviados à Colônia das Torres em 1826. Como se verá no Capítulo VII, ele possivelmente tenha despontado sua liderança desde cedo, pois já em 1829 teria conquistado o lugar de juiz de paz. Certamente foi um colono abastado, estabelecendo-se nas cercanias de Torres. Pôde ser levantado do seu inventário um plantel de quatorze escravos, avaliados em 7:900$000, vinte e quatro propriedades territoriais, as quais somaram juntas o valor de 13:944$500, sendo que três foram declaradas como pertencentes à província de Santa Catarina, inúmeras benfeitorias, como atafona, olaria, engenho, alambique, curtume, lancha e iate, além de cinco bestas, normalmente usadas nas lides do comércio. Afora estes bens, José Raupp também possuía uma venda, descrita em detalhes no inventário (ver Anexo II). A relação das propriedades territoriais de José Raupp confirmou uma antiga dúvida: os colonos fixados no LNRS ficaram circunscritos a ele? Ou de imediato alguns mais intrépidos atravessaram o rio Mampituba e se estabeleceram em terras catarinenses? O trabalho de Diego de Melo Her sobre o Vale do Mampituba310 trouxe as primeiras respostas para essas indagações, as quais são respaldadas pelas informações contidas no documento pós-morte de Raupp. Neste caso, o inventariado havia adquirido grandes extensões na província de Santa Catartina, uma com 2.030 braças de campos no lugar chamado Lagoinhas, avaliada em 2:000$000; outra com 1.130 braças na mesma localidade, considerada em 2:169$000, e uma terceira que consistia em “dois quinhões de terra de campos e Na página 59, a autora registrou que Heinrich Freytag era “comerciante e importador de manufaturas e fazendas”, sediado à rua Sete de Setembro, na capital da província. Cf. GANS, op. cit., p. 59. 276 banhados no Morro do Sombrio”, cujo valor chegou a 690$000. Não há mais por que duvidar que colonos alemães chegados ao LNRS, sobretudo os católicos que ficaram mais próximos de Torres, atravessaram a fronteira do Rio Grande do Sul com Santa Catarina, tanto para morar e trabalhar, quanto para investir. O interesse de José Raupp em adquirir terras na província vizinha contribuiu para elucidar essa questão. No entanto, ser proprietário de terras em Santa Catarina demonstra algo mais do que o olhar atento do negociante para novas oportunidades. A situação econômica de Raupp colabora de maneira enfática para derrubar a tese do isolamento, uma vez que o comerciante constituiu-se na prova viva de que o LNRS comunicava-se com outras regiões. Além da província catarinense, a descrição das terras aponta para intercâmbio com os Campos de Cima da Serra, também efetuado por colonos evangélico-luteranos de Três Forquilhas. Das vinte e quatro propriedades elencadas, pelo menos nove estavam posicionadas na região limite entre a planície e a subida da serra. Certamente o fato de estar fixado em Torres facilitou o contato com catarinenses e serranos, com os quais manteve diálogo e fez negócios. Todavia, para que houvesse comunicação entre José Raupp e as pessoas com as quais realizou algum tipo de transação, eram necessários veículos que permitissem encontro pessoal e busca/entrega de mercadorias. Mais uma vez, o rol dos bens descritos no inventário deu pistas sobre a maneira como o comerciante resolveu essa dificuldade. Está listado no documento que Raupp possuía “uma lancha velha”, de apenas 50$000, mas também “um iate” de 2:000$000; além disso, 310 HER, Diego de Melo. Alemães no Vale do Mampituba. In: ELY, Nilza Huyer (Org.). Torres: marcas do tempo. Porto Alegre: EST, 2003, p. 104-106. 277 havia a tropa de cinco bestas, avaliadas em 200$000, e mais nove cavalos e dezoito “éguas de cria”, sendo que estes últimos animais foram considerados em 180$000. Deve ter sido extremamente importante para José Raupp possuir o iate e as bestas. Sem esses veículos de deslocamento e carga, dificilmente o comerciante poderia ter atingido regiões tão distantes, se forem consideradas as condições das estradas no século XIX. O trabalho executado pelo Tenente-Coronel Francisco de Paula Soares, iniciado antes mesmo da chegada dos imigrantes alemães, facilitou o contato de litorâneos e serranos através da estrada da Glória, que ligava a região de Torres com os altos da Serra. Para esse tipo de contato, as bestas eram o melhor meio de locomoção; por outro lado, havia o rio Mampituba, navegável no sentido mar-interior, que certamente propiciou rápido deslocamento para pessoas e mercadorias. De certa forma, a perspicácia de Raupp pode ser comparada à de Voges, sediado no Vale do Três Forquilhas, que também valeu-se das trilhas que levavam aos Campos de Cima da Serra, via Serra do Pinto, por exemplo, e do manancial de lagoas que a natureza proporcionou aos litorâneos. Voges rapidamente vislumbrou grandes possibilidades ao priorizar o transporte via lagoas. Portanto, dentro e fora do espaço compreendido pelo LNRS, Raupp e Voges acabaram se tornando rivais, competidores no quesito comerciante/negociante. Quanto à tabela que descreve os itens comercializados na venda de José Raupp (Anexo II), sobressaem-se tecidos e vestuário, ferramentas, armas e munição, utensílios para lides domésticas, remédios/medicação e o estoque de cem pipas de aguardente, para as quais se atribuiu o valor de 2:000$000, e cento e vinte arrobas de açúcar, avaliadas em 554$000. As mercadorias e produtos descritos não fogem à regra, demonstrando que o comerciante procurava suprir todas as 278 necessidades de seus fregueses. O fato de ter em estoque grande quantidade de aguardente e açúcar pode estar evidenciando que ele mesmo produzia, uma vez que foi declarado que a família era proprietária de alambique e engenho, ou que os negociava com colonos no sistema de troca, isto é, estes entregavam produtos colhidos ou manufaturados para o vendeiro e, em contrapartida, levavam para casa tudo o mais de que necessitavam, sem haver, muitas vezes, o uso de moeda para pagamento de parte a parte. Ao contrário, as transações entre vendeiros e fregueses eram anotadas numa simples caderneta. A venda de Carlos Frederico Voges em Taquari O inventário de Carlos Frederico Voges, filho do pastor Voges, estabelecido em Taquari, é o mais completo de todos quando se trata do tema em questão. Um dos dados mais significativos transcrito no documento é a relação das casas comerciais de Porto Alegre com as quais o vendeiro negociou. Pedidos e notas anexados ao inventário trouxeram não só o nome da empresa, mas a data em que a transação foi efetuada, o endereço na capital e o montante que o comerciante havia comprado. A tabela abaixo sintetiza esses dados. 279 Tabela 48: Empresas fornecedoras de Carlos Frederico Voges Data 10/5/1895 S/data 10/3/1896 30/6/1895 9/4/1895 24/5/1895 S/data 30/6/1895 28/12/1894 18/12/1894 30/11/1894 28/5/1895 14/6/1895 30/6/1895 14/5/1893 17/5/1895 17/4/1894 23/9/1895 5/7/1895 4/10/1895 6/?/1895 30/4/1895 TOTAL: Empresa Endereço Almeida Brandão Rua 15 de Novembro, 5 e 7 Azevedo Irmãos e Cia S/endereço Barcellos e Soares S/endereço Brutschke e Harbich Rua 15 de Novembro, 43 Brutschke e Harbich Rua 15 de Novembro, 43 C. Pohlmann e Cia S/endereço Domingos Martins P. e Sousa (grande fábrica a vapor de cigarros e fumos especiais) Praça 15 de Novembro, 49 Fanfa e Azambuja S/endereço Fernando Rech e Cia Rua 7 de Setembro, 96 Fernando Rech e Cia Rua 7 de Setembro, 96 Fernando Rech e Cia Rua 7 de Setembro, 96 Fernando Rech e Cia Rua 7 de Setembro, 96 Fernando Rech e Cia Rua 7 de Setembro, 96 Frederico Dexheimer e Cia S/endereço Frederico Dexheimer e Cia S/endereço J. G. Magnus Praça 15 de Novembro, 39 Jacob Kappel (fábrica de sabão e Rua Voluntários da Pátria, 431 velas) L. Masson Sobrinho e Cia Rua Voluntários da Pátria, 143 Reys, Reuter e Co. Rua 7 de Setembro Rosa, Lopes e Cia Rua 15 de Novembro, 179 Schröder e Cia S/endereço Sebastião de Barros S/endereço Valor 206$580 722$740 600$000 180$000 102$000 2:228$000 76$000 2:761$000 159$800 258$000 939$000 1:199$820 50$000 481$700 1:006$100 556$000 55$000 209$000 309$000 54$000 194$000 1:123$060 13:470$800 280 Figura 13: Família de Carlos Frederico Voges em Taquari Fonte: Arquivo pessoal de Nilza Huyer Ely Das quinze empresas listadas na tabela 48, oito foram registradas com nomes ou sobrenomes estrangeiros, enquanto sete se referem a nomes de origem nacional. O total do valor transacionado é elevado, ultrapassando os treze contos de réis. Magda Gans, ao analisar a presença teuta em Porto Alegre, constatou que havia um número expressivo de médios e grandes negociantes alemães na capital da província. Das oito empresas identificadas como estrangeiras, cinco puderam ser localizadas nas listagens elaboradas por Gans: C. Pohlmann e Cia, Frederico Dexheimer e Cia, Jacob Kappel, L. Masson Sobrinho e Cia e Reys, Reuter e Co. Deve ser levado em consideração que o levantamento da autora compreendeu os anos de 1850-1889, enquanto o inventário de Carlos Frederico foi aberto em 1895. 281 Nesse intervalo, pode ter havido formação e dissolução de sociedades, mudança de endereço ou de nome da empresa, entre outras alterações que inviabilizaram a comparação total dos dados, sem que isso diminua a importância do entrecruzamento dessas informações, as quais ratificam o valor do inventário analisado.311 Tabela 49: Balancete I (6/7/1895) ATIVO Descrição Dinheiro Fazendas Louça Ferragem Secos e molhados Subtotal Balança para balcão Medidas diversas Balcão Armações Devedores Total PASSIVO Contas a pagar De Brutsche e Harbich De Frederico Dexheimer e Cia De Domingos M. Pereira e Souza De Fernando Reich e Cia Total Capital líquido Valor Valor 87$520 4:322$570 129$920 626$552 3:418$586 8:585$148 12$000 12$000 15$000 160$000 2:604$840 11:388$988 102$000 446$000 19$000 1:257$000 1:824$000 9:565$488 O primeiro balancete realizado para fins de inventário resumiu as mercadorias vendidas no estabelecimento de Carlos Frederico. Como em todas as vendas, havia fazendas (tecidos e vestuário), louça e ferragem. Porém, despontou desta relação o item “secos e molhados”, para o qual foi atribuída a importância de 311 GANS, op. cit., p. 52-72. 282 mais de três contos de réis. Diferentemente da maioria das vendas aqui analisadas, o comércio de Carlos Frederico estava localizado em área colonial mais desenvolvida, o que talvez exigisse do vendeiro colocar à disposição de seus fregueses mercadorias que se enquadrassem nesse item. Tabela 50: Balancete II (9/10/1895) ATIVO Descrição Cordão de ouro Dinheiro Subtotal Fazendas Ferragem Louça Secos e molhados Subtotal 1 carroça boa 1 carro para armazém 1 terno de medidas para líquidos 1 terno de medidas para secos 1 terno de pesos de latão 1 balança em mau estado 1 balança decimal 1 tina para lavagem Subtotal 1 cama 1 lavatório com pedra 1 relógio Subtotal Devedores Total PASSIVO Contas a pagar A. Brandão e Cia Azevedo Irmãos e Cia Barcellos e Soares Brutschke e Harbich Fanfa e Azambuja Fernando Rech Frederico Dexheimer e Cia J. G. Magnus Jacob Kappel Valor Valor 75$000 1:652$130 1:727$130 6:297$656 934$190 162$440 1:123$630 8:518$916 130$000 32$000 3$500 12$000 5$000 8$000 30$000 2$500 223$000 10$000 35$000 8$000 53$000 4:978$460 15:500$506 195$000 722$720 806$000 180$000 2:115$600 1:156$800 281$700 556$000 55$000 283 L. Masson Sobrinho e Cia Pohlmann e Cia Reys, Reuter e Cia Rosa e Lopes Schröder e Cia Sebastião de Barros Total Saldo líquido 209$000 1:728$000 343$000 54$000 215$940 1:183$000 9:801$760 5:698$746 O segundo balancete realizado para o inventário de Carlos Frederico, organizado três meses após o primeiro, trouxe mais informações sobre a venda. Foram arrolados os itens que se repetiram em todos os estabelecimentos, mas também “uma carroça boa”, um “carro para armazém”, ternos usados como medida e balanças. De fato, uma venda não poderia funcionar sem esses utensílios. Na descrição do passivo, a lista das empresas é maior do que a sugerida no balancete 1, embora o valor da dívida – 9:801$760 – não tenha chegado aos 13:470$800 apresentados na tabela que descreve as empresas de Porto Alegre com as quais Carlos Frederico negociou. Tabela 51: Relação de devedores (30/9/1895) Origem Alemães Luso-brasileiros Total Total da dívida Média por devedor Número 9 43 52 2:604$840 50$093 Tabela 52: Relação de devedores (12/10/1895) Origem Alemães Luso-portugueses Sem identificação Total Total da dívida Média por devedor Número 10 68 1 79 4:978$460 63$018 284 Da mesma forma que foram organizados dois balancetes para comparar ativo e passivo, houve a exigência de elaborar duas listagens com nomes de devedores que contraíram dívidas junto à pessoa ou à venda de Carlos Frederico. Na primeira, de 30 de setembro, elencaram-se 52 nomes, os quais ficaram devendo, em média, 50$000 e, na segunda, de 12 de outubro, listaram-se 79 devedores, sendo que cada um contabilizou, em média, 63$000 de dívida. Para além dos números, em ambas as listagens apareceram, predominantemente, nomes de fregueses luso-portugueses. Isso significa que aquele comerciante, de origem alemã, travou diálogo e fez negócios com outras etnias que não a sua. Essa constatação ganha força quando se percebe que a proporção fregueses alemães versus nacionais, evidente no inventário de Carlos Frederico, não foi exceção; pelo contrário, em praticamente todos os documentos analisados nos quais houve a descrição dos devedores, manteve-se essa lógica que contraria, desde o século XIX, a acusação de “quisto étnico” em relação às Colônias alemãs.312 As vendas no cenário colonial Afinal, as vendas ocuparam lugar de destaque no cenário colonial? Pela análise dos estabelecimentos comerciais estudados neste capítulo, pode-se afirmar que sim. De fato, as vendas constituíram-se numa das peças-chave para o desenvolvimento da Colônia alemã. Foram, sem dúvida, um locus colonial privilegiado, onde vendeiro e freguês negociavam, repartiam novidades e tomavam partido nas mais diversas situações. O documento escrito a próprio punho por Carlos Frederico Voges Sobrinho, no qual o vendeiro comunicou ao “amigo Antonio” que 312 Ver o capítulo intitulado “Nacionalização”, em GERTZ, René E. O Estado Novo no Rio Grande do Sul. Passo Fundo: UPF, 2005a, p. 144-177. 285 ainda não estavam cobrando o imposto territorial, dá outro caráter à venda, uma vez que esse tipo de estabelecimento não se limitava à troca e/ou à compra e venda de mercadorias. Em nenhum dos casos estudados neste capítulo a venda ficou reduzida à sua função inerente. Neste exemplo, o comerciante também recolhia os impostos referentes às propriedades territoriais e os repassava às autoridades competentes. Destacam-se, ainda, deste documento, a gravação das iniciais do nome do vendeiro, “C. F. V. Sobr.“, e a assinatura de Carlos Frederico Voges Sobrinho como “Cel”, título conquistado a partir de sua inserção no PRR. A menção à gravação das iniciais do nome do vendeiro tem certa relevância, pois o serviço foi executado numa oficina gráfica, muito possivelmente sediada em Porto Alegre. Além de representar organização e refinamento no modo de lidar com o negócio, o vendeiro desejava ser reconhecido, de imediato, por todos aqueles que recebessem e vissem a folha avulsa selada com as iniciais do seu nome.313 Outra questão fundamental diz respeito à tese do isolamento, ou seja, a própria existência da venda auxilia no combate a essa falsa idéia de que houve Colônias quase que totalmente isoladas. Os empreendimentos analisados neste capítulo, quer em São Leopoldo, Três Forquilhas, Torres ou Taquari, mostraram que o vendeiro se comunicava e negociava com Porto Alegre, que extrapolava a microregião onde seu comércio estava sediado e que atendia a fregueses de outras origens, sobretudo açorianos e portugueses. Ao se comparar as mercadorias vendidas em cada estabelecimento comercial, percebe-se que as necessidades eram as mesmas: vestuário, medicação, alimentos não produzidos na colônia, como o sal, objetos e ferramentas para a lide diária e armas de diversos tipos. Não se 313 O documento ora analisado pertence ao Acervo Particular de Olivia Medeiros de Aguiar, a quem 286 encontrou nenhuma diferença entre a venda de Carlos Frederico Voges, Carlos Jacoby e José Raupp no quesito “produtos e mercadorias”. Dando continuidade à síntese deste capítulo, a existência e a importância das vendas no cenário colonial não pode ser fixada dentro dos limites propostos por Janaína Amado, a qual defende que os comerciantes tornaram-se mais visíveis e enriqueceram de modo mais significativo após a segunda metade da década de 1840, quando São Leopoldo perdeu as características de comunidade e assumiu as funções de vila, o que teria exigido, de acordo com a autora, novos posicionamentos dos agentes históricos ligados àquele núcleo.314 Tramontini relativizou as considerações de Amado, localizando a atuação dos vendeiros da Colônia-Mãe desde o início da colonização.315 Os casos estudados em relação ao LNRS, como Voges e Raupp, os quais atuaram nesta mesma categoria desde a fixação no espaço litorâneo, ratificam as afirmações de Tramontini. Do mesmo modo, a venda de Voges e a sua longa permanência ao longo dos séculos XIX e XX, passando para as mãos de filho, neto e bisneto, permitem relativizar as considerações de Amado no momento em que a autora esquematizou o funcionamento de toda a estrutura comercial da Colônia. Segundo Amado, o produto colhido ou fabricado na propriedade do colono passaria, primeiro, para as mãos do vendeiro “rural”, depois para as do vendeiro “do núcleo” e, por fim, chegaria a Porto Alegre.316 agradeço por ter disponibilizado o acesso a esse material. 314 Amado explicitou as diferenças entre os dois períodos nos títulos dos capítulos: “igualdade social” para o tempo em que os colonos viveram em comunidade e, “desigualdade social”, para a época que se iniciou com a elevação do núcleo à categoria de vila, em 1846. Ver: AMADO, op. cit., p. 33-76; 77134. 315 TRAMONTINI, op. cit., 2000; p. 327-331. 316 Ver esquema apresentado pela autora. AMADO, op. cit., p. 37. 287 As vendas analisadas neste texto não permitem que se generalize o esquema apresentado por Amado, ao contrário, a forma com que Voges montou seu comércio, aliando-se à navegação pelas lagoas do LNRS, permitiu que estabelecesse conexão direta entre Colônia e capital da província. Pode-se dizer que Voges conseguiu reunir em torno de seu estabelecimento comercial as funções dos vendeiros apresentados por Amado. O próximo capítulo, no qual um dos temas gira em torno do transporte de mercadorias, complementa algumas questões apresentadas neste texto, sobretudo aquelas que vinculam a venda à navegação pelos rios e pelas lagoas. Ver-se-á que houve estreita aproximação entre os dois negócios – comércio e vai-e-vem de mercadorias. CAPÍTULO VI – O ESTEIO DA VENDA: TRANSPORTE FLUVIAL E TERRESTRE Homens que da sua terra não saem são navios que acabam no estaleiro: errando por este mundo, se aprende a não errar.317 As primeiras descrições da Colônia de São Leopoldo já identificavam o rio dos Sinos como um elemento da natureza indispensável para o progresso do núcleo de imigrantes alemães recém-formado. Desde logo, ficou visível que proprietários de lanchões e de outros tipos de embarcação controlariam o transporte através dos rios, sobretudo aqueles que estivessem ligados às casas de comércio, tanto da Colônia quanto da capital da província. Inúmeros estudos apontaram para a relevância desse tipo de serviço, tanto nos rios ligados aos vales, quanto nas lagoas do LNRS318, demonstrando que o desenvolvimento da Colônia-Mãe esteve profundamente interligado à expansão e ao incremento da navegação. De acordo com Dalva Reinheimer, o rio dos Sinos foi significativo numa região onde desenvolveu-se uma sociedade que em poucas décadas, de 1824 a 1850, passou de uma base essencialmente agrícola para o exercício de todas as atividades que compõem a divisão de trabalho: agricultura, artesanato, comércio, indústria e serviços, e, através dessas atividades, integrou-se na evolução do Rio Grande do Sul e do Brasil.319 A importância do rio dos Sinos pode ser evidenciada através dos inúmeros relatórios que, constantemente, eram enviados às autoridades provinciais. O de 317 José Bonifácio de Andrada e Silva (1763-1838), político paulista. 318 Ver: REINHEIMER, Dalva Neraci. As colônias alemãs, rios e Porto Alegre: estudo sobre imigração alemã e navegação fluvial no Rio Grande do Sul (1850 – 1900). Dissertação [Mestrado]. São Leopoldo, 1999. Programa de Pós-Graduação em História – UNISINOS, 1999; e SILVA, op. cit. Reinheimer prosseguiu com os estudos sobre navegação, analisando como esse setor da economia gaúcha relacionou-se com o governo republicano. Ver: REINHEIMER, Dalva Neraci. A navegação fluvial na República Velha gaúcha, iniciativa privada e setor público: ações e implicações dessa relação. Tese [Doutorado]. São Leopoldo, 2007. Programa de Pós-Graduação em História – UNISINOS, 2007. 319 REINHEIMER, op. cit., 1999; p. 30. 289 1867, redigido pelo engenheiro Antonio Eulautherio, já sugeria que havia a necessidade de se trabalhar o leito do rio, possibilitando a navegação em todas as estações do ano. Segundo o relator, as “grandes voltas” que o rio apresentava nas proximidades da Feitoria Nova e a “baixa das águas de S. Leopoldo para cima” poderiam ser consideradas dois grandes empecilhos para o bom desempenho dos transporte de mercadorias. Contudo, essas dificuldades não impediram que comerciantes da Colônia do Mundo Novo (hoje Taquara) se tornassem, também, proprietários de embarcações e incrementassem seus negócios através da navegação via rio dos Sinos. De acordo com dados apresentados por Reinheimer, em 1854, os nove comerciantes do Mundo Novo possuíam dezesseis embarcações.320 De fato, a excepcional localização de São Leopoldo à beira do rio dos Sinos, bem como dos outros núcleos que foram se formando à medida que a Colônia-Mãe estendia seus tentáculos, parece ter interferido diretamente no crescimento da Colônia. Os dados compilados por Reinheimer e a análise efetuada pela autora indicam que é bastante difícil olhar para a Colônia de São Leopoldo do século XIX sem levar em conta a presença do rio. No que se refere ao LNRS, apesar de não ser determinante, a sua situação geográfica despontou como um dos elementos importantes na relação comercial que este espaço manteve com outras regiões, inclusive, com outras províncias. Assim sendo, os aspectos geográficos merecem destaque, pois formaram, ao longo do tempo, um rico e complexo sistema da natureza, onde se encontram mar, lagoas, rios, planície costeira e serra geral.321 Por inúmeras vezes as câmaras municipais 320 Cf. REINHEIMER, op. cit., 1999; p. 32. 321 Em 1859, a câmara municipal de Conceição do Arroio remeteu uma série de relatórios ao presidente da província, descrevendo a geografia do município. Segundo as informações contidas neste documento, o distrito de Conceição do Arroio contava com 28 lagoas e 10 rios, arroios e 290 valeram-se desta diversidade de barreiras naturais - lagoas e serra geral, por exemplo - para fazer reclamações e solicitações junto às autoridades provinciais. O lamento mais expressivo era aquele que solicitava a abertura ou o melhoramento dos caminhos que interligavam o LNRS com a capital da província e os Campos de Cima da Serra. Sobre este aspecto, contribuição relevante acerca do espaço litorâneo pode ser encontrada nos trabalhos de Ruy Ruben Ruschel, estudioso que tentou reconstituir os dois caminhos pioneiros do Rio Grande do Sul: o “Caminho do Litoral” e o “Primeiro Caminho do Planalto”. O primeiro caminho estava mais próximo da praia, sendo denominado, posteriormente, de Estrada da Laguna. Conforme o autor, esta via estendia-se “de nordeste a sudoeste ao longo do Oceano Atlântico, na planície costeira que existe entre o sistema lacustre e o mar. Às vezes os historiadores preferem chamá-la de Estrada da Laguna”.322 sangradouros; o distrito de Palmar, com 22 e 4; o distrito de Maquiné, com 2 e 6; e o distrito de São Domingos das Torres, com 4 e 8, respectivamente. “Destes são 12 rios, 8 arroios e 8 sangradouros. Todos navegáveis em maior ou menor calado de água e além destes sangradouros há muitos outros; porque as lagoas se comunicam por meio deles, os quais se deixa de referir por terem sido explorados e nem medidos”. O relatório refere-se, igualmente, aos treze passos de rios e lagoas existentes no município de Conceição do Arroio, que eram, nas palavras de hoje, “terceirizados” a possíveis interessados, os quais pagavam tributo pelo direito de explorá-los por determinado período. AHRS – Autoridades municipais – Correspondências das câmaras – lata 114 – maço 55 – 1859 – Conceição do Arroio. 322 Cf. RUSCHEL, Ruy Ruben. Os dois caminhos pioneiros do Rio Grande do Sul. In: BARROSO, Véra Lucia Maciel (Org.). Raízes de Santo Antônio da Patrulha, São Francisco de Paula e Tramandaí. Porto Alegre: EST, 1992, p. 215-233, p. 217. 291 Figura 14: Mapa Caminhos do litoral Fonte: BARROSO (1992, p. 67) Ruschel também mostrou a proximidade que havia entre as províncias do Rio Grande do Sul e de Santa Catarina através deste meio de ligação terrestre. O pesquisador destacou uma série de características fisiográficas do trecho estudado, a fim de que o espaço pudesse ser compreendido em sua totalidade. 292 Conforme Ruschel, o mais antigo dos dois rumos de penetração percorre a planície arenosa quaternária que se prolonga desde o sul do atual Estado de Santa Catarina (Laguna) até a fronteira do Chuí. No trecho que nos interessa, o caminho permanece no estreito (2 a 3 Km) corredor entre o sistema lacustre litorâneo e o mar. Entra no Rio Grande do Sul na barra do Rio Mampituba... São aproximadamente 100 Km planos, quase ao nível marítimo, com só dois obstáculos de monta a vadear, os dois rios que marcam seus extremos Mampituba e Tramandaí.323 Ao se mencionar a ligação entre as duas províncias sulinas, constata-se que o estudo da história do LNRS fica prejudicado se forem desconsiderados os pólos atrativos mais relevantes deste espaço: as cidades de Laguna e Torres. A primeira, em razão de sua posição geográfica favorável, havia se tornado uma das portas de entrada para a então província do Rio Grande de São Pedro. Vale lembrar que, depois da “Laguna dos patos”, o próximo porto era Rio Grande, o qual oferecia uma série de perigos às embarcações que nele atracavam, localizando-se bem mais distante de Torres do que a cidade catarinense. A segunda cidade, último baluarte da província rio-grandense, servia de barreira natural para a defesa da parte mais meridional do Brasil, tanto que em uma de suas “torres” foi construído um forte para abrigar tropas imperiais permanentes. No que se refere à fundação da Colônia alemã das Torres, quando o governo imperial decidiu fundar ali um estabelecimento com imigrantes alemães, o local escolhido para o primeiro assentamento ficava à beira de uma estrada que comunicava o litoral com Cima da Serra. Então, o objetivo inicial desta Colônia seria o de impulsionar a ligação destes dois espaços, servindo como mercado abastecedor e de trocas. Deduz-se deste fato que, pelo menos num primeiro momento, a Colônia alemã das Torres não deveria cumprir o mesmo papel que São 293 Leopoldo em relação a Porto Alegre. Cada uma fora criada para direcionar-se a regiões distintas, com propósitos definidos de acordo com o espaço e as habilidades de seus ocupantes. Outro autor que também se reportou ao espaço compreendido entre Laguna/SC e o LNRS foi Raymundo Faoro, o qual considerou a fundação de Laguna “em 1682 ou 84” uma estratégia do governo português com o objetivo de garantir a posse do território sulino. Conforme Faoro, “a fundação de Laguna, em 1682 ou 84, forneceu à Colônia um ponto de apoio mais próximo para acudi-la das aperturas em que a colocavam o índio, industriado pelo jesuíta, e o castelhano”.324 Para que o Sul estivesse definitivamente incorporado a Portugal, ainda era necessário reconhecer o que estava além da linha imposta pelo Tratado de Tordesilhas. Após a concretização desta medida o Reconhecimento determinou a ocupação definitiva do solo, a partir de Laguna para o sul, pela gente de Brito Peixoto e pelo próprio João Magalhães, passo a passo, via Tramandaí, buscando Viamão, rumo ao Guaíba, à magnífica rede interior navegável do Continente, desde a barra do Rio Grande até aos afluentes do Guaíba... As estâncias invadem a faixa que vai do rio Tramandaí ao canal do Rio Grande, condensando-se na zona de Viamão, centro geográfico desse movimento de populações.325 Da mesma maneira, Jean Roche também contemplou Laguna em seus estudos. Sobre a relevância desta cidade catarinense e do litoral do Rio Grande do Sul, ele escreveu: Seus primeiros habitantes [do RS] vieram de um estabelecimento fundado em 1684 no território da Capitania-Geral de São Paulo, na extremidade da Baía de Santa Catarina, Laguna... Armada por motivos econômicos, Peixoto 323 RUSCHEL, op. cit., 1992; p. 218. 324 FAORO, Raymundo. Rio Grande do Sul: linhas gerais de sua formação política. In: Revista Brasileira de Cultura. Rio de Janeiro, n. 3, ano II, p. 87-109, jan./mar., 1970, p. 89. 325 FAORO, op. cit., 1970; p. 90. 294 mandou Magalhães ocupar, em 1725, o litoral entre Tramandaí e o Canal de Rio Grande, instalando-se ele no local de São José do Norte.326 Fica demonstrado, com essa delimitação geográfica, a importância do LNRS como elo de ligação entre o Sul e o restante do Brasil desde o século XVI.327 Paradoxalmente, esta breve consideração sobre o espaço litorâneo retoma a tese do isolamento, fragilizada quando se analisa a proximidade do LNRS com o sul de Santa Catarina sob os seguintes aspectos: o trânsito humano entre as duas províncias, o comércio instituído entre rio-grandenses e catarinenses e a relevância dos tropeiros para o desenvolvimento destas regiões. Sobre as Colônias de São Leopoldo e das Torres, ainda são relativamente poucos os estudos que estabelecem conexões entre o meio de transporte usado nas lagoas do LNRS e nos rios que encurtavam a distância entre as Colônias e Porto Alegre. Afora aprofundar o debate em torno deste tema e apresentar novas fontes, pretende-se, também, unificar a visão sobre o uso da navegação, e relacionar o empreendimento fluvial com o das vendas. 326 ROCHE, op. cit., p. 23. Aos trabalhos ora referidos, pode-se acrescentar o censo de 1784/85, em que é destacada a diversidade das propriedades rurais do LNRS. 327 Sobre a importância do litoral sul para a consolidação do território brasileiro, ver: WITT, Marcos Antônio. As incursões dos jesuítas portugueses no Litoral Norte do Rio Grande do Sul. In: BARROSO, Véra Lucia Maciel et al. (Orgs.). Raízes de Santo Antônio da Patrulha e Caraá. Porto Alegre: EST, 2000b, p. 313-316. 295 Figura 15: Folder turístico apresentando o Litoral Norte do Rio Grande do Sul Quanto ao primeiro enfoque, defende-se a idéia de que praticamente não houve distinção entre as empresas fixadas nos vales ou no LNRS. Ao contrário, por um longo período, as mesmas famílias que controlavam lanchões e vapores no rio dos Sinos tornaram-se sócias de parentelas “exponenciais” do litoral, unindo interesses que perpassaram laços afetivos e chegaram aos econômicos. No que se refere ao segundo enfoque, o estudo desenvolvido a partir do livro-caixa da venda 296 que pertenceu à família Voges (Capítulo V) deixou visível que comércio e transporte eram percebidos como negócios inseparáveis. As tabelas 53 e 54, abaixo analisadas, servem de base para essas considerações. Tabela 53: Frete e navegação Página 340 340 21 32 288 14 223 308 159 159 132 132 132 132 309 346 305 305 348 348 348 Data Freguês Item s/data Alfredo Barovski “transporte livro memorial 5:229$960” s/data Alfredo Barovski “haver as madeiras entregue na pinguella a Carlos Diehl?” 1888 – 93 Bento Manoel Paz “recebi em frete” 1888 – 93 Bento Manoel Paz “a Carlos Diehl” 20/9/1893 Amandio José Pereira “recebi 2 fretes de Lauterio” 25/9/1893 Antonio L. Pereira “1 frete do Constantino” 16/2/1894 Guilherme Jacobi “frete que paguei das pipas” 3/9/1894 Luis Maier “recebi 1 frete de 1 carrada de farinha a 5$000 e 3 pipas porto a 9$000” 1/12/1894 Pedro Schmitt “recebi 2 fretes do porto a 3$000” 1/12/1894 Pedro Schmitt “recebi 3 fretes 1 de pipa e 2 de carga do porto” 1895 Martim Jacobi “frete de uma carreta com 80@ de carga de P. Al. a Pinguella” 1895 Martim Jacobi “frete da chata” 1895 Martim Jacobi “frete de 2 pipas a P. Alegre” 1895 Martim Jacobi “guias de 2 pipas em Palmares” 31/1/1895 José Stumpf “serviço em Palmares” 1900 João H. Setter “importância Diehl e Dreher” Fev. e março 1900 Guilherme Brehm Sobrinho “1 frete até a casa de telha (ano passado)” Fev. e março 1900 Guilherme Brehm Sobrinho “1 frete até casa de telha por saldo” 25/7/1900 “Dinheiro entregue por “por João Maria ao carreteiro João H. Setter” Brehm” 17/11/1900 “Dinheiro entregue por João H. Setter” “por Diehl e Dreher” 5/12/1900 “Dinheiro entregue por João H. Setter” “por Diehl e Dreher” Valor 5:229$960 s/valor 128$000 130$000 8$000 3$000 7$000 14$000 6$000 8$000 60$000 24$000 54$000 6$000 60$000 121$200 8$000 6$150 8$000 480$000 230$000 297 Tão importante quanto o transporte fluvial era o frete das mercadorias até o local do embarque, do qual dependiam colono, vendeiro e o próprio navegador, quer proprietário da embarcação, ou na condição de empregado. Sem uma carreta ou um “lombo de burro” para transitar entre a colônia, a venda e o porto, muito dificilmente a navegação teria tomado vulto. Pela tabela 53, pode-se perceber que, para muitos agricultores, o frete havia se colocado como uma opção de trabalho, como foi o caso de Martim Jacobi e Guilherme Brehm Sobrinho. Colocar-se à disposição do vendeiro para levar e trazer produtos poderia significar aumento nos rendimentos, contato com outras pessoas e, se o negócio desse certo, crescimento econômico. Para a história da navegação no LNRS, alguns itens dessa tabela são importantes, como a menção ao nome de Carlos Diehl e ao sobrenome Dreher, sócios da família Voges. Da mesma forma, três pontos geográficos merecem destaque: “Palmares”, a lagoa da “Pinguella” e a “Casa de Telha”. Quanto a Palmares, o incipiente lugarejo ao sul de Conceição do Arroio pode ser considerado a porta de entrada para as mercadorias que eram comercializadas no LNRS. Segundo Silva, Palmares foi ponto estratégico para o escoamento da produção do Litoral Setentrional do Rio Grande do Sul através do rio Palmares que deságua na Lagoa dos Patos, comunicando-se com o rio Guaíba e, finalmente, atingindo o porto de Porto Alegre.328 O segundo ponto de distribuição ficou conhecido como Pontal dos Diehl, na divisa das lagoas das Malvas e do Palmital, entreposto comercial onde produtos agrícolas eram trocados e/ou comprados e vendidos por manufaturados e industrializados. Mais próximo da Colônia de Três Forquilhas estava o porto da Casa de Telhas, construção e espaço descritos por Saint-Hilaire na sua passagem por 328 SILVA, op. cit., p. 22. 298 Torres329, junto à lagoa dos Quadros, local de passagem para aventureiros, soldados, agricultores e comerciantes. Desse ponto, mantinha-se contato direto com a Colônia de Três Forquilhas, sendo que a Casa de Telhas também serviu de suporte para a distribuição de inúmeros produtos, os quais eram entregues, no mínimo, até Torres. Apesar de o nome de José Raupp não constar na relação de fregueses do livro-caixa analisado no Capítulo V, é lícito pensar que o vendeiro torrense utilizou o transporte lacustre para conseguir as mercadorias negociadas em seu comércio. Ele próprio possuía um hiate, conforme declaração de sua esposa quando deu início ao inventário. A localização estratégica de sua venda, na divisa da província do Rio Grande do Sul com a de Santa Catarina, e a posse de diversas propriedades territoriais em solo catarinense ratificam a idéia de que o LNRS também estava voltado para a direção norte e não somente aos Campos de Cima da Serra, São Leopoldo e Porto Alegre. No que tange aos valores registrados na tabela 53, há uma grande diferença entre o maior, cinco contos de réis, e o menor, três mil réis. Por enquanto, a figura de Alfredo Barovski permanece incógnita, embora se possa perceber que os cinco contos de réis estavam anotados num livro anterior, indicando, portanto, ter havido certa continuidade nos negócios. Ao mesmo tempo que quantias maiores eram repassadas a Diehl e a Dreher, freteiros e carreteiros beneficiavam-se da existência desse tipo de transporte como, por exemplo, Guilherme Brehm Sobrinho, identificado como “carreteiro”. Os sobrenomes “Schmitt” e “Jacobi” reapareceram, sobretudo nos negócios de maior vulto, sugerindo que essas parentelas permaneceram aliadas aos Voges, inclusive na navegação. 329 SAINT-HILAIRE, Auguste de. Viagem do Rio Grande do Sul. Porto Alegre: Tipografia do Centro, 299 Tabela 54: “José Rodriguez Mesquitta” Página Data Item 42 1889 “compostura da lancha” “ “ “dinh. a m. f. no últ. ajuste de contas” ““ “387 s. farinha q. vendeu a 3$500” ““ “12 s. de polvilho a 5$000” ““ “recebi 340 s. farinha” “ “ “resto que lhe fiquei devendo do hiate” “ “ “viagem expressa do vapor e frete de 3 pipas” 331 Outubro 1894 “imp. do hiate Derilia” “ 7/12/1894 “dinh. em mão própria” “ 30/1/1895 “idem por Thomas” “ “ “recebi 12 pipas por Derilia” (sem valor e rasurado) “ “ “idem 21 pipas por Tres Forq.” (sem valor e rasurado) “ “ “idem 12 pipas por Derilia” (sem valor e rasurado) “ “ “frete de 16 pipas sendo 1 da casa de telhas por Derilia” “ “ “idem de 9 pipas por T. Forq. (de A. D.)” ““ “idem de 4 duz. tábuas (de A. D.)” “ “ “idem de 21 pipas p. Tres Forq. (de J. R.)” “ “ “idem de 12 pipas por Derilia (de J. R.)” ““ “Idem de 200 sacos de farinha p. S. Domingos” “ “ “idem de 500 sacos de farinha por Derilia (de Albino)” ““ “idem de 28 cascos” (sem valor e rasurado) “ 25/3/1895 “dinh. p. Manoel Gildo Filho” “ 7/6/1895 “remessa [ilegível] ordem” ““ “200 alq. Sal” ““ “frete de 12 pipas p. Derilia” ““ “frete de 21 pipas p. Derilia” ““ “frete de 21 pipas p. Derilia” ““ “frete de 15 pipas p. Derilia” ““ “frete de 33 pipas p. Derilia” ““ “comissão de 114 pipas a 5$000” Valor Deve Haver 100$100 1:647$040 1:354$500 60$000 1:190$000 400$000 65$000 5:500$000 4:300$000 5:000$000 110$000 63$000 20$000 147$000 84$000 100$000 428$500 5:500$000 2:800$000 820$000 84$000 147$000 147$000 105$000 231$000 570$000 1922, p. 11-26. 300 ““ ““ ““ ““ ““ ““ “ “ 25/7/1895 “ 26/7/1895 “ 25/11/1895 “ 5/1/1896 ““ ““ ““ ““ ““ ““ ““ ““ ““ ““ ““ ““ ““ ““ ““ ““ ““ ““ ““ 338 1897 ““ ““ ““ ““ ““ ““ ““ ““ ““ ““ ““ “direitos de 111 pipas 5$000” “attesto” “carreto de farinha” “88 cascos” “imp. de 114” “saldo a m. f. tr. ab.” [subtotal] “saldo a m. f. como consta ass.” “dinh. p. Mel. Ig. Filho” “dinheiro” “dinheiro” “12 pipas” “22 pipas” “6 pipas” “dinh. a Pedro Mittmann” “1 alambique” “dinh. a Carlos Marino” “dinh. em T. Forq.” “idem” “idem” “idem a José Polycarpo” “dinheiro” “dinheiro” “120 alq. Sal” “dinh. Jose L. Sperb” “conta f. 210” “1 @ charque” “dinh. nas T. Forquilhas” “dinh. F. R. Martins M. S.” “tr. f. 338” “transporte da f. 331” “dinh. nas 3 Forquilhas” “idem p. J. Santos” “idem Martim Mayer” “idem Pedro Porto a Bech e Sp.” “idem Martins J. L. Sp.” “idem Valim Roza” “idem anterior FR. Mart. Dant. Sp.” “527 cascos” “595 pipas, frete com são direito etc.” “saldo tr. ab.” [total] 1:936$000 25:866$000 2:740$220 1:000$000 3:000$000 3:000$000 “?” “?” “?” 223$500 440$000 1:000$000 1:800$000 2:000$000 1:300$000 2:500$000 6:000$000 2:000$000 480$000 1:400$000 5$500 11$000 800$000 4:000$000 33:700$220 2:000$000 1:400$000 1:900$000 300$000 57$000 1:100$000 1:500$000 11:442$000 53:399$220 555$000 62$400 4$880 20:267$000 2:740$220 25:866$000 33:700$220 52:746$000 653$220 53:399$220 301 O transporte usando rios e lagoas certamente foi menos penoso do que as outras modalidades, como carretas e lombos de muares, e permitiu o deslocamento de um número maior de mercadorias. A tabela 54 não traria muitas novidades se não fosse o fato de revelar o valor negociado entre o vendeiro e José Rodriguez Mesquitta, possivelmente navegador e proprietário de “lanchas”, “hiates” e/ou “vapor”. De Mesquitta, pouco se sabe. No entanto, seu nome apareceu entre os seis doadores que contribuíram com o PRR, em 1897, quando o partido solicitou a doação de 10$000 para a compra de armamento. Afora envolver-se com navegação no LNRS, Mesquitta, no mínimo, simpatizava com a doutrina do PRR.330 A quantia significativa de cinqüenta e três contos de réis – mais da metade do inventário de Jacob Diefenthäler, por exemplo – redimensionou a estrutura da empresa que envolveu comércio, frete e navegação fluvial, demonstrando por si só que transportar mercadorias no mega-espaço compreendido entre o LNRS e a capital da província não foi algo simples de se fazer e exigiu dos sócios conhecimento, contato e investimento à altura dos riscos que a iniciativa apresentava. Três embarcações foram identificadas como “Derilia” (ou “Derilio”), “Três Forquilhas” e “São Domingos”, sem contar a menção à “Itapeva”, descrita na tabela 44 do Capítulo V. Portanto, no mínimo quatro embarcações, talvez de vários tipos, singraram as águas do rio Três Forquilhas e das lagoas do LNRS331, carregando, além de “polvilho”, “sal” e “charque”, pipas de aguardente e sacos de farinha de mandioca, os dois principais produtos de exportação do litoral. Como as datas das tabelas 53 e 54 se inserem no período em que Luiza Voges compôs sociedade com seus sobrinhos Carlos 330 AHRS – Acervo particular Ruy Ruben Ruschel – Documentação original – maço 7 – caixa 3 – documento 12. 331 De acordo com Silva, “por volta de 1908 havia 7 hiates, uma lancha a querosene e um vapor que se encarregavam de transportar pessoas e mercadorias àquela gente, enfrentando os reveses do recurso natural desde Torres até Conceição do Arroio.” Ver: SILVA, op. cit., p. 60. 302 Frederico Voges Sobrinho e Christóvão Schmitt, é bastante provável que as negociatas reveladas pelas respectivas tabelas tivessem a ver com dissolução e reabertura de firmas envolvendo os três sócios e membros da mesma família. A declaração da intendência municipal de Conceição do Arroio, de 1897, informando que os vapores “Gustavo” e “Pedro Piloto” deslocavam-se pelas lagoas do litoral, sendo o primeiro propriedade de “Luiza Voges & Cia”, ratificam a idéia de que a família Voges esteve envolvida com comércio e transporte de mercadorias pelo LNRS.332 No que tange ao LNRS, três itinerários ligavam o espaço litorâneo a São Leopoldo e Porto Alegre. Conforme Silva, por volta de 1847, já se tinham notícias de que usavam a via lacustre, singrando-se as lagoas situadas ao pé da Serra Geral até a lagoa da Pinguela. Dali, em carretas puxadas por cinco a seis juntas de bois, atravessavam os extensos campos de Conceição do Arroio, Santo Antônio da Patrulha, chegando, finalmente, em Porto Alegre.333 As outras duas opções, já referidas no início deste capítulo, consistiam nos caminhos que levavam aos Campos de Cima da Serra, “com tropas de burros cargueiros”, chegando a São Francisco de Paula, São Leopoldo, Dois Irmãos e Porto Alegre; e a estrada da Laguna, partindo de Torres até o passo da Lagoa, em Tramandaí, onde os viajantes esperavam por remeiros, para que estes os atravessassem sobre o rio homônimo. Desse ponto em diante, tomava-se o caminho dos campos rumo a Porto Alegre ou a outros destinos. O fato de haver três possibilidades de entrada e saída para o LNRS, sem levar em conta a proximidade 332 AHRS – Intendência municipal – Correspondência das intendências – maço 349 – lata 119V – 1897 – Conceição do Arroio. 333 SILVA, op. cit., p. 45. 303 deste espaço com a província de Santa Catarina,334 reduz – e vale reforçar – a importância da tese do isolamento, pois estradas mal conservadas e dificuldades no transporte foram características presentes em todos os rincões do Brasil no século XIX. A autora fez uso de relatórios escritos por Francisco de Paula Soares, militar e organizador da Colônia alemã das Torres, ressaltando os trechos em que o relator se queixava dos caminhos quase intransitáveis, os quais, segundo ele, impediam o desenvolvimento da região. Há de se relativizar a análise de Silva, quando concordou com o posicionamento de Paula Soares, uma vez que a distância e as dificuldades na locomoção não impediram que famílias “exponenciais” do litoral estabelecessem e concretizassem contatos socioeconômicos com São Leopoldo e Porto Alegre.335 Esse último aspecto é demonstrado por Silva, quando a autora costurou laços afetivos com interesses econômicos, tornando evidente que as relações de parentesco serviram de suporte para que Diehl, Dreher e Voges monopolizassem a navegação pelas lagoas do LNRS. O casamento de uma filha e de uma neta do pastor Voges com Jacob Sebastian Diehl e Edmund Dreher, respectivamente, selaram acordos e garantiram a continuidade dos negócios por todo o século XIX e parte do XX.336 Conforme Silva, 334 Silva citou parte de um dos relatórios da Assembléia Provincial, no qual se pode ler que “o comércio das Torres está hoje encaminhado para o rio Araranguá não só pelo fácil trânsito que o terreno oferece às carretas, como por ser apenas de 13 léguas a distância das Torres até o porto do dito rio Araranguá que se presta a uma navegação regular de 9 a 10 palmos...”. O inverso também aconteceu: lagunenses aproximaram-se de Torres para se dedicar à indústria da pesca. De acordo com Bastos, tão logo foi fundado o Presídio das Torres, famílias de Santa Catarina mudaram-se para o lado rio-grandense, desenvolvendo a atividade pesqueira. Ver: SILVA, op. cit., p. 68; BASTOS, Manuel E. Fernandes. Colonização alemã no Rio Grande do Sul. A Colônia de Três Forquilhas. In: Revista do Museu Júlio de Castilhos e Arquivo Histórico do Rio Grande do Sul. Porto Alegre: Oficinas Gráficas da Imprensa Oficial, n. 8, p. 5-17, 1958, p. 6-9. 335 SILVA, op. cit., p. 45-47. 336 Silva montou uma pequena árvore genealógica das três famílias e reproduziu parte de uma nota fiscal da empresa “Diehl, Dreher e Cia”. O assento do casamento de Edmund Dreher e Caroline Diehl, 304 Catharina Voges, ao casar com Jacob Sebastian Diehl, reforçou esse laços comerciais, porque ele possuía ativa vida comercial junto aos demais irmãos, Carlos Valentim e Antônio, nos afluentes do rio Guaíba e do rio dos Sinos... a irmã de Adolpho [filho de Catharina Voges e Jacob Diehl] se casou com um comerciante, Edmundo Dreher, morador de São Leopoldo, mas que exercia atividade comercial em Porto Alegre, através da firma “Edmundo Dreher e Cia.337 Quanto aos Diehl, eles realmente formaram uma sociedade, o que pode ser atestado pela escritura de arrendamento do vapor “Brasileira”, firmada em 23 de junho de 1864, na qual os irmãos Antonio e Jacob Diehl, moradores em São Leopoldo, figuravam como outorgante e outorgado, respectivamente. O vapor navegava pelo rio dos Sinos de São Leopoldo a Porto Alegre, sendo arrendado pelo prazo de seis anos, a dois contos de réis por ano, pagos em prestações trimestrais. A rescisão do contrato impunha multa de um conto de réis para ambas as partes.338 No entanto, o arrendamento do vapor “Brasileira” por parte de Jacob Diehl estava atrelado a outro negócio firmado no mês seguinte, a 15 de julho de 1864. No mesmo livro de notas, lê-se que Jacob Diehl firmou sociedade com João Schmitt, procurador dos proprietários do vapor “Guahyba”, pelo prazo de seis anos, cujas embarcações – “Brasileira” e “Guahyba” – deveriam fazer o trajeto São Leopoldo– Porto Alegre em viagens semanais, intercalando os vapores de tal modo que um deles estivesse viajando sob a responsabilidade do maquinista Guilherme Sahn e o outro sendo reparado e limpo. O lucro líquido do negócio seria dividido entre os dois sócios a cada seis meses, havendo a imposição de multa de 2:000$000 contra Jacob Diehl, caso o vapor Flexa, de seu irmão Antonio Diehl, navegasse no mesmo neta do pastor Voges, não foi localizado no CD-ROM do NETB, porém, ficou registrada a participação do casal como testemunha dos noivos Georg Carl August Peter Göbel e Franzisca Carolina Bier, cujo casamento foi realizado no dia 31 de maio de 1884, em São Leopoldo. Por sua vez, o casamento de Catharina Frederica Voges com Jacob Sebastian Diehl foi trabalhado no Capítulo II. Ver: SILVA, op. cit., p. 56-57. 337 SILVA, op. cit., p. 57-58. 305 itinerário durante o período da sociedade, fazendo-se concorrente. Da mesma forma, se Antonio Diehl vendesse o vapor “Brasileira”, de sua propriedade, mas arrendado a Jacob Diehl, durante o prazo estipulado entre as partes, Jacob pagaria 2:000$000 de indenização ao procurador João Schmitt. A multa prevista para rompimento do contrato, para ambos, era de 2:000$000. Por certo, a experiência e os recursos técnico-financeiros dos irmãos Diehl junto à navegação fizeram com que se estipulassem multas caso Antonio Diehl se colocasse como concorrente ou prejudicasse o sócio-representante João Schmitt vendendo o vapor “Brasileira”, nas mãos do seu irmão Jacob.339 De acordo com uma solicitação de setembro de 1864, encaminhada por Frederico Haensel, “agente da linha de vapores Guahyba-Brasileira, os quais navegam regularmente entre Porto Alegre e São Leopoldo três vezes por semana”, essas duas embarcações estavam efetuando, também, o transporte de “contingentes da Guarda Nacional”. Deduz-se da petição de Haensel que esse serviço poderia apresentar algum risco, razão pela qual o agente solicitou “alguma proteção” por parte do governo. Os três documentos reunidos demarcam, cronologicamente, os meses de junho, julho e setembro de 1864, período em que os vapores “Guahyba” e “Brasileira” foram arrendados e usados como meio de transporte no rio dos Sinos. Afora as negociações envolvendo proprietários e agentes de navegação, o requerimento de Haensel evidencia que o governo também se valia de um meio de transporte mais ágil para o deslocamento das 338 APERS – 1º Tabelionato – Livro de notas no. 11 – fundo 73 – estante 52 – p. 107/verso a p. 108/verso – 1864 – São Leopoldo. 339 APERS – 1º Tabelionato – Livro de notas no. 11 – fundo 73 – estante 52 – p. 112-116 – 1864 – São Leopoldo. O procurador João Schmitt estava representando os sócios João Baptista Ferreira de Azevedo, Holhzweizig e Cia, Hansel e Hasslocher e Cia, e outros, todos proprietários do vapor Guahyba. 306 tropas. Portanto, documentos foram firmados entre pessoas físicas e entre essas e o poder público, demonstrando que imigrantes alemães e descendentes conseguiam adentrar a esfera do público e estabelecer diálogo.340 Tais contratos, e a própria navegação, permitiram o acúmulo de bens materiais por parte das parentelas Diehl, Dreher e Voges. No caso dos Diehl, Adolpho, filho de Jacob, conseguiu adquirir dois imóveis conhecidos como “Tapera” e “Casa de Telhas”, propriedades localizadas entre Conceição do Arroio e Três Forquilhas, a primeira com 3.200, e a segunda, com 400 hectares. A prosperidade econômica proporcionou acesso a alguns confortos, como a “uma linha telefônica [que] passava pela ‘casa de negócios do cidadão Adolpho J. Diehl’, inaugurada em 23 de fevereiro de 1915”.341 No caso dos Dreher, a fortuna acumulada chegou à soma de duzentos contos de réis, os quais permitiram que a família se tornasse proprietária e residisse no “palacete hoje transformado no Teatro da Ospa”, em Porto Alegre, e possuísse chácara em São Leopoldo, “onde hoje se situa o centro da cidade”.342 Por certo, o estreito contato com a Colônia de São Leopoldo criou vínculos de afetividade entre os Dreher e os demais moradores da Colônia-Mãe. Isso pode ser atestado pelo registro de casamento de Georg Carl August Peter Göbel, “comerciante em Porto Alegre”, e de Franzisca Carolina Bier, “filha... de Heinrich Bier e de sua esposa Joaquina Rita Bier, nascida Schlabrendorff”, realizado em 31 de maio de 1884. As famílias da noiva, “Bier” e “Schlabrendorff”, destacaram- 340 AHRS – Requerimentos – Colonização – maço 107 – 1864 – São Leopoldo. 341 Cf. SILVA, op. cit., p. 79. 342 Cf. SILVA, op. cit, p. 62. O Sr. Astor Diehl, em conversa informal no APERS, gentilmente me cedeu os seguintes dados genealógicos dos casais: Maria Leopoldina Voges Diehl e Adolfo José Diehl, falecidos a 21 de julho de 1942 e 1º de julho de 1944, respectivamente, ela com 68 e ele com 79 anos, ambos residentes em Porto Alegre e sepultados no cemitério São Miguel; e Edmundo Dreher e Maria Carolina Diehl Dreher, falecidos a 27 de abril de 1930 e 3 de abril de 1945, devido à pneumonia e septicemia furunculosa, respectivamente, ele com 73 e ela com 81 anos, ambos residentes em Porto Alegre e sepultados no cemitério São José. 307 se no cenário colonial pelo crescimento econômico. Tudo indica, então, que “Edmund Dreher e sua esposa Caroline Dreher, nascida Diehl”, apadrinharam a união de membros de famílias “exponenciais”.343 A relação de Edmundo Dreher com o espaço colonial ultrapassou os limites do núcleo central de São Leopoldo, chegando ao Mundo Novo. Segundo Reinheimer, a firma de importação de Dreher chegou a negociar com a casa de Júlio Petersen & Cia, de Taquara, para onde enviava produtos importados e comprava o que os colonos produziam em suas propriedades.344 Porém, nem sempre as relações mantidas entre Dreher e seus pares foram amistosas. O próprio desenvolvimento dos negócios de Edmundo Dreher, por exemplo, podem ser percebidos pelo número de ações judiciais em que a empresa esteve envolvida, quer na condição de autora ou ré, suplicante ou suplicada e executante ou executada. A fim de ilustrar essas querelas, selecionou-se uma que estabelece conexão entre a navegação pelas lagoas do LNRS e a empresa de Dreher. Em 1924, Max Traunig, “comerciante estabelecido com hotel na praia do Quintão, município de Conceição do Arroio”, afirmou o seguinte: que em março de 1924, depois de terminada a estação balneária da ‘Praia do Quintão’, o suplicante despachou no porto de Palmares para esta capital, pelo vapor Montenegro, diversas mercadorias e móveis de sua propriedade. Que chegadas as referidas mercadorias a esta capital, foram as mesmas violentamente apreendidas pela gerência da companhia fluvial Edmundo Dreher e Cia, a pretexto de que o suplicante era devedor de Edmundo Dreher, sócio comanditário da referida empresa. Que o suplicante por diversas vezes tentou receber os objetos aludidos, o que não conseguiu. O autor solicitou indenização de 4:000$000, sendo que Dreher se defendeu dizendo que as mercadorias não haviam sido retiradas em tempo hábil, isto é, no prazo de seis horas dentro do dia seguinte à chegada do vapor, e que estavam no 343 CD-ROM do NETB, op. cit. 308 trapiche há mais de noventa dias, acarretando despesa de aluguel, conforme as normas portuárias. Após defesa e acusação apresentarem suas considerações, o juiz deu causa favorável à empresa de navegação fluvial, julgando improcedente a ação. Não há, neste processo, nenhum indicativo de que Edmundo Dreher tivesse interferido nas decisões do juiz. Entretanto, pode-se pensar que não deve ter sido fácil para o hoteleiro Max Traunig indispor-se com um homem que tivesse fortuna acumulada em duzentos contos de réis.345 Tal como Edmundo Dreher, outros comerciantes também investiram no ramo da navegação. Reinheimer analisou em sua Dissertação a trajetória das famílias Arnt, Rasch e Wichmann, a primeira originalmente de Dois Irmãos, a qual transferiu- se para o Alto Taquari, onde o imigrante Karl Arnt fundou a Colônia de Teutônia; a segunda de São Leopoldo; e a terceira do Mundo Novo. De acordo com a autora, Jacob Arnt, filho do imigrante, entrou para a navegação fluvial em 1875 com o vapor “Taquary”, compondo sociedade com outros dez sócios. Apesar de possuir algumas embarcações, Arnt também arrendou três vapores, a fim de agilizar o transporte de 344 Cf. REINHEIMER, op. cit., 1999; p. 77. 345 Anexada ao processo judicial está uma nota de serviço com descrição do trajeto, das mercadorias e dos preços dos serviços. No verso dessa nota, estão impressas as “disposições regulamentares” que regiam o transporte fluvial, através dos artigos 103 a 278 (intercalados e não consecutivos). Ver: APERS – Ação sumária – autos 12106 – maço 302 – estante 132 – 1924 – Porto Alegre – 2º Cartório do cível e comércio. (Autor: Max Traunig; Réu: Empresa de navegação fluvial Edmundo Dreher e Cia.). Outros processos envolvendo a empresa de Edmundo Dreher arquivados no APERS: “Assignação” de dez dias – autos 3853 – maço 91 – estante 130 – 1902 – Porto Alegre – Cartório do cível e comércio. (Autor: Edmundo Dreher e Cia.; réu: “viúva” L. Kersting); Arresto – autos 2277 – maço 54A – estante 137 – 1916 – Porto Alegre – Cartório do cível e comércio. (Suplicante: Edmundo Dreher e Cia.; suplicado: comissão liquidante da Cia. Fluvial); Ação ordinária – autos 80 – maço 7 – estante 133 – 1918 – Porto Alegre – 1º Cartório do Cível. (Autor: H. P. Feltes; réu: L. O. Munch, Augusto P. Matzenbacher e Edmundo Dreher e Cia.); Prestação de contas – autos 4796 – maço 115 – estante 130 – 1918 – Porto Alegre – Cartório do Cível e Comércio. (Suplicante: Edmundo Dreher e Cia.; suplicado: Targinio de Oliveira); Depósito – autos 3767 – maço 89 – estante 130 – 1926 – Porto Alegre – Cartório do Cível e Comércio. (Suplicante: Edmundo Dreher e Cia.; suplicado: Leite Nunes e Irmão); Executivo – autos 8067 – maço 201 – estante 132 – 1926 – Porto Alegre – 2º Cartório do Cível e Crime. (Executante: Aroldo Dias da Silva; executado: Edmundo Dreher e Cia.) e Exame de livros – autos 2263 – maço 54A – estante 137 – 1928 – Porto Alegre – Cartório do Cível e Comércio. (Suplicante: Edmundo Dreher e Cia.; suplicado: Ernesto Scheppke). 309 mercadorias até Porto Alegre. Essa atitude assemelha-se a dos irmãos Diehl, os quais firmaram contratos de arrendamento de vapores, atestando que os negócios envolvendo navegação e transporte de mercadorias se desenvolveram a ponto de se precisar alugar embarcações. Ao que tudo indica, a origem do capital para o ingresso nesse tipo de negócio estava no comércio e na colonização de terras, atividades às quais a família Arnt se dedicou desde a sua chegada ao Brasil. O imigrante Ignaz Rasch, por sua vez, parece ter sido perspicaz ao permanecer com o lote número um da Colônia de São Leopoldo, justamente à margem do rio dos Sinos. O local era conhecido por ser um ponto de passagem na época de seca, quando havia menos água no rio. Foi ali que o colono Rasch abriu a sua venda e montou o seu próprio negócio voltado à navegação. Conforme as considerações de Reinheimer, a visão do colono Rasch foi de aproveitamento e viabilidade comercial do lugar, tirando proveito de situações que caracterizavam-no de ‘o mais péssimo’. Quando deu-se início à colonização pelos imigrantes alemães, já havia na área todo um movimento marcado por caminhos que foram convenientemente mantidos, levando em conta sempre a presença e condições de travessia e de navegabilidade do rio dos Sinos. A família Wichmann, instalada no Mundo Novo, agiu praticamente da mesma forma ao se dedicar à fabricação de “gasolinas” e “vapores” no seu estaleiro, sendo que o maior vapor construído por eles foi o “Taquarense”. A família, além de construir barcos sob encomenda, também realizava a navegação comercial. A trajetória desses núcleos – Arnt, Rasch e Wichamnn – pode ser comparada à dos Dreher, sendo possível perceber algumas semelhanças, principalmente a conexão entre comércio e navegação.346 346 REINHEIMER, op. cit., 1999; p. 32-33. 310 No entanto, por mais sólidos que fossem os laços mantidos entre as famílias e seus eventuais sócios, eles não impediam o rompimento de contratos ou a dissolução de sociedades. Conforme Müller, Carlos Frederico Voges Sobrinho “decidiu montar o seu próprio transporte, porém, por via terrestre”, em 1904, reativando os cargueiros pela serra (tropas de mulas), e as carroças puxadas por juntas de bois na planície litorânea. Essa medida levou à reação de Diehl e Dreher, os quais escreveram a Carlos Frederico não como parentes, mas como empresários que se sentiam prejudicados pela nova concorrência: sabemos que o amigo tem recebido mercadorias de Porto Alegre, diretamente, em carretas, não sendo portanto mais considerado como nosso freguês, como outrora. Esse é um dos motivos de queixa que temos do senhor.347 Ao que parece, segundo Müller, as denúncias de Diehl e Dreher não intimidaram o parente Voges, o qual manteve o comércio via terrestre, usando as trilhas que subiam em direção à Serra e os caminhos do litoral.348 Do mesmo modo, durante os séculos XIX e XX, várias outras famílias valeram-se do contato estabelecido com serranos e litorâneos para fazer negócios, contato esse permitido pela situação geográfica singular das Colônias de São Pedro de Alcântara e Três Forquilhas. Tropeiros subiam e desciam as inúmeras encostas que separavam o litoral dos Campos de Cima da Serra em busca de mercadorias para serem trocadas e/ou compradas e vendidas, desde banana, aguardente, açúcar, rapadura, queijo e pinhão. No entanto, os negócios não se limitavam à venda e ao transporte de mercadorias. De acordo com dois anúncios veiculados no jornal Correio do Povo, 347 MÜLLER, op. cit., 1993; p. 24. 348 MÜLLER, op. cit., 1993; p. 25. 311 José Picoral, reconhecido na historiografia litorânea como o fundador do veraneio em Torres, teria comprado as instalações que mais tarde dariam origem ao Hotel Picoral de um membro da família Voges. O primeiro anúncio é de janeiro de 1917, informa ao leitor que o estabelecimento havia “passado por grandes reformas” e que o “transporte àquela praia é rápido, pois o Sr. Pedro Martins dispõe de um serviço de deligências e autos, que fazem o trajeto em um dia, de sol a sol”. Contudo, os dados mais significativos aparecem no final do texto: “De Conceição do Arroio, às terçasfeiras, parte para Torres a gasolina “Conceição, assim também outros meios de transporte de Tramandaí àquela praia”. Para buscar maiores esclarecimentos, o futuro veranista deveria entrar em contato com o próprio José Picoral, em Porto Alegre, ou em Torres, “no Hotel Voges”. O segundo informativo, datado de 11 de novembro de 1918, não deixa dúvidas de que o hotel mudou de proprietário. José Picoral foi explícito, ao publicar que “tendo o conhecido HOTEL VOGES naquela praia passado para a minha exclusiva propriedade... o referido estabelecimento... sofreu importantes reformas e aumentos”. Depreende-se que Voges e Picoral eram sócios e que, a partir daquela data, José Picoral tornara-se o único proprietário do hotel. Os dois anúncios provocam a curiosidade do pesquisador, uma vez que até agora desconhecia-se que os Voges tivessem investido na hotelaria. Se essa informação estiver correta e se o sobrenome de fato corresponder à família do pastor Voges, mais uma atividade poderá ser somada às tantas que desenvolveram ao longo do século XIX e XX. É possível que o domínio da navegação pelas lagoas do litoral tenha demonstrado que atividades paralelas, como a hotelaria, poderiam ser desenvolvidas como forma de potencializar a economia da própria família e da região.349 349 Jornal Correio do Povo, janeiro de 1917 e 11 de novembro de 1918. Agradeço ao colega 312 Afora a navegação, contratos firmados com o governo provincial para execução de obras públicas despertaram o interesse de litorâneos “exponenciais”. Foi assim que nos anos de 1878/1879, Adolpho Felippe Voges assinou contrato com o governo para realizar “melhoramentos da serra denominada 'Chico Pinto' no município de Conceição do Arroio”. Segundo os relatórios dos presidentes da província, Adolpho Voges concluiu a obra e recebeu os 4:000$000 que haviam sido previamente acertados pela execução dos melhoramentos na “estrada de cargueiros”.350 O contrato firmado entre um descendente de imigrantes alemães e o governo provincial evidencia que pelo menos os “exponenciais” conseguiam dialogar e obter certas vantagens no mundo dos negócios. Paralelamente a isso, a produção de gêneros agrícolas foi um dos itens mais importantes que se encontra na documentação pesquisada. O alimento produzido pela maioria dos colonos, além de suprir a casa, era trocado entre vizinhos, vendido para algum comerciante, ou, em casos mais raros, transportado até o mercado que ficava junto ao porto. Em 1862, a câmara de Conceição do Arroio expediu um relatório elencando os diversos gêneros agrícolas produzidos naquele município, dos quais destacam-se: aguardente de cana, açúcar, rapaduras, farinha de mandioca, feijão, milho, arroz, trigo, amendoim, cevada e centeio. Sobre o contato dos colonos alemães com os nacionais, o pastor Voges escreveu num relatório de 1855: a Colônia de Três Forquilhas manda os seus produtos, rapadura, açúcar, para diversos mercados como em Cima da Serra, Vacaria, Lages até historiador Eduardo Matos Cardoso por ter cedido esse material, fruto da sua pesquisa. [grifo nosso]. 350 AHRS – Documentação dos governantes – Relatórios e falas dos presidentes da província – A7.15 – Relatório do presidente da província Felisberto Pereira da Silva – 1879; A7.16 – Fala do presidente da província Felisberto Pereira da Silva – 1879; A7.16 – Relatório do presidente da província Carlos Thompson Flores – 1880; A7.17 – Fala do 2º vice-presidente da província Joaquim Pedro Soares – 1881. 313 Curitiba, para paragens de Missões. A Colônias das Torres [refere-se a São Pedro de Alcântara] fabrica aguardente e leva seus produtos ao mercado de Porto Alegre.351 No “mapa estatístico comercial da Colônia de São Pedro de Alcântara” [referindo-se a Três Forquilhas], ele informou que existiam “2 casas de molhados por atacado” e “3 lojas”, e, no “mapa estatístico industrial”, elencou “2 cortumes”, “39 engenhos de fabricar rapaduras”, “16 engenhos de fazer farinhas” e “127 operários empregados”. Jean Charles Moré também fez referência ao comércio que os colonos do litoral realizavam com os tropeiros de Cima da Serra e com a província de Santa Catarina. O autor chegou a afirmar que mais de mil mulas trafegavam entre Três Forquilhas e Cima da Serra. Soma-se a estes destinos o contato que os colonos estabeleceram com Porto Alegre, evidente no relatório de 1858, no qual Voges esclareceu que “com o milho engorda-se os porcos cujo toucinho e banha se venda para Porto Alegre”.352 Mesmo que Voges e Moré tenham exagerado em suas considerações, é certo que a Colônia de Três Forquilhas serviu de espaço intermediário entre o LNRS e os Campos de Cima da Serra. Em contrapartida, uma das conseqüências da situação econômica da maioria dos litorâneos foi a prática de oposição à cobrança de impostos. No que se relaciona ao LNRS, encontram-se duas espécies de reclamações. Uma provém do 351 AHRS – Colonização – lata 298 – maço 73 – 1855. 352 AHRS – Colonização – lata 298 – maço 73 – 1858; MORÉ, Jean Charles. De la colonisation dans la Province de St. Pierre de Rio Grande do Sul, Brésil. Hambourg: Imprimerie de Langhoff, 1868, p. 202-203; AHRS – Colonização – lata 298 – maço 73 – 1858; AHRS – Autoridades municipais – Correspondência das câmaras – lata 156 – maço 225 – 1854 – Santo Antônio da Patrulha. Esse último relatório deve ser valorizado, pois informa que o “gado vacum supre a capital, e a província de Santa Catharina”, reforçando a ligação do LNRS com a província catarinense; que “a capital e cidades do Rio Grande e de Pelotas, são os principais mercados desses produtos”, chamando a atenção para centros consumidores e de negócios pouco mencionados na relação do LNRS com outros espaços, como Rio Grande e Pelotas; e que o rio dos Sinos “é navegável até o Passo da Guarda Velha, a meia légua desta vila”, sugerindo que produtos e mercadorias de todo o LNRS poderiam ser despachados também por este rio, via Santo Antônio da Patrulha. 314 governo, que acusava os litorâneos de não pagarem os impostos devidos.353 Esta observação estendeu-se aos colonos de Três Forquilhas, pois, em julho de 1861, a câmara de Conceição do Arroio escreveu ao presidente da província solicitando que fosse instituído no interior da Colônia um agente de cobranças, o qual ficaria com dez por cento do arrecadado. Deduz-se, dessa sugestão, que havia algum tipo de dificuldade em se cobrar os impostos e que os colonos não aceitavam passivamente certas imposições por parte das autoridades. Contudo, ao se analisar a dinâmica da relação Colônia versus província, pode-se encontrar algumas respostas que, talvez, auxiliem no entendimento desta questão. A Colônia das Torres foi implantada em 1826, sendo subsidiada pelo governo até 1830. Após o término dos subsídios, os colonos estabeleceram mecanismos de sobrevivência, comercializando basicamente em três direções: com o próprio litoral, com os Campos de Cima da Serra e com a província de Santa Catarina. O contato direto com estes três universos, distantes da capital Porto Alegre, permitiu que se estabelecesse um processo de compra e venda direto, no qual a mão operante do governo pouco se fazia sentir. À medida que Conceição do Arroio e Torres se emanciparam, as vilas revestiram-se de aparelhos de coerção mais próximos dos colonos, como a câmara, os fiscais, a polícia, dentre outros. Pode-se dizer, então, que, concomitante ao transcorrer da segunda metade do século XIX, ocorreu a pressão por parte da província para que o dinheiro arrecadado 353 Conforme Saul, “a instauração de um sistema de tributação próprio nas províncias, não raro à revelia das disposições legais existentes, contou com a conivência ou omissão da autoridade imperial, uma vez que essa era uma das formas, contraditória, é verdade, de manter a tranqüilidade em algumas províncias e assegurar a unidade do poder central”. Deduz-se, da afirmação do autor, que a tributação não era um assunto apenas da alçada econômica, mas também do setor político. As boas relações entre império e província dependiam, em parte, dos recursos que tramitavam entre o centro do império e as regiões. Como se pode constatar, a cobrança de impostos e o posterior repasse destes valores aos órgãos competentes, tanto imperiais quanto provinciais, provocavam mais 315 chegasse até os seus cofres. Por sua vez, a câmara de Santo Antônio da Patrulha também se manifestou contra os proprietários de Torres, os quais se negavam a pagar o imposto de 12$800 por engenho ou alambique.354 Pela descrição realizada, a hostilidade entre aquele que deveria cobrar e os que deveriam pagar não era insignificante, pois as autoridades chegaram a sentenciar que não havia força policial a cavalo para escoltar o procurador.355 Ressalte-se que o manifesto da câmara patrulhense é de 1854, portanto, antes da emancipação de Conceição do Arroio. Isso desvela ter havido certa continuidade no processo de sonegação e recusa dos impostos, perpassando as instalações dos municípios que se desmembraram de Santo Antônio da Patrulha. A outra reclamação encontrada na documentação referente à cobrança de impostos não foi proferida por órgãos oficiais, mas sim pelos próprios litorâneos, descontentes com os abusos cometidos. Em 1852, a câmara de Santo Antônio da Patrulha levou ao conhecimento do vice-presidente da província que os moradores de Conceição do Arroio, Maquiné e Torres estavam sendo prejudicados por uma determinação provincial.356 Dizia esta nova regulamentação que as aguardentes que chegassem à capital deviam estar acompanhadas de uma guia passada pelo coletor das rendas da vila patrulhense. Considerando a distância que os moradores teriam que percorrer para obter este documento, a câmara propôs ao governo que estabelecesse agentes nos três lugares referidos, a fim de facilitar o transporte da desentendimentos do que conciliações. Ver: SAUL, Renato. A modernidade aldeã. Porto Alegre: UFRGS, 1989, p. 175. 354 AHRS – Autoridades municipais – Correspondências das câmaras – lata 156 – maço 225 – Santo Antônio da Patrulha – 1854. 355 Cf. Graham, este era um problema que ocorria em todo o Brasil. Em sua obra, o autor apresentou inúmeros exemplos em que as autoridades reclamam da falta de policiais. Sem uma força adequada, não havia como executar as tarefas que cabiam a esta instituição. GRAHAM, Richard. Clientelismo e política no Brasil do século XIX. Rio de Janeiro: UFRJ, 1997, p. 91. 316 mercadoria para Porto Alegre. Apesar de o documento partir de um órgão oficial - a câmara de Santo Antônio da Patrulha -, o seu conteúdo expressa o descontentamento dos cultivadores e processadores da cana-de-açúcar, os quais, a partir daquela regulamentação, teriam mais um custo no transporte da sua mercadoria para a capital, visto que teriam de se desviar do caminho para passar pela vila patrulhense. Dois anos antes, esta mesma câmara levou ao conhecimento do presidente da província o lamento dos moradores de São Domingos das Torres, que se queixavam do imposto de 12$800 sobre cada engenho de fabricar aguardente. A câmara ratificou o lamento dos plantadores e fabricantes, dizendo que: “é verdade que o dito imposto... é bastante pesado à maior parte dos moradores deste município, revertendo só em benefício de alguns que fabricam grandes proporções de aguardente em seus engenhos".357 Por último, há de se considerar a atuação dos tropeiros como promotores e facilitadores do transporte de mercadorias. Nilza Ely ocupou-se deste tema ao relacionar a atividade dos tropeiros com abertura e melhoramento de estradas, como as atuais Rota do Sol e BR 101.358 Para a autora, esses homens e essas mulheres, a pé ou a cavalo, conduzindo animais, como porcos, ou puxando tropas de mulas, 356 AHRS – Autoridades municipais – Correspondência das câmaras – lata 156 – maço 225 – 1852 – Santo Antônio da Patrulha. 357 AHRS – Autoridades municipais – Correspondência das câmaras – Lata 156 – maço 225 – 1850 – Santo Antônio da Patrulha. 358 Ely dedicou um capítulo de seu livro para abordar o assunto em questão. Ressalte-se o texto no qual a autora tentou reconstituir a trajetória de mulheres tropeiras, como Isabel Pinheiro, a Isabelona, que ficou conhecida na região em virtude de optar por uma profissão tipicamente masculina. Ver: ELY, Nilza Huyer. Vale do Três Forquilhas: veredas, vidas e costumes. Porto Alegre: EST, 1999, p. 45-79. Sobre a atividade dos tropeiros, deve-se mencionar o seminário internacional “Tropeirismo”, o qual ocorre na cidade de Bom Jesus/RS, bianualmente. Nesses encontros, a autora publicou, por exemplo, “Tropeiros em Três Forquilhas” e “O tropeirismo entre a Serra e o Litoral”. Ver: ELY, Nilza Huyer. Tropeiros em Três Forquilhas. In: SANTOS, Lucila Maria Sgarbi, VIANNA, Maria Leda Costa; BARROSO, Véra Lucia Maciel (Orgs.). Bom Jesus e o tropeirismo no Brasil meridional. Porto Alegre: EST, 1995, p. 160-164; ELY, Nilza Huyer. O tropeirismo entre a Serra e o Litoral. In: RODRIGUES, Elusa Maria Silviera et al (Orgs.). Bom Jesus e o tropeirismo no Cone Sul. Porto Alegre: EST, 2000, p. 154-158. 317 foram os precursores dos caminhoneiros e dos motoristas de ônibus que hoje transitam pelas estradas asfaltadas de todo o LNRS, levando uma infinidade de produtos e passageiros. Porém, na virada do século XIX para o XX, os tropeiros... Com suas tropas de 20 a 25 mulas, [transportavam] naquela época, açúcar mascavo, rapadura, cachaça, farinha de mandioca, subindo a Serra do Pessegueiro, chegando aos campos de São Francisco de Paula e daí em diante através dos campos abertos, seguiam pelas trilhas durante 6 a 8 dias até o destino – Vacaria, Lagoa Vermelha, Bom Jesus, enfim, os Fundos de Cima da Serra.359 Contudo, conforme a autora, o transporte de mercadorias também se dava dentro do espaço colonial, promovendo contato entre as Colônias de São Pedro de Alcântara e Três Forquilhas. Os tropeiros desta última Colônia compravam bananas dos colonos estabelecidos entre os morros do Forno e Azul (mais próximos de Torres), levando essa carga até a cidade de Caxias do Sul. De igual modo, contatos foram mantidos com a cidade de Taquara, para onde transportavam erva-mate “in natura”, “casca forte para curtumes” e couro de gado. Este comércio, de acordo com Ely, foi muito explorado pelos irmãos Martim e Nico Klippel que, além de tropeiros, possuíam uma forte casa de comércio próxima à Serra da Bananeira e que era abastecida com mercadorias trazidas de Caxias, de Taquara ou de São Francisco de Paula, como a farinha de trigo especial, sal, charque, tecidos, querosene, etc.360 Ainda, sobre os tropeiros, deve-se mencionar a obra de Leopoldo Tietböhl (sob o pseudônimo de Léo Tito), intitulada Aventuras de um tropeiro, na qual o autor reconstituiu o modo de falar e agir desses homens que se deslocavam entre a planície litorânea e os altos de Cima da Serra. Ao tomar a vida do tropeiro Augusto Pinto, mais conhecido como “Chico Ventana”, para trabalhar a cultura desse grupo, o 359 ELY, op. cit., 1999; p. 45. 360 ELY, op. cit., 1999; p. 46. 318 autor deixou para a posteridade os causos que eram contados entre as idas e vindas, a cada encontro de conhecidos, numa realidade totalmente oposta como a vivenciada por Diehl, Dreher e Voges em seus empreendimentos econômicos.361 No entanto, tanto tropeiros quanto empresários da navegação fluvial tiveram como característica o transporte de mercadorias, em maior ou menor volume, e a possibilidade de circular por um espaço significativamente mais amplo do que a circunscrição imposta pela Colônia ou Picada. No que tange aos vendeiros que associaram comércio e transporte, essa iniciativa provou que o domínio sobre essas duas atividades proporcionou crescimento invejável para os que a elas se dedicaram. Relevante também é a constatação de que não houve diferença entre os negócios que envolveram navegação pelo rio dos Sinos ou pelas lagoas do LNRS, até porque, em muitos momentos, os agentes e sócios foram os mesmos, como as famílias Diehl, Dreher e Voges. O presente capítulo mostrou-se limitado, ao não ser capaz de apresentar plenamente os sentimentos expressos por cada um dos agentes históricos envolvidos nas diversas sociedades, quer ligadas à venda ou à navegação. O próximo capítulo tem como tema alguns dos conflitos vivenciados pelos membros da parentela Diefenthäler-Voges. Quiçá, os desentendimentos possam demonstrar que a realidade foi diversa e não una; colorida, e não acinzentada; instigante, e não apática. 361 TITO, Léo. Aventuras de um tropeiro. In: ELY, Nilza Huyer e BARROSO, Véra Lucia Maciel (Orgs.). Imigração Alemã: 170 anos. Vale do Três Forquilhas. Porto Alegre: EST, 1996, p.17-83. Sobre o nome real de Chico Ventana, Augusto Pinto, ele é revelado por Ely no capítulo “Tropeiros em Três Forquilhas”. Ver: ELY, op. cit., 1999; p. 48. 319 PARTE IV – CONFLITOS MIL: ARTICULAÇÃO E ENFRENTAMENTO CAPÍTULO VII – O ESFACELAMENTO DO CRISTAL Muito temo que se não coatar com tempo estas incondutas, e se não promover castigos vigorosos sobre os que se esmeram em perturbar a boa ordem, se espalhe e cresça a desobediência, e imoralidade, e estão em uma época que estando a nascer esta Colônia deve necessariamente regenerar-se os costumes. 362 Os conflitos363 intra e extragrupo marcaram o cotidiano dos imigrantes alemães e de seus descendentes. Antes de apresentar e analisar novos fatos relacionados à temática dos conflitos, deve-se retomar os diversos desentendimentos enfrentados pelos pastores Ehlers, Klingelhoeffer e Voges (ver Capítulo I), a fim de solidificar a idéia de que as intrigas e as disputas não tiveram caráter essencialmente pessoal, mas sim foram motivadas por interesses políticos e 362 Ofício de Tomás de Lima, Inspetor da Colônia de São Leopoldo. In: TRAMONTINI, Marcos Justo. O ‘mau’ imigrante: má origem ou capacidade de organização e luta. In: ELY, Nilza Huyer e BARROSO, Véra Lucia Maciel (Orgs.). Raízes de Terra de Areia. Porto Alegre: EST, 1999b, p. 198209, p. 199. 363 Tramontini considerou os conflitos como possibilidade de análise. Para o autor, eventuais desentendimentos, verbais ou físicos, significavam mais do que confusão, bebedeira ou desordem. Para ele, conflitos eram um meio de expressão, uma forma de externar descontentamento e de tornar evidente o desejo de conquistar o que fosse considerado de direito. Ver: TRAMONTINI, op. cit., 2000. 320 sociais. As três autoridades eclesiásticas tiveram rusgas com suas comunidades e/ou com seus pares. Ehlers teve a casa arrombada e objetos roubados, sofreu tentativa de agressão física, deparou-se com requerimentos de fiéis solicitando o seu afastamento da Colônia de São Leopoldo, desentendeu-se com seu colega Voges, chegando a redigir pesadas acusações contra ele, e aderiu à causa farroupilha, numa evidente demonstração de opção ideológica e partidária para os padrões do segundo quartel do século XIX. De igual modo, Klingelhoeffer enfrentou um grupo de fiéis que desejava não só demiti-lo, mas também promover a sua substituição pelo colega Ehlers. No entanto, Klingelhoeffer ficou conhecido por sua ativa participação na Revolução Farroupilha, na qual atuou como soldado. Diferentemente de Ehlers, o “pastor-farrapo” foi muito além do entusiasmo e dos discursos, chegando a morrer em combate. Foi criticado por essa mesma facção por mesclar o trabalho eclesiástico com assuntos ligados à política e à guerra. Voges, por sua vez, travou, no mínimo, duas batalhas: uma para tentar se fixar em São Leopoldo e outra para ocupar o lugar de pastor junto aos colonos alemães de Três Forquilhas. Ehlers e Mittmann, portanto, foram os seus oponentes, cada qual defendendo o direito de representar a parcela de imigrantes e descendentes que os desejavam como líder espiritual. Deduz-se, dessas duas situações, que Voges foi parcialmente aceito no seu próprio meio e que deve ter se empenhado para vencer o rival Mittmann364. As disputas travadas no início da colonização serviram de ensaio para que Voges se tornasse “um tipo novo de especialista político”. De acordo com Levi, ele seria um indivíduo capaz de relacionar e articular as necessidades, as aspirações, as reservas e as tradições da comunidade local com as 364 A disputa pastoral envolvendo os três líderes espirituais encontra-se no Capítulo I. 321 correspondentes demandas, ofertas e reservas do sistema político e administrativo da sociedade mais ampla.365 Cabe comentar, ainda, que os pastores “ordenados” chegados a São Leopoldo após o ano de 1864, como Rotermund, viram-se perpassados por conflitos do mesmo teor que aqueles encarados pelos “não-ordenados”. A divisão da comunidade evangélico-luterana de São Leopoldo em duas facções – pró e contra Rotermund –, em 1877, evidencia que nem os grandes líderes dessa agremiação religiosa estavam imunes aos percalços da sua própria trajetória. Como todos os “exponenciais” analisados neste trabalho, os pastores compunham o quadro de líderes que se depararam com simpatia e resistência por parte dos colonos. No entanto, não foram apenas os pastores Ehlers e Klingelhoeffer que se envolveram com a Revolução Farroupilha. Tramontini, ao analisar a Colônia de São Leopoldo, constatou que o primeiro núcleo de imigrantes alemães do Rio Grande do Sul foi imediatamente tocado pela Revolução, resultando daí a formação de duas facções. Porém, o autor transcende o que chamou de “bipolarização partidária dos colonos”, analisando a participação deste grupo a partir de uma São Leopoldo que “convivia e se organizara dentro de distinções étnicas, profissionais, econômicas, e, por que não, políticas e ideológicas”.366 Isso quer dizer que Tramontini ampliou o olhar, optando por esmiuçar a guerra e a aceitação/rejeição dos colonos a partir de múltiplos interesses, muitas vezes direcionados por lideranças do próprio grupo, como Hillebrand, Coronel a partir de 1840 e “comandante geral de polícia dos distritos de São Leopoldo, Sant’Anna e Triunfo”.367 Reside neste aspecto uma das contribuições do autor para a historiografia rio-grandense que estuda imigração e/ou 365 LEVI, op. cit., p. 205. 366 TRAMONTINI, op. cit., 2000; p. 270. 322 o movimento farroupilha, ou seja, o grupo de imigrantes e descendentes, recéminstalado nas cercanias de Porto Alegre, tomou conhecimento, optou por aceitar ou rejeitar o conflito, foi ameaçado por ambos os lados, reagiu à violência imposta pela guerra, mudou de posição ideológico-partidária conforme a conveniência, enfim, viveu a Farroupilha da forma que as circunstâncias e os interesses lhe permitiram. Note-se que os subsídios destinados à imigração haviam sido suspensos pelo império em 1831, gerando controvérsia entre província e império sobre a responsabilidade do pagamento desses valores368, e que ambos os lados – farroupilhas e legalistas – prometiam cumprir com as promessas feitas aos colonos quando da sua chegada ao Brasil. No que se refere aos líderes da Colônia que assumiram posições contrárias, houve um número significativo de comerciantes que apoiaram farrapos e legalistas. Por certo, interesses econômico-políticos motivaram negociantes do núcleo central, mas também das Picadas, a participarem do movimento, demonstrando que havia discordância entre esse grupo e que colonos aderiram a causas diversas, portanto, acataram ordens de alguns e desconsideraram as recomendações de outros.369 Inclusive, o comerciante Diehl, juntamente com outros pares, foi acusado de incriminar um adversário, o Tenente Mosye, quando legalistas prenderam “três indivíduos” na Colônia de São Leopoldo.370 Aceita-se, igualmente, a idéia de que o papel de abastecedor da capital da província tenha dado certo respaldo aos 367 TRAMONTINI, op. cit., 2000; p. 273. 368 TRAMONTINI, op. cit., 2000; p. 235. 369 TRAMONTINI, op. cit., 2000; p. 240-242. 370 Cf. TRAMONTINI, op. cit., 2000; p. 263. 323 comerciantes da Colônia, sendo que alguns deles teriam chegado ao extremo de se posicionar frente às facções legalista e farroupilha.371 No entanto, os desentendimentos não ficaram limitados ao grupo dos comerciantes. Conforme estudo de René Gertz, ex-integrantes da legião estrangeira contratada por D. Pedro I, na década de 1820, tomaram posição favorável aos farrapos. De acordo com o autor, “parte deles teria sido influenciada pelos princípios e pela prática da Revolução Francesa e com isso teriam mostrado interesse pelos ideais liberais e republicanos”372 dos revoltosos. Isso explica por que em certos momentos da guerra as “habilidades militares” desses soldados tiveram relevância. O envolvimento de grupos díspares, mas ao mesmo tempo “alemães”, provocou racha entre Picadas e dissidência entre membros de uma mesma família.373 De fato, seria improvável que a guerra deixasse as famílias imunes, uma vez que os próprios líderes espirituais foram cooptados pela facção farroupilha. O embate entre os representantes dos colonos chegou a tal ponto que Ehlers, declaradamente revolucionário, chegou a denunciar Hillebrand às autoridades separatistas, externando, com isso, que ambos pertenciam a grupos armados rivais e defendiam idéias igualmente opostas.374 Hillebrand, por sua vez, enviou relatório ao presidente da província descrevendo em detalhes a atuação revolucionária do pastor, informando que Ehlers “desde o princípio da revolução que infelizmente assola esta Província, sempre se tem mostrado muito afeto à causa dos Rebeldes”.375 Gertz arrisca uma explicação para a entrada desses líderes na Guerra Civil de 1835-1845: “para os luteranos, religião e política são realidades totalmente independentes entre 371 GERTZ, René. A memória da Revolução Farroupilha na colônia alemã. 2006, p. 2. [manuscrito]. 372 GERTZ, op. cit., 2006; p. 1. [manuscrito]. 373 Cf. documento apresentado por TRAMONTINI, op. cit., 2000; p. 237. 374 TRAMONTINI, op. cit., 2000; p. 248-249. 324 si... política é uma realidade deste mundo, e a prática religiosa pertence a outro âmbito”.376 Se a participação dos pastores no conflito for entendida como posicionamento político – tese defendida neste trabalho -, as considerações de Gertz passam a indicar novas possibilidades de análise sobre a participação dos alemães na Farroupilha. Como se pôde perceber, a Revolução Farroupilha gerou conflitos intra e extragrupo de maior ou menor gravidade conforme a região e o período em que se deram os acontecimentos. Quanto à memória da Revolução, Gertz abordou esse aspecto em estudo específico, constatando que textos do final do século XIX e do início do XX relativizam a assertiva de que a Guerra Civil de 1835-1845 havia sido travada com figalguia, enquanto na de 1893-1895 muito sangue fora derramado de forma brutal. Os textos analisados por Gertz denunciam que a Farroupilha foi palco de batalhas violentas, dentro e fora do grupo alemão. O que se percebe na documentação é ratificado por testemunhos do final do século XIX, os quais colocam em cena os crimes cometidos entre os próprios colonos alemães.377 As considerações de Levi sobre Santena são válidas para o cenário colonial riograndense durante e após a Farroupilha: O conflito e a solidariedade se misturavam na realidade concreta... A comunidade camponesa apresenta em seu interior um processo matizado e mutável de divisão e desarmonia: não podem ser descritas através da imagem idílica de uma sociedade solidária e sem conflitos e no entanto parece existir uma homogeneidade cultural que se manifesta particularmente nos momentos de conflito aberto com as classes dominantes e com o mundo externo.378 375 TRAMONTINI, op. cit., 2000; p. 278. 376 GERTZ, op. cit., 2006; p. 10. [Manuscrito]. 377 GERTZ, op. cit., 2006; p. 6-7. [Manuscrito]. 378 LEVI, op. cit., p. 43. 325 Após retomar alguns aspectos já explorados no Capítulo I, sobretudo a participação dos pastores em diversos conflitos, outras situações semelhantes foram localizadas ao longo da pesquisa e tiveram o seu conteúdo investigado. Uma delas diz respeito à inserção dos colonos alemães no mundo jurídico-burocrático do século XIX, registrada pelo militar e viajante Carl Seidler379, em 1829, cuja narrativa constitui-se num dos primeiros depoimentos sobre a tentativa de inclusão dos considerados estrangeiros na sociedade luso-brasileira. Todavia, se por um lado se pode aceitar o testemunho de Seidler como um registro histórico daquele momento, há discordância na historiografia se de fato imigrantes e descendentes conseguiram ocupar espaço político nos anos iniciais da colonização. Segundo Adonis Fauth380, várias leis impediriam a participação política desse grupo, excluindo-os da cidadania, portanto, de serem vistos e reconhecidos como “cidadãos brasileiros”. As afirmações de Fauth conferem, parcialmente, com a realidade que os estrangeiros viveram no Brasil do século XIX, pois, os “não-cidadãos” conseguiram superar alguns obstáculos que a legislação brasileira lhes impunha. Tramontini381 constatou que os chamados “colonos alemães” souberam compor aliados, afastar inimigos, burlar determinações que vinham de cima para baixo e, mais do que tudo, conflitar-se com aqueles que ousassem tentar ludibriá-los. 379 SEIDLER, Carl. Dez anos no Brasil. In: Biblioteca Histórica e Brasileira. v. VIII; SEIDLER, Carl. Dez Anos no Brasil. In: Revista do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Sul. I Trimestre. Ano X. Porto Alegre: Tipografia do Centro, 1930. Ruschel, em suas crônicas, foi o primeiro a trabalhar com os relatos de Seidler e concluiu, também, que o viajante teria passado por Torres em 1829. Para maiores detalhes, ver três crônicas de Ruschel assim intituladas e transcritas na obra organizada pela historiadora Nilza Huyer Ely: “A Primeira Eleição em Torres”, p. 90-91, “A Festa do Juiz de Paz”, p. 92-93 e “A Primeira Eleição (1829)”, p. 792-793 apud ELY, Nilza Huyer (Org.). Torres tem história: Ruy Ruben Ruschel. Porto Alegre: EST, 2004b. 380 FAUTH, op. cit., p. 63-76. Se a participação dos alemães na burocracia imperial estivesse sendo analisada unicamente pelos cânones da história das elites, esse grupo seria intitulado de “elites públicas, mais suscetíveis de revelar, em sua evolução social, os efeitos da mudança política sobre seu recrutamento, ou os grupos profissionais ou burgueses mais ligados à esfera pública. A 326 Assim, foi possível perceber que, de uma maneira geral, em todas as Colônias estabeleceu-se o “conflito” que tinha por objetivo conquistar espaço político e obter vantagens que, de fato, a legislação impedia. Todavia, conflito entre quem? No caso do Brasil imperial, entre aqueles que estavam alijados da política – estrangeiros, escravos, analfabetos – e os herdeiros de práticas coloniais que sonhavam com um Brasil independente, mas estruturado ainda de tal forma que garantisse privilégios para poucos e mantivesse a maioria trabalhadora sob a fiscalização da elite mandatária. Neste caso, os conflitos remetem, sobretudo, à política e à disputa pela terra. Sobre política, a legislação tentou impedir que imigrantes e descendentes ocupassem cargos públicos e/ou eletivos, como compor a câmara de vereadores e/ou adentrar na burocracia provincial ou imperial. Porém, houve exceção à regra e, mesmo que tenha optado pelos estudos de caso, o singular pode ser representativo desde que articulado ao meio social de determinado tempo e espaço. Desse modo, ao estabelecer contato pela primeira vez com os relatos do viajante Seidler, foi possível perceber que suas anotações eram mais do que notas descritivas: o que registrou testemunha a capacidade dos alijados em encontrar rotas alternativas para ocupar espaços e lutar por tudo aquilo que precisavam ou que havia sido prometido. O militar suíço Carl Seidler, ao chegar em Torres no ano de 1829, foi convidado a participar de uma festa na qual estavam comemorando a vitória obtida numa eleição aparentemente inusitada: havia sido eleito como juiz de paz um colono alemão. De acordo com a legislação do Brasil já independente, o cargo de juiz de comodidade no acesso às fontes e também o peso considerável do Estado na organização das hierarquias sociais... o explicam”. Ver: CHARLE Apud, HEINZ, op. cit., p. 27. 381 TRAMONTINI, op. cit., 2000. 327 paz foi criado em 1827382 com o intuito de desafogar o trabalho da magistratura profissional e, ao mesmo tempo, estabelecer vínculo entre os liberais e as chefias locais.383 No que tange a Torres, esta região limítrofe do Rio Grande do Sul havia recebido colonos alemães católicos e protestantes a partir de 1826, colonização esta que integrava o projeto imperial de pontuar Colônias com imigrantes europeus ao longo do litoral brasileiro. A análise da documentação sobre o projeto de colonização na Ponta das Torres sugere que parece não ter sido fácil a relação do comandante Francisco de Paula Soares com os imigrantes recém-chegados, principalmente pela dificuldade e demora na demarcação das terras. Ora, se o próprio inspetor da Colônia das Torres parecia não confiar nos colonos alemães, como pôde, então, ser eleito um alemão para juiz de paz? Talvez, o único que possa contribuir para a tentativa de responder a essa pergunta seja o viajante Seidler, o qual deixou algumas pistas sobre o processo eleitoral que garantiu a eleição para o juiz de paz alemão. Uma das informações mais importantes refere-se à profissão do recém-eleito: Só a pessoa do recém eleito juiz de paz... cujo produtivo ramo de comércio era o de secos e molhados, só ele não dava boa impressão, se bem que fizesse todos os imagináveis esforços por agradar a seus convidados, quer com alguns maus gracejos, quer com as iguarias e bebida que fazia servir em abundância.384 Pelo depoimento de Seidler, o juiz de paz era um comerciante, situação que lhe permitiu bancar a festa da vitória. Porém, conforme o viajante, o fato de possuir um “ramo de comércio” também garantiu a compra de votos. Denunciou o autor: 382 O juizado de paz foi criado pela lei de 15 de outubro de 1827. Ver: Coleção de Leis do Brasil, 1827, p. 67-70. 383 FLORY, Thomas. El Juez de Paz y el Jurado en el Brasil Imperial. México: Fondo de Cultura Econômica, 1986. 384 SEIDLER, op. cit., p. 213. [grifo nosso]. 328 “dinheiro sonante distribuído em ardilosa habilidade entre as classes mais pobres quando se trata de número de votos, nunca falha em seu efeito”.385 Ao que parece, a venda teria proporcionado ao imigrante alemão a entrada num outro círculo de poder que não era o comunitário, mas sim o da justiça e/ou da política. Entretanto, se os colonos alemães chegaram às Torres em novembro de 1826, como em tão pouco tempo um deles pôde se sobressair desta maneira? O que se pode aventar é que esse colono deve ter sido um dos mais abastados dentre aqueles que foram enviados à Colônia alemã das Torres. Além disso, o fato de ter sido eleito juiz de paz possivelmente revele sua aptidão para inserir-se em outras atividades que, num certo tempo, poderiam levá-lo à política. Como intuição e em decorrência de algumas investigações, pode-se pensar na família Raupp, já apresentada e analisada nos capítulos anteriores, núcleo “exponencial” que foi proprietário de um estabelecimento comercial em Torres, e que também conquistou cargos políticos. As fontes apontam que, em 1850, os Raupp já possuíam muitas terras, comércio e escravos, daí a possibilidade de o juiz de paz de 1829 pertencer a essa família.386 Outro aspecto a ser considerado é a discussão em torno da cidadania concedida aos imigrantes alemães. Aparentemente, um estrangeiro não poderia ser eleito para cargos públicos e/ou políticos. No entanto, Helga Piccolo explica que os estrangeiros naturalizados poderiam exercer certos cargos junto às câmaras 385 SEIDLER, op. cit., p. 213. 386 Tirar o juiz de paz torrense do anonimato talvez se torne uma tarefa irrealizável, uma vez que a documentação relativa a esse período não confirma sua existência, com exceção dos relatos de Seidler. Conforme alguns documentos do fundo “Justiça” (AHRS – Justiça – maço 53), os juízes de paz de Torres, da década de 1830, eram todos nacionais, a começar por Hipólito Antonio Rolim e Luciano Jose da Silva. As crônicas de Ruschel apresentam dados tanto sobre os Rolim quanto os Raupp. Ver: “Um Juiz Torrense dos Primórdios”, p.122-123 e “Como chegaram os Raupp”, p. 106107. In: ELY, op. cit. Ainda, sobre os Raupp, ver: WITT, op. cit., 2001. 329 municipais.387 Ao que parece, o juiz de paz eleito em Torres adiantou-se quanto à possibilidade de exercer cargo público e/ou burocrático. Ainda sobre a legislação de 1827 que instituiu o juizado de paz, Tramontini observou que a desconfiança dos colonos alemães de São Leopoldo em relação a seu inspetor teria propiciado o encaminhamento da proposta de se elevar a Colônia à categoria de capela curada com o objetivo de se instalar ali um juiz de paz. Entretanto, por impedimento legal, os colonos estariam privados de ocupar esse cargo caso não se naturalizassem. Tramontini apresentou um documento no qual a própria autoridade provincial reconhecia a necessidade de um juiz de paz para São Leopoldo, mas advertia que os colonos estariam alijados da possibilidade de conquistar tal incumbência. Diz o relatório: Para que a colônia de S. Leopoldo tenha juízes de paz, é preciso que os seus habitantes concorram para a eleição desses juízes; mas os colonos não estando declarados Cidadãos Brasileiros não podem exercer um direito político, qual o de serem eleitores elegíveis para semelhantes cargos. 388 No que se relaciona ao juiz de paz torrense, cabe continuar investigando quais os caminhos usados por ele para tornar-se um “exponencial” junto à população. Tudo indica que o candidato conseguiu cooptar o apoio do administrador da Colônia alemã das Torres, Tenente Cel. Paula Soares. Talvez, ainda tenha usado de suas posses para comprar votos e conquistar novas amizades. Porém, tudo isso não foi suficiente para calar a voz dos opositores. Outro estrangeiro, em Santo Antônio da Patrulha, enfrentou oposição em função de sua origem. Em 1833, houve manifestação contrária à titulação de “Tenente” para Marcos Fioravante, por ser estrangeiro e não-naturalizado. Mesmo que Fioravante residisse há muitos anos na 387 PICCOLO, Helga Iracema Landgraf. O Sistema Político Imperial e a Colonização Alemã no Rio Grande do Sul. In.: Anais do III Simpósio da Imigração e Colonização Alemã no Rio Grande do Sul. São Leopoldo: Escola Superior de Teologia São Lourenço de Brindes, 1978, p. 141-152, p. 143. 330 localidade, isso não foi suficiente para convencer seus opositores de que um estrangeiro poderia ocupar cargo de maior destaque entre eles.389 Da mesma forma, em 1842, a câmara municipal de Porto Alegre recusou a indicação de Israel Batista Orsi, de São Leopoldo, para o posto de “fiscal das posturas”, alegando que tal cargo não poderia ser exercido por estrangeiro.390 No caso de Torres, pode-se conjeturar se o inspetor da Colônia colaborou para que o referido alemão conseguisse obter a vitória, ou mesmo se silenciou eventuais opositores daquela candidatura. Pela descrição de Seidler, o juiz de paz deveria servir, também, como elo de ligação entre a autoridade responsável pela administração da Colônia e os imigrantes, os quais não conseguiam vencer a barreira da língua e nem chegar a um acordo quanto aos procedimentos da instalação da Colônia. Claro está que a impossibilidade dos imigrantes alemães em ocupar cargos públicos evidencia a dificuldade das autoridades brasileiras em reconhecê-los como cidadãos, fato que gerou grandes discussões em torno do conceito de cidadania no contexto político-social do século XIX. A narrativa de Seidler, por sua vez, não se limita a descrever a inusitada vitória do juiz de paz alemão. Na continuidade de seu relato, o autor denunciou que a relação entre o comandante Francisco de Paula Soares e o referido juiz não poderia ser caracterizada como amistosa. Há, na descrição de Seidler, a revelação de uma contradição: diz ele que Paula Soares determinou que a eleição recaísse sobre um dos alemães domiciliados em Torres, mas também que foi surpresa para o próprio comandante Soares que os imigrantes votassem num “homem desprezado pelos próprios patrícios”. Qual seria a razão deste “desprezo”? Os colonos sentir-se- 388 TRAMONTINI, op. cit., 2000; p. 173. 331 iam explorados pelo vendeiro? Teria ele monopólio de produtos ou preços exorbitantes em sua venda? Ou a relação entre os “patrícios” estaria sendo corrompida pelo processo eleitoral que, como sugerido por Seidler, foi perpassado pela compra de votos? As dificuldades encontradas pelos imigrantes também foram alvo do olhar atento de Seidler. A demora na demarcação dos lotes, a investida dos indígenas sobre as terras originalmente suas, a ameaça e a destruição causada pelos animais selvagens, o abandono da Colônia por parte do governo imperial, o alcoolismo entre a população, entre outras “calamidades”, estão presentes nas anotações do autor. Por sua complexidade e minuciosidade, a obra de Seidler pode ser enquadrada como uma das matrizes da historiografia sobre o LNRS, uma vez que remonta aos primeiros anos da chegada dos imigrantes alemães e traz como marca as características que moldaram uma parte da historiografia da imigração alemã, a qual analisou a Colônia alemã das Torres tomando os conceitos de abandono, isolamento e declínio como espinha dorsal para definir a história daquele grupo. Em suma, mesmo que Seidler pareça exagerar em certos momentos de sua narrativa, como observou Ruschel391, os registros de um encontro tão significativo como o que ele presenciou lançam novas cores sobre os resquícios do passado, confirmando que as relações humanas são contraditórias, que os grupos étnicos interagem e se modificam e, o mais importante, que desde a sua chegada ao espaço determinado pelo governo imperial – Colônia de São Leopoldo e Colônia das Torres – os colonos alemães buscaram conquistar os espaços que julgaram convenientes. 389 AHRS – Justiça – maço 41. 390 Cf. TRAMONTINI, op. cit., 2000; p. 283. 391 Ver: A primeira eleição em Torres. In: ELY, op. cit., 2004; p. 90-91. 332 Não cabe duvidar de que o juiz de paz alemão, embora anônimo, trouxesse a público o sentimento de inconformidade dos novos ocupantes da Ponta das Torres. Mesmo que sua vitória seja tomada como um ato individual, ela está, simbolicamente, marcando a entrada dos colonos alemães em outras esferas que diferem daquelas às quais eles estavam destinados, como a vida dedicada à agricultura e à participação nas guerras como soldados. Os relatos de Seidler ilustram com detalhes a formação de redes de apoio e de contato, as quais permitiram que colonos alemães transpusessem as barreiras impostas pela legislação imperial. A fim de aprofundar essa discussão, é possível verificar como atuaram os juízes de paz seguintes, isto é, aqueles que ocuparam esse cargo no LNRS durante os primeiros anos da década de 1830. Mesmo que a pesquisa não seja exaustiva, os documentos selecionados referentes a três juízes de paz – Luciano José da Silva, João Francisco da Silveira e Dionisio José Lusitano –, os quais atuaram de 1833 a 1835392, são suficientes para demonstrar que os locais souberam usufruir da criação deste cargo, estendendo um leque de atuação que passava por “questões de terra” até o fornecimento de cavalos para aqueles que se dirigiam da província de Santa Catarina para a capital rio-grandense. Talvez, as entrelinhas revelem mais do que o óbvio extraído da leitura dos documentos deixados pelos juízes de paz. A primeira denúncia que integra o rol dos relatórios de Luciano José da Silva refere-se à reivindicação do colono Joanez Jacob, o qual denunciou que estaria sendo esbulhado de suas terras. Do que ficou relatado, pode-se concluir que houve problemas com a medição dos lotes e que o juiz de paz tinha dúvidas sobre a quantidade de braças que caberiam para cada 392 AHRS – Justiça – maço 53 – Torres. 333 colono. Da narrativa que, num primeiro olhar, descreve apenas uma situação comum para o Brasil agrário do século XIX, abrem-se duas discussões: os colonos imediatamente após a sua chegada ao Brasil souberam reivindicar por aquilo que julgavam ser de direito (tanto o que havia sido prometido, quanto tudo aquilo que fosse necessário para suprir as necessidades diárias); a segunda observação remete à atuação do juiz de paz, limitada pela falta de conhecimento, oriunda justamente da enorme abrangência do seu cargo. Quanto à reivindicação dos imigrantes e de seus descendentes, a documentação guardada nos diversos arquivos pesquisados está repleta de casos como o de Jacob, antes mencionado. O que há de novo em relação à reivindicação é que ela passou a ser vista como voz, como pronunciamento de um grupo que, pelo menos na lei, praticamente não tinha direitos. No documento selecionado, o colono revoltou-se, denunciou e exigiu, fugindo do comportamento “ordeiro” e “disciplinado” que supostamente teria caracterizado os representantes desta etnia. Além disso, o juiz de paz, ao reconhecer que “nunca tive certeza do legítimo número de braças que toca a cada um colono”, acrescentou a informação de que alguns agricultores aceitaram lotes menores, para ficarem mais próximos de Torres. Claro está que não só se revoltavam, denunciavam e exigiam, como tinham perspicácia para definir um local melhor, mais adequado para viver. Por sua vez, a historiografia clássica da imigração alemã leu essa documentação como um sinal de alerta, isto é, a perda da germanidade poderia levar a distúrbios, como o alcoolismo, a aculturação (“abrasileiramento”) e a conflitos diversos entre os próprios colonos alemães e/ou esses e as autoridades. Para os representantes dessa historiografia, os conflitos eram exceção e revelavam o 334 desvirtuamento, a situação vexatória em que foram abandonados os imigrantes e seus descendentes por parte do Império e das províncias. Dificilmente os conflitos foram vistos como articulação grupal, como um meio para conquistar aquilo que o grupo desejava. Portanto, se a terra era um bem maior, imprescindível para a manutenção do grupo, os componentes envolvidos decidiram lutar pela fixação e pelo trabalho a ser desenvolvido no seu lote rural. A segunda observação a ser feita, tomando por base a denúncia do colono Joanez Jacob, remete à atuação do juiz de paz, cargo criado pelos legisladores a fim de desafogar a Justiça e ampliar o poder dos liberais393 junto às comunidades locais. Dessa forma, os sertões do Brasil, a partir de 1827, seriam tomados por mais uma categoria de juiz, o intitulado juiz de paz, cuja abrangência de atuação iria extrapolar a que foi prevista durante toda a discussão no Rio de Janeiro. A leitura da documentação evidenciou que muitos eleitos eram despreparados para o cargo, uma vez que não se exigia a formação em Direito. Luciano José da Silva, no mesmo documento até agora analisado, diz que não tem conhecimento sobre a quantidade de braças que cada colono deveria receber, informação que se apresenta como incoerente, uma vez que os imigrantes alemães chegaram a Torres em novembro de 1826 e, desde então, passaram a ocorrer inúmeros conflitos em função da localização, medição e distribuição dos lotes coloniais. Sendo ele um homem conhecido na localidade, a tal ponto de ser eleito juiz de paz, em 1833, e tendo transcorrido oito anos após o ingresso dos imigrantes alemães, chega a ser questionável a informação que passou ao presidente da província. É lícito pensar que o juiz de paz estava, sim, por dentro de toda a problemática que envolvia o 335 Tenente Coronel Francisco de Paula Soares e os colonos recém-chegados. Porém, os desentendimentos e as reivindicações foram tantas que resultaram na mudança de planos sobre a instalação dos núcleos, havendo protelação, indecisão e descontentamentos mil. Para quem assistia à cena de fora, era difícil saber quais as propostas que iriam vingar, quem estava com a razão ou, o mais significativo, que papel tinham esses imigrantes no desenvolvimento da região, que justificasse tantas reclamações e tantos conflitos. Sem saber, o juiz de paz Luciano José da Silva expunha sua fragilidade como autoridade para os pesquisadores do futuro. Ao mencionar sua ignorância sobre as medidas, o juiz apontou para a impossibilidade de execução de todas as suas tarefas; no entanto, não se deve pensar que isso tenha diluído seu poder e corroído a teia de relações que o cargo lhe permitia estabelecer. Em outro documento, datado de 30 de abril de 1833, o juiz reclamou ao presidente da província, afirmando que sua honra estava sendo maculada “tão injustamente com atos nunca praticados”. Novamente, o problema a ser resolvido referia-se à terra, pretendida por “alemães que por terem tido baixa do S. Imperial querem introduzirse” nas Colônias, ganhando lotes para trabalhar. Bastaria para agigantar o conflito o fato de esses alemães não serem colonos, mas sim ex-soldados que agora precisavam de outro espaço para reiniciarem suas vidas, porém eles ainda maculavam injustamente a honra do juiz de paz, colocando a autoridade em situação delicada, expondo a dificuldade que o juiz tinha para resolver problemas dessa natureza e, contrariando os conceitos de “ordeiro” e “disciplinado”, eles 393 Deve-se salientar que não se trata, ainda, do Partido Liberal, agremiação partidária que disputou o poder na segunda metade do século XIX com o Partido Conservador. 336 exigiam um lugar ao sol no país que os acolheu. Se não havia mais guerra ou lugar no exército, então, novamente, o bem maior a ser disputado seria a terra. Outro documento analisado também refere-se à disputa pela terra. Em síntese, agricultores nacionais e colonos alemães estavam ocupando uma área que havia sido considerada devoluta, até o momento em que José Maria Alvez, procurador de “Ml.” Jorge da Silva, apresentou título legal. O juiz de paz pronunciouse a favor daqueles que “se acham ali estabelecidos há bastante anos com casas e seus estabelecimentos de culturas”, apresentando dados, como o edital que Francisco de Paula Soares teria publicado, demonstrando seu interesse em destinar aquelas terras para famílias de agricultores alemães. O que chama a atenção neste documento é o fervor da defesa em prol dos agricultores e a objetividade do ataque contra o requerente, o qual, morando “tantos anos neste distrito, nunca cuidou em defender seus terrenos, morando no mesmo lugar, deixando por isso estabeleceremse todos estes na boa fé de serem devolutos”. Do ponto de vista jurídico, o documento datado de 21 de agosto de 1833 estava inserido no período de vacância legal, isto é, a Lei de Terras iria se concretizar somente em 1850, o que deixou o Brasil independente sem legislação específica sobre a ocupação da terra. A ausência de um código de leis para tratar desse assunto possibilitou o engrandecimento do pronunciamento do juiz de paz, o que pode ter sido fundamental e decisivo em inúmeros casos, sendo esta uma situação que lhe serviria para defender alguns com fervor e acusar outros com objetiva rapidez. Por outro lado, nem sempre a possibilidade de concorrer a cargos públicos foi vista como uma excelente oportunidade de ampliação de poder. João Francisco da Silveira, juiz de paz em julho de 1834, escreveu ao presidente da província 337 solicitando que “se proceda à nova eleição para juízes de paz deste distrito, pois se escusaram todos os que foram votados, e por este motivo me acho só em semelhante tarefa”. Dentre as inúmeras razões que impediriam candidatos e votados de cumprir com o seu papel, estariam a doação de tempo para realizar as tarefas que o cargo exigia e o alargamento das fronteiras da inimizade, ou seja, ser juiz de paz significava dizer que tais terras eram de fulano e não de sicrano. Conquistar novos inimigos, comprar brigas que colocariam a vida em risco, indispor-se com velhos conhecidos eram possibilidades concretas do dia-a-dia dos juízes de paz. E mais, inimizade era sinônimo de interrupção de projetos, de acordos desfeitos antes mesmo de serem conchavados, riscos que nem sempre os “exponenciais” estavam dispostos a correr, conforme relata o próprio João Francisco da Silveira. Ao que tudo indica, ele estava cansado de levar esse fardo sem a colaboração daqueles que haviam sido eleitos juntamente com ele; os motivos que levaram Silveira a solicitar uma nova eleição não foram revelados por este documento, mas, baseado na análise geral da documentação, é possível perceber que as exigências do cargo sobrecarregavam e afugentavam os que foram abandonados por seus colegas. Na seqüência de sua explanação, surge, novamente, mais uma rusga entre os colonos alemães e as autoridades locais. Motivo: a disputa pela terra, agravada pela falta de habilidade dos juízes de paz que pareciam não ter condições suficientes para resolver todas as questões que lhes apareciam cotidianamente. Se o propósito era desafogar a alta magistratura e colocar o poder central mais próximo das comunidades através de um representante que viesse do seu próprio seio, nem sempre essas metas foram atingidas. O poder local vigorou mais fortemente e a idéia de diálogo entre instâncias superiores e o local perdeu-se pela e na 338 impossibilidade de diálogo entre as partes envolvidas. Em âmbito local, mesmo entre aqueles que se colocavam à disposição para concorrer ao cargo de juiz de paz, havia diferenças que, muitas vezes, acabavam sendo resolvidas pela força, em substituição ao entendimento. O juiz de paz do ano seguinte, Dionisio José Lusitano, escreveu ao presidente da província informando que os desentendimentos chegaram a tal ponto que a sua vida corria perigo: forçoso me é levar ao conhecimento de Vossa Excelência as perversidades praticadas pelo ex-juiz João Francisco da Silveira. Desde o momento que chegou a este lugar foi logo atacando todos os cidadãos que nunca quiseram anuir as suas malvadas pretensões. A disputa entre os dois “exponenciais” culminou na tentativa de expulsão, ou até mesmo de assassinato, de Dionisio, o qual acusou Silveira de, em duas ocasiões, reunir homens para insultá-lo e “darem igual sorte a que deram ao Coronel Pinto e seu irmão”. Sobre estes dois últimos personagens, há nesta mesma documentação denúncia de abuso de poder e terrorismo em relação à população, tendo em anexo um abaixo-assinado com sessenta e cinco nomes que solicitavam ao presidente da província a remoção do Coronel Pinto e do seu irmão, em virtude do modo violento pelo qual se dirigiam aos moradores da região. O juiz de paz que encaminhou as denúncias foi Luciano José da Silva, portanto, pareceu haver facções favorável e contrária à permanência dos Pinto no LNRS. O que deve ser colocado em evidência, neste caso, é a tomada de partido, o peso do poder local sobre a atuação dos juízes de paz que, de acordo com seus interesses, tornavam-se defensores e acusadores de causas variadas. Retomando a denúncia de Dionisio contra seu colega João Francisco da Silveira, o juiz aproveitou para lamentar-se das faltas reais que impediam a execução de inúmeros serviços. Segundo ele, 339 falta a força moral e física, nesta povoação não existe uma cadeia, não existe um oficial de justiça que saiba cumprir com os deveres de seu cargo, não existe um permanente para auxiliar o juiz de paz no cumprimento de seus deveres. De tudo que foi elencado pelo juiz de paz, não há novidade sobre a falta de homens para montar os efetivos, pois muitos tentavam esquivar-se dos serviços ligados ao exército e às tropas “municipais”. Porém, de tudo que listou, deve ser grifada a constatação de que faltavam profissionais preparados para a execução de tarefas importantes, como é o caso do oficial de justiça, o qual não sabia “cumprir com os deveres do seu cargo”. Isso pode estar relacionado à abrangência da atuação dos cargos ligados ao serviço burocrático, o que não permitiu que houvesse conhecimento específico sobre as suas atribuições. No entanto, Antonio Candido adverte que a ausência de concursos públicos e a nomeação de funcionários à revelia eram entraves parciais para o desenvolvimento do Brasil independente. Essas observações ratificam o que se constatou em pesquisa anterior, e coaduna-se com o que foi relatado por Antonio Candido: a teia de poder local estabelecida entre os “exponenciais” superava os critérios de excelência e conhecimento para a ocupação de cargos públicos. Uma vez instituída essa forma de fazer política, grassavam a ignorância e os conchavos revelados pela defesa e acusação dos juízes de paz. O que foi descrito em relação aos juízes de paz, células de poder local e, ao mesmo tempo, intermediadores entre o poder central e as comunidades locais, deve ter servido para demonstrar que colonos alemães estabeleceram conflitos intra e extra grupo. Esses conflitos, muitas vezes, foram motivados ou ganharam força porque as pessoas encarregadas de resolvê-los não dispunham dos mecanismos necessários para encaminhar, analisar e julgar. A abrangência do cargo deu aos 340 juízes de paz a imensidão de tarefas irrealizáveis; por sua vez, a extensão dessas atividades exigia um grau de conhecimento muitas vezes não presente no homem eleito para tal cargo. O relato do viajante Seidler e as denúncias realizadas pelos juízes de paz Luciano José da Silva, João Francisco da Silveira e Dionisio José Lusitano se complementam, na medida em que apresentam para o leitor outro imigrante, cujas forças foram capazes de burlar a lei, estabelecer redes múltiplas de apoio, que incorporaram não somente seus pares, mas também seus vizinhos nacionais. De igual modo, os potentados locais perceberam que essa nova atribuição poderia ampliar o poder junto aos seus representados, mesmo que a aceitação da disputa e da eventual vitória pudesse acarretar acúmulo de trabalho. Os resultados obtidos com a disposição para concorrer ao cargo, com a conquista da eleição e com a conseqüente nomeação para juiz de paz eram visíveis desde o momento em que essa idéia se concretizava e se tornava pública. No entanto, nem sempre os juízes locais conseguiam resolver os problemas que se colocavam à sua frente no dia-a-dia. Quando isso acontecia, o governo poderia recorrer a outras autoridades, quer burocráticas ou nomeadas temporariamente para executar serviços específicos. Os desentendimentos causados pela disputa territorial chegaram a tal ponto que o presidente da província solicitou um relatório que explicasse os mau-entendidos e apontasse solução para os possíveis desacertos. No ano de 1859, o governo encomendou um estudo nestes moldes394, a fim de inteirar-se sobre algumas invasões que estavam ocorrendo junto à Colônia de São Pedro de Alcântara. Uma das dúvidas do governo referia-se aos 394 AHRS – Documentação dos governantes - Relatórios e falas dos presidentes da província – A7.06 – Relatório do conselheiro Joaquim Antão Fernandes Leão – 1859. 341 títulos de posse, pois alguns moradores negavam-se a mostrá-los, indicando, segundo o relator, que aquelas terras deveriam ter uma origem questionável.395 O mesmo relatório prossegue apontando erros que datam do início da colonização, isto é, 1826. Conforme o relator, inúmeras medições não foram realizadas ou, se ocorreram, não estavam corretas. Além disso, como os limites não haviam sido firmemente estabelecidos, as terras de uns avançavam sobre as dos outros, gerando discussões, intrigas e um número ilimitado de controvérsias.396 O avanço sobre terras devolutas também foi referido neste relatório, acusando pilotos e agrimensores de terem beneficiado proprietários economicamente mais destacados, ampliando suas propriedades. Sobre a ampliação dessas propriedades, o relator refere-se, nominalmente, a José Raupp, comerciante e proprietário de terras na Colônia alemã das Torres, forte candidato a ser o juiz de paz descrito por Seidler. O imigrante foi acusado de avançar sobre terras do governo, aproveitando-se do seu poder e de sua influência para aumentar ainda mais a sua riqueza. O guia que conduziu o relator a uma das posses de José Raupp narrou como em anos anteriores ele mesmo trabalhou na limpeza destas terras: Foi neste lugar... que em dezembro de 1851, eu vim com outros camaradas trabalhar no mato virgem por conta de Juca Rapp [José Raupp], que nos conduzia ao trabalho, e aqui nas margens deste arroio, derrubamos pouco mais ou menos vinte e cinco braças quadradas de matos, como vedes, para 395 URICOECHEA destaca esta mesma dificuldade em outras regiões do Brasil. O governo não tinha condições de obstruir a invasão de terras públicas, que eram tomadas sem nenhum controle legal. Ver: URICOECHEA, Fernando. O minotauro imperial. A burocratização do estado patrimonial brasileiro do século XIX. Rio de Janeiro, São Paulo: DIFEL, 1978, p. 268. 396 Sobre os conflitos oriundos da disputa pela terra, ver: WITT, Marcos Antonio. A questão da terra no Litoral Norte do Rio Grande do Sul. São Leopoldo, 2000. Monografia [Identidade e Integração na América Latina Independente II]. Programa de Pós-Graduação em História - UNISINOS, 2000a. 342 alargar uma outra derrubada mais antiga, feita por um quilombo de escravos, que os caçadores desalojaram em 1848 ou 49.397 Mesmo que aparentemente José Raupp não tenha provocado nenhum conflito ao apropriar-se de terras indevidas, as acusações contra ele agigantavam-se à medida que o relator expunha as atividades do comerciante sobre o acesso às terras devolutas, as quais tomava para si com o objetivo de “vendê-las por bom preço”. Em contrapartida, o relator denunciou a situação da grande maioria dos imigrantes, informando que: bom número de famílias de origem alemã, hoje carregada de filhos vivendo com grandes necessidades sobre uma parte da herança, já muito subdividida, famílias cuja desgraçada posição reclama todo interesse paternal de V. Exça. e estou certo que tanto os mais pobres como os mais necessitados não se acham na lista de Juca Rapp.398 A disputa pela terra marcou a história da imigração alemã durante todo o século XIX. Isso ficou visível na documentação produzida pelos juízes de paz, os quais esforçavam-se em dirimir as querelas provocadas por desentendimentos entre lindeiros, os quais não aceitavam a idéia de perder um único palmo de terra de suas propriedades. No entanto, alguns desentendimentos chegaram às instâncias superiores da justiça e ficaram registrados sob a forma de processos. Três documentos da década de 1860 colocam a família Diefenthäler em evidência, a qual disputou judicialmente a garantia de manter suas propriedades indivisas.399 O primeiro processo é de 1862 e se refere à fazenda “Conceição”, de “1.492.895 braças superficiais”, com 996 braças de largura e 1.500 braças de comprimento, situada no distrito da freguesia “D’Aldeia dos Anjos”, no lugar denominado Itacolomy, 397 AHRS – Documentação dos governantes - Relatórios e falas dos presidentes da província – A7.06 – Relatório do conselheiro Joaquim Antão Fernandes Leão – 1859. 398 AHRS – Documentação dos governantes - Relatórios e falas dos Presidentes da Província – A7.06 – Relatório do conselheiro Joaquim Antão Fernandes Leão – 1859. [grifo nosso]. 343 com “casa de moradia coberta de telha, engenhos, pomar e outras muitas benfeitorias e utensílios e animais”, vendida a Felippe Diefenthäler por José Rodrigues de Oliveira e sua mulher Rita de Cássia de Oliveira, em 25 de janeiro de 1856, por 5:000$000.400 O processo se deu entre Felippe Diefenthäler, “natural da Alemanha”, portanto, trata-se do cunhado de Voges, casado com Catharina Knierim, “morador na sua fazenda no Termo de Porto Alegre, com profissão de lavrador”, e João Antonio Dias e Fermiano Felix [ou Telles] da Silva, genros de Beyam Sipriano Pereira. 399 Afora esses, há o conflito estabelecido entre Jacob Diefenthäler e João Schmitt com Tristão José Monteiro, investigado no Capítulo III. No conjunto, as disputas demonstram que a terra havia se constituído num bem capaz de motivar as mais diversas querelas. 400 APERS – Processo-crime – autos 2972 – maço 58 – estante 74 – 1862 – São Leopoldo – 2º Cartório do cível e crime – Felippe Diefenthaeler (autor) X João Antonio Dias e Fermiano Felix da Silva (réus). 344 O primeiro foi identificado como filho de Felisberto Antonio Dias, 47 anos, casado, lavrador, brasileiro, nascido nos “subúrbios da cidade de Porto Alegre”, não sabendo ler nem escrever; o segundo foi caracterizado como filho de Eleuterio Telles da Cruz, 27 anos, casado, lavrador, brasileiro, nascido em Santa Catarina, também não sabendo ler nem escrever. Ambos declararam às autoridades que moravam no local, isto é, junto com o sogro dentro da área da fazenda, há doze e dois anos, respectivamente, e que desconheciam a proibição de fazer “derrubadas” e plantar. De acordo com as acusações de Felippe Diefenthäler, o único que estava autorizado a morar em sua fazenda era o sogro dos dois acusados, Beyam Sipriano Pereira. Os desentendimentos começaram quando os genros iniciaram as “derrubadas” e as “roças”, causando prejuízos ao proprietário das terras. 345 Figura 16: Túmulo de Philip Diefenthäler (Cemitério Evangélico de Estância Velha) A fim de comprovar a posse legal, foram arrolados ao processo a medição judicial e o exame de corpo de delito da fazenda, comprovando que João Antonio Dias e Fermiano Telles da Silva haviam derrubado parte da mata e iniciado uma plantação, bem como o depoimento de cinco testemunhas (apenas uma alemã), as quais declararam que as terras pertenciam a Felippe Diefenthäler. Como os limites da fazenda abrangiam os termos de São Leopoldo e de Porto Alegre, o processo foi encaminhado à justiça que estava sediada na Colônia-Mãe, sendo que Diefenthäler escolhera um par como advogado, recaindo sobre o procurador Lucio Schreiner o compromisso de ganhar a ação e promover a expulsão dos acusados. 346 Porém, o resultado foi favorável a João Antonio Dias e Fermiano Felix da Silva: “julgo improcedente a presente queixa que intentou o autor Felippe Diefenthäler contra os réus João Antonio Dias e Fermiano Teles da Silva.” Talvez, o que mais surpreenda é que a sentença foi pronunciada pelo “doutor juiz municipal suplente em exercício, o coronel” João Daniel Hillebrand, o qual deu causa ganha aos dois nacionais, dando as costas ao autor da ação. Diefenthäler apelou do resultado, em 1863, elegendo como novo procurador João Rodrigues Fagundes, desta vez de Porto Alegre, para onde o segundo processo foi encaminhado, mais precisamente à segunda vara criminal da comarca de Porto Alegre.401 Constam como testemunha, nesta procuração, os aparentados Leopoldo Matte e Jacob Knieriem, o primeiro, membro da família por ter casado com uma sobrinha-neta de Felippe Diefenthäler (ver Capítulo II); e o segundo, muito provavelmente, enteado de Felippe Diefenthäler. Paradoxalmente, foi preciso que o autor se afastasse do universo colonial para que pudesse obter vitória contra aqueles que, segundo a sua versão, haviam invadido parte de sua propriedade. Os réus João Antonio Dias e Fermiano Telles da Silva foram condenados à prisão por dois meses, sendo que somente o segundo foi preso e cumpriu o prazo na cadeia pública; multados em 100$000 cada um; e despejados conforme “auto de despejo e posse” anexado ao processo, datado de 17 de agosto de 1864. Dessa vez, Hillebrand acatou a decisão da justiça (da comarca de Porto Alegre) e expediu o mandato para que os oficiais executassem a ação. De imediato, percebe-se que Felippe Diefenthäler diversificou seus investimentos, comprando terras em espaço não-colonial. Afora isso, mudou de 401 APERS – Processo-crime – autos 2977 – maço 58 – estante 74 – 1863 – São Leopoldo – 2º 347 domicílio a partir de 1856, deixando a Costa da Serra para morar no Itacolomy. Permanecem nebulosos os motivos que levaram a família a se distanciar fisicamente dos seus pares; não se pode afirmar, neste momento, que tenha havido rompimento nas relações mantidas entre os Diefenthäler e/ou entre estes e seus vizinhos, quer alemães ou nacionais. Lembre-se que aparentados assinaram como testemunhas na segunda procuração encaminhada ao advogado João Rodrigues Fagundes. Por outro lado, após se constatar que a família estabeleceu contatos que visavam ao incremento do capital econômico-social, é lícito pensar, por exemplo, como foi o empenho do procurador Lucio Schreiner na defesa de seu cliente. Numa outra situação, descrita no Capítulo III, o mesmo advogado foi acusado pelo cliente Tristão José Monteiro de traição. Como terá sido o diálogo entre Felippe Diefenthäler e Lucio Schreiner? Da mesma forma, por que Hillebrand desconsiderou as supostas proximidades que havia entre ele e o autor da ação? Ambos eram imigrantes alemães instalados na mesma Colônia e líderes “exponenciais”. Ao que parece, as similitudes foram insuficientes para que a rede de apoio se concretizasse entre esses agentes históricos. Não encontrando respaldo em seu próprio meio, Diefenthäler optou por encaminhar novo processo junto à comarca de Porto Alegre, onde, quiçá, obtivesse melhores resultados. Como a rede de relações da família chegava à capital da província, é muito provável que alguns membros da comunidade alemã ali instalada dessem respaldo à solicitação de Diefenthäler. Apesar de sua homogeneidade ser ainda menor do que a do espaço colonial (tomando São Leopoldo como referência), Cartório do cível e crime – Felippe Diefenthaeler (autor) X João Antonio Dias e Fermiano Felix da Silva (réus). 348 segundo Magda Gans402, os alemães de Porto Alegre mantiveram laços de solidariedade, devido, principalmente, ao grande número de comerciantes e negociantes que viviam ou tinham empresas na cidade. Assim sendo, os dois processos encaminhados por Felippe Diefenthäler traduzem conflitos intra e extragrupo: se, por um lado, o imigrante alemão precisou recorrer à justiça para expulsar duas famílias de nacionais que adentraram sua propriedade, algo aconteceu na relação que alicerçava sua vida no espaço colonial. Um advogado (procurador) que perdeu a ação e um líder como Hillebrand que lhe negou o apoio são indícios suficientes para que se questionem a manutenção e a flexibilização da rede de relações estabelecida pela família no cenário colonial. Não obstante envolver-se nessa disputa, Felippe Diefenthäler viu-se enredado em nova ação judicial, no ano de 1866.403 De acordo com o que ficou registrado no processo, o autor possuía uma colônia no Bom Jardim, a qual fazia divisa com a família Schuck. As partes foram identificadas como “Felippe Diefenthäler, 48 anos, lavrador, casado, morador no Itacolomy, natural da Alemanha”, portanto, o mesmo agente do processo anterior, e “Nicolau Schuck, natural da Prússia, Alemanha, 60 anos, casado, lavrador, residente no Bom Jardim, a 10 para 11 anos, 4º distrito de São Leopoldo”, local onde se deu a pendenga entre os lindeiros. De acordo com o depoimento das oito testemunhas, a família Schuck teria impedido, em 4 de setembro de 1866, a medição das terras por meio de violência, chegando a atirar nos profissionais incumbidos de realizar a tarefa. 402 GANS, op. cit. 403 APERS – Processo-crime –– autos 3000 – maço 59 – estante 146 – 1866 – São Leopoldo – 2º Cartório do cível e crime – Felippe Diefenthaeler (autor) X Nicolau Schuch e família (réus). 349 A família Schuck era composta pelos pais, Nicolau e Anna Margarida, e pelos filhos Pedro, Christóvão, Adam e Catharina, todos supostamente envolvidos no conflito. As armas usadas para impedir o trabalho da medição seriam uma “arma de dois canos”, foice, machado e porrete, todas elas manuseadas pelos Schuck no momento em que o “engenheiro doutor” Martinho Domiense Pinto Braga e o “comissário especial do governo”, “Dr.” Francisco Carlos Lassance Cunha, tentavam executar a medição junto à cerca que separava as duas propriedades. Segundo as testemunhas, todas alemãs, os integrantes da família investiram contra os trabalhadores, ameaçando-os verbal e fisicamente, sendo que o insulto mais grave teria sido os “dois tiros com arma de 2 canos”, atribuídos a um dos filhos do casal. O motivo principal que teria motivado os Schuck a se rebelar contra a medição das terras estaria relacionado a um possível conluio entre a comissão encarregada pelo serviço e Felippe Diefenthäler, para o qual iriam repassar parte da propriedade de Nicolau Schuck. Assim sendo, o novo realinhamento da divisa não teria outro objetivo, senão o de aumentar a área da colônia dos Diefenthäler. No entanto, a desconfiança teria origem em desentendimentos anteriores. Isso se constata no depoimento de Nicolau Schuck, o qual declarou que as “inimizades que tem com Jacob Knierim e Felippe Diefenthäler por causa de limites de suas terras, [as tem] desde muitos tempos”. Sabendo-se que vizinhos disputavam palmo a palmo a totalidade de suas propriedades, chegando aos extremos quando o diálogo e os xingamentos verbais não mais garantiam a posse de toda a área, fica mais fácil compreender o acirramento descrito neste processo. Não há como negar que Nicolau Schuck, juntamente com sua esposa e filhos, mostrou-se corajoso ao comprar briga com vizinhos “exponenciais”, moradores da Costa da Serra e do Bom 350 Jardim desde o início da colonização, sobretudo Jacob Knierim, citado como “negociante”, 33 anos, casado, e Felippe Diefenthäler, objeto de estudo neste trabalho por compor uma das parentelas investigadas. No entanto, havia razões mais profundas para motivar tal desentendimento. Por detrás das questões mais aparentes poderia estar o sentimento de incerteza, de dúvida e questionamento sobre o amanhã. Afora as manifestações da natureza, outros acontecimentos, cuja origem estava no campo do social, surgiam como desagradável surpresa. A medição de uma divisa talvez fosse tão catastrófica quanto uma seca prolongada ou o excesso de chuva em tempo inapropriado. Para um colono, proprietário de uma área de terras de tamanho regular, de onde saía o sustento para sua família, era inconcebível a idéia de perder alguns palmos. A metragem perdida ultrapassava a realidade concreta, isto é, perdia-se mais do que um punhado de chão; a honra e o ínfimo prestígio social daquela família também saíam prejudicados quando o vizinho conseguia demonstrar poder ao mover a cerca sobre as terras do outro. O mundo camponês analisado por Levi viveu essa mesma ambigüidade: a da incerteza e a da busca por dias mais confiáveis. Segundo o autor, a comunidade de Santena parece ter sido protagonista de uma estratégia ativa de proteção contra a incerteza que a ampla imprevisibilidade do ciclo agrário e a dificuldade de controle do mundo político e social criaram continuamente. Foi, portanto, uma estratégia: o objetivo não era somente o de enfrentar a natureza e a sociedade, correndo o menor número de riscos possível, mas o esforço contínuo de melhorar a previsibilidade dos fatos, de evitar a fatalidade de um número de famílias ou de indivíduos isolados, para desenvolver ativamente uma política de relações que desse frutos permanentes de relativa segurança, sobre os quais construir uma dinâmica social e um crescimento econômico.404 404 LEVI, op. cit., p. 166-167. Como complemento, segundo o autor: “o mundo mental no qual teve lugar a pregação de Chiesa era o de uma sociedade à procura de segurança” (p. 105) e “de cima para baixo, e em todos os registros da vida cotidiana, esses homens são obcecados por ameaças individuais e coletivas que pesam sobre eles: a incerteza das colheitas, a fragilidade da vida, a relação, constantemente questionada, do grupo familiar com as exigências e as possibilidades da exploração, a relação com o mundo exterior” (p. 27). 351 Uma das formas de garantir o prestígio social e evitar as incertezas era cercar-se de pessoas influentes, o que pode ser detectado no rol das testemunhas. Nos documentos analisados, é significativa a presença de alguns sobrenomes que compuseram as teias de relações, como Diefenthäler, Knierim e Reicherd. Atenta-se para o fato de que um dos irmãos de Felippe Diefenthäler, Pedro, casou em segundas núpcias com uma integrante da família “Reicherd” (ver Capítulo II). Outro dado relevante encontrado neste processo é a identificação de Felippe como “padastro” de Jacob Knierim, o que vincula o espaço colonial (Bom Jardim) com outras dimensões, neste caso, zonas de campo e pecuária, como o Itacolomy. Apesar de terem mudado sua residência para a fazenda Conceição, Felippe e Catharina mantiveram propriedade e laços familiares na Colônia, o que sugere que possíveis desacertos devem ter ocorrido somente entre eles e algumas autoridades constituídas, como Hillebrand. A base de apoio continuou sendo a família. O resultado do processo foi desfavorável aos Schuck, os quais foram considerados culpados e condenados à prisão. Ainda sobre as testemunhas, documentos burocráticos e/ou administrativos são passíveis de elucidar a manutenção e os rompimentos das redes de relações mantidas entre as parentelas. Contratos diversos, escrituras de compra e venda, procurações, registros paroquiais (tanto da Lei de Terras quanto das paróquias eclesiásticas), dentre outras fontes, compõem um fascinante manancial de nomes e sobrenomes, os quais, no seu conjunto, podem indicar confecção ou dissolução de alianças. Algumas dessas composições já foram demonstradas no transcorrer do trabalho e servem de estudo de caso para ajudar a compor a teia que sustentou parentelas na busca pelo poder simbólico, mas também material. Essa situação ficou 352 concretamente demonstrada quando Carlos Jacob e Guilherme Schmitt se dispuseram a acompanhar os oficiais de justiça até a casa de Nicolau Mittmann, em 1865, a fim de autuá-lo sobre equívocos cometidos durante a elaboração do inventário por decorrência da morte de sua esposa. Deduz-se daí que três famílias “exponenciais” de Três Forquilhas – Jacoby, Voges e Schmitt – cooperaram entre si para derrocar um núcleo economicamente rival (ver Capítulo I). Do mesmo modo, percebe-se que o professor Seraphim Agostinho do Nascimento esteve ao lado dos Voges, porque seu nome apareceu como testemunha em praticamente todos os documentos ligados a essa família. Afora enquadrar-se nessa categoria, Nascimento também colaborou em outras situações, como a descrita no Capítulo III, pela qual uma propriedade passava para as mãos de um único herdeiro, prejudicando os demais. Num dos casos investigados, Adolpho Voges e sua mulher Felisbina acionaram o professor para transmitirem 77 metros de terras a Carlos Frederico Voges Sobrinho. Desta forma, além de dar o aval e ratificar o que estava sendo declarado, a testemunha assumia um compromisso com a parte que estava defendendo. A partir desse aperto de mãos, a individualidade cedia espaço para a celebração de acordos coletivos. Levi considera o acesso a testemunhas de peso um dos itens da “herança imaterial” deixado por Giulio Cesare Chiesa a seu filho. Ao investigar o documento de venda da casa paterna de Giulio Cesare, o autor constatou que as testemunhas provinham das famílias Tana e Benso, núcleos de destaque naquela região.405 Ou seja, a testemunha não apenas abonava o que estava sendo registrado no documento, mas garantia prestígio social às partes envolvidas. 405 LEVI, op. cit., p. 190-191. 353 Em se tratando de coletividade, um dos cargos mais proeminentes junto aos colonos era o de inspetor ou administrador das Colônias. No que se refere ao LNRS, ainda se questiona a afirmação de que o pastor Voges teria substituído o Tenente Cel. Francisco de Paula Soares na administração das Colônias de São Pedro e Alcântara e Três Forquilhas. Embora Bastos informe que em 1851 a Assembléia Provincial tenha aprovado a criação do cargo de diretor para as Colônias, não se encontrou tal referência na documentação do AHRS. Localizou-se, isso sim, no ano de 1850, a nomeação de um subdiretor para a Colônia de Santa Cruz, o que demonstra que em algumas localidades o governo designou a criação de tal cargo. No que se refere ao LNRS, em 1852 o governo provincial sugeriu que o diretor geral das Colônias alemãs, o Cel. Hillebrand, visitasse a Colônia das Torres, uma vez que não havia “diretores parciais” para ela. O relatório de 1850, do presidente da província José Antônio Pimenta Bueno, diz que “é essencial, como depois direi, ter um diretor em cada uma delas [refere-se a São Pedro de Alcântara e Três Forquilhas]” e em outro relatório, de 1852, do vice-presidente da província Luís Alves de Oliveira Belo, lê-se que em 18 de dezembro do ano passado o diretor geral propôs à presidência a nomeação de um indivíduo para esse cargo, mas como ordenastes em a lei n. [14] 299 de 5 de dezembro de 1850 que os diretores parciais sejam também agrimensores e o indivíduo proposto o não era, não pode por isso ser nomeado. Nesse caso, questões técnicas teriam impedido a indicação de um diretor. Porém, conforme Pellanda, “já nesse ano de 1858 estava praticamente emancipada esta colônia [São Pedro de Alcântara], tendo sido suprimida a administração respectiva”406, ou seja, se houve a nomeação por volta de 1850, oito anos depois ela estava suspensa. Apesar do resultado inconcluso, mesmo que Voges não tenha sido 354 nomeado como diretor oficial das Colônias alemãs do LNRS, ele passou a ser o relator e informante daqueles núcleos, o que pode ser constatado nos inúmeros relatórios que enviou aos presidentes da província. Ruschel, ao analisar a documentação deixada por Paula Soares, sustenta que em 1847 “ele já não era Comandante ou Inspetor nas Torres, e residia em Porto Alegre”. Acredita-se que com a saída de Paula Soares houve um vazio de poder, que foi preenchido informalmente pela figura do pastor Voges.407 A discussão em torno da indicação de um diretor para a Colônia das Torres ilustra como pequenos cargos foram preenchidos informalmente. Ao longo do capítulo, também se analisou a conquista de outras instâncias através dos mecanismos administrativo-burocrático-políticos, como a eleição do juiz de paz em Torres. Todos os casos investigados foram perpassados por conflitos, de maior ou menor grau. Pastores, juízes e colonos tiveram o cotidiano marcado por disputas, as quais visavam à conquista de um bem maior, quer fosse um pedaço a mais de uma colônia ou a ocupação de um cargo público. O subcapítulo que encerra este texto ficará centrado num único conflito, cuja origem esteve na disputa político-partidária. 406 PELLANDA, op. cit., p. 168. 407 Ver, respectivamente: BASTOS, op. cit., 1957; p. 13; AHRS – Registro de ordens, portarias, patentes e provisões passadas pelos governantes do Rio Grande do Sul – A6.09 – 1850; AHRS – Registro da correspondência expedida pelos presidentes da província a autoridades provinciais – A5.33 – 1852; ELY; BARROSO, op. cit., 1996; p. 134-135; RUSCHEL, Ruy Ruben. Os assentamentos alemães em Torres, na correspondência de seu inspetor. In: Revista do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Sul. Porto Alegre, n.132, p. 123-136, 1998, p. 124. 355 Nos domínios da política Tenho idéias políticas, mas não sou partidário. Tenho idéias políticas, porque sou cidadão e tenho patriotismo. E não sou partidário, porque sou juiz. E, quando trato de negócios de justiça, essas mesmas idéias desaparecem: faço abstração delas.408 Mais do que votar e ser votado: rebeldia e reivindicação.409 Através dos capítulos que compõem o presente trabalho, tentou-se demonstrar como os colonos alemães conseguiram entrar e permanecer na política. Da mesma forma, buscou-se responder às questões norteadoras da Tese, dando-se ênfase à relativização da tese do isolamento, à formação de parentelas como suporte para a ocupação de espaços essenciais na sociedade da época e à proposta de estabelecer conexões entre os universos coloniais – indivíduo, família, Picada e Colônia. Neste subcapítulo, intitulado Nos domínios da política, quer-se retomar e aprofundar alguns aspectos já trabalhados na Dissertação de Mestrado, sobretudo a participação político-partidária dos alemães, analisada sob luz de um estudo de caso. Estrategicamente, este subcapítulo foi deixado para o final da Tese a fim de que pudesse fazer a ponte entre a Dissertação e este estudo, conforme foi explicado na Introdução. O estudo de caso que serviu de motor de propulsão à Dissertação de Mestrado tem como agentes históricos principais líderes políticos do LNRS, dentre os quais componentes da Colônia de Três Forquilhas. A análise do processo em que ficou registrada a tentativa de expulsão de dois juízes colaborou para comprovar que 408 Declaração de Francisco Antonio Vieira Caldas, juiz de direito da comarca do Rio dos Sinos, de 24 de setembro de 1879. Ver: APERS – Processo-crime – autos 170 – maço 87 – estante 144 – 1879 – Santo Antônio da Patrulha – Cartório do cível. 409 Ryan de Sousa Oliveira, mestrando do Programa de Pós-Graduação em História da UNB, durante sua apresentação no Simpósio de História promovido pela ANPUH, na UNISINOS, em julho de 2007. 356 os locais mantinham estratégias de comunicação e ação política e que as determinações partidárias chegavam até os rincões do Brasil. Ao se retomar e aprofundar aquilo que foi apontado na Dissertação, constatou-se que as querelas políticas envolvendo os juízes Francisco Antonio Vieira Caldas, liberal, e Paulino Rodrigues Fernandes Chaves, conservador, estavam representando, naquele tempo e espaço, as disputas políticas que perpassavam o Brasil ainda escravocrata e imperial. As tensões da fase transitória – final da década de 1870 e a de 1880 – se fizeram sentir entre as lideranças locais, evidente nas manifestações dos dois juízes. O posicionamento político de Vieira Caldas e Paulino Chaves ficou gravado nos inúmeros processos que um encaminhou contra o outro. O grau de inimizade política pode ser percebido tanto nas acusações pessoais quanto nas profissionais. Detalhes legais, esquecimentos ou intromissões foram citadas em todos os documentos. Com tamanha variedade de magistrados – juiz de órfãos, juiz municipal, juiz de direito, entre outros –, era comum que um interferisse no trabalho do outro. Num dos processos analisados, Vieira Caldas foi acusado de conceder “alvará de licença para casamento de órfãos”, atribuição reclamada pelo juiz de direito Paulino Chaves. Em outras duas denúncias, Vieira Caldas foi acusado de montar um júri para julgar Domingos Gomes da Cunha e seu escravo Anacleto por assassinato e de expedir mandado de prisão contra Serafim Nunes da Silveira. Em ambos os casos, o juiz de órfãos e municipal, liberal, estaria entrando na esfera das atribuições do juiz de direito, conservador. Os três processos foram encaminhados ao Tribunal de Relação de Porto Alegre e tiveram conclusões distintas, conforme a gravidade da acusação. Não obstante denunciarem incompetência e ignorância legal de seus colegas magistrados, o que de fato movia os juízes a denunciarem seus 357 “inimigos figadais” dizia respeito às disputas políticas, nas quais liberais e conservadores eram atacados pela liderança local do partido contrário.410 O processo em que o Capitão Domingos Gomes da Cunha e o escravo Anacleto foram acusados de assassinar o fazendeiro José Joaquim Ferreira foi desdobrado em outros documentos. Ambos os juízes valeram-se desse fato histórico para acusarem-se mutuamente, envolvendo outros agentes, como João Soares da Silva Neto, acusado de ter falsificado a última ata da 4ª sessão ordinária do júri, e João Francisco d’Aguiar Júnior, promotor público de Santo Antônio da Patrulha. Após acusação e defesa apresentarem seus argumentos, Vieira Caldas absolveu o réu. Ainda, em 1875, abriu-se mais um processo para tratar do assassinato de José Joaquim Ferreira. Em todos esses documentos, ficou nítida a posição de cada juiz. Talvez se possa afirmar que a morte do fazendeiro não constituía a primeira preocupação dos magistrados, mas sim a proteção de seus correligionários, os quais ocupavam, neste caso, o lugar de vítima e de assassino.411 O desentendimento entre os juízes Vieira Caldas e Paulino Chaves cristalizou-se à medida que uma autoridade se colocava contra a outra. De 1874 a 1879, ambos redigiram pesadas acusações, as quais foram transformadas em processos, cuja narrativa é composta exclusivamente de denúncias, leves e pesadas, como as que foram direcionadas contra Paulino Chaves, o que levou o Tribunal de Relação a adverti-lo informalmente, embora tenha sido absolvido. O troco veio através de um processo encaminhado pelo promotor público de Santo 410 APERS – Processo-crime – autos 950, 952 e 953 – maço 35 – estante 159 – 1875 – Conceição do Arroio – Cartório do cível. 411 APERS – Processo-crime – autos 205 – maço 89 – estante 144 – 1875 – Santo Antônio da Patrulha – Cartório do cível; APERS – Processo-crime – autos 202 – maço 90 – estante 144 – 1874 – 358 Antônio da Patrulha, João Francisco d’Aguiar Júnior, o qual denunciou Vieira Caldas pela inobservância de inúmeros aspectos legais. Nesse mesmo ano de 1877, tiros atingiram a casa de Paulino Chaves, demonstrando que as querelas ultrapassavam o limite do verbal, chegando às agressões físicas.412 O ápice do desentendimento entre Vieira Caldas teve dois momentos marcantes. O primeiro está relacionado à noite de “quebra-vidros”, em 18 de maio de 1878, em Santo Antônio da Patrulha, fato que originou processos densos e volumosos devido ao grau de violência com que liberais ofenderam conservadores. Os processos variam entre trezentas e quinhentas páginas, o que evidencia a complexidade das acusações e, por conseqüência, da defesa. Em muitos deles, recortes dos jornais Rio Grandense e A Reforma foram anexados, com o propósito de confirmar e dar peso às denúncias. Num dos documentos, Vieira Caldas anexou declarações de cada termo que compunha a comarca, assinadas por cidadãos que abonaram a conduta do juiz. Numa delas, de 23 de julho de 1878, recolhida entre correligionários de São Francisco de Paula, doze colonos alemães estabelecidos nos Campos de Cima da Serra, oriundos da Colônia de Três Forquilhas, posicionaram-se em defesa de Vieira Caldas: Roberto Jacobi e José Schmitt, ligados às famílias “exponenciais”, trabalhadas, sobretudo, nos Capítulos II a VI, identificados como “negociante” e “criador”, respectivamente; Felippe Prug (Prusch?), Christiano Horn e Frederico Klipes (Klippel?), todos criadores; e diversos Santo Antônio da Patrulha – Cartório do cível e crime; APERS – Processo-crime – autos 204 – maço 90 – estante 144 – 1875 – Santo Antônio da Patrulha – Cartório do cível e crime. 412 APERS – Processo-crime – autos 201 – maço 90 – estante 144 – 1874 – Santo Antônio da Patrulha – Cartório do cível e crime; APERS – Processo-crime – autos 203 – maço 90 – estante 144 – 1875 – Santo Antônio da Patrulha – Cartório do cível e crime; APERS – Processo-crime – autos 205 – maço 90 – estante 144 – 1875 – Santo Antônio da Patrulha – Cartório do cível e crime; APERS – Processo-crime – autos 209 e 210 – maço 90 – estante 144 – 1877 – Santo Antônio da Patrulha – Cartório do cível e crime. 359 membros da família Hoffmann, como “Fredirico Sobrinho”, João, Carlos, Augusto, Luis Jorge, Miguel e Christian, também criadores.413 A noite de “quebra-vidros” teve como motivo maior a mudança de comarca. Porém, além de externar o descontentamento dos magistrados, também mostrou que magistratura e política, no século XIX, muitas vezes eram encenadas no mesmo palco. Novamente recorre-se a Antonio Candido para ratificar a idéia de que burocracia, justiça e política quase sempre andaram de mãos dadas. Em outros três processos, Vieira Caldas foi acusado de interferir no processo eleitoral, prática comum quando as eleições se aproximavam.414 O desejo de listar correligionários e afastar inimigos políticos da “lista de votantes qualificados” também integrava o cotidiano dos juízes. O segundo momento considerado relevante na disputa travada entre Vieira Caldas e Paulino Chaves está relacionado à prática política, conectada à espinha dorsal império-província-célula local, de acordo com as orientações dos partidos Conservador e Liberal. Com a formação do Gabinete Liberal junto ao imperador, os liberais do LNRS sentiram-se respaldados para dar o troco e expulsar dois juízes conservadores, um deles, Paulino Chaves. Todos esses acontecimentos estão interligados e refletem como os agentes históricos se posicionavam frente à disputa político-partidária. De maneira sintética, far-se-á uma recapitulação do estudo de caso analisado na Dissertação, porém, visto agora com maior 413 APERS – Processo-crime – autos 170 – maço 87 – estante 144 – 1879 – Santo Antônio da Patrulha – Cartório do cível; APERS – autos 212 – maço 90 – estante 144 – 1879/1880 – Santo Antônio da Patrulha – Cartório do cível e crime [2 volumes]. 414 CANDIDO, op. cit., 2002. APERS – Processo-crime – autos 216 – maço 90 – estante 144 – 1881 – Santo Antônio da Patrulha – Cartório do cível e crime; APERS – Processo-crime – autos 217 – maço 90 – estante 144 – 1882 – Santo Antônio da Patrulha – Cartório do cível e crime; APERS – Processocrime – autos 215 – maço 90 – estante 144 – 1881 – Santo Antônio da Patrulha – Cartório do cível e crime. 360 complexidade devido aos inúmeros outros processos que agigantaram as querelas estabelecidas entre Vieira Caldas e Paulino Chaves. A resposta dos liberais sobre os conservadores ficou registrada num inquérito policial415, capaz de demonstrar a dinamicidade da relação estabelecida entre os líderes políticos de Santo Antônio da Patrulha, Conceição do Arroio e Torres. O processo narra a tentativa de expulsão de dois juízes de Conceição do Arroio, em julho de 1879. As vítimas seriam o juiz de direito da comarca de Maquiné, Paulino Rodrigues Fernandes Chaves, e o juiz municipal e de órfãos, Alexandre Correia de Castro, o qual também enfrentou outros processos durante sua carreira judiciária.416 Dentre os inúmeros agentes históricos que se envolveram nessa trama, três eram da Colônia de Três Forquilhas: os irmãos Adolpho Felippe Voges e Jacob Voges, e Seraphim Agostinho do Nascimento. Richard Graham constatou que em outras localidades do Brasil, como Santo Amaro, Santarém, Valença e Salvador, as autoridades também sofreram algum tipo de desrespeito. Assim como em Conceição do Arroio, em outros locais houve pessoas que discordaram e se manifestaram contrariamente aos subdelegados, delegados e juízes. Fernando Uricoechea constatou esta mesma situação ao analisar a reclamação de um juiz de direito da comarca do Rio Grande, em 1853. Outro exemplo destacado por este mesmo autor refere-se a um chefe local do Sertão da Bahia, chamado de “Militão”, que cometeu os mais variados crimes, saindo impune de todos eles. Segundo os denunciantes, 415 AHRS – Polícia – Delegacia de polícia – Inquérito policial – maço 6 – 1879 – Conceição do Arroio. 416 APERS – Processo-crime – autos 211 – maço 90 – estante 144 – 1878 – Santo Antônio da Patrulha – Cartório do cível e crime. 361 “Militão” subornava ou expulsava os juízes de seu território, não sendo, portanto, condenado pelos seus atos.417 Pela análise do inquérito policial, inferiu-se que a expulsão dos juízes foi tramada na casa de Ignacio de Araujo Quadros a convite do Tenente Coronel Antonio Marques da Roza418 e de João Marques da Cruz Martins. Considerando a distância que separava a fazenda dos Quadros da vila de Conceição do Arroio – mais ou menos 75Km – ganhou força a idéia de que havia intensa comunicação entre as lideranças políticas do LNRS.419 É preciso avaliar que tomar tal atitude, ou seja, propor e executar a expulsão de duas autoridades, exigiu, no mínimo, uma boa articulação das partes envolvidas, a elaboração de um plano capaz de produzir os resultados propostos e, sem dúvida, coragem para se envolver em assunto de desdobramentos tão imprevisíveis. Conforme Graham, os cargos de juiz de direito e juiz municipal eram um dos mais procurados por aqueles que buscavam o poder através da magistratura. Segundo o autor, o motivo de tamanha procura estava no poder que recebiam para exercer as suas tarefas. Não era raro encontrar um juiz que excedia as suas atribuições, usando do seu cargo para beneficiar um amigo ou prejudicar um aliado do partido contrário. Loiva Félix, Haike da Silva e Benito Schmidt destacaram situações semelhantes para a área colonial italiana, onde juízes valeram-se de sua autoridade para anular ou alterar os resultados das eleições. A 417 GRAHAM, op. cit., p.56-57; URICOECHEA, op. cit., 1978, p.268; p.271-274. 418 Cf. RAMOS, Antônio Marques da Roza foi líder liberal na década de 1870, o que justifica sua participação neste episódio. Ver: RAMOS, Eloísa Helena Capovilla da Luz. O Partido Republicano Rio-Grandense e o poder local no Litoral Norte do Rio Grande do Sul – 1882/1895. Porto Alegre, 1990. Dissertação [Mestrado]. Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS, 1990, p.150. 419 No documento consta a distância de cerca de 12 léguas. Tomamos como referência a medida apresentada por Roche, o qual estipula para cada légua o equivalente a 6 a 6,6Km. Ver: ROCHE, op. cit., 1969. 362 inserção dos juízes na política era um assunto tão importante para a época que o Senado referiu-se a ele quando discutiu a reforma eleitoral de 1855: Organize-se a magistratura de modo que o magistrado ache grande interesse no exercício de seu lugar; liguem-se grandes vantagens ao acesso na sua carreira; seja o acesso dependente da antigüidade, e esta do efetivo exercício, e suas candidaturas diminuirão consideravelmente... Pelo contrário, se a exclusão dos magistrados lhes for imposta como necessidade, o descontentamento e má vontade de uma classe tão importante e que por suas ramificações exerce sobre toda a extensão do país grande influência moral, nunca será um fato indiferente e sem conseqüências do maior alcance. 420 Um dos aspectos relevantes daquilo que foi narrado no inquérito policial refere-se aos motivos pelos quais se queria expulsar os juízes, citados nos depoimentos tomados pelo delegado de Conceição do Arroio. No entanto, uma análise mais apurada do ocorrido revelou que questões de ordem política poderiam estar por detrás das razões elencadas. O primeiro motivo levantado no documento diz respeito a um exame de sanidade mental que seria feito pelo juiz municipal e de órfãos em Jeronymo Silveira de Souza. O suposto doente era irmão de Hildebrando Silveira de Souza, um dos que desejavam a retirada dos juízes. Contudo, não há maiores detalhes sobre este procedimento e nem quais seriam as conseqüências advindas dele. O segundo motivo, relatado nos depoimentos do cônego Joaquim Ferreira Ramos e de José Candido de Almeida, diz respeito a um processo judicial envolvendo Ignacio de Araujo Quadros Filho e Jacob Stammetz. Os depoentes ouviram dizer que, sendo retirados os juízes, acabar-se-ia o processo em que Ignacio havia ofendido Jacob, livrando-se, portanto, de uma provável condenação. No entanto, entende-se que há razões mais profundas para se estabelecer tal clima 420 Ver: GRAHAM, op. cit., p. 283; FÉLIX, Loiva Otero; SILVA, Haike Kleber da; SCHMIDT, Benito Bisso. Relação de poder local X poder estadual nas áreas de colonização alemã e italiana do Rio Grande do Sul na república. [Relatório final de pesquisa – CNPq]. Porto Alegre, mar.1992, p.120-121; PINTO, Antonio Pereira (Org.). Reforma eleitoral. Brasília: Universidade de Brasília, 1983, p.198. 363 de instabilidade, que resultou na fuga dos juízes, na véspera do dia em que seriam expulsos. Conforme Müller, um Brummer chamado Jacob Steinmetz chegou ao Vale do Três Forquilhas entre 1851 e 1855. No AHRS localizou-se o alistamento geral dos eleitores de Conceição do Arroio, de 1896, no qual figuram como votantes Jacob Staimttes e Jacob Staimttes Filho, ambos casados, de profissão negócio, o primeiro com 68 anos, e o segundo com 30 anos, os dois da 2ª seção eleitoral, no amplo território de Maquiné. Não se pode afirmar que se trata da mesma pessoa envolvida no processo judicial. Ao que tudo indica, há a possibilidade de se estar falando do indivíduo que Müller apresentou como Brummer. Além do mais, ser apontado como eleitor e ter sua profissão designada de negócio sugere que possuía alguma importância naquele cenário, onde teria poder para conflitar-se com um fazendeiro da região.421 No depoimento de Ignacio de Araujo Quadros Filho, lê-se que a reunião tinha por fim não permitir a desintegração de um partido político, que estaria sendo promovida pelo juiz Paulino Chaves, acompanhado de outras pessoas. Apesar de não citar a sigla, supõe-se que se tratava do Partido Liberal, pois Antônio Marques da Roza era seu líder em Conceição do Arroio, e o Major Adolpho Felippe Voges, em Três Forquilhas. Além disso, pela saudação proclamada pela comunidade quando saiu às ruas para comemorar a fuga dos juízes, gritando “morras aos picapau apelido com que tratam o juiz municipal” 422, “vivas à sociedade arroiense e morras ao pica-pau apelido porque se trata o juiz municipal” 423, e que dava vivas “ao 421 MÜLLER, op. cit., 1992; p. 85. AHRS - Correspondência das intendências – lata 119V - maço 349. 422 AHRS – Polícia - maço 6 - Depoimento de José Candido de Almeida. 423 AHRS – Polícia - maço 6 - Depoimento de José da Silva Cabral. 364 Gal. Osorio e a boa sociedade” 424, pode-se supor que agraciavam o Partido Liberal, pois o Gal. Osório era um dos líderes desta agremiação. Ao saudarem-no, demonstravam sua tendência política e/ou a subordinação aos líderes que pretendiam expulsar os juízes.425 Outro aspecto que conduz a esta suposição é o ódio demonstrado pela população contra o juiz municipal Alexandre Correia de Castro, que recebeu a alcunha de Pica-Pau. No entanto, não se pode afirmar que caracterize, neste momento, um adepto do republicanismo, pois, conforme Franco, o apelido seria cunhado somente durante a Revolução Federalista, identificando as forças governistas.426 Segundo Jean-Jacques Becker, este tipo de manifestação deve ser levado em conta quando assume tais proporções, isto é, se um grupo expressa a sua opinião publicamente, enveredando por este ou aquele “caminho”, esta manifestação torna-se mensurável e peça fundamental para a compreensão do episódio. Assim, valorizou-se o que foi expresso por parte da comunidade arroiense, quando saiu às ruas para comemorar a fuga dos juízes, uma vez que isto representou sua vontade política e/ou sua subordinação a alguns chefes locais. Graham encontrou situações semelhantes em que uma comunidade, ou parte dela, manifestou-se a fim de comemorar uma vitória, ou outro acontecimento qualquer, 424 AHRS – Polícia - maço 6 - Depoimento de Manoel Vidal de Negreiros. 425 Uma das premissas que perpassa a obra de GRAHAM, op. cit., p. 198, é aquela em que o autor entende o partido político não como uma agremiação que tem um programa de governo a ser apresentado à população e posteriormente desenvolvido. Para ele, o que está em jogo é o poder pessoal do líder e sua capacidade de articulação com os que estão acima e abaixo do seu posto. 426 Cf. FRANCO, Sérgio da Costa. A guerra civil de 1893. Porto Alegre: UFRGS, 1993, p. 8. Love concorda com as explicações deste mesmo autor, discorrendo, também, sobre as denominações Pica-Pau, que identificava os republicanos; e Maragato, que caracterizava os federalistas. Ver: LOVE, Joseph L. O regionalismo gaúcho. São Paulo: Perspectiva, 1975, p. 66. 365 sendo que “essas atividades às vezes viravam folguedos generalizados, ou degeneravam em confrontos armados”. 427 Quanto ao juiz municipal, Richard Graham sustenta que, através das suas funções, este magistrado tinha a possibilidade de socorrer “os seus” e perseguir os que lhe eram contrários. Estava, conforme o entendimento do autor, muito mais ligado a questões de ordem local do que aos seus compromissos judiciais. Sendo um homem da própria localidade, usufruía do seu conhecimento para exercer a sua força e demonstrar o poder que o cargo lhe atribuía. Graham exemplifica com a seguinte situação: “um terceiro juiz municipal... mal ocupou o cargo, soltou um culpado de assassinato e deixou de lado um pleito contra um ladrão de cavalo”.428 Concretiza-se, dessa forma, uma querela política, na qual dissidentes ou contrários do Partido Liberal desejavam fundar um novo partido no LNRS. Não se desprezam os outros dois motivos apontados para a expulsão dos juízes, pois é possível que houvesse uma imbricação entre eles. Todavia, considerando que a década de 1880 se aproximava insuflada pelos debates sobre as possíveis abolição da escravatura e proclamação da República, trabalhou-se com a probabilidade de uma disputa política acirrada, conduzida por conservadores e liberais e, eventualmente, futuros republicanos. Uma das conseqüências do desentendimento entre os juízes foi a extinção da comarca de Santo Antônio da Patrulha, criando-se no seu lugar a comarca do Rio do Sinos, com sede na vila patrulhense, e a comarca de Maquiné, sediada em Conceição do Arroio, para onde foi transferido o juiz Paulino Chaves. Menos sorte 427 BECKER, Jean-Jacques. A opinião pública. In: RÉMOND, René (Org.). Por uma história política. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 1996, p. 185-211; e GRAHAM, op. cit., p. 151. 366 teve Vieira Caldas, que, em virtude deste incidente, foi processado. Os magistrados que o julgaram entenderam que não cabia a condenação, sendo transferido para Porto Alegre e, posteriormente, para Florianópolis.429 Para se entender a complexa rede de relações que os litorâneos estabeleceram, faz-se necessário avançar um ano e constatar que, em junho de 1880, foi suprimida a comarca de Maquiné, anexando-se os seus termos – Conceição do Arroio e Torres – novamente a Santo Antônio da Patrulha.430 Concorda-se com José Maciel quando afirma que os anos de 1878/80 foram tremendamente turbulentos para a política no LNRS. Assistiu-se a atos de violência (noite de quebra-vidros), extinção e criação de novas comarcas, tentativa de expulsão de magistrados por seus inimigos políticos, transferência de juízes, enfim, acontecimentos que impõem uma análise criteriosa da forma como estabeleciam as relações entre os partidos e os seus correligionários. Isso tudo reforça o raciocínio de Graham, o qual afirma que, no ano de 1878, os políticos brasileiros discutiram acirradamente a reforma eleitoral. O autor salientou as dificuldades nas negociações, as quais impediram que chegassem a um consenso. O desentendimento entre as facções postergou a reforma, concretizada somente em 1881 com a lei Saraiva, sendo que as discussões sobre a instalação de eleições diretas acompanhadas, ou não, de sufrágio universal, provocaram desordem nos altos escalões da política brasileira. Porém os reflexos do debate não 428 GRAHAM, op cit., p. 95. 429 GRAHAM, op. cit., p. 95. A vida jurídica dos juízes dependia de sua articulação com o governo. Via de regra, era o presidente da província que os nomeava, ou, então, removia e aposentava de acordo com os seus interesses e/ou do partido que representava. 430 MACIEL Jr., José. Reminiscências da minha terra. Santo Antônio da Patrulha. Porto Alegre: EST, 1987, p. 108. 367 se limitaram a perturbar o cotidiano dos maiorais. Conforme o autor, “isto se reflete até nos confins, nas vilas”. Ora, a turbulência dos anos 1878/79 em Santo Antônio da Patrulha e Conceição do Arroio parecem ratificar a sua afirmação.431 A análise dos supostos motivos que poderiam ter ocasionado a fuga dos juízes de Conceição do Arroio indicou algumas possibilidades de compreensão. O intuito de se realizar este exercício foi o de desvendar as relações políticas dentro do espaço litorâneo, especialmente os elos e os rompimentos ligados à disputa políticopartidária. A partir disso, tornou-se possível verificar as articulações que colonos alemães tiveram que estabelecer para relacionarem-se com os pequenos e médios chefes locais. No que diz respeito às articulações políticas, a expulsão dos juízes pode exemplificar de que forma os litorâneos as tramavam. Um documento expedido de Torres comprova que houve comunicação entre eles e Conceição do Arroio, demonstrando que a amplitude do acontecimento foi notória, pois fez com que a liderança política dos dois povoados se manifestasse. Conforme telegrama do dia 14 de julho de 1879, a câmara municipal torrense sugeriu que: A Câmara Municipal desta Vila, convicta que da retirada dos atuais juízes de direito e municipal da Câmara do Maquiné depende a tranqüilidade pública dos habitantes da mesma e interpretando fielmente o pensamento inteiro de seus municipais, pede com instância a V. Exça. propor ao governo as remoções dos mesmos juízes, porque suas presenças podem continuar a alterar a tranqüilidade da câmara. Manoel Fortunato de Souza Vereador Presidente, Manoel Lima Porto, Quintiliano Raupp, Joaquim Custodio da Terra, Manoel Cardozo Vieira, Henrique André Müller. 432 431 Cf. GRAHAM, op. cit., p. 253. 432 AHRS – Autoridades municipais - Correspondência das câmaras – lata 97V - maço 282. Telegrama endereçado ao presidente da província, expedido de Torres para Porto Alegre. 368 A leitura completa do inquérito policial revelou que o promotor público de Conceição do Arroio esteve em Torres por três dias, justamente no período em que se deu a saída dos juízes. De acordo com o depoimento do juiz de direito da comarca de Maquiné, Paulino Rodrigues Fernandes Chaves, ele teria ido a Torres convidar pessoas para participar do ato criminoso que resultaria na retirada dos magistrados, porém a explicação formulada pelo promotor para justificar sua ausência de Conceição do Arroio negou a afirmação do juiz. Em seu depoimento, ele diz que “fui a Vila de São Domingos das Torres pedir um pouco de dinheiro ao Sr. Joaquim Ferreira Porto, para meu filho ir a Porto Alegre surtir a sua casa de negócio”.433 O telegrama expedido pela câmara municipal de Torres comprova que eles obtiveram informações daquilo que aconteceria em Conceição do Arroio, avisados, provavelmente, pelo promotor público. O percurso realizado entre Conceição do Arroio e Torres pelo promotor público evidencia, de maneira incontestável, que havia comunicação entre os núcleos populacionais do LNRS e que estes homens, considerados aqui como “exponenciais”, eram capazes de se articular politicamente, cooptando as forças necessárias para a concretização de seus objetivos. Paulino Chaves, adepto do Partido Conservador, valeu-se do seu cargo para beneficiar a sua agremiação, sobretudo quando havia eleições. Durante sua trajetória política, formou um séquito, que o avisara, inclusive, do perigo que corria se não escapasse de Conceição do Arroio; o Major Adolpho Felippe Voges, tornou-se chefe liberal e comerciante, firmando os laços que seu pai, o pastor Voges, estabelecera entre a Colônia de Três Forquilhas e os arredores, 433 AHRS – Polícia – maço 6. 369 especialmente os Campos de Cima da Serra e o restante do litoral; o professor Seraphim Agostinho do Nascimento tornou-se líder na Colônia de Três Forquilhas. Como subdelegado434 e membro do Partido Liberal, acumulou poderes para dirigir e orientar os colonos. Fernandes Bastos, ao escrever o romance histórico Noite de Reis, valorizou a história de vida deste personagem, destacando sua atuação na administração, na política e na polícia. Conforme José Murilo de Carvalho: As tarefas do juiz e do delegado eram importantes para o controle da mãode-obra e para a competição com fazendeiros rivais. Ser capaz de oprimir ou proteger os próprios trabalhadores ou de perseguir os trabalhadores dos rivais, fazendo uso da política, era um trunfo importante na luta econômica. Como observou Oliveira Viana (1949), a justiça brasileira caracterizava-se, nessa época, pelas figuras do ‘juiz nosso’, do ‘delegado nosso’, isto é, era uma justiça posta a serviço dos interesses dos mandões.” 435 A citação de Carvalho ratifica a importância que se deu às figuras dos juízes e delegados. O professor Seraphim Agostinho do Nascimento enquadra-se na descrição do autor, pois, ao optar pelas diretrizes do Partido Liberal, passou a usar de suas atribuições para coibir adversários, sobretudo inimigos políticos. A tentativa de expulsão de dois juízes, trabalhada na Dissertação, avolumou- se com o acréscimo de novos processos-crime, reforçando a idéia de que os magistrados envolviam-se, direta e profundamente, com a política. Os desentendimentos vivenciados ao longo da década de 1870 não intimidaram Paulino Chaves que, de acordo com Gertz, já em 1881 disputou as eleições para deputado geral, perdendo a votação para Antônio Eleutério de Camargo, liberal.436 Foi nesse 434 Cf. BASTOS, op. cit., 1935, MÜLLER, op cit., 1992. Os dois autores referem-se ao professor Nascimento como subdelegado, cargo que lhe teria dado amplos poderes para atuar na Colônia de Três Forquilhas, bem como no LNRS. 435 CARVALHO, José Murilo de. Mandonismo, coronelismo, clientelismo: uma discussão conceitual. In: CARVALHO, José Murilo de. Pontos e bordados: escritos de história e política. 1. reimpressão. Belo Horizonte: Editora da UFMG, 1999, p. 130-153, p. 138. 436 GERTZ, René E. O castilhismo e a colônia alemã. In: AXT, Gunter et al (Orgs.). Julio de Castilhos e o paradoxo republicano. Porto Alegre: Nova Prova, 2005b, p. 141, p. 133-160. 370 turbilhão de interesses que membros da Colônia de Três Forquilhas tomaram partido, tornando-se visíveis, e participaram da trama cujo objetivo era livrar-se do inimigo, neste caso, correligionários do Partido Conservador. Da mesma forma, pode-se perceber que os ânimos se alteravam nos momentos de grande discussão política ou próximos das eleições. De acordo com Graham, “as eleições testavam e ostentavam a liderança do chefe local. Através de um sistema de eleições indiretas de dois turnos, os votantes escolhiam as figuras mais proeminentes do local para formar os colégios eleitorais”.437 Tornou-se muito nítido por que as eleições eram um acontecimento tão desejado e acirradamente disputado, uma vez que ser eleito para o colégio eleitoral significava estar à frente e acima da maioria das pessoas; perder a eleição poderia rebaixar o chefe local à esfera de um simples homem da comunidade, posição que nenhum deles queria ocupar. Enfaticamente, D. Pedro II sintetizou o que pensava sobre as eleições no Brasil: “as eleições, como elas se fazem no Brasil, são a origem de todos os nossos males políticos”. 438 437 GRAHAM, op. cit., p. 17. 438 D. Pedro II, 1825-1891. 371 CONCLUSÃO La vida no es la que uno vivió, sino la que uno recuerda y como la recuerda para contarla. 439 Ao se chegar ao final deste trabalho, certamente parcial, deve-se retomar as propostas lançadas na Introdução. Sobre a tese do isolamento, procurou-se demonstrar, em todos os capítulos, que não houve impedimento para a comunicação, ao menos para os "exponenciais". A afirmativa equivocada de Roche sobre São Pedro de Alcântara e Três Forquilhas reproduziu a visão que matrizes historiográficas difundiram ao longo dos séculos XIX e XX sobre essas Colônias. Segundo o autor: Em 1950 ainda, ir a esta colônia era remontar ao passado, pois nela se encontrava o mesmo quadro e o mesmo gênero de vida que em 1850. A região do litoral viveu fechada em si mesma... Tal qual a Bela Adormecida no bosque, a área de São Pedro-Três Forquilhas, era, quando a vimos, uma amostra milagrosamente conservada da primeira fase da colonização no pé da Serra.440 Roche desconsiderou a luta de Voges para tentar permanecer em São Leopoldo e as incontáveis viagens que o pastor empreendeu de Três Forquilhas à 372 Colônia-Mãe, muitas vezes motivadas por compromissos familiares, como casamentos e batismos. O autor deixou de perceber que a iniciativa de Voges em contratar os serviços do “mestre-pedreiro” José Pereira de Souza, residente em Porto Alegre, para construir sua casa e a igreja, em Três Forquilhas, expressa sua potencialidade econômico-social, mas também de comunicação. Segundo Müller, José Pereira de Souza casou com Maria Gross em 1850, fixando residência definitiva na Colônia. Pode-se conjeturar que esse “mestre-carpinteiro”, chegado a Três Forquilhas por volta de 1847, tenha trabalhado, também, em outras casas. Porém, o mais significativo foi a habilidade de Voges em contratar mão-de-obra especializada na capital da província. Como havia carpinteiros em Três Forquilhas – o sogro de Pereira de Souza, Felipe Pedro Gross,441 era um deles –, pode-se questionar por que Voges optou por buscar alguém de fora. É bastante provável que o ato simbólico de conseguir trazer um mestre-de-obra da capital tenha colaborado para elevar a figura de Voges no cenário social. Afinal, quantos colonos seriam capazes de realizar tal contratação?442 No que tange à tese do isolamento, a navegação fluvial parece não ter tido importância para Roche, nem o convencido de que uma área geograficamente expressiva havia sido alcançada através deste meio de locomoção. Três parentelas uniram-se para incrementar o transporte de mercadorias pelas lagoas do litoral, sendo que Dreher representava Porto Alegre; Diehl, São Leopoldo, e Voges, o 439 MÁRQUEZ, Gabriel García. Vivir para contarla. 2.ed. Buenos Aires: Sudamericana, 2002, p. 8. 440 ROCHE, op. cit., 1969; p. 177-179. [grifo nosso]. 441 Sobre a vida e trabalho de Philip Peter Gross, ver: ELY, Nilza Huyer. Philip Peter Gross: um imigrante, uma casa – vidas. In: ELY, Nilza Huyer (Org.). Três Cachoeiras: marcas do tempo. Porto Alegre: EST, 2004a, p. 227-229. A primeira casa construída pelo carpinteiro Gross, modificada, ampliada e conservada, encontra-se de pé no município de Três Forquilhas, sendo propriedade da historiadora Nilza Huyer Ely. 442 Ver: MÜLLER, op. cit., 1992; p. 80-81. Na página 106 do mesmo livro, o autor reproduziu uma fotografia de José Pereira de Souza. 373 LNRS. Levi sintetizou a situação econômico-geográfica de famílias semelhantes, ao afirmar que “a força da estratégia econômica deste grupo consangüíneo estava exatamente na separação das residências e na unidade dos negócios”.443 Para o autor, “do ponto de vista patrimonial, permanecer unido não significava viver sob o mesmo teto”.444 Nem mesmo os contatos políticos despertaram o interesse de Roche: tanto nas guerras (Farroupilha, do Paraguai e Revolução Federalista), quanto na disputa político-partidária (liberais X conservadores) houve o envolvimento direto de colonos alemães. A remessa de dinheiro para o palácio de Julio de Castilhos nos finais do século XIX, por exemplo, é fato incontestável: os republicanos do LNRS, dentre eles Carlos Frederico Voges Sobrinho, estavam conectados com a vida partidária da província. A capacidade de comunicação também pode ser percebida nos momentos de dificuldade ou de socorro. Apesar de Carlos Leopoldo Voges Neto, filho de Adolpho Felippe e neto do pastor Carlos Leopoldo, ter ido morar com o tio Carlos Frederico, em Taquari, isso não o impediu de prestar auxílio à sua terra de origem, quando uma grande enchente destruiu parte da Colônia de Três Forquilhas, em 1897. O pedido de ajuda de Voges Neto, datado de 20 de outubro do mesmo ano, ficou registrado através de carta, transcrita por Müller445, a qual também é assinada por “Jacob Arnt”, muito provavelmente o empresário que se dedicou à navegação pelo rio Taquari. Assim sendo, o documento revela mais do que a ligação de um homem com sua terra natal; os Voges de Taquari mantinham relações com uma das famílias “exponenciais” daquela região. Um aspecto particular da vida de Voges Neto ratifica a afirmação de que ele manteve relações permanentes com Três Forquilhas. 443 LEVI, op. cit., p. 100. 374 De acordo com Koliver, Carlos Leopoldo Voges Neto e sua esposa, Ana Emília, não tiveram filhos, mas adotaram a sobrinha Ana Emília Voges, órfã de mãe, filha de Frederico Voges e Bárbara Schmitt.446 Truda, ao contrário de Roche, parece exagerar para o outro extremo. Contudo, sua visão foi mais realista em relação aos “exponenciais”: As colonias das Torres e Três Forquilhas se achão n’hum estado de prosperidade, q. nada deixa a desejar; os habitantes são todos remediados, e entre elles alguns q. se podem chamar de ricos. A pobresa he desconhecida n’estas colônias; q. formarão depósitos de Mantimentos onde os Moradores da Serra vão fazer as suas compras. Alguma Caxassa e Couros curtidos vão até a capital d’esta Prov., em troca de outros gêneros q. os colonos precisão. 447 Pequenos fatos do cotidiano, aparentemente sem importância, também moldaram o dia-a-dia das famílias que colonizaram o Rio Grande do Sul. As obras que trazem dados estatísticos colaboram para a análise da imigração; no entanto, muitas vezes deixam de estabelecer conexão entre os diversos núcleos coloniais, famílias ou redes de apoio, justamente por desconsiderar ou dar pouco valor às ocorrências diárias. Assim sendo, é preciso ampliar o espaço e buscar os pontos que são capazes de unir a rede de relações que o colono, a família, o grupo ou a Colônia conseguiram estabelecer com os outros. Por que um membro da família Diefenthäler tornou-se sócio de João Schmitt e investiu no mercado imobiliário do Mundo Novo? Por que comprou ações da companhia ferroviária? Por que um outro membro dessa mesma família deixou de receber o apoio de seus pares, como Lúcio 444 LEVI, op. cit., p. 99. 445 MÜLLER, op. cit., 1992, p. 125-126. 446 Cf. Koliver, Carlos Leopoldo Voges Neto nasceu em 1º de julho de 1858, em Três Forquilhas, falecendo em 15 de junho de 1947, em Taquari. Casou em 10 de outubro de 1885, em Taquari, com Ana Emília. Ver: KOLIVER, op. cit., p.124. O casamento de Balbina Schmitt com Frederico Voges foi abordado no Capítulo III, quando se tratou do investimento simbólico-material na pessoa de Carlos Frederico Voges Sobrinho em detrimento de seus irmãos. 375 Schreiner e Hillebrand? São perguntas que, talvez, não tenham respostas satisfatórias, mas apontam para um universo de interesses e conflitos ditados, também, pelos “problemas, incertezas e escolhas” do cotidiano.448 Dito de outra maneira, tentar reconstituir a rede de relações que os colonos alemães estabeleceram entre si, mas também com os nacionais, é uma questão de metodologia. Em vez de se pesquisar e escrever somente sobre São Leopoldo ou Três Forquilhas, pode-se buscar semelhanças e diferenças entre esses dois núcleos; ou, então, seguir os passos de determinados agentes históricos para saber se houve – e quais foram – os elos de ligação entre a Colônia-Mãe e suas filhas e netas. Quem sabe se poderá reproduzir as palavras de Levi: “as relações eram evidentemente provenientes da consangüinidade e das alianças”449, ou seja, o mundo familiar extrapolava a circunscrição imposta pelo sangue. A amizade mantida entre Seraphim Agostinho do Nascimento e os Voges, demonstrada ao longo da Tese, exemplifica como a aliança era capaz de superar o fator sangüíneo. Seraphim, além de ter sido uma das testemunhas mais requisitadas por Adolpho, foi escolhido para ser um dos avaliadores dos bens deixados por Guilhermina Voges quando se iniciou o inventário. Não obstante colaborar para a obtenção de uma visão mais horizontal do objeto investigado, a farta documentação poderá verticalizar o olhar sobre agentes históricos específicos, porém com expressiva representação do grupo, Colônia ou objeto. No caso de Levi, apesar de o autor ter chegado à conclusão de que “não faltam notícias sobre os habitantes de Santena do século 447 TRUDA, Francisco de Leonardo. A colonização alemã no Rio Grande do Sul. Porto Alegre: Tipografia do Centro, 1930, p. 60. 448 LEVI, op. cit., p. 45. 449 LEVI, op. cit., p. 104. 376 XVII... a distribuição é muito desigual e respeita a relevância pública de cada um”450. Para a Tese, o registro dos agentes históricos pesquisados na documentação, em maior ou menor número, ou em densidade desigual, pesou para que fossem identificados na categoria de “exponenciais”. Em relação aos “exponenciais”, tornou-se evidente que algo mais foi transmitido às gerações futuras. Além do material, valores, sentimentos, subjetividades perpassaram a vida desses agentes históricos do século XIX. Levi aposta na segurança oferecida pela função de pároco e no que isso representa para a comunidade, quando se depara com o sentimento de auto-suficiência de seu personagem. Neste caso, o autor observou que o pai de Chiesa, cujo trabalho se assemelha hoje ao de um escrivão, preocupou-se em transmitir sua mais valiosa herança – a imaterial – para o filho, encorajando-o e encaminhando-o para a vida sacerdotal. Sobre esse dilema, o autor escreveu: “como conservar e transmitir a seu filho Giovan Battista aquilo em que ele mais confiava, a herança imaterial de sua posição? Fez dele um padre, pároco e vigário da mesma comunidade”. Em relação ao filho, Levi registrou: “ele se considerava difícil de ser atacado, e devia sentir-se coberto pelo mesmo poder sem regras que o pai parecia ter exercido na comunidade”.451 Neste caso, a comparação com Voges torna-se inevitável. Como imigrante, chegou ao Brasil supostamente já ordenado e apto para exercer a função de pastor protestante. Contudo, percebeu que seria vital transmitir seu poder de influência às gerações futuras, herança recaída sobre os ombros do filho Adolpho Felippe e do neto Carlos Frederico Sobrinho. Embora não tenham se tornado pastores, ocuparam-se da política, campo igualmente favorável para o exercício da 450 LEVI, op. cit., p. 89. 377 representação. Neste espaço, mediado por “prestígio, mediações, clientelismo e compromissos” 452, puderam dar continuidade ao reinado iniciado por Carlos Leopoldo Voges em 1826. Toda a estrutura montada pelo pastor ao longo do século XIX serviu para que filho e neto despontassem no cenário litorâneo como líderes “exponenciais”. Portanto, as vias de acesso e os pilares de sustentação que proporcionaram crescimento econômico e inserção política dos imigrantes e de seus descendentes passaram pelo imaterial, visível no caso de Voges, e pela diversificação da economia, exercício vital para que estivessem presentes em diversos setores da sociedade a qual desejavam adentrar e marcar presença. A condição específica de pastor garantiu a Ehlers, Klingelhoeffer e Voges a construção de um mundo simbólico (ou imaterial) via palavra, no qual a verbalização das idéias ganhava outra dimensão além da humana ou terrestre. O espaço por onde circularam foi sensivelmente maior do que o percorrido pela maioria dos colonos, afinal, o métier da profissão exigia o freqüente deslocamento para atender a seus fiéis. Com isso, faziam novas amizades e reforçavam as antigas; ficavam sabendo das novidades, muitas vezes proferidas em tom confessional; eram comunicados sobre a mudança de uma família para outra Colônia e que suas terras haviam sido colocadas à venda; por serem líderes e terem um pouco mais de estudo, representavam parte do seu rebanho junto às autoridades, sem esquecer que em inúmeras situações também se indispuseram com membros de suas igrejas. De qualquer forma, sendo respeitados ou rejeitados, eram identificados nas ruas da pequena São Leopoldo ou nas Picadas por onde passavam como o pastor fulano de tal. A renovação desse reconhecimento 451 LEVI, op. cit., p. 197. 378 público garantia a manutenção do título e ratificava a posição social que ocupavam. Situação semelhante foi estudada por Spliesgart, o qual chegou à conclusão de que o pastor Sauerbronn foi importante para a administração da Colônia de Nova Friburgo, RJ, uma vez que era o porta-voz dos colonos e que fazia traduções para o governo. Ao atender as duas partes, tornou-se, informalmente, um tipo de funcionário administrativo do império, o qual ajudava o governo a controlar a Colônia, mas também era controlado por ele. De acordo com Spliesgart, Sauerbronn viveu esse embate até o final de sua vida: por um lado, dispunha de capital simbólico para negociar com o governo imperial; de outro, era tão miserável quanto a maioria dos colonos453. Porém, para aqueles que não dispunham de forte capital simbólico, a diversificação da economia garantiu-lhes o acesso a vários setores da sociedade. Cristalizou-se uma diferença nítida entre aqueles que mantiveram suas colônias, mas também investiram na pecuária, no mercado imobiliário, no comércio, no transporte de mercadorias, e os que terminaram suas vidas apenas na condição de agricultor ou colono. O mundo colonial parecia ilimitado para os “exponenciais”; as instâncias a que tiveram acesso permitiu o diálogo com advogados (procuradores), juízes, funcionários do banco da província ou da companhia da viação férrea, professores, entre outros que ocupavam pequenos e médios cargos na administração da Colônia ou da província. Como objetivo primeiro – e que praticamente obrigava os “exponenciais” a dialogar com essas autoridades – estava a busca incessante por um lugar de destaque nessa sociedade que os via, de modo geral, como estrangeiros. Os agentes históricos analisados no transcorrer da Tese 452 LEVI, op. cit., p. 197. 379 demonstraram que as limitações étnico-culturais não foram suficientes para barrar o crescimento econômico e a inserção política que tanto ansiavam. Pode-se afirmar que não ficaram isolados em nenhum sentido: nem geograficamente, nem socialmente, muito menos, politicamente. A concretização de determinados objetivos exigiu organização dos “exponenciais”. Mas não somente deles. Quando homens recorriam à bebida para aplacar a saudade e a mágoa, ou, então, potencializar a indignação com promessas não cumpridas, e estes mesmos homens saíam às ruas em aparente estado de rebeldia, eles estavam manifestando, publicamente, o descontentamento de um grupo que não podia fazer muito mais do que isso. Tramontini talvez tenha sido o primeiro a perceber que a organização social dos imigrantes também passou pela desordem, considerada até então uma mancha na imagem dos pioneiros. Contudo, houve conflitos de maior grau, como os apontados ao longo dos sete capítulos. Cartas e documentos escritos a próprio punho com caráter denunciativo, ações jurídicas, xingamentos, brigas e tentativa de assassinato somaram-se à baderna ocasionada por colonos alcoolizados. No fim de tudo, objetivava-se uma vida melhor: a garantia da sobrevivência, o respeito das autoridades e a conquista de um espaço mais visível e permanente na sociedade brasileira. Dos três pastores aqui analisados, Voges foi o único que percorreu o século XIX. Ao longo dos 1800, conseguiu unir poder simbólico e material. Torna-se difícil, inclusive, dissociar religião, economia e política, tudo tão imbricado que inviabiliza a desconstrução da rede que Voges montou a partir de sua sede, em Três Forquilhas. Ele serve de parâmetro, de ilustração, quando se usa o conceito de “exponencial” 453 SPLIESGART, op. cit., p. 196-198. 380 para aqueles imigrantes e descendentes que se destacaram na economia e na política. O processo-crime analisado no subcapítulo do Capítulo VII redimensiona a capacidade de articulação política dos “exponenciais”, inserindo-os, verticalmente, na disputa político-partidária do final do século XIX. Conservadores, liberais e futuros republicanos primaram por aproximar aliados e expulsar adversários. O que tanto desejavam? Instalar o teatro das representações, no qual cada um deveria interpretar o seu papel de tal modo que garantisse os aplausos após o último ato: a eleição. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS AHLERT, Lucildo. A colonização privada no Vale do Taquari em meados do século XIX e a vinda de westfalianos para a Colônia Teutônia. In: ARENDT, Isabel Cristina e WITT, Marcos Antônio (Orgs.). História, cultura e memória: 180 anos de imigração alemã. São Leopoldo: Oikos, 2005. p. 77-87. AMADO, Janaína. A revolta dos Mucker. 2.ed. São Leopoldo: UNISINOS, 2002. ARENDT, Isabel C. A escola comunitária evangélico-luterana e seus condutores no Rio Grande do Sul (1865-1918). 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ANEXOS ANEXO I MERCADORIAS COMERCIALIZADAS NA VENDA DE CARLOS JACOBY Quantidade 93 pares 2 dúzias 2 ½ dúzias 6 pares 9 9 1 caixa 1 quilo 1 (?) 4 1 quilo 12 2 2 4 2 4 metros 63 metros 1 1 9 2 1 par 2 1 1 12 58 14 12 1 3 3 Mercadoria Dobradiças Garfos de ferro Garfos de ferro Dobradiças Espelhos para algibeira Pedras para escrever Restos de miudezas Fio de sapateiro Linhas cruas Castiçais de folha Chá Facas sortidas Caçarolas Foices Enxadas Chaleiras Riscado Riscado para calça Bule de zinco Colher de sopa Sinceiros Martelos de ferro Estribo de ferro Moinhos para café Machado Frigideira grande Pires de louça Tigelas brancas Tigelas brancas Canecas de louças sortidas Chapéu preto Bacias de louça branca Pratos de louça Valor 11$160 $200 $300 $720 $480 $600 1$080 $400 $320 $640 1$000 3$000 2$000 2$000 3$200 2$000 $800 32$500 $100 $080 1$080 1$600 $600 2$000 1$000 1$000 $200 $560 $120 2$440 1$000 1$200 $720 5 88 4 pares 41 6 metros 20 metros 4 metros 12 3 20 pares 2 pares 20 2 dúzias 5 dúzias Pratos de travessa Argolas para manear Rosetas para esporas Lenços de chita Chita Chita em cassa Escossia Gravatas sortidas Espelhos pequenos Meias para senhoras Sapatos para homem Arrumação, balcão e armário do negócio Pedras de fuzil de fogo Fuzis Lápis de pau sortidos Total 4$000 1$000 $200 8$200 3$000 4$000 $800 2$400 $240 3$000 1$000 40$000 $200 $480 1$000 145$620 ANEXO II MERCADORIAS COMERCIALIZADAS NA VENDA DE JOSÉ RAUPP Quantidade 1145 côvados 187 côvados 149 côvados 100 côvados 8 11 19 9 11 4 189 côvados 3 27 côvados 8 côvados 46 côvados 35 côvados 2 cortes 3 cortes 75 varas 12 côvados 14 côvados 131 côvados 130 côvados 7 106 côvados 63 côvados 56 côvados 77 côvados 96 côvados 4 22 3 27 2 22 côvados 24 côvados 36 côvados 5 côvados Mercadoria Chita Chita Holanda Mitem Trinões para senhoras Xales de chita preta Xales de chita Xales de chita Xales de chita Xales de chita Lãzinha Peitos de camisa Escorcia Veludo Filó Nobrese Colete Colete Morim Merino pano Merino Cassineta Castor Xales pretos Brim pardo Brim de Angola Brim de Canga Jaspienne Riscado Casacos de brim pardo Lenços de seda Ponches de pala Lenços de seda Chercões Algodão pelúcia Pano azul Pano azul Pano fino Valor 366$400 91$480 29$800 34$000 24$000 8$000 24$700 18$000 32$000 12$000 94$500 1$200 17$280 36$000 24$840 112$000 5$600 10$500 30$000 54$000 19$400 104$400 65$000 22$400 63$600 50$400 26$880 35$420 48$000 12$000 55$000 30$000 54$000 3$200 24$800 132$000 72$000 32$000 8 côvados 66 côvados 44 côvados 3 côvados 8 côvados 2 côvados 147 34 pares 3 (?) 32 (?) 10 (?) 1 caixa Várias 12 2 7 côvados 4 3 pares 17 3 6 6 pares 12 7 12 24 6 4 12 3 2 2 4 6 5 2 4 2 pares Casimira Baeta encarnada Baeta azul Algodão Algodão Algodão Lenços sortidos Meias para senhoras Linhas sortidas Trancelins Trancelins Fitas de cores Miudezas Cartucheiras Fradores com prata Pano azul Rabichos com prata Miudezas de ouro Espora de metal Chapéus para homens Chapéus para senhoras Chapéus para senhoras de Braga Sapato Enxadas Facões Chaleiras Panelas Caçarolas Machados Compassos Tesouras de tosquiar Cutelos Enxós Moinhos para café Miudezas Cardas Pistolas Espingardas Cardas Esporas de ferro Dobradiças e fechaduras Formões mais miudezas 27$200 49$500 39$600 11$050 70$720 7$200 88$920 15$300 6$000 15$840 10$000 20$000 12$000 44$000 64$000 22$400 48$000 40$000 15$000 71$400 21$000 6$000 10$500 12$000 14$000 36$000 13$500 12$000 16$000 3$000 6$000 2$560 4$000 4$000 4$000 12$000 10$000 50$000 2$000 4$000 6$000 4$000 8 8 pares 11 24 17 3 3 arrobas 3 arrobas 3 40 (?) ½ arroba 10 8 18 22 6 30 5 dúzias 5 dúzias 7 4 2 16 200 12 ½ 18 pares 16 3 sacos 48 peças 10 dúzias 100 120 arrobas Martelos Estribos Frigideiras Facas sortidas Canivetes Moinhos de ferro Miudezas Chumbo de munição Pregos sortidos Colheres grandes Ponta Paris Chumbo em barra Bacias Urinóis Pratos grandes Tigelas pintadas Tigelas pintadas Canecas Xícaras pintadas Xícaras brancas Latas de folha Chocolateiras de folha Bules de folha Canecas Pedras de fogo Cartuxos de pós de sapato Barrica de alcatrão Tamanco Chapéus de palha Farinha de trigo Louças de barro Remédio de botica Bacias (?) Pipas de aguardente Açúcar Armação de negócio Total 6$400 4$000 8$800 19$200 6$800 4$000 4$000 21$000 12$000 1$600 4$000 4$000 4$500 5$000 4$960 12$100 5$600 $720 4$800 11$000 9$000 2$520 1$440 2$820 12$800 1$600 2$400 8$000 7$560 3$840 30$000 67$200 29$400 2:000$000 554$000 101$200 5:785$750 ANEXO III TABELA 35 (ANIMAIS) Página 247 139 141 190 126 172 221 105 288 185 90 272 59 283 120 Data 1878 1886 1886 1890 1893 29/3/1893 22/9/1894 17/3/1896 Março/1897 Março/1899 18/4/1899 6/4/1900 7/4/1900 Maio/1900 Março/1901 Freguês Ignacio H. Pereira Manoel Ant. Alves Manoel Marq. Ol. Majé Francisca (irmã do Lazaro) Marcelino S. Pascoal Serafim Aug. do Nascto Victorino Lopes Silveira João de Deus Fo Amandio José Pereira Zeferino Sant’anna Joaquim Ol. Mello Theodoro Monteiro Generoso Constante José Lopes Luiz Cardoso (irmão da Cardosa) Item “1 cavalo que alegou” “recebi 1 vaca?” “1 ossada de uma vaca” “recebi 12 frangos” “recebi 1 porco gordo” “1 vaca” (em haver) “recebi 1 vaca c/ cria” “recebi uma junta de bois” “1 junta de bois que foram de Jo de Deus” “recebi um cavalo” “1 burro até outubro” “recebi em conta do documento 1 boi” “volta de um boi que trocou” “recebi 1 vaca com cria por saldo” “recebi dinheiro de carne de 1 vaca” Valor 42$000 58$960 18$000 2$880 40$000 50$000 170$000 180$000 185$000 100$000 160$000 160$000 15$000 50$000 40$000 ANEXO IV TABELA 36 (GÊNEROS E MERCADORIAS) Página Data Freguês Item 141 1886 Manoel Marc. Ol. Majé “louça por 1 saco de polvilho” 251 30/6/1889 Carlos Menger “900 rapaduras” 190 1890 Francisca (irmã do Lazaro) “2 duz. ovos” 230 12/5/1893 Thereza Lopes “50 alq. Farinha” 230 18/51893 Thereza Lopes “75 alq. Farinha” 145 9/6/1893 Manoel Ign. Filho “lenhas que deu, mas recebeu em gêneros” 116 17/8/1893 a 23/9/1893 Luiz Mart. Espind. 300 alqueires de farinha 122 17/8/1893 Luiz Mayer “recebi em lenha” 39 6/8/1896 Elizario Souza Machado “recebi importância supra em farinha” 158 Fev/1900 Pedro Feck “recebi 1 q.r de batatas 2$000/½ feijão 2$000/rapaduras 1$000” 305 Fev. e Guilherme Brehm Sobrinho março 1900 “2 carradas de lenha” 305 Fev. e Guilherme Brehm Sobrinho março 1900 “1 carrada de lenha” 176 2/5/1900 Serafim (filho do Nascimento) “recebi 3 alq. de pinhões” Valor 6$000 22$500 $400 75$000 112$500 s/valor 600$000 20$000 77$970 5$000 6$000 3$000 6$000 ANEXO V TABELA 37 (MADEIRA) Página Data Freguês Item 61 1887 Guedes Mart. Espíndula “o mesmo deve 1 dúzia de tábuas em conta de 1 espingarda” 195 1894 Manoel Teixeira “109 toradas” (em haver) 195 1894 Manoel Teixeira “dinheiro que recebeu da serraria” (deve) 171 20/1/1894 Reginaldo Flno da Silva “recebi 63 toradas madeiras a 8$000” 60 16/2/1894 Galdino Fernandes “dinheiro para comprar madeiras” 60 19/3/1894 Galdino Fernandes “dinheiro para comprar madeiras” 60 16/9/1894 Galdino Fernandes “saldo de madeira e serviço etc” 60 3/12/1897 Galdino Fernandes “recebi em madeiras (Neves)” 106 15/12/189 João Bernardino de Souza “recebi de C. Voges 20 Dz. de 8 tábuas” 344 Março 1899 Alberto “despesas [diversas] fornecido ao Alberto para a serraria” Valor s/valor 872$000 100$000 504$000 50$000 100$000 301$420 261$000 54$0000 128$500 ANEXO VI TABELA 38 (BENFEITORIAS) Página 141 253 241 161 147 Data 1886 1886 1892 2/2/1894 25/6/1900 Freguês Manoel Marq. Ol. Majé Pedro Pedersen João Langoni (Gringo) Pedro do Manoel Luz Manoel Tiburcio Item “1 paiol para farinha” “recebi uma cômoda” “1 alambique” (deve) “aluguel do alambique” “a metade que lhe cabia no alambique” Valor 20$000 s/valor 300$000 40$000 75$000 ANEXO VII TABELA 39 (TERRAS) Página Data Freguês Item Valor 52 s/data “Finado” Antonio Silveira “campo” e “terras na data do 398$000 Sangrador” 353 s/data “Valor em terras compradas “são entre todas 37 braças” 1:196$180 onde mora Leoço” 259 25/6/1879 Marculino Antônio de Espíndula “recebi 90 br. de Terras, 1 engenho de farinha por saldo” 783$284 264 1/1/1893 João Alves Faria “recebi um retaço de terras por saldo” 294$170 173 14/4/1894 Serafim José Souza “resto das terras que comprou” 100$000 36 24/1/1900 Carolina Germann sítio arrendado por cinco anos 1:000$000 121 Março 1900 Lourenço Netto “recebi por saldo 50 br. de terras (110 metros)” 459$086 147 25/6/1900 Manoel Tiburcio 30 braças de terras 300$000 86 1/8/1910 José Silveira 50 braças de terras na Sanga Funda 100$000 ANEXO VIII TABELA 40 (EMPRÉSTIMO A JUROS) Página 283 259 268 140 155 167 137 75 316 175 233 108 64 312 333 217 137 145 84 155 257 155 137 137 121 272 257 64 64 137 90 Data 1871 25/6/1879 1886 21/1/1889 20/12/1891 5/5/1892 9/9/1893 6/12/1893 Freguês José Lopes Marculino Anto d’Esp.la Pedro Leal Manoel Caet. Rodriguez Ozorio Cardoso de Lima Rael Neto Manoel Silvestre Alves Ignacio Pinheiro Item “um documento a juros” “juros de 4 anos 75 a 79” “mandei o documento para José Mesquita cobrar” “juros 4 anos” “resto do documento fora prêmios” “dinh. a juros de 5%” “sujeito aos juros de 10% ao ano desta data em diante” “dinheiro que pediu” 1894 22/4/1894 9/7/1894 28/7/1894 2/10/1894 5/11/1894 Jan/1895 1/11/1895 9/3/1896 16/2/1897 9/3/1897 22/3/1897 1/1/1899 28/4/1899 Agosto/1899 Agosto/1899 Março/1900 6/4/1900 1/12/1900 Janeiro/1901 20/1/1901 18/3/1901 21/8/1910 Miguel Car. Andrade “dinheiro q. pediu em P. Alegre” Silvestre Ant. Alves “prêmios” Lauterio Domingos Luiz “dinheiro que pediu” Julio S. Porto “dinheiro entregue a ele” Henrique F. de Lima “juros da quant. de 100$000 a 1% de 5 de abril 1888” Manoel Balbino Cardoso “dinheiro em P. Alegre” Pedro Jacobi “dinheiro entregue em P. Alegre” Paulino da Silva Medeiros (da Cachoeira) “saldo aos juros de 1% ao mês de 4 anos até essa data 16 de abril de 1899 documentada” Manoel Silvestre Alves “juros até esta data da quant. ass.” Manoel Ign. Filho “prêmios até esta data” José Balbino “juros até esta data” Oracio Roza “documentado a 6% ao ano” Alexandre Manoel Gonçalves “juros vencidos 97 10$800, 98 10$800, 99 10$800” Oracio Roza “juros vencidos 2 anos 1 mês” Manoel Silvestre Alves Manoel Silvestre Alves “juros de 3 anos até 1po.” “juros até fevereiro de 1900” Lourenço Netto “juros de 3 anos a 1%” Theodoro Monteiro “documentada 450$000 (juros)” Alexandre Manoel Gonçalves “juros vencidos” Henrique F. de Lima “passou documento de 500$000” Henrique F. de Lima “juros vencidos de 12 anos e 9 meses” Manoel Silvestre Alves “juros até esta data” Joaquim Ol. Mello “juros até esta data” Valor s/valor 142$164 32$500 12$470 35$940 100$000 77$300 390$000 2$000 5$000 20$000 400$000 100$000 200$000 3:000$000 553$190 84$750 159$150 14$160 s/valor 32$400 8$980 107$900 17$980 119$886 450$000 6$240 500$000 153$000 84$340 50$000 ANEXO IX TABELA 41 (ORDENADOS) Página 212 Data 1893 172 29/3/1893 212 30/4/1893 232 28/6/1893 150 23/8/1893 232 23/8/1893 237 23/8/1893 244 12/9/1893 289 20/9/1893 282 20/11/189 3 212 5/1/1894 150 19/7/1894 309 31/1/1895 309 31/1/1895 309 31/1/1895 Freguês João (Peão) Serafim Aug. do Nasc.to João (Peão) Manoel Balbino Manoel Gildo Manoel Balbino Serafim A. do Nascimento Antonio Dias de Souza Serafim A. do Nascimento Manoel Balbino João (Peão) Manoel Gildo José Stumpf José Stumpf José Stumpf Item “seu débito c. jornal desc. até fim fevereiro” “ordenado até fim de março” “ordenado até fins de abril” “mapa de abril e maio” “ordenado de maio e junho” “ordenado de junho” “ordenado até fim de junho” “ordenado até fim de agosto” “ordenados de setembro de outubro” “ordenado de julho, agosto e setembro” “ordenado até 5 de janeiro de 5 meses a 12$000” “ordenado de janeiro, fevereiro, março e abril” “61 dias de serviço” “jornal até 16 de Nov. 94” “comida a Augusto 75 dias” Valor 26$660 1:221$000 24$000 222$000 160$000 111$000 167$000 270$000 110$000 332$000 60$000 336$660 305$000 322$000 75$000 ANEXO X TABELA 43 (CLIENTES I) Página Data Freguês Identificação 278 s/data Maria “Toucinho” 247 1874 Joaquim Dias Oliveira “construtor do paiol” 278 7/4/1875 Domingos “escr. do Bern. Ozorio” 247 1878 Augusto Rudolpho “(fall.)” 279 1880 Affonso Voges “negro” 279 1881 Manoel “escravo de Marcelino” 170 1885 Ricardo “(escravo do Cornélius)” 200 1892 Joaquim Alves “passageiro” 171 29/3/1894 Reginaldo Flno. da Silva “dinheiro que Nicolau Mittmann entregou” 314 7/9/1894 Maria “mulher do mulato Adão” 320 10/10/1894 Annalia “negra” 270 28/10/1894 José Pereira de Guimarães “a conta que Marcirio comprou no Felix” 319 10/11/1894 Jacintha “negra” 331 5/1/1896 José Rodriguez Mesquitta “dinh. a Pedro Mittmann” Valor 15$700 78$560 3$600 56$750 ??????? 33$280 7$620 5$800 300$000 7$100 2$040 42$080 4$100 223$500 ANEXO XI TABELA 44 (CLIENTES II) Página 27 1 3 Data 1884 1885 1885 Freguês Carlos Strasburg Amancio José de Barros Antonio Aug. do Nascimento Identificação “pobre não sei” “não” “regular muito demorado” 52 1886 Feliciano J. de Quadro “muito demorado, não se pode” 104 1886 João José de Barros “nein” 3 1887 Alexandre, “filho do velho Alexandre” “regular demorado” 30 1887 Carlos Bobsin “não, pagando sim” 9 1888 Augusto “cunh. do Ernesto” “não péssimo” 59 1888 Generoso Constante “não quero” 8 1890 Antonio de Barros “antes não do que sim” 1 1891 Adão Voges “assim” 4 1892 André Germann “superior” 11 1892 Anacleto J. Bittcourt. “nada ruim” 49 1892 Frederico Hoffmann (do Miguel) “sim regular” 2 1893 Augho José Ribeiro “bom” 7 1893 Anjo Myranda “regular” 8 1893 Adolfo Brem “sim” 28 1893 Carlos Thütböhl “não é mais possível salde” 244 1893 Antonio Dias de Souza “é ladrão Ex-comandante do Itapeva” “nichs komm heraus”, no sentido de “não deu em nada”, cf. tradução de Isabel Cristina Arendt 249 Catharina Machmann “negou (velhaca)” “negou (velhaco)” Valor 324$360 21$620 63$800 435$380 928$110 18$480 184$060 2$000 47$810 35$190 1$880 70$500 152$820 160$000 210$500 48$930 380$000 369$130 9$500 ANEXO XII TABELA 45 (PROPRIETÁRIOS E TRANSAÇÕES) Página 283 247 279 269 214 246 246 266 249 130 175 157 219 234 182 291 291 152 295 234 175 268 252 252 311 150 Data 1871 1873 1876 Julho de 1890 3/10/1890 a 10/1/1894 29/4/1891 29/4/1891 5/6/1891 13/6/1891 1892 29/3/1893 23/5/1893 15/7/1893 22/7/1893 27/11/1893 1894 1894 10/1/1894 19/1/1894 a 25/8/1894 22/1/1894 22/4/1894 11/6/1894 29/7/1894 29/7/1894 Agosto 1894 4/8/1894 Freguês José Lopes Manoel Euzebio Alves da Roza André Hoffmann Francisco Martim Espíndula Christ. Schmitt José Maria da Luz José Maria da Luz Manoel Martins Espíndula Camillo Cardoso de Lima Martinho Nunes Gonç. Silvestre Ant. Alves Pedro Vieira Miguel Witt Rerimundo (dos Demétrio) Victorino Constante Serafim Agostinho do Nascimento Serafim Agostinho do Nascimento Manoel Ricardo Christovão Schmitt Carolina de Deus Silvestre Ant. Alves José Cardoso de Espíndula Eduardo Antonio Cardoso Eduardo Antonio Cardoso Adolfo José Diehl Manoel Gildo Observação “um lombilheiro q. trabalhava em casa de tia Bina” “a conta que deve a mamãe” “a conta que devia ao papai” “a conta que deve a mamãe” Tecidos “10 alq. farinha da vovó” “a conta que devia ao papai” “importe da conta da mamãe f. 89” “a conta que deve a mamãe” “passou p. firma nova” “seu débito a vovó” “1 pipa aguardente (p. ordem Adolfo)” “1 pipa que foi p. Christovão” “conta passou p. L. Voges e Cia” “diz que entregou ao Gustavo / q. Felix viu” “Entr. a C. Voges” (deve) “Entr. a C. Voges” (deve) “diz ele que emprestou 18 metros de [ilegível] ao Gustavo por saldo” tecidos e calçados “passo p. conta de L. Voges e Cia” “dinheiro entregue a vovó” “passou p. L. Voges e Cia” “a conta que deve a mamãe” “dinh. entr. a Carlos” (haver) “1 par de tamancos 1$100, diversos objetos 7$000” “imp. do documento L. König” Valor 50$000 45$840 49$860 35$300 209$920 20$000 59$890 19$720 55$440 30$000 65$000 70$000 110$000 3$500 24$000 111$920 111$920 5$660 414$040 3$450 [ilegível] 17$960 8$700 9$000 8$100 600$000 313 284 154 223 132 297 317/8 334 317/8 129 318 332 333 341 106 342 342 344 348 348 348 27/8/1894 a Fev/1896 4/9/1894 2/10/1894 5/10/1894 30/11/1894 8/12/1894 18/12/1894 12/9/1895 31/1/1895 2/3/1895 2/3/1895 6/7/1895 26/7/1895 1897 15/12/1898 1899 1899 Abril 1899 18/6/1900 27/9/1900 17/11/1900 Christovão Schmitt Belizario Netto Oracio Rodrigues da Silva Guilherme Jacobi Martim Jacobi Ignacio Pinheiro “Dívidas que entrarão” Relação de dívidas “Dívidas que entrarão” Candido Silva Relação de dívidas Serafim A. do Nascimento João Machmann Sobrinho Relação de dívidas João Bernardino de Souza “Dívidas entradas” Relação de dívidas Alberto “Dinheiro entregue por João H. Setter” “Dinheiro entregue por João H. Setter” “Dinheiro entregue por João H. Setter” Diversos objetos, tecidos, pistola, “1 burro” “passou p. firma nova” “saldo tr. p. firma nova” “dinh. a Carlos Voges” “dinh. de 2 pipas a Carlos [ilegível] “passou p. conta L. Voges e Cia” “conta da viúva L. Voges Ca José Medeiros” “dívidas q. entrarão p. L. Voges” “transp. a conta Luiza Voges e Cia” “passou a firma nova” “lançado L. V. e Cia” “recebi de L. Voges e Cia” “passou p. L. V. e Cia” “lançado na firma Luiza Voges e Cia L. 1, fl. 436” “recebi de C. Voges 2 Dz. de tábuas” “lançado firma Luiza Voges e Cia L. 1, fl. 493” “transportado a firma Luiza Voges e Compa” “dinheiro que Adolfo entregou” “D. Luiza Voges” “para Carlos Voges” “para Carlos Voges” 481$140 16$340 258$880 54$000 330$000 186$940 51$740 1:559$270 2:587$240 111$380 2:273$330 131$860 1:000$000 3:215$200 54$000 2:471$120 680$540 20$000 319$010 127$000 86$280 ANEXO XIII REVOLUÇÃO FEDERALISTA “Devedores das praças de Boaventura Rodrigues” Página Data Nome Item 310 28/12/1894 a 12/1/1895 Pedro Flor “4 varas de oxfort” “ “ “ “2 varas de algodão” ““ “ “2 varas de cassineta enfestado” ““ “ “charque” ““ “ “4 ½ varas de chita 2$880 / 1 chapéu $800” ““ “ “saldo” (deve) “ “ Manoel Carlos Ferreira “transporte caderno fl. 3” ““ Carlos Flor “sua conta quando esteve na força Boatura” “ “ Oracio soldado de Boaventura [sem descrição] “ “ Gaspar soldado do “importe de sua conta” Ventura “ “ Tristão Silveira de Lemos “importe de sua conta” “ “ Boaventura soldado do “transporte 10 varas de chita” Ventura “Devedores da Brigada do Sargento” Página Data Nome Item 311 1894 Fausto Rodrigues “transporte do caderno fl. 1” “ 18/8/1894 Fausto Antonio dos Santos “1 chapéu” “ 26/8/1894 Salustiano Pinheiro de “transporte do caderno fl. 3” Moares “ 1894 David Feijó “transporte do caderno fl. 3” “ “ Crecencio Albadÿ “transporte do caderno fl. 3” “ “ Reginaldo Carneiro “resto de um pala” “ “ Francisco Lopes da Roza “1 bolsa” “ “ Manoel Gloria da Silva “diversas miudezas” “ “ Fermino da Cunha “1 chapéu” “ “ José Maria Sia Netto “transporte” ““ Cabo Pedroso “transporte” “ “ Sargento Fro Gonçalves “transporte caderno fl. 12” da Silva Valor 3$200 1$800 6$000 5$600 3$680 20$280 16$440 29$140 3$100 8$500 39$800 6$400 Valor 18$900 9$000 11$000 28$620 11$920 5$000 1$000 2$480 8$500 6$500 4$800 37$940 “Oficiais da corporação de Coronel Portugal” Página Data Nome 315 Março 1894 Tenente Ignacio Vaz Bragança “ “ Capitão Felicio Vaz Bragança “3º corpo” Página Data Nome 315 1894 Tenente Genuino Monteiro de Albuquerque “ “ Alferes Manoel Barboza “3º corpo” Página Data Nome 315 1894 Carlos Paulo Neres ““ Felississimo da corporação de Portugal “3º corpo” Página Data Nome 315 1894 Capitão Marcos Maciel “1º corpo” Página Data Nome 315 1894 Ignacio Antonio de Almeida ““ Cabo Pedro Item “transpote l. no 4 fl. 31” “importe do l no 4 fl. 31” Item “transporte do l no 4 fl. 31” “transporte do l no 4 fl. 31” Item “transporte do l no 4 fl. 31” “transporte do l no 4 fl. 31” Item “transporte” Item “transporte” [sem descrição] Valor 24$400 18$200 Valor 87$000 7$340 Valor 9$200 11$600 Valor 1$500 Valor 2$600 1$000