PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE DO SUL FACULDADE DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA RICARDO SANTOS SOARES O FOOT-BALL DE TODOS: Uma história social do futebol em Porto Alegre, 1903 - 1918. Porto Alegre 2014 RICARDO SANTOS SOARES O FOOT-BALL DE TODOS: Uma história social do futebol em Porto Alegre, 1903 - 1918. Dissertação apresentada como requisito final à obtenção do grau de Mestre em História junto ao Programa de Pós-Graduação em História da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Orientador: Prof. Dr. René Ernaini Gertz Porto Alegre 2014 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) S676 Soares, Ricardo Santos O foot-ball de todos : uma história social do futebol em Porto Alegre, 1903-1918 / Ricardo Santos Soares – 2014. 181 fls. Dissertação (Mestrado) – Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul / Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas / Programa de Pós-Graduação em História, Porto Alegre, 2014. Orientador: Prof° Dr René Ernaini Gertz 1. História do futebol. 2. Etnias. 3. Rio Grande do Sul. I. Gertz, René Ernaini. II. Título. CDD 796.334 Ficha catalográfica elaborada pela Bibliotecária Clarissa Jesinska Selbach CRB10/2051 RICARDO SANTOS SOARES O FOOT-BALL DE TODOS: Uma história social do futebol em Porto Alegre, 1903 - 1918. Dissertação apresentada como requisito final à obtenção do grau de Mestre em História junto ao Programa de Pós-Graduação em História da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Orientador: Prof. Dr. René Ernaini Gertz Aprovada em _____ de ___________________ de ________. BANCA EXAMINADORA: Nome do Professor __________________________________ Nome do Professor __________________________________ Nome do Professor __________________________________ À Júlia Mahl Soares e Rosane Natália Santos Soares. Minha história, meu futuro... Minha vida. AGRADECIMENTOS Lá se vão nove anos desde que cursei a disciplina chamada “História Social do Futebol”, momento em que nasceu essa ideia. Muito tempo e dedicação para que hoje aquele projeto esteja arrematado e em minhas mãos. Nesse período precisei fazer algumas coisas não muito fáceis, como deixar o Banco do Brasil, e por isso faço justiça citando alguns nomes em agradecimento pelo apoio que tive. Meu orientador Professor René Gertz, pela coragem em aceitar um trabalho inédito sobre futebol no Programa de Pós-Graduação em História da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. O ineditismo por si só já aumenta a responsabilidade e o tamanho do ofício. Neste caso, estendo o agradecimento a todos os professores que tive o privilégio e o prazer de frequentar suas aulas as quais não tornei fácil com meu objeto de estudo. Não posso deixar de agradecer o responsável pela disciplina onde nasceu essa ideia, o Professor César Augusto Barcellos Guazzelli, que na Universidade Federal do Rio Grande do Sul, em 2005, deu vida à lenda da “cadeira sobre história do futebol”. Nestas aulas, além de todo o enriquecimento com as leituras e palavras do próprio docente, tive o prazer de trocar ideias com alguns colegas. Dentre eles, um concebia a primeira tese sobre história do futebol no Rio Grande do Sul, a quem eu agradeço as dicas desde lá: Gerson Wasen Fraga. Agradeço também a três pessoas que, posso dizer, “me levaram” para a PUCRS. O primeiro é meu xará, o Doutor Ricardo De Lorenzo que preparava sua tese já defendida aqui mesmo nesta universidade. O segundo é o Doutor (desde hoje) Marcus Vinicius de Freitas Rosa, que trabalha com Porto Alegre, e com quem as conversas sobre a cidade avançavam no horário, principalmente regadas a diuréticos. A terceira é a Professora Doutora Andréa Schaeffer, a quem eu agradeço pela paciência, o tempo, as orientações, as gentilezas, e o que eu mais gosto nela, a esperança (deixo de fora cafés, comidas e todos essas coisas materiais que também tanto foram importantes, mas que não chegam perto do bem que as primeiras me fizeram). Neste caso, estendo o agradecimento à família Schaeffer, que, nestes dois anos, me acolheu como um dos seus (aproveito e peço desculpas por não saber jogar outra coisa que não futebol). Agradeço a Rafael Belló Klein pela parceria na história do futebol e no futebol da PUC e que na Copa do Mundo vai em busca do título ... de mestre. Ao Mestre Tiego Rocha Rebello pelo companheirismo e os chás (apesar de eu não gostar de chá) oferecidos em meios às refeições na casa da Andréa. Ao pendura do Mauro (Ladeira) e suas dicas e sarcasmos desde que era no fim do corredor na UFRGS. Aos trabalhadores da PUCRS, dos arquivos e bibliotecas em que pesquisei; pessoas que tornam um trabalho como este viável. À Danielle e Isabelle de Araújo Almeida, Fabiano Monteiro Bicalho, Bruno Valadão, Ronan, Ulisses, ... Povo do Rio, gracias pela acolhida. Agradeço a algumas pessoas que pouco ou nada sabem deste trabalho, mas que foram também fundamentais e estiveram comigo bem mais do que nestes dois últimos anos. Aos meus amigos, a quem eu teria muitas histórias para contar e agradecer: Maurício Alves Osório, Marlon Fracasso, Emanuel Neves, Leandro Morandi dos Santos, Ibirá Sousa Costa, Édi Vasconcellos de Bastos. A meu dindo Carlos Roberto Santos, a primeira pessoa apaixonada por futebol que conheci na minha vida. A bem da verdade, devo estender esse agradecimento a minha família, e faço isso em nome da matriarca Otília Silva Santos (in memoriam). Cada um é uma parte do quebra-cabeças que sou. A todos eternizo meu muito obrigado. Caô meu pai Xangô! “Vários, como eu sem dúvida, escrevem para não ter mais um rosto. Não me pergunte quem sou e não me diga para permanecer o mesmo: é uma moral de estado civil; ela rege nossos papéis. Que ela nos deixe livres quando se trata de ...”. Michel Foucault RESUMO Antes de tornar-se a modalidade esportiva mais praticada na atualidade, o futebol vivenciou um amplo e complexo processo de difusão espacial, partindo da Inglaterra vitoriana em direção às mais diversas regiões do planeta. Caracterizado como atividade da elite, chega ao Brasil nessa mesma condição, todavia experimenta no Rio Grande do Sul uma “apropriação” singular. Pontuando as diferenças de origem com o resto do país, o trabalho privilegia a especificidade que se traduziu historicamente como uma “construção de identidade nacional”, e que, no sul, chega também pelas mãos da elite, que, por sua vez, era composta por imigrantes teutos, ao mesmo tempo em que a modalidade é rapidamente absorvida por uma parcela da comunidade negra da cidade. Os resultados que emergiram, desvelaram a importância da etnia negra, que agregada à elite e ao grande contingente de imigrantes, inaugura um futebol em Porto Alegre com importantíssimo papel no processo de identificação ideológica, que transforma jogadores em representantes simbólicos de grupos sociais. Também concluiu-se existir, como produto histórico, uma relação nascente de identificação dos espectadores com os clubes nascendo portanto os torcedores. Neste universo, emergem Grêmio e Internacional, fato que será apropriado pelo sistema capitalista, tomando essa “paixão” e mercantilizando suas expressões. Para sua viabilidade, a pesquisa aponta para a necessidade de um amplo debate sobre uma adequação do futebol ao mundo dos negócios, ao mesmo tempo em que sugere, nesse contexto, o papel de vigilância do historiador para não legitimar mais tradições inventadas. Antes disso, deve provocar uma reflexão crítica desse esporte tão popular, escapando do subterfúgio, da crônica, possibilitando a ultrapassagem dos limites da narração. Palavras-chave: Futebol. Etnia. Elite. Imigrantes. Identidade nacional. Grêmio. Internacional. ABSTRACT Before becoming the most practiced sport of the present day, football experienced a broad and complex process of spatial diffusion, coming from Victorian England towards the most diverse regions of the planet. Characterized as a sport of the elite, it arrives in Brazil in this same condition, however it experiences in Rio Grande do Sul a unique "appropriation". Pointing out the differences in origin in comparison with the rest of the country, this work focuses on the particularity that was historically translated as a "construction of national identity," which in the south of Brazil also emerges by the hands of the elite, who was composed of teutos immigrants. At the same time the sport is rapidly absorbed by a portion of the city’s black community. The outcome of this research unveiled the importance of the black ethnicity, which combined with the elite and the large number of immigrants, introduces a type of football to Porto Alegre with an important role in the process of ideological identification. This process turns football players into representative symbols of social groups. It has also been concluded as a historical product, that there has been a new existent relationship of identification between the spectators and their clubs, giving birth to supporters. In this sphere, Gremio and Internacional are born, an event which will later be appropriated by the capitalist system, taking this "passion" and turning it into a commodity. For its feasibility the research points to the necessity of a broad debate about the suitability of football in the business world, while suggesting in this context the role of historians. This role should not be to legitimize fabricated traditions, but rather to provoke a critical analysis of this highly popular sport, avoiding the subterfuge of shallow narratives and allowing the chronicle to exceed its limits. Keywords: Football. Ethnicity. Elite. Immigrants. National identity. Grêmio. International. SUMÁRIO 1 Introdução ...................................................................................................................11 2 The good, the bad and the ugly ...................................................................................22 2.1 Etnia .......................................................................................................................28 2.2 Elite ........................................................................................................................32 2.3 Nacionalidade ........................................................................................................36 3 O Foot-Ball desembarca em Porto Alegre para andar de velocípede....................41 3.1 Os pioneiros de 1903 .............................................................................................42 3.2 Do velocípede à bola..............................................................................................49 3.3 O silêncio e o Rio-Grandense ................................................................................58 4 O boom de 1909 e a Liga de Foot-Ball Porto-Alegrense..........................................68 4.1 O foot-ball cai no gosto do porto-alegrense...........................................................68 4.1.1 Os clubes da elite ............................................................................................69 4.1.2 Clubes do povo?..............................................................................................85 4.2 Os primeiros anos da Liga de Foot-Ball Porto-Alegrense.....................................97 4.2.1 Primeiro ano: sucesso (1910) ..........................................................................97 4.2.2 A consolidação da Liga (1911)......................................................................108 5 Brigas & dissidências, dinheiro &política, Grêmio & Inter .................................120 5.1 Gre-Nal: brigar e crescer......................................................................................121 5.2 O foot-ball agregando valor .................................................................................138 6 Conclusão ..................................................................................................................150 Referências ...................................................................................................................162 Anexo A – Lista de sócios do Grêmio Porto-Alegrense (1903 – 1912) ....................168 Anexo B – Matchs externos disputados em Porto Alegre de 1904 até 1909 ...........172 Anexo C – Os velódromos e os primeiros grounds na Planta de Porto Alegre de 1906 ...............................................................................................................................173 Anexo D – Sport Club Internacional de São Paulo ...................................................175 Anexo E – Estatuto da Liga de Porto-Alegrense (artigos selecionados).................176 Anexo F – A assistência fora da cancha.....................................................................178 Anexo G – Fundação da Federação Rio-Grandense de Desportos .........................180 1 INTRODUÇÃO São abundantes, então, as amostras de que os comentários sobre o futebol são sempre levados a sério no Brasil. Algumas dessa, questões têm um nítido caráter moral ou filosófico e dizem respeito não somente ao estado físico dos jogadores ou ás condições do campo e equipamento utilizado, mas a problemas transcendentais, como a oposição entre o destino e a vontade individual; a divisão e a luta entre a dedicação e o treinamento e a sorte. Roberto Damatta Já faz parte do senso comum, imputar ao futebol, o título de esporte mais democrático, entre outros motivos, porque ele não pré define seus atletas por características físicas e porque requer onze pessoas apenas com um objetivo comum. Embora democrático, de forma alguma ele fica alheio à sociedade. Richard Giulianotti (2002) escreve que o “futebol é certamente modelado por e dentro de uma sociedade mais geral, mas ele produz o seu próprio universo de relações de poder, significados, discursos e estilos estéticos”. Segundo o mesmo autor, o esporte fornece “mapas culturais” para entender cada uma das sociedades onde é importante. Se agora o senso comum da democracia futebolística fora relativizado, Nildo Viana (2010, p. 9) é mais taxativo, pois ressalta que o futebol reproduz a falsa consciência sobre si mesmo e até por intelectuais e críticos do próprio esporte. Considera a suposta igualdade no mundo do futebol mais uma ilusão do que uma realidade, defendendo que a identidade nacional é conservadora, e o que reforça ela é, por extensão, conservador: “... a identidade nacional abole imaginariamente as profundas divisões sociais, a luta de classes, os interesses antagônicos, sem falar em outras divisões e subdivisões (região, etnia, sexo, idade, cultura etc.). Ela exerce o papel de criar uma unidade ilusória, como já dizia Marx, a ilusão é mobilizadora, logo, reprodutora do existente”. Salienta ainda, o mesmo autor, que “... o futebol não é conservador apenas por reforçar a identidade nacional, o seu conservadorismo também se manifesta na reprodução dos valores dominantes”. 12 Viana consubstancia essa ideia, ao escrever que “... o futebol é axiológico, no sentido de ser uma determinada configuração do padrão de valores vigentes, principalmente no caso brasileiro, quando o futebol reforça e reproduz a sociabilidade capitalista competitiva”. Se Viana posiciona o english sport no mundo capitalista, aliás, como um produto dele; Michael Debrun (1983) o insere no mundo político que, da mesma forma conservadora, também se apropria do esporte como reforço da identidade nacional: O que faz a especificidade do futebol é que ele se desenvolve num espaço nacional. Não apenas porque quase todos, no Brasil, estão concernidos pelo futebol. Mas porque qualquer time pode, em tese, competir com qualquer outro, porque os jogadores podem mudar de time, porque, no universo futebolístico, tudo se relaciona com tudo num clima geral de autotransparência, apesar dos conchavos e manipulações dos cartolas. A “sociedade futebolística” é política precisamente pelo fato de alcançar essa dimensão nacional (Debrun, 1983, p. 83). Os dois pensamentos convergem para a ideia de apropriação do futebol por um viés conservador e nacional, surgido de uma relação dialética com o mundo políticoeconômico do último século. Além disso, estes valores foram incutidos no esporte de forma sacralizada. Trazendo para o presente a visão de Eric Hobsbawn (2000), diríamos que o futebol é a religião leiga da classe operária, camponesa, classe média, ... Enfim, do mundo todo. No entanto, o esporte é um produto humano, social e histórico como qualquer outro, que não precisa e nem deve ser considerado sagrado, assim como a religião e outros fetiches. A dessacralização do futebol, para seus adoradores, é o primeiro passo para que ele abandone seu caráter conservador e ideológico, descrito anteriormente, e toda essa explanação se faz necessária porque nosso tema é, para muitos, extremamente delicada. Na concepção de Giulianotti, para explorar a história social do futebol, devemos começar discutindo a origem do jogo, a maneira como o mesmo vai inserir-se na nova cultura urbana, principalmente para além dos limites das classes dominantes. Concordamos, e falaremos, portanto, dos primeiros anos do foot-ball na cidade de Porto Alegre. *** 13 As regras que permitiram definir o association football como tal, marcando seu nascimento como esporte moderno surgiram em 1863, junto com a Football Association1, e exatos quarenta anos depois, ele chega a Porto Alegre, com a disputa da primeira partida de que se tem notícia. Foram dois jogos entre o primeiro e o segundo time – também chamado de 1° e 2° quadros – do Sport Club Rio Grande da cidade de mesmo nome. Oito dias após esta partida realizada na Redenção (atual Parque Farroupilha), fundaram-se os dois primeiros clubes dedicados ao esporte na cidade, o Fuss-Ball Club Porto Alegre formado pelos sócios do clube de ciclistas chamado Radfahrer Verein Blitz - e o Grêmio Foot-Ball Porto-Alegrense. Ambos com uma evidente influência da visita riograndina. Um e outro, fundados quase em sua totalidade, por descendentes de imigrantes alemães que passaram a jogar um esporte de origem inglesa, que chegou a Porto Alegre por uma segunda mão, pois não veio direto da Inglaterra, mas sim, de outra cidade brasileira. Também não era qualquer cidade, veio de Rio Grande, que era o mais importante porto do sul do Brasil, portanto o local ideal para a chegada de uma novidade estrangeira (Jesus, 2001a).2 O Sport Club Rio Grande era a perfeita fusão de valores alemães e ingleses. Era o clube de uma pequena colônia inglesa, culturalmente mais fechada a influências locais e de uma maioria alemã, mais aberta. Os primeiros imbuídos de funções econômicas comerciais a serviço do império inglês e os segundos, em sua grande maioria, imigrantes tentando fazer do Rio Grande do Sul sua nova casa. Desse modo, os ingleses contribuíram com o conhecimento do novo esporte e os equipamentos, enquanto os alemães, com sua tradição agregadora e associativa, cederam os locais e um maior número de sócios (Ramos, 2000, p. 13 e 14). 1 Jesus, Gilmar Mascarenhas de. A bola nas redes e o enredo do lugar: por uma geografia do futebol e de seu advento no Rio Grande do Sul. Tese de doutorado, São Paulo, USP, 2001, p. 20. Neste trabalho, o autor explica o que é o association football, a modalidade esportiva que conhecemos por futebol moderno ou simplesmente futebol, enfim o futebol e suas atuais regras que o diferenciam de outras modalidades de futebol ou mesmo do antigo folk foot-ball disputado na Europa antes de ter suas regras unificadas em 1863 em Londres pela associação que existe até hoje e que se chama Football Association. Fala como surgiram as expressões e seus significados: association football para o nome do novo esporte que surgia e Football Association, sendo o nome da associação inglesa de futebol. Cabe ainda a observação de que no meio futebolístico porto-alegrense do início do século a expressão “football association” foi bastante utilizada para designar a modalidade esportiva. 2 Em sua tese de doutorado, Gilmar de Jesus faz uma análise sobre a difusão do futebol pelo mundo, destacando a chegada pelas cidades portuárias como Rio Grande. O título do sub-capítulo onde o autor discorre sobre este assunto é por sua vez muito explicativo, chama-se: “em cada porto um amor” (e uma partida de futebol ...). 14 À primeira vista, o advento do futebol em Porto Alegre pode parecer o “samba do crioulo doido”3, com este curioso caminho cheio de peculiaridades, influências e diversos protagonismos. Porém, é mais um caso do fenômeno mundial que foi a difusão do foot-ball. Neste caso, sendo o Brasil conhecido pelo epíteto “país do futebol” e a capital do Rio Grande do Sul sendo uma das mais importantes cidades brasileiras. Estudar ali o desenvolvimento do esporte pode nos ajudar a explicar o motivo pelo qual o futebol deu certo aqui na América do Sul, principalmente no Brasil, na Argentina e no Uruguai, mais do que na Inglaterra ou em outros países europeus, que primeiro tiveram contato com o english sport. Longe de falar de um fracasso europeu, não resta dúvida de que é aqui, neste canto do mundo, no sul da América, que se pratica o melhor futebol. Basta para isso vermos os resultados das disputas entre seleções e clubes, a despeito da imensa superioridade financeira europeia. Inclusive valendo-se da mão-de-obra, ou melhor, do “pé-de-obra” de jogadores sul-americanos. No entanto, a intenção deste trabalho vai além desta matéria, que seria própria apenas do esporte. Então como defende Giulianotti, vamos aos primórdios do futebol em Porto Alegre clarear algumas questões sobre sua adoção, mesmo que pareça para muitos a profanação do sagrado momento da aurora de duas das maiores forças do futebol mundial, Grêmio e Internacional. Para além disso, estudar o futebol e seu desenvolvimento no Brasil ajuda a pensarmos na sociedade brasileira que adotou o futebol e tornou ele o maior esporte do país, e a camisa amarela um símbolo da nacionalidade brasileira reconhecida mundialmente. - Por que o futebol se popularizou de uma forma infinitamente superior a qualquer dos outros esportes modernos, mesmo os que o tenham precedido? - De que forma o futebol facilitaria a introdução de imigrantes ao convívio nacional? - Como a aristocracia brasileira permitiu que um de seus símbolos – os esportes modernos – se tornasse popular, a ponto de negros fundarem clubes de futebol pouco depois da chegada do esporte? Ainda mais, vindos de um período recente de escravidão! E por fim ... 3 Expressão usada para se referir a coisas sem sentido, a textos mirabolantes e sem nexo. Tem como origem um samba do jornalista Sérgio Porto composto sob o pseudônimo de Stanislaw Ponte Preta em 1968 em que procura ironizar a obrigatoriedade imposta às escolas de samba de retratarem nos seus sambas de enredo somente fatos históricos. A letra da música mistura diversos personagens e momentos diferentes da História do Brasil em uma suposta confusão feita pelo autor que seria o “crioulo doido” do título. 15 - Como um jovem país que, além disso, tentava se reconstruir (talvez construir, se pensarmos que o projeto 1822 não chegou ao fim) como uma República, adotou uma novidade estrangeira, que tornar-se-ia seu grande símbolo nacional, ao mesmo tempo em que imprimiria ao esporte novos significados? Talvez este trabalho não consiga responder às perguntas acima, tendo em vista que seu objeto é apenas a cidade de Porto Alegre, entretanto, sua importância não pode ser menosprezada e algumas de suas especificidades merecem uma maior atenção, contribuindo, sim, para a reflexão das questões acima. Vejamos primeiro dois destes aspectos peculiares que colocaram Porto Alegre como uma das primeiras cidades a desenvolver o association no Brasil. Em primeiro lugar, destacamos a tradição esportiva alemã que remonta ao século XVIII. Em toda a Europa, a partir do Renascimento, o corpo passou a ser pensado e discutido. Diferente da Idade Média, quando era tabu, tema proibido, o corpo despertou interesse não apenas para a medicina e anatomia, mas passou a ser pensado também sob a ótica da beleza e saúde física, até que os esportes voltassem a exercer seu encanto, como na Grécia da Era Olímpica. Todavia, este interesse ocorreu paulatinamente até chegar no século XIX, auge de sua difusão a partir da Revolução Industrial e do Imperialismo Britânico. Neste momento, a despeito da importância da Inglaterra com o desenvolvimento dos esportes modernos e sua difusão pelos mares, eram os alemães que possuíam toda uma tradição de educação física. Inclusive fazendo parte da vida escolar desde o século anterior, onde a ginástica tinha o mesmo peso curricular que as matérias “intelectuais” tradicionais, como matemática e filosofia, por exemplo (Jesus, 2001b, p. 2). Essa tradição alemã não foi deixada de lado pelos imigrantes que vieram para o Brasil. Em todo o interior do Estado do Rio Grande do Sul são conhecidos os clubes alemães tiro e de ginástica. Em Porto Alegre não foi diferente, onde fundaram, em 10 de agosto de 1867, o Deutscher Turnverein (Sociedade Alemã de Ginástica, que em 1892 se tornaria o Turnerbund e em 1942 a SOGIPA) e, em 28 de março de 1869, o Deutscher Schützen Verein (Sociedade de Tiro Alemão, hoje Caixeiros Viajantes).4 Entre 4 Correio do Povo, 17 de abril de 1909. A bibliografia sobre os Atiradores Alemães é muito confusa e em muitos casos consta como fundação a data de 6 de dezembro de 1875. Como o clube não possui documentação em decorrência do incêndio de sua sede em 1966, preferimos dar crédito a nossa fonte. 16 outros importantes clubes desportivos, também fundaram o Ruder Club Porto Alegre (Clube de Remo), em 21 de novembro de 1888, o mais antigo do remo no Brasil. Devido ao contexto dos séculos XVIII e XIX, o caráter de nacionalidade teuta estava atrelado ao esporte, e mesmo no Rio Grande do Sul fundar uma sociedade ou um clube, independente do esporte, foi durante muito tempo uma forma de manter viva a cultura e unidade germânica, mesmo longe da terra natal. Neste contexto, a diferenciação entre clubes teutos ou não gerou muitos problemas a partir da Primeira Guerra Mundial, pelo fato destes não aceitarem sócios outros, que não tivessem origem teuta ou fossem casados com alguém de mesma origem. Podemos citar como exemplo o Turnerbund, que mesmo após 1918 mantinha a regra para aceitação de sócios que só sairia dos estatutos em decorrência da Segunda Guerra Mundial (Silva, 1997, p. 49). Em segundo lugar, podemos afirmar que, se o surgimento do futebol é filho da Revolução Industrial e sua difusão mundial é filha do imperialismo inglês (Jesus, 2001a), sua aceitação por parte dos mais diversos países ao redor do mundo tem a ver com o sentimento de “modernidade”5, no qual Porto Alegre também comungava. Como bem observa Sandra Pesavento (1999, p. 318), “em certa medida, toda época pode ser tomada como mudança e transformação”, contudo, “... das páginas dos jornais e revistas a crônica vem alinhar-se também para expressar esse ‘desiderato’ de ser e parecer moderno, que olha a cidade e vê nela a metrópole”. Esse parecia ser também o sentimento geral da população, fosse pelo advento da República, que ensejou a troca dos nomes das ruas; o advento da eletricidade na iluminação pública ou locomoção dos Bonds; a construção de novos edifícios em estilo art nouveau ou eclético, diferente dos prédios coloniais; ou ainda, a criação das primeiras escolas de ensino superior. As mudanças aconteciam em um ritmo nunca antes visto, e em cada novidade, cada mudança, ganhava força o discurso de que Porto Alegre estava se “modernizando” ou mesmo, “civilizando-se”. Era como se precisasse construir uma nova cidade, antítese da velha Porto Alegre do período colonial-imperial, onde a vida social praticamente inexistia. A rua, outrora local do trabalho e no século XIX e território de escravos, é que vai tornar-se o grande palco da nova “sociedade moderna”. 5 Por modernidade entendemos o conceito de Marshall Berman (1986), que foi citado por Sandra Pesavento (1999, p. 19) e Gilmar Mascarenhas de Jesus (1999a, p. 147), cujo conceito seria no sentido marxista de uma moderna sociedade burguesa, e é definida como sendo um ambiente propício para a adoção de mudanças transformadoras da sociedade, e, por conseguinte, da cidade, que é o palco da mesma. 17 No mesmo trabalho, Pesavento destaca o discurso da crônica, revelando o desejo e o sentimento de se viver uma vida social na qual as ruas eram o local para olhar e ser olhado. Como elas não pareciam suficientes, surgiam mais salões, cafés, clubes sociais e os esportes modernos. A mesma autora destaca que é, sem dúvida, um discurso “esnobe” que vai abusar de expressões estrangeiras, francesas ou inglesas, revelando sonhos e suspiros com metrópoles estrangeiras. E neste sentido, se alinhava um forte discurso progressista, que desejava uma metrópole, nova e moderna. Aos poucos, Porto Alegre vai mudando sua cara, derrubando quarteirões, levantando novos prédios ou mesmo reformando velhas fachadas, como aconteceu com o velho “arranha céus” de Porto Alegre, o antigo edifício Malakoff, inaugurado em 1860 em frente a praça XV de Novembro. Pois é aí que entra o foot-ball, que além do seu valor como atividade física esportiva, também tem seus jogos revestidos de caráter social. Um match era sem dúvida um grande evento noticiado nos veículos de comunicação da cidade e boa parte deles eram concluídos à noite, com bailes nos melhores e mais chics salões da cidade, que contavam sempre com a presença dos mais ilustres cidadãos da capital. Com efeito, acabamos de apontar duas motivações para Porto Alegre adotar o futebol, ao mesmo tempo em que podemos afirmar o motivo de seu retardo com relação às capitais vizinhas de Uruguai e Argentina: o desenvolvimento econômico. Os vínculos portenhos com a economia britânica e, portanto, sua maior inserção no Império Inglês, não tardaram a gerar frutos de ordem social. Estes vínculos engendraram uma importante colônia britânica em Buenos Aires e Montevidéu. Logo, sua adoção do foot-ball foi muito anterior ao Brasil. Além disso, era apenas mais um fator em meio a tantas novidades europeias e mesmo com relação a outros esportes. Podemos citar como exemplo o foot-ball rugby, ou simplesmente o rugby, irmão gêmeo do association, que chegou muito antes aos vizinhos, e ainda hoje é muito mais popular do que no Brasil, onde, em pleno século XXI, ainda cheira à novidade. Mesmo que não fosse no mesmo nível que o platino, as conexões de São Paulo, Rio de Janeiro ou mesmo Rio Grande com o Império Britânico explicam também a chegada do foot-ball poucos anos antes nestas localidades. Porto Alegre, apesar de capital do terceiro estado do país em produção industrial em 1907,6 era ainda periférica 6 Segundo Wilson Cano (1977), o Rio Grande do Sul perdia por menos de três pontos percentuais para São Paulo em 1907. 18 às pretensões imperialistas inglesas, e deve a adoção do foot-ball aos dois fatores destacados anteriormente. Frente ao exposto, parece importante lembrar como exemplo a relevância do futebol para a população atual de Porto Alegre, já que poucas cidades no mundo possuem dois clubes campeões mundiais. Ela não apenas é uma das duas do país, como foi a primeira a possuir tal distinção. Por si só, esta peculiaridade da capital gaúcha denota o empenho, a dedicação e a importância que o futebol historicamente tem para seus habitantes. Entretanto, muito antes deste elevado patamar esportivo ser alcançado, o futebol porto-alegrense já contava com uma história própria, cujo desenvolvimento posterior não podia ser previsto. Para a historiografia, a partida realizada na Redenção em 7 de setembro de 1903 é o “marco inicial” do esporte na cidade e teria apenas a importância de incentivar a criação dos dois clubes citados. Desse modo, há uma lacuna até a fundação do Sport Club Internacional, em 1909. Arlei Sander Damo e Gilmar Mascarenhas de Jesus7 reconhecem o lapso, sem dar a merecida atenção ao período. Ao contrário, achamos deveras importante estes seis anos, período em que surgiram diversos clubes, que tiveram suas histórias silenciadas por uma historiografia voltada sempre para Grêmio e Internacional, que parecem ser os únicos projetos esportivos que a cidade já teve. Portanto, o objeto deste trabalho é composto por um conjunto de clubes organizados inicialmente, em sua maioria, por pessoas oriundas das classes mais abastadas da cidade e, a partir de 1909, por um coletivo bem maior da sociedade portoalegrense, o qual também pretendemos distinguir. Pelo trabalho aqui desenvolvido, não temos dúvida de que a quantidade de clubes citados nas páginas do Correio do Povo ou A Federação comporta não apenas clubes identificados com esta elite, como também clubes de operários, caso do Club Fuss-Ball Juventude Operária, ou de origem negra, a exemplo do Foot-Ball Club Rio-Grandense. A priori, uma pesquisa sobre a chegada e o desenvolvimento do foot-ball em Porto Alegre pode parecer tratar apenas dos tradicionalmente conhecidos rivais, Grêmio e Internacional. Porém, é importante destacar que nem mesmo ambos chegaram a possuir algum tipo de exclusividade ou monopólio de informações nos noticiários dedicados ao esporte bretão. Nem mesmo o foot-ball possuía esta distinção, como nos 7 Ver Damo (2002, p. 65) e também Jesus (2001a, p. 219). 19 noticiários esportivos de hoje. Pelo contrário, a dupla “Gre-Nal” dividia espaço nos periódicos com pelo menos outros cinco clubes, que totalizando sete foram justamente os fundadores da Liga de Foot-Ball Porto-Alegrense, em 1910, além de mais de duas dezenas de clubes que fundariam nos anos seguintes outras ligas. Deste modo, é importante afirmar nosso interesse nos desconhecidos clubes de negros, de mestiços, de imigrantes poloneses, espanhóis, alemães pobres ou ricos e mesmo os formados por elementos que, ainda que fossem brancos, não satisfaziam o perfil econômico-social dos sete elitistas clubes da liga. Falaremos, portanto, de outros projetos da elite que poderiam ter suplantado Internacional e Grêmio, como o Fuss-Ball Club Porto Alegre, que teve seu nome alterado por ocasião da Primeira Guerra Mundial para Foot-Ball Club Porto Alegre ou ainda o Fuss-Ball Manschaft Frish Auf, clube que fechou as portas em 1917, devido às agressões sofridas por seus atletas em meio à mesma guerra (Silva, 1997, p 51). Clube, aliás, que motivou a aquisição por parte da SOGIPA (na época Tunerbund) de sua atual sede no bairro São João. O que podemos dizer então a respeito da história dos clubes da “Liga da Canela Preta”? Como teriam os negros ou mestiços, fundado um clube de football em uma época em que os dois únicos clubes da cidade eram quase que exclusivamente para alemães e seus descendentes? Será mesmo que a última barreira do preconceito foi quebrada somente em 1952 com a contratação do primeiro atleta negro pelo Grêmio? E ainda, não podemos negar que o número expressivo de agremiações e, por sua vez, de pessoas praticantes do foot-ball citados nas páginas dos periódicos investigados compõem na década de 1910 uma amostra relevante da importância que a capital do Rio Grande do Sul dava ao sport inglês. *** Alguns procedimentos metodológicos: Esta pesquisa, intitulada “O FOOT-BALL DE TODOS: Uma história social do futebol em Porto Alegre, 1903-1918”, caracterizou-se por adotar uma abordagem qualitativa, tendo como propósito a descrição, compreensão e interpretação da questão investigada: a apropriação do futebol pela sociedade porto alegrense do início do século XX. Segundo Bogdan & Taylor (1992, p. 21), “... na metodologia qualitativa o investigador vê o ‘cenário’ e as pessoas envolvidas, através de uma perspectiva ampla. 20 As pessoas, os grupos, não são reduzidos a variáveis, são antes considerados como um todo. O pesquisador qualitativo estuda as pessoas e os eventos dentro do contexto de seu passado e suas consequências para realidade atual”. Ainda de acordo com esses autores, existe na pesquisa qualitativa uma identificação do pesquisador com seu objeto de estudo, e só assim é possível compreender o evento, as pessoas envolvidas no evento e a tradução para a realidade a sua volta. As principais fontes de pesquisa foram dois periódicos, o Correio do Povo e A Federação. O primeiro é um pioneiro jornal que se apresenta sem vínculos partidários, com destacada preocupação com a difusão cultural. Podemos dispor de alguns períodos de 1901 a 1905 e de 1913 a 1918; a exceção dos meses de abril, maio e junho de 1910, tivemos acesso a todas as edições de 1909 a março de 1912. As lacunas infelizmente não puderam ser superadas com as visitas à Biblioteca Nacional no Rio de Janeiro, ao Museu de Comunicação Social Hipólito José da Costa e ao acervo do próprio jornal ainda em circulação. O segundo é um jornal político ligado ao Partido Republicano Rio-Grandense (PRR), portanto oficialista. Foi totalmente analisado entre os anos de 1903 a 1918 com base no acervo digital disponibilizado pelo site da Biblioteca Nacional. Por fim, podemos citar a revista Máscara, entre os anos de 1918 e 1919, publicada em Porto Alegre e com interessante cobertura esportiva, apesar de não exclusiva ao tema. Fac similes de documentos do Grêmio reproduzidos em duas coleções sobre sua História (Bordin e Devinar, 1969), que, além disso, nos forneceram a interpretação do clube para os mesmos eventos documentados. Destacamos também a cópia do Rio Grande do Sul Sportivo de 1918, fornecido pela Biblioteca da FECI (Fundação de Educação e Cultura do Internacional). Neste sentido, lamentamos apenas que as atas do Sport Club Internacional não sejam disponibilizadas, assim como o memorial da SOGIPA acabou não nos recebendo com a justificativa de que o espaço está passando por algumas alterações na medida em que se está digitalizando o acervo. Obtidas as informações pretendidas sobre cada momento pesquisado, foi realizada a análise do resultado. Na interpretação desses resultados coletados, foram utilizadas análises contextuais, pretendendo interpretar a compreensão do fenômeno investigado, abordando, três focos: 21 1) Desmontagem das fontes: denominado de processo de unitarização, em que foram examinados os materiais em seus detalhes, fragmentando-os no sentido de atingir unidades constituintes. 2) Estabelecimento de relações: denominado de categorização, que implicou construir relações entre as unidades de base, combinando-as e classificando-as no sentido de compreender como esses elementos unitários podem ser reunidos na formação de conjuntos mais complexos. Neste trabalho, foram emergentes: a forma como a sociedade porto-alegrense entra em contato com o futebol, o desenvolvimento lento do esporte durante os primeiros anos, o grande desenvolvimento do futebol a partir de 1909, as relações entre os clubes a partir de então e seus primeiros reflexos em setores da sociedade, como na política no comércio. Esse processo se insere na construção de novas compreensões em relação aos fenômenos investigados. As categorias são partes daquilo que emerge no processo analítico. 3) Capitando o novo emergente: pretendeu a construção de metatextos analíticos, que expressaram os sentidos lidos de um conjunto de textos. A intensa impregnação nos materiais da análise desencadeada pelos dois estágios anteriores, possibilitou a emergência abdutiva ou intuitiva de uma compreensão renovada do todo. Esse processo representou um esforço em explicitar a compreensão resultante de uma nova combinação dos elementos construídos ao longo dos passos anteriores, dando origem aos capítulos: – The good, the bad and ugly, – O foot-ball desembarca em Porto Alegre para andar de velocípede, – O boom de 1909 e a Liga de Foot-Ball Porto-Alegrense e – Brigas & dissidências, dinheiro & política, Grêmio & Inter. Esperamos também que as próximas páginas venham contribuir para a reflexão de uma época em que o futebol era ainda o foot-ball apenas com sobrenomes, independente da origem: alemã, italiana, espanhol ou mesmo portuguesa; onde ao final dos jogos mesmo os perdedores eram saudados e convidados para saraus ou bailes em requintados clubes da elite; ou que, mesmo sem a sofisticação elitista, não deixavam de comemorar, brindando com um efusivo copo d’água. Enfim, o que foi transcendental. Dado o pontapé inicial, comecemos ... 2 THE GOOD, THE BAD AND THE UGLY “A imaginária comunidade de milhões parece mais real na forma de um time”. Eric Hobsbawm Se as críticas de Claudio Lomnitz a Benedict Anderson estiverem corretas quanto ao fato de que todas as comunidades são imaginadas (Lomnitz, 2001), talvez seja impossível classificar determinada comunidade como sendo mais imaginada que outra. No entanto, nos atrevemos a dizer que a “nação gaúcha” tem um lugar especial neste mundo imaginário de Nações. Não queremos negar as diferenças culturais entre os “Estados” brasileiros, tampouco alguma reinvindicação de nacionalismo periférico, senão objetar uma matriz cultural “gaúcha” que cobriria a totalidade do território do estado do Rio Grande do Sul, e, principalmente, a distinção do “gaúcho herói” e sua valentia, transpostas ao mundo do futebol, como se conhece em todo o país. É difícil perceber como um território com, pelo menos, quatro regiões de matriz culturalmente diferentes (duas regiões coloniais, com predominância de matriz teuta e outra itálica, mais a região da campanha e a metropolitana), justifica uma unidade em termos nacionais dentro do território citado. Também não se quer, aqui, abrir espaço para um debate antropológico, queremos apenas demonstrar brevemente como aproximaram-se o gaúcho mitológico e o futebol. Gostaríamos de destacar uma pequena historiografia de exaltação do “gaúcho”, que, por sua vez, foi responsável pela legitimação de uma nacionalidade periférica a brasileira. A obra do Visconde de São Leopoldo como testemunho histórico descrevendo as guerras da capitania, associada ao romantismo na valorização das questões nacionais e regionalistas, serviram de fonte e inspiração para uma geração de jovens sulriograndenses estudantes de direito em São Paulo da década de 1870. Republicanos que eram, também fez parte de sua intensa propaganda política glorificar a República Rio-Grandense. Por sua vez, iniciaram um processo de transformação do “rio-grandense” em “gaúcho”. Nomes como Alfredo Varela, Assis Brasil, Ramiro Barcellos e Alcides Lima, escreveram a história da província destacando suas diferenças quanto ao restante do Brasil e de uma forma maniqueísta, como caracterizava o próprio romantismo. Esta 23 mesma geração foi responsável pela fundação do PRR (Partido Republicano RioGrandense), sendo duplamente vitoriosos em sua terra natal, com a Proclamação da República e na Revolução Federalista. Por conseguinte, passaram a dar as cartas não apenas na política, mas também viraram referência da História do Rio Grande do Sul. Suas obras tiveram grande influência nos fundadores do IHGRGS (Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Sul), em 1920, inclusive um dos importantes nomes dessa geração teria grande importância nesta realização, o Presidente do Estado do Rio Grande do Sul, Borges de Medeiros. O IHGRS prosseguiu suas apologias à guerra de 1835 e ao gaúcho, com inúmeras publicações sobre o tema em seu periódico, culminando nas comemorações do centenário farroupilha. Com o apoio governamental ao IHGRS, essa historiografia tornou-se oficializada. Todos estes trabalhos exerceram uma decisiva influência na obra: Populações Meridionais do Brasil – O Campeador Rio-grandense de Oliveira Viana (1952). São raras as exceções dentre as citações de Oliveira Viana, que não remetam aos “advogados historiadores” riograndenses de 1870. Publicada em 1952, a obra tem a intenção de mostrar que o homem do sul, mais especificamente o “gaúcho”, é dotado de virtudes que o permitem governar o Brasil com pulso firme, levando ao seu desenvolvimento. Estes homens, pela sua história de lutas, são forjados para capitanear o desenvolvimento da pátria nacional, diferente do matuto do centro do país ou o boiadeiro nordestino (os outros homens típicos brasileiros). É evidente que uma das intenções de Oliveira Viana era exaltar o governo Vargas, e, principalmente, o autoritarismo como via de desenvolvimento nacional. Mesmo assim, não podemos chamá-lo de oportunista, pois desde o primeiro volume de Populações Meridionais do Brasil (1918), já estavam claras suas ideias, o que tornou o apoio ao governo Vargas uma consequência. Reparemos em sua obra ... É curioso notar os adjetivos usados para descrever o homem do Rio Grande do Sul: resoluto, destemido, bravo, corajoso, preocupava-se com o interesse coletivo, o gaúcho é um tipo robusto e sadio, guerreiro por educação e índole, confiante, valente e seguro da sua invencibilidade (Viana, 1952). A obra de Oliveira Viana nos parece o corolário desta historiografia enaltecedora do homem típico do Rio Grande do Sul, acabando por definir para todo o país uma personalidade diferenciada dentro do território brasileiro, criando uma identidade própria e homogeneizante de todo o homem 24 nascido no estado, independente de sua região, colonial ou metropolitana. Também não parece coincidência o surgimento, na mesma época, do primeiro centro de tradições gaúchas (CTG), o que talvez seja, também, consequência de uma época de definições simbólicas nacionais, no caso regional. Para nós, o que importa de toda exaltação de Viana é a forma como a figura mitológica do gaúcho ligou-se tão harmoniosamente ao futebol do Rio Grande do Sul, ou melhor, a sua imagem. Se no final do século XIX, e boa parte do século XX, o homem do extremo sul brasileiro foi reconhecido como o homem da guerra, no século XXI ele é ainda reconhecido deste modo, contudo seu campo de batalha, agora, são os fields do futebol. Seja na grande mídia ou em conversas de botequim, o conceito de “futebol gaúcho”8 traz consigo algumas palavras, expressões; enfim, alguns sensos comuns. Eles não apenas circulam no Rio Grande do Sul, como fazem eco em todo o Brasil, definindo um conceito de futebol distinto do restante da federação. Oliveira Viana fala da natureza, geografia, organização social, mentalidade coletiva. Então poderíamos trazer estes conceitos para o futebol, e dizer, com base no pensamento do autor, que no estado mais meridional brasileiro se pratica um futebol diferente. Além disso, como o Rio Grande do Sul foi associado ao clima e à população europeus como forma de marcar um contraponto cultural ao Brasil, definido por meio do clima tropical e da miscigenação racial, a lógica é associar o futebol gaúcho a sua colonização europeia e ao seu clima subtropical, mais próximo do europeu. E tanto no Rio Grande do Sul quanto na Europa o futebol possui características de espírito de luta, obrigação de ganhar, e o uso racional da força para alcançar a vitória. Organização coletiva contra a individualidade. Por sua vez, essa mesma geografia do pampa teria dado as mesmas características europeias ao futebol platino. Assim, como existe o gaúcho existe o gaucho. Uma versão platina e outra rio-grandense do futebol-força europeu. Tudo explicado com uma lógica simples e de fácil assimilação, que usa a geografia, aspectos culturais e políticos. Trata-se de uma noção essencialista da identidade regional transposta para o futebol (a alma do futebol – “raça” e virilidade, por oposição ao futebol brasileiro marcado pela “malemolência”, técnica e habilidade). Na medida em que o tempo passa e estamos cada vez mais distantes dos conflitos bélicos do passado, a mitologia básica do Rio Grande do Sul mantém-se viva e reproduz-se na medida em que o futebol “... 8 Para uma melhor análise da possibilidade ou não da existência de um futebol gaúcho ou rio-grandense e/ou sua constituição ver Damo (2002). 25 opera como aglutinante: es fácil, universal y televisivo”. (Sarlo, 1998 citado por Alabarces, 2002). O movimento de aproximação do futebol com o mítico gaúcho se dá apenas naquele momento que acabamos de chamar de corolário historiográfico, quando, nos anos 50, o habilidoso futebol da equipe do Internacional perde espaço para o futebol força do Grêmio, ao iniciar um trabalho forte e pioneiro no Rio Grande do Sul de preparação física, fazendo o casamento definitivo entre a nação gaúcha e o futebol para o surgimento do “Futebol Gaúcho”, tal como o conhecemos hoje. Entretanto, a junção de ambos foi escanteada para lá dos anos 50 também em virtude da falta de espaço para esse “gauchismo”, tendo em vista outros projetos nacionais que surgiram ao longo dos anos influenciados principalmente por questões políticas, como a proclamação da República, Primeira e Segunda Guerras Mundiais. Também Gerson Fraga e César Guazzelli, em trabalhos diferentes, acreditam na mesma data e justificam que o espaço dado para a possibilidade de nascimento de um “estilo gaúcho” se deu a partir da derrota na Copa de 1950.9 Concordando com esta visão, acreditamos que um futebol gaúcho só poderia nascer depois de um futebol brasileiro, portanto em oposição ao último. Não faremos aqui um debate desta historiografia e suas pretensões de uma pseudo-nacionalidade gaúcha. Sendo os primórdios do futebol da capital do Rio Grande do Sul nosso objeto de estudo, trataremos do nascimento de uma parte deste futebol gaúcho. Nosso trabalho será de mostrar que os primórdios do futebol em Porto Alegre não tem relação com o atual “futebol gaúcho”, tampouco com o “futebol brasileiro”. Foi algo desconhecido o que chegou ao país no final do século XIX, modelando-se ao longo do século XX. Por isso, achamos que o foot-ball de 1900 não é o mesmo futebol de 2000. *** Os clubes de futebol, tais como os conhecemos hoje em dia, são resultado de um processo que inicia com a chegada do esporte ao país e a fundação das primeiras 9 Guazzelli (2000) e Fraga (2009). Neste mesmo trabalho, Fraga faz uma discussão sobre o panorama intelectual brasileiro e suas diversas influências. Com a pretensão de compreender o país, essa intelectualidade foi responsável por incutir uma série de sentimentos nacionais que ainda hoje fazem eco na população e que consideramos importante no contexto político da primeira metade do século XX, por não dar brecha para o crescimento de um regionalismo gaúcho. 26 sociedades dedicadas ao esporte no Brasil, todavia seu desenvolvimento passa principalmente pela profissionalização do futebol, a aceitação de negros (última barreira para a aceitação de pobres nos clubes elitistas do inicio do século XX) e o apoio político aos clubes e ao esporte, onde a Copa do Mundo de 1950 é um grande paradigma. Por sua vez, agremiações do início do século que possuem grandes torcidas, como o caso da dupla Gre-Nal, não aceitavam pobres e negros em suas fileiras, e hoje se vangloriam de possuir a maior torcida do Rio Grande do Sul. O passado excludente e elitista desta dupla é sempre que possível suprimido ou minimizado em suas publicações oficiais. Ao mesmo tempo, clubes populares de Porto Alegre não apenas desapareceram dos campos de futebol como também suas histórias, como é o caso do Foot-Ball Club Rio-Grandense, fundado em 1907, e o Sport Club Ruy Barbosa, de 1915. A “Nação Tricolor” (Grêmio) e a “Nação Colorada” (Internacional) formaram-se ao longo do século XX, e não com a fundação dos dois clubes. Para além daquilo que os olhos contemporâneos não vêem nessa evidência, é que eles não eram os únicos projetos esportivos ligados ao futebol em Porto Alegre, e, para derrotar os demais, precisaram criar suas nações de torcedores. Olhando seu passado, pretendemos demonstrar que ambos possuem uma História de tradições inventadas nos moldes do conhecido trabalho de Eric Hobsbawm e Terence Ranger10, já que nos primórdios do futebol em Porto Alegre sequer Grêmio e Internacional pretendiam tornar-se populares como veremos. A intenção deste trabalho foi analisar os primórdios do futebol no Brasil, e acreditamos que não se pode tratar deste assunto sem problematizar três questões colocadas à sociedade brasileira, no caso, a Porto Alegre. A questão étnica da sociedade brasileira do pós-abolição. A questão social, onde as diferenças entre uma classe ilustrada e a massa de população, que sobressaía apenas nas páginas policiais, protagonizaram diversos conflitos durante a República Velha. E por último, a questão nacional em uma sociedade recheada de imigrantes, e, em determinando momento, sob a influência da Primeira Guerra Mundial. Todas questões envolvendo a constituição de uma identidade nacional brasileira, sob a nova ótica republicana e recheada de conflitos do dinamismo social desta conjuntura. 10 Por “tradição inventada” entende-se um conjunto de práticas, normalmente reguladas por regras tácitas ou abertamente aceitas; tais práticas, de natureza ritual ou simbólica, visam a inculcar certos valores e normas de comportamento através da repetição, o que implica, automaticamente, uma continuidade com o passado (Hobsbawm e Ranger, 2008). 27 Para pensarmos nos primórdios do futebol em Porto Alegre, antes, são importantes duas ressalvas. É fundamental que se trabalhe com o início do futebol no Brasil, no âmbito da cidade. É em cada cidade que o futebol tem de vingar inicialmente, conquistando adeptos, para que, por último, chegue ao reconhecimento de uma importância regional (estadual), e posteriormente nacional. As inúmeras obras que tratam da história do futebol brasileiro a partir de Charles Müller em São Paulo ou Oscar Cox no Rio de Janeiro, escritas em sua maioria por jornalistas destas cidades, não têm o mesmo mérito que a recente historiografia que trata do futebol regionalmente. Com efeito, discordamos de qualquer “História do Futebol Brasileiro” a partir de Muller ou Cox.11 O futebol no Rio Grande do Sul, na Bahia, em Pernambuco, apenas para citar alguns exemplos, nada deve ao que aconteceu no Rio de Janeiro ou em São Paulo. Nestes três estados, sua origem é estrangeira, tanto quanto nos dois tradicionalmente citados. Existem especificidades que merecem ser observadas, mesmo que se desenvolva posteriormente, porém, de forma independente e, por vezes, nos mesmos padrões destes, com um membro da elite local introduzindo o esporte depois de alguns anos de estudo no exterior, onde tomou conhecimento do foot-ball. Em muitos casos, não existe nem mesmo uma relação de origem com cidades do mesmo estado. Um bom exemplo é o da pioneira agremiação do Rio Grande do Sul. Johannes Minnemann, idealizador do Sport Club Rio Grande (1900), da cidade de mesmo nome, não tinha nenhuma relação, ele ou o seu clube, com Santana do Livramento, onde é fundado o Sport Club 14 de Julho (1902). É possível que nem mesmo o futebol de Livramento tenha relação com Quaraí, cidade próxima, onde o Sport Club Quarahy já realiza em 1903 uma partida internacional contra o San Eugenio Atletic Club, da vizinha cidade de Artigas no Uruguai.12 Quanto aos dois últimos casos, a influência na adoção do esporte deveu-se pela vizinhança contígua uruguaia, portanto, sem nenhum vínculo com Rio Grande, onde um imigrante foi o responsável por sua introdução, e menos 11 Neste caso, discordamos de que de fato exista um futebol brasileiro tendo em vista não apenas um surgimento diferenciado em cada região como também uma gestação diversa. Porém o sentimento de apoio ao futebol da seleção nacional (mesmo que não tivesse representantes de muitas regiões) nos parece ser o responsável pelo nascimento de tal expressão convertendo o futebol que se praticava no Rio de Janeiro e em São Paulo como símbolos de todo o país. Portanto, o movimento não seria de um futebol que representasse uma nação, mas sim uma equipe que usando a camisa nacional passou a simbolizar o futebol do Oiapoque ao Chuí. 12 A Federação, 21 de setembro de 1903. 28 ainda com as cidades de São Paulo, Rio de Janeiro ou Salvador, onde a implementação do association deveu-se a um estudante.13 A segunda questão, em parte está explicada na primeira. Se nestes locais o futebol tem um desenvolvimento independente, ele pôde produzir características peculiares, consequentemente cada local o interpretará a seu modo, mesmo que tenha regras definidas desde 1863. Um exemplo destas singularidades são os jogos em Porto Alegre, que duravam 80 minutos, ao invés dos 90, como manda a regra. Neste caso, estamos de acordo com Gerson Fraga ao destacar sua posição: “[...] entendemos que não há somente um surgimento do futebol no Brasil, entendido como fenômeno singular, único, mas sim a existência de diversos ‘futebóis’ [...]” (Fraga, 2009, p. 152). Entretanto, fizemos uma escolha diferente do que o autor destacou na sequência. Ele afirma “... que em sua origem, ao menos três matizes diferentes são possíveis de serem verificados através dos estudos já realizados: o futebol da elite (...); o futebol da fábrica, (...); e ainda o que podemos chamar de ‘futebol malandro’, surgido nas ruas...” (Fraga, 2009, p. 152). Não discordando desta afirmação, pretendemos dar atenção para os diferentes “futebóis”, através de outro viés. Olharemos com especial atenção para negros, imigrantes e a elite. 2.1 Etnia De acordo com Francisco Teixeira da Silva, desde os autores românticos do século XVIII europeu, “... acostumou-se a forjar identidades nacionais e psicológicas de massa capazes de identificar um povo consigo mesmo. Assim, cabia ao alemão a disciplina e o amor à ordem; aos ingleses, o espírito mercantil e as práticas de autogoverno; aos franceses, a jolie de vivre e o amor à liberdade...” (Silva, 2006, p. 287). Muitos autores, de Hegel até Ranke, passaram a afirmar que os povos incapazes de forjar tais assinaturas, a um mesmo tempo, sociais e psicológicas de forma coletiva, estavam fadados a não desempenhar qualquer papel na História. Assim, sob o viés culturalista e romântico, ainda em voga na expansão das ideologias radicais do início do século XX, acreditava-se que um povo para se afirmar, 13 Segundo Jesus (2001a), a geografia tem papel importante assim como o sistema colonial que mantinha um certo isolamento entre as regiões. No entanto, temos dúvida se realmente o Brasil seria exceção com relação às cidades desenvolverem o futebol de forma independente. Acreditamos que o mesmo pode ter acontecido em outros tantos países como a Espanha, por exemplo, onde Barcelona e Bilbao têm histórias tão distintas como Rio de Janeiro e São Paulo. 29 no concerto das nações, deveria ser, necessariamente, um portador de cultura própria, capaz de identificá-lo no conjunto harmonioso das nações. Na história brasileira, muitos de nossos intelectuais procuraram, nas primeiras décadas do século passado, estabelecer a especificidade da cultura brasileira, procurando “rastrear” o significado, enquanto identidade do ser brasileiro, sua natureza e seu sentido. O mito do “homem cordial”, o brasileiro como um “povo pacífico”; a democracia racial, com sua negação da exclusão racial, e, depois, social, ambas intimamente imbricadas; bem como o sentido maior da fundação do Brasil, enquanto empresa mercantil do colonialismo lusitano; todas questões relevantes que estiveram como fundamentos de nossa “assinatura” chamada “brasilidade”. A apresentação da recente edição do livro de Mário Rodrigues Filho (2003), o professor Francisco Teixeira da Silva, insere o Negro no Futebol Brasileiro nesse contexto, destacando que “... esse livro, inscreve-se, muito justamente, como talvez a última, a mais tardia e mais democrática, das explicações de Brasil, buscada desta feita, não na história secular do país, mas na capacidade do povo, e em especial dos negros brasileiros, em apropriar-se de complexos culturais europeus e reproduzi-los enquanto marcador original da cultura brasileira”. Rodrigues Filho escreve sobre a apropriação do futebol europeu, britânico, em suas origens, e sua reinvenção pelo negro brasileiro, agora como parte da resistência cultural, rompendo com as regras das elites nacionais, abrindo as portas das equipes de futebol para o povo e conquistando para sempre o coração de todos os brasileiros. Ele escreve sobre a formação da identidade nacional, definindo a contribuição do negro brasileiro ao futebol e conferindo uma interpretação sobre o Brasil, talvez até ousada para a época de sua publicação, 1947, mas que buscava entender o que fazia e faz o Brasil ser brasileiro. Ao lado das teses sobre a miscigenação racial, a onipresença do latifúndio ou a cordialidade brasileira, o referido autor buscou no negro brasileiro um jeito, uma “ginga”. Um toque que fez do futebol duro e violento dos europeus uma arte alegre e feliz. Assim, em todo o mundo identifica-se, hoje, uma “escola” brasileira de futebol, marcada pelo drible, a ginga, a “pedalada”, imortalizando a contribuição do negro para um dos aspectos da cultura brasileira que mais nos distingue no mundo contemporâneo. Contudo, Antônio J. Soares critica boa parte da produção brasileira sobre o futebol, incluindo muitos trabalhos acadêmicos, que usam O Negro no Futebol 30 Brasileiro como fonte segura de uma história formulada em três fases: “O primeiro momento narra a chegada do futebol e enfatiza a segregação dos negros e dos pobres, o segundo relata suas lutas e resistências e o terceiro descreve a democratização, ascensão e afirmação do negro no futebol” (Soares, 2001, p. 13). Sem a investigação que merecia, veio o problema que é a repetição do modelo criado por Rodrigues Filho, tido como verdadeira, apesar de escrita com a “... criatividade de um prosador para escrever crônicas romanceadas sobre o futebol brasileiro” (Soares, 2001, p. 16). Acreditamos que pensar nos primórdios do futebol em Porto Alegre com uma atenção especial aos grupos étnicos que dele se apropriavam ajudará a desfazer duas importantes questões. A primeira é justamente aquilo que Antônio Soares chamou de “primeiro momento”, tendo em vista que já havia um clube de negros no período em que duas agremiações identificadas com a comunidade teuta da cidade praticamente monipolizavam o esporte. Dessa forma, pretendemos mostrar que a segregação modelar na obra de Rodrigues Filho rompe barreiras muito cedo na capital do Rio Grande do Sul. A partir disso, a segunda questão é a inserção deste trabalho naquilo que certa historiografia intitulou de “protagonismo negro no período pós-abolição”, diferente também de uma historiografia com “... abordagens generalizantes, nas quais os negros eram (des)classificados de párias, seres anômicos, sociopatas e alienados” (Domingues, 2009). E ainda com relação a Antônio Soares (2003, p. 155 citado por Fraga, 2009, p. 114), diferente daquilo que mostrava a contribuição negra ao país relacionada somente com a capoeira, astúcia e manha, aspectos que casaram perfeitamente com futebol. Trataremos, aqui, de um período anterior à fundação da Liga Nacional de FootBall, também conhecida pelo pejorativo: “Liga da Canela Preta”. Embora a carência de fontes citada por de Gilmar Mascarenhas de Jesus (1999a), justificada com as enchentes de Porto Alegre, que teriam sido responsáveis pela destruição de importante material produzido por ela ao longo de sua história, acreditamos que este trabalho revelará importantes informações a respeito daquilo que chamamos de “Pré-História da Liga da Canela Preta”. Mesmo não se tratando de discussão nova na historiografia, tampouco se dedicar especificamente ao assunto, é possível afirmar a importância deste trabalho por revelar um protagonismo pioneiro naquilo que se refere aos esportes modernos em Porto 31 Alegre. Por conseguinte, a exclusão destes clubes dos círculos esportivos da elite branca também poderá ser observada, o que contribuirá para uma maior visibilidade deste conflito social. Uma destas agremiações já consta na pequena historiografia sobre o futebol em Porto Alegre. Seu nome é o Foot-Ball Club Rio-Grandense, fundado pelo pai de Lupicínio Rodrigues entre outros importantes nomes de uma parcela da população negra que começava a ganhar destaque social no início do século XX. Na metade da década de 1910, com o surgimento de outros clubes de futebol dessa comunidade negra e somado a não aceitação de negros pelas ligas existentes até então, resultou na fundação de sua própria liga, em 1920, chamada curiosamente de Liga Nacional de Foot-Ball, que recebeu o epíteto de “Liga da Canela Preta”. A justificativa do nome é que a liga oficial da cidade era formada por clubes “europeus”, devido à predominância de sobrenomes alemães, italianos e de outras etnias da Europa (Jesus, 1999a). Neste caso, fica clara a tentativa desta comunidade negra portoalegrense, excluída da prática do futebol, de procurar sua forma de inserção na sociedade brasileira do pós-abolição através do esporte. Também a escolha do nome de sua associação, logo após a Primeira Guerra Mundial, não deixa dúvida quanto à influência do debate nacional sobre esta comunidade e a escolha do nome: Foot-Ball Club Rio-Grandense se insere no mesmo debate, porém sob a autoridade de um período anterior. O nome é a primeira identidade de qualquer coisa: pessoa, objeto lugar e também de um clube. Normalmente, ao batizar algo, a escolha do nome é pensada a partir de seu significado, com a intenção de incutir-lhe determinados valores. Neste caso, é importante que se diga que assim como ele, foram batizados exatamente com o mesmo nome outras duas sociedades dedicadas ao futebol no Estado. O primeiro fundado na cidade do Rio Grande, em 1909, e o segundo em 1911, na cidade de Santa Maria. Ambos ainda existentes e pertencentes à elite das cidades, portanto, clubes de brancos. Logo, a agremiação porto-alegrense é a primeira a adotar este nome, o que sugere, no mínimo, uma aproximação com os valores da “pátria dos gaúchos”. Parece no mínimo curioso que os três clubes são anteriores à Primeira Guerra Mundial, o que, de certa forma, vai ao encontro daquilo que falaremos sobre a nacionalidade brasileira ser colocada como ordem do dia a partir a Primeira Guerra Mundial, também no mundo futebolístico da cidade. Em Porto Alegre, fica evidente o batismo de clubes a partir de uma simbologia brasileira com o advento da guerra, 32 inclusive substituindo as referências regionais. Muito provavelmente, se não fosse a guerra, agremiações como Tiradentes ou Ipiranga teriam outros nomes. A questão parece estar no desenvolvimento da sociedade negra do período pósabolição e o movimento que ela faz no sentido de adotar hábitos de uma elite branca. Sendo o foot-ball uma atividade estrangeira, uma novidade para todos, é fácil imaginar que essa comunidade negra em ascensão colocaria sob sua mira as mesmas atividades sociais. Também é claro que essa população teria muitas dificuldades para adquirir uma embarcação ou velocípedes, e por isso não encontramos sociedades negras de ciclismo ou remo, dois dos esportes mais praticados nos primeiros anos do século XX. Sendo o foot-ball o esporte mais acessível, é indiscutível sua escolha. Entretanto, estas obviedades não revelam de que forma esta comunidade, tida por uma elite branca como semi-bárbara, tomou conhecimento do esporte. Talvez a proximidade da Colônia Africana com a cancha do Grêmio Porto-Alegrense? Talvez sua inserção junto à comunidade teuta como descreve Marcus Vinicius Rosa?14 Mas para além destas hipóteses, nos interessa primeiro descobrir o alcance do esporte a esta parcela da sociedade, o que ajudará a responder a estas questões, bem como poderá revelar o protagonismo de uma parte da comunidade negra porto-alegrense. 2.2 Elite Em Nações e Nacionalismo, Hobsbawm (2013) descreve que entre as guerras mundiais o futebol tornou-se uma expressão de luta nacional, com seus esportistas representando seus Estados ou nações. Justamente o período em que é criada e instituída a Copa do Mundo. Como bem declarou o autor, “ o que fez do futebol um meio único, em eficácia para inculcar sentimentos nacionalistas, quase de todo modo só para homens, foi a facilidade com que até mesmo os menores indivíduos políticos ou públicos podiam identificar como nação, simbolizada por jovens que se destacavam no que praticamente todo homem quer, ou uma vez na vida terá querido, que é ser bom naquilo que faz” (Hobsbawm, 2013, p. 197). O indivíduo, mesmo aquele que apenas torce, torna-se o próprio símbolo de sua nação. 14 Para negros que falavam alemão em Porto Alegre ver Rosa (no prelo). 33 Seria o advento do futebol, uma mola propulsora ao entendimento desse fenômeno que é a identificação profunda de um povo, como o brasileiro, na qual seus times ou sua seleção tem papel preponderante? Acreditamos que sim, e se faz importantíssima a análise dos primórdios dos esportes modernos no Brasil, por se tratar de elementos exógenos adotados pela elite local, sob a influência do século XIX inglês. Ao expandir seu comércio internacionalmente, diversos aspectos culturais viajaram pelos oceanos junto com os cidadãos britânicos como é o caso do foot-ball que é, portanto, produto do imperialismo inglês. O futebol, como agente agregador, se constrói essencialmente pelo alto, no meio da elite, e também não pode ser compreendido sem ser analisado no meio em que se propaga, em classes de trabalhadores, onde o futebol irá auxiliar as pessoas comuns a transmutar através de cada partida, suas suposições, seus anseios, suas esperanças, suas expectativas, suas necessidades. A invenção do association foot-ball é parte de um movimento burguês no sentido de apropriar-se do folk foot-ball na Inglaterra15, dotando-o de regras, e, assim, o transformando em um dos esportes modernos. Contudo, já no final do século XIX, segundo Hosbsbawn16, era símbolo da nova classe operária industrial que já passava a tratá-lo como uma identificação da classe ao se reapropriar do esporte. Neste sentido, o movimento, temporalmente separado, é o mesmo que ocorre no Brasil: adotado pela burguesia, torna-se símbolo das classes baixas. E para pensar nisso, talvez possa ajudar uma observação importante do mesmo autor quanto à defesa do foot-ball feito pela elite inglesa. Ele fala no sentido de observarmos as práticas destas altas classes não apenas em seu desenvolvimento esportivo, mas, principalmente, com a intenção de isolamento das massas, e criação de um padrão burguês esportivo. Hoje, no Brasil, já existe na historiografia sobre o futebol o conhecimento de partidas, ou melhor dizendo, jogos de futebol, disputados antes dos pioneiros, Charles Muller em São Paulo e Oscar Cox no Rio de Janeiro. Na maior parte das vezes, jogos disputados por estrangeiros, normalmente reconhecidos como marinheiros ingleses. A valorização destes dois pioneiros quanto à incorporação do association pela sociedade 15 Para essa transformação do folk football a partir da apropriação de uma elite inglesa ver a teoria sobre “o processo civilizador” in: Elias, Norbert; Duning, Eric. Deporte y Ócio em el Proceso de la Civilización. Madrid: Fondo de Cultura Econômica, 1992. 16 Idem. 34 brasileira se dá pelo fato de que são eles os fundadores dos primeiros clubes e, por conseguinte, os grandes incentivadores do esporte em suas localidades. Ambos têm histórias muito parecidas. A diferença é apenas o fato de que difundiram o esporte em cidades diferentes e, separados por dois anos, de resto, a história é a mesma. Dois jovens que conhecem o esporte em suas escolas, para onde haviam sido mandados por suas famílias de origem britânica. E se pensarmos em outras grandes cidades brasileiras, as histórias quase se repetem. Em muitas delas foram jovens estudantes da elite local que difundiram o foot-ball em suas cidades natais, como no caso de Salvador, com José Ferreira Junior, e Recife, com Guilherme de Aquino Fonseca. Em Porto Alegre é diferente, porque foram as agremiações esportivas da cidade que trouxeram o Sport Club Rio Grande, da cidade de mesmo nome, para apresentar o foot-ball na capital. Propaganda que encorajou a fundação dos dois primeiros clubes da cidade, Fuss-Ball Club Porto Alegre e Grêmio Foot-Ball Porto-Alegrense. Com efeito, em comum aos casos anteriores, o foot-ball fora, do mesmo modo, introduzido pela elite da cidade. Portanto, não é possível estudarmos os primórdios do foot-ball em Porto Alegre sem pensarmos que a introdução desse esporte (assim como outros tantos) é uma realização da classe social mais abastada da cidade, a elite. Por mais que existam peculiaridades, o fato de que o esporte estrangeiro precisou do pontapé inicial da elite é um fato comum no início na virada do século XIX para o XX. Exemplificando, podemos citar o Sport Club Internacional, tido atualmente como “popular”, mas que, inclusive, tomou parte na fundação da elitista Liga de FootBall Porto-Alegrense. Sob sua presidência, a Liga incluiu em seus estatutos de 1911, artigos com importantes critérios financeiros, revelando a intenção precoce de “defesa” do foot-ball no sentido de barrar os candidatos que pretendiam tomar parte no campeonato que organizava. Pretendentes, diga-se de passagem, identificados não apenas com outra camada social, como também por outra etnia, o que caracteriza o viés elitista, evidenciando o processo nos moldes descritos por Hobsbawm. Pelo que afirmamos, não é difícil demonstrar como a adoção do futebol em Porto Alegre tem como responsáveis a elite da cidade. Poderíamos falar do programa distribuído aos espectadores das partidas, como se a cancha fosse um teatro. Dava conta dos protagonistas que entravam em campo, bem como dos coadjuvantes: juízes, capitães dos times, comissão responsável pela organização, entre outras informações. Também as fotos dos primeiros jogos, onde os senhores usavam trajes que incluíam cartola e 35 bengala, além da sempre requisitada companhia feminina, com seus grandes chapéus e a proteção de suas sombrinhas. Ao final de 1909, podemos contabilizar pouco mais de dez clubes dedicadas ao cultivo do novo sport, todavia, é importante destacar que era realizado apenas um jogo em cada dia, pois organizar um match de foot-ball não era coisa simples, além do que, havia a concorrência de outros esportes. Não se tratava de mera preocupação com a assistência, mas com o fato de que os atletas, em sua maioria, não jogavam apenas futebol, eram sportmans. Tratava-se de homens que acreditavam na importância dos benefícios da atividade física, tanto para o corpo, quanto para a moral, e até mesmo para a pátria. Ser um sportman significava também praticar o maior número de esportes possíveis. Zeferino Ribeiro, ex-presidente do Grêmio de Regatas Almirante Tamandaré, diz, em 1919, que “O exercício physico, além de prolongar a juventude, predispõe o organismo a melhor afrontar as intempéries, conserva a saúde, endurece a vontade e dá coragem para a lucta e para resistir ao sofrimento e à dôr” (Lemos, 1919, p. 200). O esforço físico estava associado, desde o período colonial, aos escravos e aos desprovidos destes. O suor precisou de justificativa com a alteração de seu significado em detrimento de uma nova visão europeia. No entanto, esta afirmação também tinha uma justificativa que parece ganhar força durante este período de conflito mundial: “A meu vêr ser sportmam é ser patriota e penso com Jules Simon: A educação physica é um serviço prestado à família e à Patria” (Lemos, 1919, p. 200). Novamente a questão nacional pautando a cultura esportiva, e, assim, pautando o sportman, que, forjado nos esportes, acabaria por tornar-se um bom soldado, preparado para defender a pátria, quando essa o chamasse. Para isso, precisava desenvolver outras partes do corpo, o que fazia praticando outros esportes que trabalhassem uma musculatura diferente. Afinal, o que seria dos braços se um atleta apenas praticasse o futebol? Assim, um homem desta elite tornava-se sócio de um clube de futebol, um de remo ou outro de tênis. A fundação da Liga em 1910 veio, portanto, com uma dupla função. A conveniência de organizar um calendário de partidas que valorizasse os “verdadeiros” desportistas, mas também unir os sete fundadores da elite da cidade, os separando das mais de 20 agremiações citadas nas páginas dos jornais, já em 1911. O principal mecanismo para afastar os clubes de outra classe social do importante caminho da cultura física do futebol, foram as cláusulas financeiras, porque, como já dissemos, outros esportes naturalmente afastavam pessoas indesejadas, devido à inevitabilidade do investimento financeiro em um equipamento importado. 36 Podemos perceber que além de leis na forma dos estatutos da Liga de Foot-Ball, havia também a intenção de uma práxis esportiva da elite de forma a legitimá-la como defensora dos esportes modernos, pois deveriam ser praticados com zelo e denodo, coisa que pessoas sem a instrução adequada não poderiam fazer. Neste sentido, a camada social preparada para os esportes modernos com todo o devotamento necessário era unicamente a elite, configurando, portanto, um padrão burguês. 2.3 Nacionalidade A palavra nação desenvolveu-se para descrever grandes grupos fechados, porém a evolução da palavra tenderia a destacar o lugar ou território de origem de um povo. Dentro do marxismo, a “questão nacional” está situada na intersecção da política, da tecnologia e da transformação social. Parece muito fácil pensar no futebol definindo-o a partir dos primeiros termos, como já exemplificamos usando as expressões “Nação Colorada” ou “Nação Tricolor”, ou poderíamos ainda pensar em territórios de origem, já que muitos clubes nasceram identificados com um espaço geográfico (bairro ou cidade). Contudo, sob a ótica marxista, temos um interessante caminho a percorrer, pensando na tecnologia e transformação social pela qual passava o mundo com o advento dos esportes modernos. Além de período hegemônico inglês, com seu império onde o sol nunca se punha, inaugurou-se uma fase até então inédita na história mundial, com as migrações continentais. Mesmo com a descoberta de novos continentes, a transposição de povos com o intuito de buscar uma vida melhor é completamente diferente do momento anterior, quando os mares eram singrados com o propósito meramente comercial. Mesmo que no período estudado muitas comunidades de imigrantes já estivessem formadas, o futebol de alguma forma aproximou não apenas imigrantes como também elementos locais díspares. Lembrando Benedict Anderson (2005), que fala da importância do idioma para as nações, poderíamos pensar naquilo que o futebol fez em Porto Alegre, tornando o inglês a língua de todos aqueles que o praticavam ou nutriam por ele alguma simpatia. Para se aproximar do esporte da elite, precisavam ao menos adotar o vocabulário que incluísse expressões tais como: kick off, off side, corner kick, center forward, goal keeper. A língua do futebol era mundial, e, saindo da Argentina para o Brasil, um beck era um beck e não um zagueiro, como hoje em dia. 37 Nação como sinônimos de torcidas, adotadas por clubes de futebol ao final do século XX, possui significados que revelam que sua adoção passa pela relação do esporte como símbolo dos Estados nacionais. Hobsbawm (2013) usa o termo “nacionalismo” entendendo-o como “fundamentalmente um princípio que sustenta que a unidade política e nacional deve ser congruente”, não considera o autor a “nação” como uma entidade social originária ou imutável. A “nação” pertence exclusivamente a um período particular e historicamente recente, ela é uma entidade social apenas quando relacionada a uma certa forma de Estado territorial. Acreditamos que o futebol tornou-se, ao longo do século XX, um dos princípios que legitimaram as unidades políticas de muitos países. No caso da América do Sul, com seus milhões de imigrantes em fins do século XIX e início do XX, é o futebol que vai se tornar o amalgama das unidades políticas da região. Não que tenha sido um movimento ocorrido de forma rápida ou sem vacilos, por uma função quase mágica da atividade esportiva. Seu peso é fundamental em alguns casos, como no argentino, principalmente criando laços para a unidade entre tantos imigrantes, muitos dos quais já conhecedores do futebol, com suas regras e linguagem. Na obra de Pablo Alabarces, Fútbol y Patria. El fútebol y las narrativas de la nación en la Argentina, o mesmo evidencia que La Argentina, como todos, es un país inventado. Como toda América, em la ficción de su “descubrimiento” y em la violencia de su conqista y ocupación: pero también, em una nominación que supone, imaginariamente, un territorio de riquezas y sólo las encuentra em el baurismo: “tierra de la plata”. Y además, em su dificultuosa construcción como estado moderno durante el siglo XIX. La Argentina es objeto ya no de una, sino de varias invenciones: las guerras civiles que marcam la historia ,dos modelos de organización política, social, económica y cultural, com infinitos recovecos y variantes, que disputam su condición hegemônica a lo largo del siglo XIX, y culminam com el triunfo de los sectores que se presentam a sí mismos - y así disponen un relato heróico, un panteón, una interprectación definitiva del passado, del presente y del futuro como liberales, europeistas, librecambistas, positivistas, representantes de la civilización y del progreso. Pero em esta producción hegemônica del nacionalismo de las elites, los nuevos productores de los medios masivos, tempranamente profissionalizados, provenían de las clases medias urbanas, y populares: héroes populares y reales: los desportistas (Alabarces, 2002, p. 35). Nascia então um processo de construção de um primeiro nacionalismo desportivo, onde muitos imigrantes foram alçados à condição de heróis, realizando uma 38 “costura nacional”, que, de tantos percalços como descreve Alabarces, parecia impossível, mas que consolida a imagem mitológica da nação. Acreditamos que o processo argentino, que durou pouco mais de meio século, não seja muito diferente daquilo que ocorreu no Uruguai e no Brasil. Relatos como esse, sobre o futebol na Argentina, podem ser repetidos em relação à história do futebol em tantos outros países. Além de outros tantos aspectos, destacaríamos que o Brasil, além de tudo, passou por duas questões traumáticas, com a Proclamação da República e a inserção (ou não) do ex-escravo. Segundo Cleber Dias, em seu artigo “Esporte e cidade: balanços e perspectivas”, A história da propagação do futebol pelo Rio Grande do Sul é particularmente interessante para ilustrar o quão múltiplo e diversificado foram os caminhos para o desenvolvimento dos esportes no Brasil. A difusão dessa modalidade naquela região está intimamente ligada à influência platina. A região do Prata foi a primeira da América do Sul a conhecer uma força ao redor do futebol, organizando clubes e federações, além de realizar campeonatos regularmente (Dias, 2012, p. 33). Dias justifica esta afirmação com dados sobre as circunstâncias históricas do Prata a partir dos interesses comerciais britânicos no final do século XIX, onde “nessa época estima-se que 40.000 ingleses viviam na Argentina, cuja capital, Buenos Aires, contava com uma população composta por 75% de estrangeiros”. O caso de Montevidéu não era muito diferente. O Brasil, e em especial o Rio Grande do Sul, não estiveram alheios ao movimento de trabalhadores especializados e imigrantes relatado. Dias cita como exemplo a figura de Lockwod Chompson à frente da criação do Sport Club Uruguaiana, onde poderíamos citar também os ingleses fundadores do Sport Club Rio Grande ou sócios do Grêmio Porto-Alegrense, em menor quantidade que nos países vizinhos, mas também importantes no contexto de divulgação do esporte. Veremos que em Porto Alegre não eram apenas os teutos que começaram a jogar futebol de forma isolada, apesar de sua proeminência com relação ao que falamos sobre o “associativismo alemão”. A parcela mais pobre da cidade, mesmo com sobrenomes alemães, não teve acesso ao esporte num primeiro momento, assim como imigrantes de outras nacionalidades passaram a jogar futebol mesmo antes de 1909, inserindo-se em um ambiente novo para todos os porto-alegrenses. Falando do Rio-Grandense, podemos incluir negros e mestiços. 39 A inserção destes elementos em outras equipes da cidade foi posterior ao espaço temporal em que trabalhamos, embora todos já estivessem em campo bem antes disso acontecer. Além do que, imigrantes de outras nacionalidades filiaram-se aos clubes tidos como teutos, e também fundaram outras agremiações, cujo próprio nome já identificava a nacionalidade a que pertenciam, como os espanhóis e os poloneses, por exemplo. Os imigrantes teutos imprimiram sua marca no futebol da cidade, sendo citados ainda hoje, inclusive por uma equivocada historiografia, como únicos autores dos dois pioneiros clubes dos primórdios do futebol em Porto Alegre, onde não raramente são acusados de excluírem elementos de outras nacionalidades que não a sua. Este equivoco tem suas razões e o estudaremos. Por fim, “Nação Colorada” e a “Nação Tricolor”, para usarmos os exemplos de nosso objeto de estudo, não são expressões pouco usadas no Rio Grande do Sul e muito menos inocentes. Elas são um paradigma da relação entre futebol e identidade nacional. A identificação de Grêmio e Internacional como possuindo “Nações”, é a prova de que ambos conseguem homogeneizar seus torcedores/simpatizantes em uma identidade comum, ainda que diferenças étnicas ou de classe dentro de cada uma destas nações. Ao mesmo tempo, são recrutados para as batalhas travadas em seus estádios (a partir de agora, curiosamente em suas arenas) e são responsáveis por criar uma recente e curiosa expressão, que bem simboliza a dicotomia futebolística do Rio Grande do Sul, “grenalização” ou “grenalizar”, que significaria absolutizar qualquer questão em apenas dois lados, no caso, Grêmio e Internacional.17 Talvez tenhamos aí a entidade social da qual fala, Hobsbawm, com seu território, seus símbolos, história, e, principalmente, seus mitos. Duas tradições baseadas em narrativas originarias do período no qual este trabalho se insere. Pensar em Porto Alegre neste período serve para que comecemos a desfazer algumas imagens que temos do futebol no Rio Grande do Sul e no Brasil. Mesmo que não tenhamos o encontro de nossos três personagens, o rico, o negro e o imigrante, em um mesmo campo de futebol antes de 1920, sabemos que de alguma forma, houve contato muito cedo. Por fim, acreditamos que sejam experiências sociais que ainda estavam por ser identificadas e analisadas. De uma forma geral, tratamos da sociedade porto-alegrense ao se apropriar do foot-ball, bem como sua dinâmica de pensamento e ação em suas 17 Sobre a rivalidade entre Grêmio e Internacional e a criação de suas “Nações” de torcedores ver Damo (2002). 40 diversas instâncias e agentes. Nossa intenção foi contribuir para uma análise social a partir do futebol, com especial atenção para suas diferentes formas de manifestação – burguesa, popular, nacional ou étnica – nas primeiras décadas do século XX. 3 O FOOT-BALL DESEMBARCA EM PORTO ALEGRE PARA ANDAR DE VELOCÍPEDE Paris, 7 de abril de 1896. Silveira Martins Hoje, às 3 horas, há a última partida de foot- ball entre os melhores jogadores de Paris e o Club de Coventry, que possui uma das mais célebres turmas de futebol da Inglaterra. (...). Mando-lhe esta notícia, porque pareceu-me anteontem que Madame Silveira Martins desejava assistir a um match internacional, e estou convencido de que o espetáculo o interessará também. Esse gênero de esporte devia ser introduzido no seu Rio Grande do Sul, em Santa Catarina, Paraná, São Paulo e Minas, onde o clima permite tais exercícios. ... Meu filho Paulo, estudante de medicina, é o arrière ou back da equipe francesa e é tido como o melhor arrière da França. Amigo velho e obrigado. Rio Branco Na virada do século XIX para o XX, a capital do estado do Rio Grande do Sul vivia intensamente os sports modernos. No entanto, em 1903 havia um, até então desconhecido, sendo praticado na cidade de Rio Grande, e como quase todos que se conhecia em Porto Alegre, oriundo da Inglaterra. Os grêmios esportivos da capital quiseram conhecer este novo esporte, e convidaram o pioneiro Sport Club Rio Grande para se apresentar na capital. O esporte foi imediatamente adotado com a fundação de dois clubes. Por sua vez, parece bastante curioso, e, por isso mesmo, veremos a seguir, que o “cyclismo” foi trocado pelo foot- ball e os porto-alegrenses que andavam sobre as duas rodas a deixaram de lado, para chutar uma bola. Desse modo, os dois clubes velocipédicos foram quase que transformados nos pioneiros do novo sport - um deles sem nenhuma dúvida. Além da inovação esportiva na cidade, veremos como se desenvolveram seus seis primeiros anos, dos quais pouco ou quase nada sabemos, em uma sociedade dividida entre desportistas de origem teuta, uma elite ávida pelos sports modernos, e o resto. E o que seria o resto ... da população? 3.1 Os pioneiros de 1903 42 O futebol desembarca em Porto Alegre no dia seis de setembro de 1903, no trapiche do Lloyd, localizado atrás da Intendência Municipal. Vindo nos vapores Aymoré e Intransigente, o Sport Club Rio Grande teve uma recepção calorosa por parte de todos os grêmios esportivos da capital (Turnerbund, Club Gymnástico Rio Grandense, Deutscher Schützen Verein, Ruder Club Porto Alegre, Ruder Verein Germânia, Clube de Regatas Almirante Tamandaré, União Velocipédica e Radfahrer Verein Blitz, além dos sportman da Associação dos Empregados no Commercio de Porto Alegre) e de seus habitantes, que os recebeu com um público estimado entre duas a três mil pessoas, segundo A Federação.18 O futebol chega a convite destes clubes, e cuja organização coube a Oscar Canteiro, desportista conhecido do remo, ciclismo e turfe, que, em 1907, além de fundador, veio a ser o primeiro presidente da Associação Protetora do Turf (atual Jockey Club do Rio Grande do Sul). Depois das regatas e demais eventos festivos, no dia da chegada dos excursionistas, o dia seguinte inicia com a primeira das duas partidas de foot-ball pela manhã. Divididos em dois times, um branco e outro com uniforme tricolor (verde, amarelo e vermelho), seus players realizam duas partidas-exibição no Campo Redenção, com o campo de jogo delimitado à altura da rua Santo Antônio. A primeira partida foi vencida pela equipe branca e a partida da tarde, realizada durante dois intervalos dos páreos ciclísticos, terminou sem gols. À noite, um baile na Sociedade Germânia em homenagem aos visitantes e o retorno a Rio Grande, iniciando às 13:30h do dia oito. Ficava uma importante mudança da visão daquilo que era o foot-ball para o redator de A Federação, que dias antes havia chamado o esporte de selvagem, em uma nítida confusão entre o association e o rugby. Agora a descrição era outra: “Educador do corpo, o foot-ball põe em acção todos os músculos, activa a circulação, é, por todos os modos, saudável e hygienico”.19 A cobertura dos eventos que envolveram a partida receberam bastante atenção dos jornais, sendo descritos com detalhes. O que não foi noticiado à época é a importante repercussão desse novo olhar sobre o sport inglês: a fundação, oito dias depois, dos dois primeiros clubes da capital dedicados ao foot-ball. 18 A Federação, 8 de setembro de 1903. 19 A Federação, 8 de setembro de 1903. 43 Na manhã daquela terça-feira, dia 15 de setembro, os sócios do clube de ciclismo Radfahrer Verein Blitz fundaram o Fuss-Ball Club Porto Alegre, sendo, inicialmente, um prolongamento daquele. A partida do Sport Club Rio Grande foi o grande motivador de sua fundação, de acordo com Edson Pires (1967). Ao lado da área de seu velódromo, localizado na rua Voluntários da Pátria, foi preparado o primeiro campo de futebol de um clube da capital. Segundo Pires, bastou apenas que Victor Englert cedesse mais uma parte do terreno à Blitz, e pronto. Ao que consta nos periódicos da cidade, era chamado apenas de “Campo da Voluntários”. Com campo, mas sem bola. Ricardo Weinheber, cunhado de Schnitzer, um dos fundadores, recebeu a encomenda: fazer uma bola. Sem modelo para copiar, a bola ganhou o apelido de “ameixa”, devido ao formato irregular. O primeiro presidente do Fuss-Ball Porto Alegre foi Leopoldo Rosenfeldt, e suas cores eram o banco e o verde, apesar do amarelo e preto da Blitz. Ao entardecer do mesmo dia 15 de setembro, em torno das 19 horas, no restaurante Grau, pertencente a um hotel, situado na rua XV de novembro (hoje rua José Montaury), foi fundado o Grêmio Foot-Ball Porto-Alegrense.20 Eram vinte21 jovens que trabalhavam no comércio da cidade. Mais especificamente, em torno da praça XV de Novembro e adjacências. Neste caso, houve antecedentes maiores que o jogo do Sport Club Rio Grande. Na região da Praça XV, havia casas comerciais nas quais o contato entre os comerciantes, seus funcionários22 e caixeiros-viajantes fazia parte do cotidiano e em suas conversas o assunto era, além do próprio comércio, política e os esportes que estavam tão em voga. Segundo o mesmo autor, destacava-se Pedro Haeffner, que exercia uma liderança sobre os outros jovens comerciantes. Normalmente estas reuniões aconteciam antes da abertura destas casas comerciais, e com frequência na Casa Becker 20 Revista Grandes Clubes Brasileiros, 1971. Entrevista com o último dos fundadores do Grêmio, vivo: Frederico Reinoldo Panitz. 21 As fontes são unânimes em dizer que foram vinte os presentes na reunião. Onze não puderam estar presentes e assinaram nos dias posteriores, pelo fato de que, juntamente com os primeiros discutiram a fundação do clube. Entretanto, Pires esclarece que houve uma assinatura no dia 9 de fevereiro de 1904, permitida após votada e aceita por todos, em virtude dos trabalhos prestados ao clube, desde seu principio, por Pedro da Costa Huch, que é considerado como o 32º sócio fundador. 22 Os empregados no comércio do início do século em Porto Alegre eram pessoas que possuíam certa consideração por seus empregadores. Diferentes das relações entre empregador e empregados dos tempos atuais. Aqueles empregados deveriam possuir referências para tornarem-se funcionários das daquelas casas comerciais. Como exemplo, lembramos que o Sindicato dos Empregados no Comércio de Porto Alegre (SINDEC – ainda ativo), foi fundado apenas em 1932, e seu nome era Sindicato dos Auxiliares do Comércio de Porto Alegre, portanto, uma relação diferente de trinta anos antes, além disso, o próprio nome da função exercida tem uma conotação diferente. 44 (de Carlos Júlio Becker), onde trabalhava Cândido Dias da Silva, ou na farmácia Calleya, onde era empregado o próprio Pedro Haeffner. As demais casas à volta forneciam elementos para as reuniões. E pelo que podemos conferir na ata de fundação do Grêmio, forneceram também quadro associativo. Eram elas: a Casa Negra, a Casa Pavão e a Casa Tigre (estas tabacarias); Casa Pimenta, Schneider, Germano Lemke (comércio em geral); um pouco mais distantes estavam a alfaiataria Bohrer, na rua do Rosário (atual Vigário José Inácio), e a sapataria Kallfelz, na rua dos Andradas.23 Nosso autor também afirma a importância da bola pertencente a Cândido Dias. Só não está claro se o sorocabano Cândido Dias da Silva trouxe de São Paulo na mala a sua bola ou se esta lhe foi enviada de presente. Ele seria de uma “família curtidora de couro por tradição”, e que ainda na década de 1960 (época desta obra), possuía uma loja que se dedicava ao ramo de couros. Com esta bola, resolveram marcar um pic-nic na Cascata, de onde veio a ideia de Pedro Haeffner em mandar solicitar informações aos doadores da bola sobre sua utilização. A resposta teria vindo juntamente com o livro Referee Chart, traduzida do inglês por Mário Cardin, contendo regras do football, maneiras de shootar bem e como se organizar um clube. Por coincidência, havia o jogo do Sport Club Rio Grande marcado para o dia 7 de setembro. Todavia, a fundação do Grêmio já estaria marcada inclusive com reuniões preparatórias na república onde moravam Cândido Dias e Joaquim Ribeiro, na rua Santa Catarina, número 47 (atual Doutor Flores). Existe a versão de que no jogo exibição do Sport Club Rio Grande, a bola murchou, e Cândido teria emprestado a sua na condição de receber algumas informações a respeito do funcionamento e da fundação um grêmio de foot-ball. Não conseguimos confirmar este fato, que consta em Pires e publicações mais recentes24, que devem tê-lo usado como fonte, tendo em vista encontrarmos a mesma história contada da mesma forma. No entanto, acreditamos que a possibilidade do empréstimo da bola deu-se no jogo da tarde, pelo fato de que a partida foi concluída após alguns páreos ciclísticos. Ou seja, iniciada a partida, ela foi suspensa, após seu primeiro tempo, quando foram disputadas as corridas no velódromo. Voltaram para o segundo tempo da partida, para depois concluírem os eventos com mais alguns páreos ciclísticos. Tudo 23 Pires (1967). Pelos nomes dos estabelecimentos destacados pelo autor associados à lista dos 32 fundadores, fica evidente que alguns não era apenas funcionários dos estabelecimentos comerciais, como Cândido Dias e Pedro Haeffner, por exemplo; muitos deveriam, no mínimo, possuir algum grau de parentesco com os proprietários. 24 Revistas e publicações festivas do próprio Grêmio sem relevância para nosso trabalho tais como: Goool – A revista de todos os Esportes. Edição 100, abril de 2003; ou ainda: Bueno (2004). 45 bastante diferente da partida que se realizara pela manhã, sendo que tal intervalo não consta no programa do evento (Ramos, 2000, p. 41) (algumas obras parecem desconhecer que realizou-se mais um match, apesar daquilo que fora publicado nos periódicos e no programa do evento). Desse modo, a possibilidade de empréstimo da bola de Cândido, pelo fato de sua similar pertencente ao riograndinos furar ou murchar, seria bastante plausível, tendo em vista o desgaste de um segundo jogo no mesmo dia. Fato bastante raro em uma época de jogos realizados mensalmente. Afora estas poucas informações, é crível que o grande intervalo da partida preenchido pelas corridas, tenha dado tempo necessário para Cândido buscar sua bola, emprestá-la aos rio-grandinos e tomar as informações solicitadas para a fundação de um clube dedicado ao foot-ball, como descreve a historiografia gremista. No entanto, à exceção de Pires, todas as outras obras destacam Cândido Dias da Silva como o grande nome da fundação do Grêmio. O próprio memorial do Grêmio Porto-Alegrense por ocasião de sua inauguração em 1988, dedicou um espaço de destaque logo em sua entrada a “seu fundador”, imortalizando sua figura em uma grande placa de metal juntamente com a ata nº 1 do clube (ata da fundação). Parece que o destaque a Cândido Dias foi dado de forma pioneira pelo jornalista, ex-atleta e dirigente gremista Túlio de Rose, que foi o responsável por descrever os primeiros anos do Grêmio, por ocasião de seu cinquentenário, em uma publicação chamada Álbum do Cinquentenário Gremista. Obra que, aparentemente, teve boa parte reproduzida por Raimundo Bordin e Hélio Devinar, em outra publicação oficial do clube (Bordin e Devinar, 1983). De Rose publicou seu trabalho apenas oito anos após o fim da Segunda Guerra Mundial, portanto, período no qual a cultura teuta no estado ainda era rechaçada, em detrimento das virtudes nacionais (ou regionais gaúchas), que deveriam preponderar. Neste caso, mesmo que pessoas, empresas e clubes tivessem uma origem teuta ou itálica, era comum tentarem diminuí-la, como veremos mais adiante, e que por hora citamos o caso do Turnerbund, que era vigiado pelo DOPS (Departamento da Ordem Pública e Social) e que optou pela mudança de nome em 1942 para SOGIPA, além das alterações de seus estatutos, retirando a obrigatoriedade de novos associados possuírem origem teuta ou algum tipo de ligação com estes, como casamento, por exemplo (Silva, 1997, p. 52, 54 e 58). Em oposição ao “clube do povo”, como ainda é reconhecido seu rival, o Sport Club Internacional, o Grêmio, nesta época, já era tachado de germanófilo, 46 principalmente pelo fato de que boa parte de seus associados possuíam origem teuta (apesar de nunca haver cláusula em seus estatutos que impusesse origem como no caso do Turnerbund). A única obrigatoriedade era passar pelo crivo dos demais sócios. Tradição que veio das primeiras reuniões pós-fundação, e que perdurou, provavelmente, até seu cinquentenário. Em seus primeiros tempos, podia até mesmo ser feita uma prévia investigação dos candidatos a sócios, que tinham as mais diversas origens, mas apenas entravam para o quadro de sócios desde fossem “cidadãos dignos”.25 Na verdade, esta “dignidade” tinha relação com a posição ocupada na sociedade, com classe social, e não com a origem nacional de sua ancestralidade. Quanto ao caráter teuto, por esta época, circulava inclusive a informação de que os estatutos do Grêmio teriam sido redigidos em alemão. Na tentativa de desfazer esta história, Tulio de Rose afirma que: Os que fundaram o Grêmio Porto-Alegrense ignoravam a fundação do F. C. Porto Alegre, feita na manhã de 15 de setembro de 1903, enquanto eles reuniram-se à noite do mesmo dia com o fim de fundar a sua agremiação e, também, a ata dos trabalhos iniciais do atual clube da Baixada foi escrita em bom vernáculo o que demonstra nada terem de germanófilos os seus fundadores, os quais, aliás, como bons brasileiros, não escorraçaram os estrangeiros que, com eles, quiseram colaborar para a grandeza do esporte gaúcho e, daí terem brilhado na defesa das cores gremistas e nos seus postos de direção, muitos filhos de outras pátrias, o que em nada diminui, antes pelo contrário, o seu passado e o seu presente. Os 33 (sic) fundadores do Grêmio Porto-Alegrense tinham as mais diversas origens raciais. Havia lusitanos, teutos e ítalos. A reunião de fundação somente poderia ser uma reunião de brasileiros e, nela, o idioma usado foi somente o português (De Rose citado por Bordin e Devinar, 1983).26 Palavras fortes no sentido de dar ao Grêmio uma identidade nacional e gaúcha como havíamos dito. Entretanto, as informações estão corretas quanto ao idioma da ata e provavelmente com relação à reunião de fundação também, já que uma análise dos sobrenomes dos presentes (anexo A), indica que havia 24 teutos, 4 lusos, 2 espanhóis, 1 polaco e 1 francês. O texto da ata de fundação foi redigido por Alberto Luís Siebel, de sobrenome teuto, em português, e, apesar disso, é provável que, se a língua não fosse essa, oito participantes da reunião teriam, no mínimo, dificuldades para compreender tudo aquilo que se passava. Sem falar, que não encontramos nenhuma referencia aos 24 teutos serem alemães de nascimento e, ao que tudo indica, eram teuto-brasileiros. 25 Expressão usada por Edson Pires. 26 Os autores cometem um erro que pode ser averiguado no anexo A: são na verdade, 32 fundadores. 47 Imaginamos que as trinta e uma assinaturas da ata correspondam à ordem pela qual as pessoas a tenham assinado, e, portanto, os vinte primeiros foram os que compareceram no dia 15 de setembro. Isto posto, estes oito fundadores não teutos são quase metade dos presentes na reunião, e assim teríamos mais um motivo para tudo se dar em “bom vernáculo”, como afirma de Rose. Em 1964, Frederico Reinoldo Panitz, o último dos sócios fundadores do Grêmio Porto-Alegrense ainda vivo, destacou a importância da bola. Reuniram-se “... na José Montauri, para fundar o Grêmio, por ideia do paulista Cândido Dias da Silva, o dono da bola” (Revista, 1971). Aliás, de Rose chega a chamar Dias de “apóstolo”, devido a sua insistência em difundir o foot-ball. Voltando a Panitz, ele afirma que Dias teria por sua insistência convencido todos a assistirem o jogo do Rio Grande na Várzea (atual parque Farroupilha) e realizarem o pic-nic na cascata, no dia 13, logo, seis dias após assistirem ao jogo do Sport Club Rio Grande. O próprio de Rose destaca também outro nome luso-brasileiro na fundação. Fala do “prestígio” de Joaquim Ribeiro, que ofereceu sua residência para as reuniões subsequentes. Era morador da mesma república onde morava Cândido Dias, e fora eleito vice-presidente. Quanto ao texto de Túlio de Rose, nos parece curioso que, ao tratar da fundação gremista, revele o nome completo de Pedro Carvalho Haeffner. Porém, isto acontece apenas uma vez, em todas as outras passa a chamá-lo apenas por Pedro Carvalho. O que o caracteriza como o único a fazer isso, porque os demais abreviam a letra “c” ou suprimem por completo este sobrenome. Também é a única fonte em que consta o significado da letra abreviada. Talvez de Rose esteja relativizando a germanidade de Pedro Haeffner. E se fizéssemos o mesmo com os vinte sócios fundadores? Se descobríssemos os outros sobrenomes, talvez encontraríamos mais origens, lusas como o Carvalho de Pedro C. Haeffner. Quem sabe haveria mais pessoas com ambas origens e as nacionalidades mudassem significativamente? Infelizmente não conseguimos os nomes completos de todos os fundadores. Porém como já afirmamos e nos parece ser mais importante, fatos como esse, Túlio de Rose forçando um reconhecimento da “brasilidade” de Haeffner, e consequentemente do Grêmio, tendem a ser mais representativos do pós-guerra do que uma característica identitária de nacionalidade do clube. Por isso, relativizamos as afirmações posteriores à Segunda Guerra, que são unânimes em destacar a figura de Cândido Dias quanto à fundação do clube, e que parecem se originar no trabalho de Túlio de Rose. 48 Também é muito interessante a afirmação de Pedro C. Haeffner de que em 1902 já se reuniam alguns rapazes em Porto Alegre para “dar na bola”. E os cita: Cândido Dias da Silva e mais dois empregados da Casa Pimenta. Ele diz que “... um dia alguém lembrou que, se havia jogo, deveriam haver regras ... E Cândido Dias da Silva, que tinha irmãos em São Paulo, escreveu-lhes pedindo esclarecimentos. Estes, além de mandarem cópia dos estatutos do São Paulo Atlhetic Club, enviaram dados sobre os jogos” (Bordin e Devinar, 1983). A partir daí, houve disputas do association, e mais shoots e socos na bola. Nas reuniões em frente à Casa Becker, decidiu-se fundar uma agremiação, cabendo a ele, Pedro C. Haeffner, ser um dos que redigiriam o primeiro estatuto da nova sociedade esportiva, tendo em vista ter sido também um dos primeiros a fazer a leitura dos estatutos do São Paulo Atlhetic Club. Outra questão que pode tirar a preponderância de Cândido Dias da Silva está no fato de que na segunda reunião realizada pelo clube no dia 22 de setembro, ele pede seu desligamento da direção, o que é aceito, mantendo-se apenas como sócio. O motivo, segundo Pires, foi a eleição das cores, onde venceu a proposta de Joaquim Ribeiro, com as cores azul e havana nas camisas, e demais detalhes em preto e branco, enquanto a proposta de Cândido seria pelas cores: preto, vermelho e branco de seu estado natal, São Paulo. Temos, então, três nomes em evidência dentre os fundadores. Um pela casa e cargo, outro por preparar os estatutos e outro pela preciosa bola, além disso, estes dois últimos também parecem se destacar pelas reuniões em frente ao comércio da Praça XV de Novembro, fomentando a fundação do clube. Todavia, o presidente escolhido foi Carlos Luís Bohrer, de quem pouco se falou, e que não assumirá mais nenhum cargo de direção após o mandato. De Rose cita uma entrevista de Pedro Haeffner publicada no Correio do Povo em 1949. Nela, Pedro Haeffner teria proferido a frase: “O Grêmio nasceu da bola”, que é uma afirmação repetida exaustivamente por toda a bibliografia sobre a história do clube. Neste caso, interessa é que, mesmo sendo importante o jogo do Rio Grande, ele não foi decisivo para o Grêmio, como foi para o Fuss-Ball Porto Alegre, que teria se originado da visita riograndina, segundo afirma Haeffner nessa entrevista. Para ele, importante seria a bola de Cândido Dias da Silva, e, consequentemente, se justifica o símbolo do clube, desenhado a partir dessa primeira bola. A frase de Pedro Carvalho Haeffner parece estar certa no sentido de afirmar que a bola, chamada por Edson Pires de “tesouro”, foi o grande motivador da fundação da 49 agremiação e não apenas o empenho individual de Cândido Dias, Joaquim Ribeiro ou o próprio Pedro Haeffner. Logo, nos parece evidente que a questão da origem nacional dos sócios do Grêmio não foi tão importante. Em cada época que se falou da fundação do Grêmio, é possível perceber um peso diferente dado aos sócios de origem teuta, os escondendo ou evidenciando. O que nos parece mais evidente, comparando aos outros clubes, é a origem social do candidato a membro do clube gremista, como ficará mais evidente quando falarmos das sociedades velocipédicas, mesmo momento em que falaremos da característica marcadamente teuta na origem do Fuss-Ball. No entanto, voltando ao Grêmio, a questão nacional colocou-se em destaque também pelo fato da suposta brasilidade reivindicada por seu maior rival Sport Club Internacional, não obstante possuísse muitos teutos entre seus sócios. Mas por enquanto fiquemos com os velocípedes. 3.2 Do velocípede a bola Quando se lê sobre a história do Grêmio Foot-ball Porto-Alegrense, produzida por ele próprio27, não há como não se deparar com a frase: “O Grêmio nasceu da bola”. Pelo que vimos, é bastante plausível que seu autor, Pedro Haeffner, tenha razão. Entretanto, ele não se deu conta de que os primeiros anos do foot-ball em Porto Alegre se desenvolveram conduzido pelo ritmo dos velocípedes. Neste caso, falamos não apenas do Grêmio, mas principalmente de seu irmão, o Fuss-Ball Club Porto Alegre. O Sport Club Rio Grande foi o grande responsável por uma irmandade entre os dois pioneiros do foot-ball da capital, que talvez não existisse se não fossem seus jogos no dia sete de setembro. Essa irmandade possui três grandes marcas. Ambos possuíam o mesmo nome. Sinônimos na verdade, já que as três palavras possuem os mesmos significados: um é grêmio, o outro é club; um é de foot-ball o outro é de fuss-ball; um tem o nome da cidade, Porto Alegre e o outro tem o gentílico do nascido na cidade, Porto-Alegrense. A segunda informação já é sabida: ambos foram fundados no mesmo dia: 15 de setembro de 1903. Por último, boa parte de seus sócios, durante as duas primeiras décadas do século XX, possuía origem teuta, e não apenas seus sócios fundadores. 27 O grêmio Foot-Ball Porto-Alegrense é sem dúvida o clube de Porto Alegre que melhor conservou sua memória, inclusive publicando diversas obras com fins comerciais onde destacamos as duas até agora já bastante citadas: Grêmio 70 e A história Ilustrada do Grêmio. 50 Logo, vamos aos velocípedes, que nos ajudarão a entender os caminhos diferentes que tomaram ambos os clubes que nasceram irmanados quase como gêmeos. Em três de março de 1895, foi fundada a agremiação de ciclismo União Velocipédica de Amadores. Tinha uniforme listrado horizontalmente, nas cores branca e azul.28 Foram seus presidentes: Jonathas Monteiro, Pedro Casimiro Porto, Victor Rosa, Oscar Machado, Dionysio Gomes de Magalhães, Antônio Mostardeiro, João (John) Day, Major Joaquim Ilha da Fontoura, Capitão Amadeu Massot, Gustavo Maynard. E no dia 11 de outubro do ano seguinte, foi fundada sua congênere, Radfahrer Verein Blitz, por iniciativa dos irmãos Schaitza (Oscar, Theodoro e Edward), O. Brenner e Duetz, que segundo Henrique Licht (2002, p. 22), pertenciam, todos, ao conceituado clube de remo, Ruder Verein Germânia, fundado três anos antes. Seu uniforme era amarelo e preto em listras horizontais, e entre seus presidentes temos: Oscar Schaitza, Henrique P. Schmidt e Otto Niemeyer. Não queremos entrar na discussão sobre a simplicidade do jogo de futebol que precisa apenas de uma bola, todavia, gostaríamos de destacar que para circular ou competir, as bicicletas pagavam um imposto municipal. Os sócios de ambos os clubes de ciclismo faziam parte da elite porto-alegrense, e só mesmo assim para poder arcar com os gastos para a aquisição de seus velocípedes importados, mensalidade social e, além disso, pagar um imposto anual sobre os mesmos aparelhos. Segundo o jornal Correio do Povo, sua cobrança foi até o ano de 1901. Todos os anos eram noticiados avisos para o pagamento do imposto sobre os velocípedes, e para termos uma ideia, no ano de 1900 foram pagos os impostos de apenas 445 bicicletas, ao mesmo tempo em que somente a União Velocipédica atingiu a marca de 1.117 sócios (750 em 1899) (Licht, 2002, p. 22). Ser membro de uma agremiação de vulto como a União ou a Blitz, por si só, já era algo socialmente importante, mesmo que o sócio não fizesse parte do quadro de desportistas. Talvez por isso, outras atividades ganharam força dentro dos clubes. Dentre as ocupações desenvolvidas pela União temos: atividades musicais e carnavalescas (posteriormente de esgrima e tiro também). Talvez estes sócios que não eram ciclistas tenham sido os grandes incentivadores destas outras atividades. O football poderia ser mais uma atividade, quem sabe? Por tudo que vimos até agora, parece que não, o fato é que não eram todos os sócios possuidores de uma bicicleta, até mesmo 28 Azul e preto, segundo Túlio de Rose (Bordin e Devinar, 1983). 51 pelo constrangimento de algumas pessoas em usar “calção e bonet” (Licht, 2002, p. 22). Contudo, apenas 445 bicicletas com seus impostos em dia, parece pouco para duas sociedades de tanto prestígio e com tantos sócios a época. No entanto, muito ciclistas não pedalavam apenas. Eram remadores, ginastas, praticantes de tiro e qualquer outro esporte que estivesse disponível na Porto Alegre da época. O mais comum era que se praticasse ao menos mais uma modalidade esportiva. E é neste ambiente que se adota o foot-ball, apresentado em 1903, momento em que já existia uma cultura social-esportiva na cidade. Um meio de grande prestígio social dos sportmans que, como dissemos, cultivavam os sports com as melhores justificativas de colher benefícios físicos, intelectuais e morais. É neste meio que o futebol acaba sendo adotado, principalmente pelos ciclistas já rivais nos velódromos. Os sócios da Blitz fundam o Fuss-Ball Porto Alegre, que passou a realizar suas atividades junto ao seu velódromo, como um apêndice da mesma, até que sucumbisse à preferência pelo futebol, diminuindo suas atividades, gradativamente, até mais ou menos 1906. Depois deste ano, falou-se na Blitz apenas como referência ao campo de futebol. A entrega do terreno a seu dono e a mudança para o bairro São João, em 1911, apagaria de vez dos noticiários o nome da sociedade ciclística. É importante notarmos as características nacionais de ambos e suas ligações com os demais clubes esportivos da cidade. Sendo a Blitz notoriamente uma sociedade teuta, podemos perceber uma relação muito importante com o Turnerbund (hoje Sogipa) realizando conjuntamente festas e apresentações (além da própria ligação já citada com o Ruder Verein Germânia). Já a União Velocipédica foi “a primeira sociedade sportiva propriamente brasileira fundada em Porto Alegre” (Licht, 2002), ou, segundo noticiava o Correio do Povo em fevereiro de 1905, “... o único centro sportivo nacional que há um decênio tem lutado por levar ao coração da mocidade o enthusiasmo pelo cultivo do corpo, ...”.29 Pelo lado da União, se percebe uma ligação com o Prado Independência, permitindo inclusive que, no seu interior, se construísse o primeiro velódromo de Porto Alegre. Encontramos também Sergio da Costa Franco (1988) afirmando que o turfe é o único esporte genuinamente nativo. Desse modo, podemos afirmar então, que apenas o ciclismo e o turfe são as atividades esportivas nas quais a comunidade teuta de Porto Alegre não foi pioneira. 29 Correio do Povo, 5 de fevereiro de 1905. 52 O Correio do Povo, em 1905, saudava que dois anos antes havia sido fundado o primeiro clube de remo brasileiro de Porto Alegre, o Clube de Regatas Almirante Tamandaré (os outros eram o Ruder Verein Porto Alegre e o Ruder Verein Germânia), e afirmava que, além do turfe, os clubes esportivos da cidade eram: “... três sociedades velocipédicas, três de regatas e natação, duas de gymnastica, uma de tiro e duas de football”.30 Sem dúvida nenhuma, podemos destacar como sociedades esportivas nacionais a União Velocipédica, o Almirante Tamandaré e o Club Gimnástico Riograndense. O outro clube de ciclismo talvez seja o Recreio Militar pertencente à Brigada Militar, que inaugurou um velódromo do Cristal, em 1900, e de quem encontramos uma única referência.31 Se esta informação estiver correta, são quatro dentre onze agremiações, sobrando sete teutos. Todavia, a aceitação de teutos nestes clubes era algo bastante comum, o que fazia deles a maioria dos sportmans portoalegrenses. Assim, é o caso do Tamandaré, que tem, na sua primeira regata de instalação em sete de setembro de 1903, três nomes de futuros sócios do Grêmio Porto-Alegrense: Sommer, Panitz e Deppermann. Todavia, gostaríamos agora de alterar este placar e acrescentar ao menos uma dúvida dentre as onze sociedades contabilizadas, o que talvez estabeleça seis clubes de matriz cultural teuta ao invés de sete como contabilizamos. O que nos parece ser decisivo para classificar uma sociedade como nacional ou estrangeira são seus documentos: estatutos e programas de seus eventos (jogos, corridas, ou apresentações de ginástica). Neste caso, apesar dos documentos em português, nenhuma das fontes pesquisadas no período exalta o caráter nacional do Grêmio PortoAlegrense. Nem mesmo durante ou após a Primeira Guerra Mundial, quando esta discussão dominava todos os círculos sociais. No Rio Grande do Sul Sportivo (Carvalho e Lemos, 1919), provavelmente escrito no auge do conflito mundial, encontramos também as mesmas críticas aos clubes de remo de origem teuta, por terem seus estatutos redigidos em alemão, bem como as instruções de remo e as respectivas ordens de comando nas embarcações, dificultando, portanto, a prática de remo por quem não era falante da língua alemã. Tudo bastante coerente com o discurso nacionalista da época, não fosse o foot-ball. A mesma obra trata do Sport Club Internacional, como o primeiro clube de elementos nacionais da cidade, e mais uma vez não se diz nada a respeito do Grêmio, nem nacional tampouco teuto. É 30 Correio do Povo, 5 de fevereiro de 1905. Sem encontrarmos outra referência, imaginamos que a terceira agremiação ciclística seja, na verdade, uma referência ao velódromo inaugurado pelo 3º Batalhão da Brigada Militar no Bairro Cristal, em suas dependências, chamado de Recreio Militar, no ano de 1900. 31 Correio do Povo, 10 de março de 1900. 53 evidente que, em se tratando de um período de guerra contra nações estrangeiras e principalmente no contexto de Porto Alegre, onde havia tantos teutos e descendentes, a questão nacional fosse mais forte, o que gerou conflitos muito fortes na cidade, principalmente em abril de 1917. No entanto, o enaltecimento da nacionalidade brasileira como sendo uma forte característica do Internacional é ressaltada na obra que tem como um dos co-autores Antenor Lemos, que era, não apenas um dos fundadores do clube, como também presidente eleito para o ano seguinte à publicação e futuro presidente da Federação Rio-Grandense de Desportos. Se neste período de guerra, demonstrar o patriotismo era tão importante, não fica dúvida quanto à notoriedade dos clubes nacionais pioneiros no desporto, ainda mais em uma cidade com tantas agremiações de origem teuta. Estranho é que Lemos e Carvalho nada falam sobre o assunto, quando da apresentação do Grêmio, mesmo possuindo importantes elementos nacionais, e, curiosamente, nada que pudesse desprestigiá-lo, a despeito do grande número de teutos que eram sócios gremistas. Voltando aos velódromos, a rivalidade entre a União e a Blitz foram estampadas semana a semana nas páginas dos periódicos da cidade. E isso não se percebe somente em disputas por vitórias ou por recordes de velocidade. Ela tem momentos de grande tensão, com discussões que saem dos velódromos e tomam as ruas, com acusações de favorecimento por parte da arbitragem, com um ciclista trocando de lado e também com uma acusação de “profissionalismo” por parte de um atleta. Com tamanha rivalidade, é mais do que normal que os sócios da União não quisessem ficar para trás. Ainda mais ao saber que a Blitz entrava de vez nessa nova modalidade esportiva com a fundação do Fuss-Ball Club Porto Alegre. Ao que tudo indica, a admissão de novos sócios pelo Grêmio era uma preocupação desde sua fundação, sendo rejeitados quatro candidatos, logo na terceira reunião do clube, primeira em que se discutiu o assunto, realizada dia 30 de setembro de 1903. Neste dia, foram aceitos os primeiros sócios, sendo que “alguns eram da União Velocipédica. E a rivalidade que havia no ciclismo entre as duas agremiações locais passou para o futebol”32, como afirma Pires. Talvez já houvesse um ciclista dentre os fundadores. Na segunda reunião do Grêmio, de acordo com sua ata, consta que além do oferecimento da residência de 32 Pires (1967). Não encontramos referências aos nomes rejeitados, mas a versão em torno da não aceitação dos irmãos Poppe, no Grêmio, de quem falaremos no próximo capítulo, se baseia nesta rigorosa seleção que duraria por muitos anos ainda. 54 Joaquim Ribeiro para as reuniões e a doação da famosa bola de foot-ball por Cândido Dias, foi também doada uma bomba de inflar, por Guilherme Kallfels. Sendo Porto Alegre a “... cidade onde mais tem progredido o cyclismo”33, e tendo o Fuss-Ball que mandar fazer uma bola, por não encontrar uma à venda, é possível que Kallfels já possuísse o artigo, por ser um ciclista, porque, se não havia bola de futebol para a venda, esta parece a única justificativa para a bomba. Túlio de Rose confirma a força do ciclismo em ambos, destacando a rivalidade que passa dos velódromos para o campo de futebol: “A fundação das duas agremiações de foot-ball veio pôr de novo à prova a animosidade das duas sociedades ciclísticas, então já em decadência. A Blitz acolheu o Fuss-Ball. O Grêmio andava de Herodes a Pilatos. Depois, a União Velocipédica ofereceu a “polouse” para os jogos do novel clube. E com isto entraram diversos elementos da referida agremiação nas fileiras do Grêmio” (Bordin e Devinar, 1983). Na verdade, a Blitz não acolheu o Fuss-Ball. Era ele, praticamente um departamento de foot-ball dentro da sociedade ciclística. E o Grêmio, que “andava de Herodes a Pilatos”, por não possuir campo de jogo, treinava na Várzea do Gravataí, invernada da Brigada Militar, no bairro São João, onde hoje se localiza o Aeroporto Salgado Filho; também no bairro Glória e na rua Dr. Timóteo, onde, segundo Pires, esteve em trato para adquirir o terreno. Porém, fixou seus jogos, no mesmo local onde jogara o Rio Grande, ao lado da União Velocipédica, quando esta lhe ofereceu seu velódromo. Ali, treinaram até a aquisição de seu campo de foot-ball, inaugurado em agosto de 1904. Não parece coincidência, e não podemos deixar passar, que esta oferta aconteceu na mesma reunião em que foram aceitos os sócios da União. Na reunião do dia 18 de novembro, na casa de Joaquim Ribeiro (como todas deste período inicial), compareceu Reinaldo Schoeler, captain do Fuss-Ball, propondo um desafio entre seu clube e o Grêmio. Este foi o primeiro jogo entre ambos, com desafios do primeiro e segundos times, disputado no velódromo da Blitz (futuramente chamado de campo da Voluntários da Pátria), e ambas as partidas foram vencidas pelo Grêmio, pelo mesmo placar: 1x0. O interessante aqui é que o nome do desafio principal disputado semestralmente (anual a partir de 1907) entre os clubes, até o ano de 1912, era o mesmo de uma tradicional disputa entre a União e a Blitz: Wanderpreis (troféu 33 Expressão usada pelo Correio do Povo para descrever o desenvolvimento do ciclismo em Porto Alegre, em 1900. O velódromo da União Velocipédica seria inclusive o “melhor da América do Sul”. Correio do Povo, 22 de junho de 1902. 55 itinerante, ou seja, um prêmio levado pelo vencedor de cada disputa, até o máximo de três, quando era proposta uma nova taça após a conquista definitiva da anterior), e também mesmo nome das disputas entre Ruder Club Porto Alegre e Ruder Verein Germânia. Um nome alemão, mas não se poderia esperar algo diferente, já que a proposição da disputa da taça aconteceu por parte do Fuss-Ball. Nestes anos que se seguiram, podemos ainda destacar algumas questões comuns às sociedades de ambos os esportes. Os programas das disputas ciclísticas da Blitz foram criticados pelo Correio do Povo, por estarem escritos somente em alemão. A última vez que isto ocorreu foi em 1901. A partir daí, Blitz e seu herdeiro Fuss-Ball nunca deixaram de fazê-lo em alemão e em português, fato que pode ser visto desde o primeiro jogo entre Fuss-Ball e o Grêmio, em seis de março de 1904. Porém, o mesmo não acontecia nos jogos mandados pelo Grêmio em seu campo inaugurado em agosto. Lá os programas eram apenas em português. Por ocasião da exposição de 1904, de Saint Louis nos Estados Unidos, a União Velocipédica mandou vasto material. Este, constituiu-se de fotos de seus campeões, programas de festas, um álbum contendo seu histórico, medalha, faixa e uniforme; que, aliás, se parecia muito com o do Grêmio, que tinha camisas com listras horizontais nas cores azul e havana, enquanto o da União também era com faixas horizontais, mas nas cores azul e branca.34 O material da União viajou para seu destino no final de janeiro, e teve a companhia de uma outra foto, solicitada em dezembro pelo próprio Intendente José Montaury ao Grêmio Porto-Alegrense. Assim, foi para Saint Louis sua primeira foto e única com este uniforme, que mudaria em julho do mesmo ano. Na foto, estão 23 jogadores uniformizados, pela primeira vez (já que o primeiro jogo foi realizado apenas em março), sendo prova singular da semelhança com o uniforme da União. Segundo Pires, as cores foram escolhidas na mesma reunião em que foram aceitos os sócios da União (Pires, 1969). As primeiras reuniões da União Velocipédica aconteciam no Prado Independência, e o primeiro velódromo de Porto Alegre acabou por ser construído pela União, na parte interna deste prado, o que nos revela uma ligação dos sócios deste clube com os turfistas, ambos tidos como agremiações nacionais. O derradeiro velódromo da 34 Algumas fontes falam que esta primeira camisa seria por influência de um importante clube inglês da época, o Exeter City, hoje na 4ª divisão inglesa. O Exeter ficou famoso por ser a primeira equipe a jogar contra a seleção brasileira. Sua excursão ao Brasil foi, inclusive, o grande motivador desta que foi a primeira seleção brasileira de futebol. Todavia, tal enfrentamento deu-se apenas em 1916, fato de extrema importância para o novo esporte e amplamente difundido em todo o país, mas que por isso, não justifica tal influência em 1903, até mesmo pelo fato de não constar em nossas principais fontes. 56 União Velocipédica, inaugurado em 1899, é este localizado na Redenção, contudo a primeira área projetada para sua localização e que chegou a ter acertada sua compra em outubro de 1898, segundo Licht (2002, p. 54), foi a área vizinha ao Deutscher Schützen Verein (Associação Alemã de Atiradores), local adquirido pelo Grêmio em 1904, para construção de seu campo de futebol, no bairro Moinhos de Vento, chamado pela comunidade teuta de Schützenverein Platz.35 O seu acentuado declive parece ter sido o motivo pelo qual a União repensou a área, aliás, local vizinho também ao Prado Independência. Apesar de ser um clube notoriamente pertencente à comunidade teuta, o Schützenverein por vezes parecia ter mais entrosamento com outras sociedades. Um exemplo é a curiosa a realização de um préstito, em 1898, pelo clube dos atiradores alemães no qual os sócios da União foram convocados a acompanhar, sem que houvesse a mesma referência por parte da Blitz. Talvez por, originalmente, ser formado a partir de uma dissidência do Turnerbund, e disso tenha ficado certa rivalidade, que infelizmente não podemos comprovar. Mas também a proximidade geográfica com o Prado, e, a partir de 1903, com o vizinho Grêmio. Entretanto, é importante lembrar que muitas destas sociedades, nas quais se dá ênfase à nacionalidade brasileira possuíam muitos sócios de origem teuta. Desta forma, mais por uma rivalidade clubística, mesmo que originada por uma afinidade nacional, havia agremiações que eram mais próximas, formando basicamente dois grupos. E este fato se dava pela necessidade já mencionada dos sportmans não praticarem apenas em uma modalidade esportiva. Sendo assim, uma pessoa de origem teuta faria remo no Germânia, ginástica no Turnerbund, daria preferência às corridas no Prado Navegantes, talvez, seria também sócio da Blitz, e, claro, do Fuss-ball Porto Alegre.36 Do contrário, remo no Ruder Porto Alegre37 ou no Almirante Tamandaré (a 35 Campo dos Moinhos de Vento na década de 1910 e Baixada, posteriormente, até sua permuta pela área do Estádio Olímpico, em 1954. 36 Um interessante exemplo são as corridas e as demonstrações de ginástica realizadas em 8 de julho de1901 pela Blitz e Turnerbund, respectivamente, no velódromo da primeira, “...em honra dos Brummers, membros da Legião Allemã que aqui chegou em 1851”, como noticiado no Correio do Povo, 10 de julho de 1901. Tais demonstrações aconteceriam também no campo do Grêmio, anos depois; motivadas por um sócio comum a ele a ao Turnerbund, Georg Black. 37 Como exemplo, citamos uma notícia no Correio do Povo dando conta de uma grande vitória da União Velocipédica, em 1897, destacando os cumprimentos de um sócio do Ruder Club Porto Alegre ao presidente da União, e mais nenhuma outra, diferente do costume entre os sportman. Correio do Povo, 12 de janeiro de 1897. Não podemos deixar de dizer também que estas ligações mudaram a partir de 1909, com a fundação de outros tantos clubes de foot-ball, quando estes tradicionais clubes passaram a ter ligação apenas com os dois pioneiros do futebol independente desta tendência destacada. Os novos clubes de futebol foram descritos algumas vezes, como não tendo entre seus sócios remadores, por exemplo. 57 partir de 1903), ginástica no Rio-grandense, ciclismo na União, futebol no Grêmio Porto-alegrense e as corridas no prado Independência ou no prado Rio-Grandense, quem sabe. Com relação ao ciclismo, as ligações mais fortes entre Blitz e Fuss-Ball, e entre União e Grêmio parecem indicar uma escolha que aos poucos foi sendo feita entre o ciclismo e o futebol. Pelo que vimos, costumes, nomes, além de atletas, foram emprestados do ciclismo ao futebol cedendo, inclusive os espaços que em poucos anos foram tomados em absoluto. Não deixa de ser interessante notar que os nomes da primeira direção gremista eleita por ocasião de sua fundação cederam lugar, no ano seguinte, para alguns dos novos sócios do dia 30 de setembro, sócios da União Velocipédica. Nos anos seguintes, apenas Osvaldo Siebel, dos sócios fundadores viraria presidente. Não foram apenas nomes da União nestes anos subsequentes, mas encontramos sócios que não eram mais “jovens do comércio da praça XV”, e, sim, importantes empresários da cidade, donos de grandes casas comerciais, além do próprio Intendente Municipal.38 Parece evidente que o prestígio da União Velocipédica, que contava já em 1900 com mais de mil sócios da elite porto-alegrense, fosse herdado pelo Grêmio. Da mesma forma, este foi bastante prestigiado pelas páginas dos jornais da cidade, em comparação a seu rival Fuss-Ball, ganhando muito mais espaço. Todas estas fontes abundantes sobre o Grêmio Porto-Alegrense nos permitem, agora, descobrir o motivo pelo qual ele não é caracterizado como teuto, tampouco como luso-brasileiro em nenhuma das obras citadas, nem mesmo em Lemos e Carvalho, que nos parece a mais inquisidora, além da rivalidade já existente entre Grêmio e Internacional, em 1919. Suas ligações com ambos os lados o caracterizam como um clube híbrido quanto a sua nacionalidade. Possui muitos sócios de origem teuta, mas não tantos quanto o Fuss-Ball, ao mesmo tempo em que os sobrenomes portugueses são poucos, mas de importantes figuras dentro da sociedade porto-alegrense. Dessa forma, durante as duas primeiras décadas do século XX, não encontramos nenhuma fonte que o tenha caracterizado por uma matriz cultural de qualquer tipo de nacionalidade. 38 Afirmação feita com base no simples cotejo dos nomes dos principais empresários de Porto Alegre na obra de Lloyd (1913), com os nomes dos sócios do Grêmio Porto Alegrense listados em sua totalidade até o ano de 1912, na obra de Pires (1969). 58 Aquilo que acontece no Grêmio nos parece mais próximo de uma “encampação” por parte de sócios da União Velocipédica e que deixaram marcas bastante fortes no sentido de torná-lo uma agremiação de expressão da sociedade porto-alegrense, já nos seus primeiros anos. Não que os jovens do comércio que o fundaram não pudessem levá-lo aos êxitos esportivos e sociais dos anos seguintes. Contudo, a identificação dos sócios da União com este parece decisiva no sentido de, pelo menos, acelerar o processo que tornou o Grêmio o principal clube de foot-ball da elite de Porto Alegre, nos anos seguintes. Enquanto o Fuss-Ball ficou marcado apenas como clube de futebol dos alemães. 3.3 O silêncio e o Rio-Grandense Os anos posteriores à fundação de Grêmio e Fuss-Ball foram tempos de uma luta do ciclismo para resistir ao futebol, ou talvez de entrega, já que a vitória foi do association. Até 1908, Grêmio e Fuss-Ball, jogaram apenas entre eles, disputando o Wanderpreis entre os primeiros times e o Vereinspreis entre os segundos times. Vez por outra havia uma taça diferente em disputa, e sempre por algum motivo especial, como o Gutschow, ainda em 1904, vencido pelo Fuss-Ball por 4x1. Na verdade, os dois torneios entre primeiros e segundos times eram semestrais, se incluirmos todas as disputas, como podemos ver no anexo B. Em raros jogos, o vencedor foi o Fuss-Ball. Apenas nos Wanderpreise de 1904 (segundo), 1908 e 1909. Enquanto isso, o Grêmio possuía cinco, com a última conquista em 1907, e apenas um empate, sendo que nas outras competições a única vitória do Fuss-Ball fora no Gutschow. As partidas noticiadas nos jornais são os treining-matchs, e, com um pouco mais de destaque, os matchs-internos, jogos também de duas equipes do próprio clube, mas com motivos festivos ou com alguma peculiaridade: casados contra solteiros, primeiro contra segundo quadro, como o jogo em benefício ou em homenagem a alguém ou outra agremiação, assim como encontramos apresentações de ginástica no campo do Grêmio. Um exemplo importante é a partida entre as duas equipes do Grêmio para a inauguração de sua cancha, em 14 de agosto de 1904, quando a segunda partida foi realizada entre duas equipes do Fuss-Ball. Festas que tiveram ampla divulgação da imprensa, e, ao contrário daquilo que poderíamos pensar hoje, partidas tão importantes quanto a disputa 59 de qualquer troféu entre os dois clubes, inclusive com a presença de assistência numerosa. Contudo, se observarmos a tabela do anexo B, encontraremos uma significativa diminuição dos jogos entre as agremiações. Mesmo se pensarmos nestas partidas festivas entre equipes do próprio clube (não chegavam a três por ano), é sensível a diminuição dos eventos de foot-ball, principalmente nos anos de 1907 e 1908. O que é importante, pois pode ser reflexo do desinteresse da população pelo association. Fato é que, da mesma forma, diminuíram os noticiários sobre ele. Não é algo simples, pois, de certa forma, se impõe a pergunta sobre o que teria vindo primeiro: diminuiu o fascínio sobre o futebol, e assim as notícias tornaram-se escassas, ou as notícias tonaram-se escassas e, dessa forma, o foot-ball perdeu o interesse? Com as partidas diminuindo, estranhamente, o noticiário destas poucas partidas não possuía mais a mesma extensão que em 1903 e 1904. A novidade parece que havia passado. Também até 1908, o foot-ball não chegou perto da grandeza atingida pelo ciclismo. Para uma análise mais consistente desta hipótese, teríamos de, ao menos, investigar se a mesma coisa acontece em outros periódicos. Todavia, nosso interesse é apenas apontar para o fato de que o futebol ainda não havia atingido a mesma importância que o ciclismo. Um exemplo é com relação à cartografia da cidade, que em momento algum apontou a localização dos clubes de futebol, como fizera com os hipódromos, velódromos, agremiações de remo, entre outros. A Planta de Porto Alegre de 1906 ainda aponta os velódromos, mesmo que neles inexistam atividades, entretanto não se vê nada relativo ao futebol ou aos seus campos (anexo C).39 Muitas vezes, o espaço dedicado ao ciclismo, mesmo em decadência, trazia também notícias do futebol. Faziam-se convites aos sócios da Blitz para comparecerem ao futebol ou, da mesma forma, os sócios da União. O convite de sentido inverso, clubes de futebol para o ciclismo, foram se tornando cada vez mais raros, até desaparecerem. A União pereceu mais cedo que a Blitz. Tendo em vista que esta última continuava mobilizada em torno de seu vínculo com o Fuss-Ball, sobreviveu mais tempo que a União, que não tinha o mesmo vínculo com Grêmio. Neste caso, parecia uma transferência de sócios, enquanto no Fuss-Ball eram os mesmos associados da Blitz. Antigos membros da União já lançavam campanhas e incitações para salvá-la, no 39 Cartografia Virtual Histórica-Urbana de Porto Alegre (Instituto, 2005). Esta obra feito um levantamento de todos as plantas cartográficas da cidade, na qual acabaram incluindo em um CD-ROM, os mapas mais significativos de 1833, com a primeira planta conhecida da cidade, até 1944, quando novas tecnologias mudam a tradicional cartografia de então. 60 início de 1905, enquanto a Blitz ainda disputava algumas corridas. Ainda assim, desapareceu logo em seguida, e sem as mesmas campanhas para reavivá-la, como se publicavam para a União. Continuavam os clubes de remo, ginástica, tiro, todos! Apenas o ciclismo sucumbiu, e acreditamos que o principal motivo se deva a sua ligação umbilical com o futebol. Agora a rivalidade dos velódromos corria com os pés no chão, atrás de uma bola. Mesmo assim, o foot-ball ainda tinha um importante caminho a percorrer para que atingisse o sucesso outrora alcançado pelo ciclismo. Contudo, encontramos a existência de outros clubes de futebol. Alguns de existência efêmera, como o Club de Foot-ball Alliado, convidando o Grêmio para sua festa de inauguração, em dezembro de 1904. Pouco antes do Alliado, em setembro de 1904, por ocasião do segundo Wanderpreis e Vereinspreis, encontramos, em A Federação, a notícia de dois clubes que disputariam uma partida na Redenção. Na coluna de “Theatros e Diversões” (espaço onde, de início, costumeiramente se noticiavam os esportes), com o subtítulo de “Football”: “Também no Campo da Redempção bater-se-ão em desafio de 25 partidas, às 3 horas, o Sport Club da Bola e o Foot-Ball Redempção”.40 O que seriam as 25 partidas? Para a época, era inviável. Somente foram atingidas vinte e seis partidas noticiadas nos periódicos investigados, no ano de 1909, e com a fundação de diversos outros clubes. Seria o, até então, bastante conhecido “jogo da bola”? Logo em seguida, na mesma coluna, aparece o novo subtítulo chamado “Campeonato da bola”, dando conta das “... provas finaes do campeonato annual da bola, que tem sido ali (clube Júlio de Castilhos) disputado por diversas associações sportivas desta capital”.41 Sem a possibilidade de tratar-se do jogo da bola, que possuía um espaço exclusivo do periódico, resta mesmo o futebol. Infelizmente, nos outros dias, não se falou mais nos clubes, no resultado e tampouco em alguma das outras 24 (!) partidas. Ambas as informações são de 1904, portanto não parece ter diminuído o entusiasmo pelo futebol. Sem o resultado deste encontro ou algo sobre o Club Alliado, mais parece falta de entusiasmo dos periódicos pelo novo esporte. Outro caso importante para afirmar que o interesse pelo association não diminuiu é o Fuss-Ball Mannschaft Frisch Auf (Equipe de Futebol Sempre Avante), 40 A Federação, 24 de setembro de 1904. Apenas em 1909 este periódico separou os esportes da seção chamada “Theatro e Diversões”, dedicando um espaço maior e mais regular aos esportes, chamada “Secção Sportiva”. 41 A Federação, 24 de setembro de 1904. 61 clube ligado ao Tunerbund (sociedade alemã de ginástica), que, apesar de fundado neste período, em 1908, iniciou seus matchs apenas em 1909, como veremos no capítulo seguinte. Também uma notícia sobre o Frisch Auf nos ajudará a incluirmos mais um clube dentre os que frequentaram os campos de futebol em Porto Alegre até 1908. Há dias, uma commissão da Turnerbund, foi a Intendencia Municipal, pedir ao dr. Montaury, licença para fazer seus torneios de foot-ball no Campo da Redempção, no ground fronteiro a Escola de Guerra, onde já jogou o extincto Grêmio Foot-Ball Internacional. O dr. Montaury attendeu promptamente ao pedido da referida comissão.42 A notícia sobre a reutilização do antigo campo do Grêmio Foot-Ball Internacional, vai se repetir mais uma vez sem que saibamos se algum elemento do Sport Club Internacional (fundado em abril de 1909) havia feito parte do clube, ou, ainda, algum dissidente do Grêmio Foot-Ball Porto-Alegrense, já que o nome poderia indicar pelo menos alguma influência. Mesmo assim, é mais uma agremiação fundada neste período e, ao que aparenta, de curta existência. É possível que este clube ainda existisse no início de 1909 porque as notícias sobre o futebol começam a crescer somente no segundo semestre, quando a fundação de inúmeros clubes e partidas tem uma divulgação até então inédita, sobrepujando os tradicionais remo e turfe, como veremos no próximo capítulo. Neste caso, a única prova encontrada a respeito da existência desta agremiação são duas notas veiculadas no Correio do Povo, em junho de 1909, e cujo aparecimento deve-se à reutilização de seu campo. Arlei Sander Damo descreve o período até 1908 da seguinte maneira: “... e, verdade seja dita, até 1909 pouca coisa havia mudado” (Damo, 2002). Estes seis anos nos parecem importantíssimos, tendo em vista o surgimento de pelo menos dois clubes relevantes para o desenvolvimento do esporte na cidade. Tirante o silêncio historiográfico, Gilmar Mascarenhas de Jesus nos parece uma exceção, ao observar que esta ideia levou muitos historiadores a “... incorrer no erro de acreditar que apenas existiam estas duas agremiações em Porto Alegre até 1909” (Jesus, 2001a, p. 221). Jesus tem razão, e, além do Frisch Auf, o outro clube é seu conhecido, apesar de não tê-lo datado. Seu nome é Foot-ball Club Rio-Grandense, fundado em 12 de 42 Correio do Povo, 8 de junho de 1909. 62 dezembro de 1907, reconhecido como o “terceiro clube de futebol de Porto Alegre”.43 Parece curiosa a informação no Correio do Povo de que este clube, até o início da década de 1910, realizava apenas matchs-internos, ou seja, jogos com duas equipes do próprio clube, também chamadas de 1º e 2º quadros. Admitindo o Rio-Grandense como terceira agremiação de Porto Alegre, o periódico reclama que “essa demora de progresso, entretanto, justifica-se plenamente, tendo-se em vista que faltava ao Rio-Grandense competidores, que só mais tarde foram apparecendo. Vivendo isoladamente o club da rua Arlindo por maiores esforços que fizessem os seus dirigentes, jamais poderia conquistar a posição de destaque que actualmente occupa no nosso meio sportivo. Devemos, porém, confessar que, apezar de faltarem adversarios para o novel club, os seus fundadores se foram esforçando para que o desporto bretão desenvolvesse cada vez mais...”.44 De 1909 até o ano de 1912, encontramos, na cidade, mais de trinta nomes de clubes de futebol nas páginas dos periódicos. Portanto, como, e mesmo por qual razão, o primeiro match externo do Rio-grandense se realizaria somente em 1912? Tantos clubes entre tantos jogos noticiados e “faltavam competidores”? A resposta para essa questão vem em uma crônica de Lupicínio Rodrigues, publicada, originalmente, no periódico Última Hora (Rodrigues, 1995). Nela, consta que o Rio-Grandense fora fundado por seu pai, Francisco Rodrigues, Júlio Silveira (eleito primeiro presidente), Otacílio Conceição, Orlando Ferreira da Silva, José Gomes, entre outros, e seria um clube de negros. Na verdade, mulatos ou homens de cor, como refere o próprio Lupicínio. Com efeito, a resposta as perguntas estaria justamente na cor da pele: faltavam competidores negros ou mulatos. Por esse motivo, parece mais fácil compreender o “isolamento” ou sua “demora de progresso”, e assim não haveria adversário para o Rio-Grandense, mesmo com a grande quantidade de agremiações já no início da década de 1910. Na metade da década de 1910, com o surgimento de outros clubes fundados por negros e mestiços, somado a não aceitação destes pelas ligas existentes até então, como descreve Lupicínio no caso do Rio-Grandense, estes fundam sua própria liga, no ano de 1920, chamada curiosamente de “Liga Nacional de Foot-Ball”, que recebeu o epíteto 43 Afirmação que consta no Correio do Povo por ocasião do aniversário de 18 anos do clube, em 1925. Entretanto, duvidamos também desta informação, e citaremos outro clube mais antigo que o RioGrandense, mais adiante. Ao menos por sua longevidade foi reconhecido como terceiro, durante mais tempo. 44 Idem. 63 pejorativo de “Liga da Canela Preta”. A justificativa para o nome é que a liga oficial da cidade era formada por clubes “europeus”, devido à predominância de sobrenomes alemães, italianos e de outras nações da Europa (Jesus, 1999a, p. 152). Fica evidente a tentativa desta comunidade negra porto-alegrense, excluída da prática do futebol, de procurar sua forma de inserção na sociedade brasileira do pós-abolição. Após a Primeira Guerra Mundial, pareceu não restar dúvida de qual o caráter da identidade que deveriam reivindicar. E reivindicaram a que lhes sobrara: a nacional. Existe outra referência no Correio do Povo sobre outro clube de longevidade menor que o Rio-Grandense, contudo mais antigo. Tentemos decifrá-lo com nossas fontes. O geógrafo Gilmar Mascarenhas de Jesus possui, talvez, os dois únicos trabalhos sobre a “Liga da Canela Preta”.45 Os clubes que dela faziam parte eram: “Primavera, Bento Gonçalves, União, Palmeiras, Primeiro de Novembro, Rio-Grandense, 8 de Setembro, Aquibadã e Venezianos” (Jesus, 2001a, p. 150 e 151). Mas além do RioGrandense, é provável que existisse pelo menos mais um, fundado antes da grande proliferação de clubes de futebol de 1909, em Porto Alegre. Encontramos algumas informações no mesmo jornal, em 1911, que podem dar algumas pistas sobre o período que nos interessa: Acabaram de entrar para o quadro de jogadores do F.B.C. 20 de Setembro os foot-ballers Alfredo Alves dos Santos, Pedro Lima, Antonio Barcellos e Manoel Derciliano. Também entrou para aquelle club o conhecido sportsman Conrado de Oliveira Bueno, que jogou sempre admiravelmente na posição de center-half no Primavera F.B.C. As cores do fardamento do 20 de Setembro, preta e verde passaram a ser doravante, preta, verde e branca.46 Seria esse Primavera o clube apontado por Gilmar Mascarenhas como sendo uma das agremiações da canela preta da década de 1920? Alguns meses depois, os mesmos dois clubes voltam a ser citados, e novamente de forma conjunta, quase que formando uma dupla, independentemente dos tantos clubes que já existiam no ano de 1911. 45Além do já citado, O futebol da canela preta (1999a), publicou também Esporte e Mito da Democracia Racial no Brasil: Memórias de um apartheid no futebol (1999b). 46 Correio do Povo, 27 de abril de 1911. 64 Realisou-se quarta-feira ultima, na sede do Fuss-Ball 20 de Setembro, uma sessão com o fim de proceder a eleição da directoria para o anno de 1911-1912, e que ficou assim constituída: Presidente, João Pereira; vice-presidente, Olympio Costa; 1° secretario, Cícero Manoel Ribeiro; 2° Dito, João Baptista Silva; thesoureiro, Nicolau Amaral; guarda-sport, Luiz Conceição; 2° Dito, Narciso Conceição. Captains: 1°, João Maximiliano; 2°, Lourenço Teixeira. Esse club esta preparando o seu 1° team para bater-se com o Primavera FootBall Club, sendo conferidas 11 medalhas de prata aos vencedores; o encontro devia realisar-se hoje, em commemoração do 4° aniversario do Fuss-Ball 20 de Setembro, tendo sido transferido por força maior.47 Esta nota justifica o motivo de avançarmos até 1911. Neste ano, com o aniversário do Fuss-ball Club 20 de Setembro, temos a revelação de que sua fundação acontecera em 20 de setembro de 1907, consequentemente, mais antigo ainda que o Rio-Grandense. Em vista disso, podemos concluir que os seis anos entre a fundação dos dois pioneiros e o Sport Club Internacional não significaram um desinteresse dos habitantes de Porto Alegre pelo foot-ball, mas, sim, como dissemos antes, representam um silêncio sobre o período, principalmente por parte dos periódicos. Nestes mesmos trechos citados, temos outras questões. Esse Primavera Foot-ball Club seria o mesmo da Liga da Canela Preta de 1920? O 20 de Setembro seria um clube de origem teuta, como pode indicar a palavra fuss-ball ao invés de foot-ball (mais comum, já que o esporte é originalmente inglês)? O problema é que uma questão tem ligação com a outra. Comecemos pelos nomes: fuss-ball pode ser por uma influência do já tradicional Fuss-Ball Club Porto Alegre, daí uma simples escolha de gosto. Outra possibilidade é o erro do jornal, tendo em vista encontrarmos, algumas poucas vezes, é verdade, a palavra foot-ball trocada por fuss-ball, mas também, e principalmente, muitos nomes de clubes contendo algum equívoco, mesmo os mais conhecidos. Em ambos os casos, é possível que a palavra fuss-ball signifique uma ligação obrigatória com a comunidade de origem teuta. Ainda mais pelo fato de que pessoas de origem diversa também falavam alemão, inclusive negros do bairro Colônia Africana48, que teriam aprendido o idioma por trabalharem junto a essa grande comunidade existente na cidade. Por outro lado, não podemos afirmar com absoluta certeza que este 20 de Setembro pertencia à comunidade negra da capital, já que com relação ao Primavera temos mais informações. Será que ele, ou o Primavera, já não teriam disputado alguma 47 Correio do Povo, 21 de setembro de 1911. 48 Para negros que falavam alemão em Porto Alegre ver Rosa (no prelo). 65 partida com o Rio-Grandense antes de 1912? Entretanto, a polêmica relatada por Jesus dentro da liga, pelo fato do Rio-Grandense declarar-se clube de mulatos e não de negros, pode explicar seu afastamento do Primavera e do 20 de Setembro. Por outro lado, a relação, em 1910, entre Rio-Grandense e Centro Sportivo Operário, clube que tem sua matriz identitária ligada à classe trabalhadora (do Correio do Povo, inclusive, como veremos mais tarde), pode ser muito mais desejável do que os dois anteriores. Difícil falar sobre estes clubes. As informações que encontramos são escassas, e de períodos posteriores a seu início, no entanto, não é impossível, como afirmou certa historiografia. Parece realmente que, de início, o futebol não despertou o mesmo interesse que o ciclismo ou outros esportes já mais tradicionais em Porto Alegre. Não temos dúvida de que o Sport Club Bola, Foot-Ball Redempção, 20 de Setembro ou Rio-Grandense – não parece ser o caso do Club de Foot-Ball Alliado e talvez do Grêmio Foot-Ball Internacional – não pertenciam à mesma camada social de Grêmio e Fuss-Ball. Em outras palavras, tivessem vínculos com o estrato certo da sociedade porto-alegrense, haveria uma maior veiculação de suas notícias nos periódicos da cidade. A lacuna do período de seis anos é, pois, motivo do descaso das classes que apenas tinham olhos para as novidades europeias, e tudo mais que fosse chic, veiculando nos meios de comunicação apenas as notícias que os atraíssem. Infelizmente, esta seleção acabou por deixar raras fontes sobre as atividades esportivas do restante da população, que, além disso, são incertas, dificultando a caracterização destes clubes. Essa inexpressividade histórica é marca de uma época em que estas agremiações, não possuindo relevância cultural e econômica, sucumbiram frente às mais afortunadas, apesar de sua importantíssima contribuição para a difusão do foot-ball nas camadas mais populares, cujo resultado mais expressivo talvez seja o boom de 1909. O Rio-Grandense é o melhor exemplo deste caso, ou melhor, descaso. Inicialmente, não se encontram notícias suas nos anos próximos à sua fundação. Como a perseverança de seus sócios não foi pouca, possibilitou, e talvez tenha inspirado, que outros clubes de negros e de mestiços se formassem. A fundação da Liga Nacional de Foot-Ball, em 1920, acabou por garantir-lhe algumas poucas, porém importantes, linhas na historiografia. Por último, cabe colocar mais uma história, que pode revelar algo sobre aquilo que chamamos de “hibridismo gremista”. 66 Existe uma história popular bastante difundida de que a área do antigo campo dos Moinhos de Vento, pertencente ao Grêmio, foi doado por Laura Mostardeiro, a mesma que recebeu como homenagem o nome de uma das ruas que ficava ao lado do campo. Essa história dizia que Laura doou a área na condição de que o Grêmio proibisse terminantemente que negros fizessem parte de seus quadros, em razão de que seu marido havia sido morto por um, e desde então ela nutria um grande ódio, que foi estendido a todos os negros e mulatos. Só após sua morte o Grêmio estaria livre da promessa. Por sua vez, seria este o motivo pelo qual o primeiro negro teria jogado no Grêmio Porto-Alegrense apenas em 1952, quando ninguém menos que o craque da seleção brasileira Tesourinha, ex-jogador do grande rival, o Internacional, teria entrado no campo dos Moinhos de Ventos com a camisa gremista. Na verdade, essa história não passa de uma lenda, tendo em vista a comprovação de que a área foi comprada, e não recebida, como demonstram diversas fontes.49 O próprio clube contesta o fato com fotografias das décadas de 1910 e 1920, que comprovariam também que Tesourinha não foi o primeiro negro e/ou mulato a jogar no Grêmio. Antes dele teriam jogado Antunes, em 1914, e Adão Silva, em 1925, além de outros tantos esquecidos pela diferença alimentada pela rivalidade entre Grêmio e Internacional, surgida posteriormente, e que deu ao último o epíteto de “clube do povo”. Mesmo que a “doação” da Baixada (nome que veio a receber o campo dos Moinhos de Vento) não passe de uma tradição oral e que possa ter sido criada apenas para justificar o número quase inexpressivo de negros e mulatos no time do Grêmio, é curioso que o terceiro clube fundado em Porto Alegre com certa longevidade tenha sido o Rio-Grandense. Assim como também seria, no mínimo, interessante descobrir com quem estes teriam aprendido o association. As perguntas que ficam são: como negros e mulatos tomam conhecimento do foot-ball e passam a jogá-lo em 1907? Como foi esse primeiro contato? Foram os negros que falavam alemão? Proximidade do campo dos Moinhos de Vento com a 49 Não há nos estatutos do Grêmio tal cláusula, e da mesma forma, em abril de 1911, consta uma nota no Correio do Povo dando parabéns aos “... sócios do Grêmio Foot-Ball Porto-Alegrense pela aquisição definitiva que esse club effectuou do ground onde funcciona, no arrabalde dos Moinhos de Vento. A escriptura foi, ontem, lavrada no cartório do Coronel Oliveira Neves” (Correio do Povo, 23 de abril de 1911). Também Pires se refere a mesma história, conferindo os dados e datas do Correio do Povo com mais alguns detalhes a respeito da compra, falando inclusive sobre o empréstimo tomado junto ao Brasilianische Bank für Deutschland (Pires, 1969). 67 Colônia Africana?50 Aprenderam com o clube 20 de Setembro? Aí voltamos para a questão: Quem era o 20 de Setembro? É possível que nenhuma destas questões seja respondida, contudo, se o lapso permanecesse, a impressão de que a cidade não viu graça na novidade esportiva seria ainda uma equivocada e infeliz realidade. Além do mais, não parece pouco o fato de que, em Porto Alegre, foi fundado um clube de foot-ball por negros e mestiços, depois de apenas dezenove anos da abolição da escravidão. 50 Inserimos como anexo F uma imagem publicada na revista Máscara, em 1919, de um jogo no campo dos Moinhos de Vento onde ao fundo parecem ser pessoas no ponto mais alto da rua Dona Laura, que passava atrás no campo bem como nas árvores. Na área relatada, é possível perceber uma subida, que é início de um morro. A região pertencia ao bairro Colônia Africana, que teve seu nome alterado para Rio Branco, em 1911. As arquibancadas começaram a ser construídas em 1911, e inauguradas em 1912, e, dessa forma, ocorreu um cercamento consistente, apesar de não muito alto. Ao mesmo tempo, a área do campo ficava em um declive que era tão notório que se acabou por rebatizar o campo, que passou a chamar-se posteriormente de “Baixada”. 4 O BOOM DE 1909 E A LIGA DE FOOT-BALL PORTO-ALEGRENSE A emergência e a disseminação do esporte tem relações profundas com o processo de crescimento das cidades. Não por acaso o esporte e as cidades modernas teriam, inclusive, compartilhado várias características entre si. Cleber Dias Depois de seis anos, quando o torneio chamado Wanderpreis foi a única competição de foot-ball conhecida na cidade, o ano de 1909 começa promissor com o Sport Club Internacional. Fundado por uma camada social privilegiada, mostrava que ainda havia espaço para o crescimento do esporte na parte de cima da pirâmide social. Como o movimento não parou, no ano seguinte, finalmente, foi organizada a disputada de um verdadeiro campeonato. Sua organização deve-se a dois importantes fatores. O primeiro é a companhia que os dois pioneiros, Porto-Alegrense e Porto Alegre, passaram a ter com a fundação de outros tantos clubes dedicados ao esporte bretão. O segundo é, possivelmente, o mais importante, a aproximação das veteranas agremiações de 1903 com o Internacional e outras novas sociedades de futebol identificadas com a elite da capital. Entretanto, se já existiam outros clubes antes de 1909, a partir de então, o que se viu foi uma enorme propagação de outros tantos, os quais não seriam apenas compostos por elementos da alta sociedade, e que tentariam se aproximar, inclusive postulando a entrada na liga de foot-ball. Mantendo a distância destas agremiações sem tanta expressão, os anos de 1910 e 1911 seriam muito importantes para a consolidação de um modelo elitista esportivo, que, por sua vez, levaria muito tempo para acabar. É a partir deste momento que o foot-ball se consolida como a atividade esportiva favorita dos porto-alegrenses. 4.1 O foot-ball cai no gosto do porto-alegrense O ano de 1909 começa com muitas notícias sobre o association. As festividades do Fuss-Ball em comemoração à vitória no Wanderpreis do ano anterior, o Grêmio se preparando para iniciar a temporada, as tratativas para a visita do Sport Club Rio 69 Grande, porém a mais importante é, sem dúvida, a fundação de outros tantos clubes, que viriam a mudar o panorama esportivo da cidade. Além do Internacional, vieram, Militar, Nacional, 7 de Setembro e mais o Frisch Auf, fundado no ano anterior. A enxurrada de notícias apresentada torna-se um marco do êxito e da difusão do esporte. Mesmo que houvesse no período anterior, outros clubes além de Grêmio e Fuss-Ball, abriu-se a possibilidade de incluir nos noticiários inúmeras agremiações fundadas por pessoas das mais diversas origens, comprovando o sucesso do futebol. 4.1.1 Os clubes da elite A fundação do Sport Club Internacional, dia 4 de abril, foi de tamanha relevância que A Federação chegou a noticiar o clube antes mesmo do evento: “Em breves dias será organisada uma nova sociedade sportiva de foot-ball, a qual tomará parte no Wanderpreis do corrente anno. Para tratar do assumpto da fundação reúnem-se amanhã os interessados”.51 Portanto, não era a primeira reunião em que se discutia a fundação de um novo clube de futebol52, já que os dois elitistas existentes aceitavam poucos sócios e apenas por indicação. Além disso, é muito provável que estes jovens estudantes e trabalhadores do comercio de Porto Alegre não deveriam estar interessados em fazer parte de outros clubes, como o Rio-Grandense (se sabiam de sua existência). Nos meses que se seguiram, foram diversas as notícias de seus treining-matchs, ao mesmo tempo em que se noticiava que este desafiaria o Grêmio Porto-Alegrense para um match externo, que, anos depois, veio a ser conhecido como o “Primeiro GreNal”53, e que, em seguida, o desafiado seria o Fuss-Ball, confronto que acabou não sendo realizado, em virtude das datas e de outros clubes que surgiram como adversários, no decorrer do ano. Desse modo, desde os primeiros momentos o Sport Club Internacional recebia uma atenção até então dispensada somente aos pioneiros de 1903. Por sua vez, foi no mês de maio que o foot-ball teve ruidosa notícia, com a divulgação da partida na qual bateram-se o Sport Club Rio Grande, visitando pela segunda vez a capital, e o Grêmio Porto-Alegrense que acabou derrotado pelo placar de 3x1. Após essa partida, seguiu-se um mês de euforia entre os aficionados do “sport 51 A Federação, 3 de abril de 1909. 52 Segundo a revista Goool, a reunião de fundação em 4 de abril já era a terceira em que se discutia a fundação de um clube de football. 53 A expressão Gre-Nal surgiu em1926, quando o jornalista e redator do Correio do Povo, Ivo dos Santos Martins, cansado de ter de escrever por extenso os longos nomes dos dois clubes, criou o termo, que levou ainda alguns anos para se popularizar. 70 inglês”. Os jornais anunciavam, além do desafio do Internacional, a disputa da “Taça Sportiva”,54 uma excursão do Sport Club Pelotas para a capital (acabou não acontecendo) e também da possibilidade de se fundar um liga de foot-ball (ocorrida apenas no ano seguinte). Esta última informação é significativa, pelo fato de que, a existência de apenas mais uma agremiação, o Internacional, ensejou a fundação de uma liga esportiva. Isso que a fundação de uma associação de clubes, com o novo Internacional, teria a intenção de criar vínculos entre estes, que, não por acaso, eram os clubes de uma parcela da sociedade que “melhor sabia cultivar” os sports, a elite. Podemos dizer que foi a partir deste momento que o foot-ball foi reconhecido como o principal esporte de Porto Alegre. Além do espaço dedicado ao noticiário em nossos dois periódicos investigados, o mesmo fica bem claro nas palavras do redator de esportes do Correio do Povo, Archymedes Fortini, que mais de uma vez, neste ano, exaltaria os benefícios dos esportes, e, principalmente, a forma como o association caíra no gosto da população: “Pode-se assegurar que o foot-ball é o sport da moda, a diversão preferida da nossa elite”.55 A morosidade que parecia reinar nos primeiros seis anos também foi reconhecida por ele e seu colega jornalista do periódico A Federação, que percebeu o mesmo interesse, afirmando, logo após a visita dos riograndinos: “Já se nota, felizmente, nos centros associativos do popular sport inglez mais enthusiasmo e animação pelo seu cultivo, e cresce cada vez mais o numero de seus admiradores”.56 Até mesmo por toda essa propaganda esportiva, é que neste mesmo mês de maio vemos pela primeira vez anúncios de artigos para a prática do foot-ball, bolas e bombas para inflá-las, além de equipamentos para outros esportes, como raquetes para o lawn tennis. O preço das bolas variava entre 12$000, 16$000 e 22$000, enquanto as bombas ficavam entre 4$000 e 8$000. A loja responsável pelas publicações em A Federação, foi justamente “Ao Preço Fixo”, de que falaremos mais adiante. Por sua vez, o mérito desse interesse, que em vista dos noticiários parece súbito, é dado aos riograndinos com a nova visita a Porto Alegre, e que, coincidentemente, é também o ano das fundações de importantes clubes na capital: 54 Competição entre segundas equipes de Grêmio e Fuss-Ball, instituída pelo jornalista de esportes do Correio do Povo, Archymedes Fortini, na qual deveria acontecer ao menos mais uma edição, porém desentendimentos com relação as datas foi deixada de lado, ficando a taça em definitivo com o Grêmio. 55 Correio do Povo, 13 de abril de 1909. 56 A Federação, 2 de junho de 1909. 71 Parece que a passagem do Sport Club Rio Grande, por esta capital, e que indelevelmente deixou a recordação mais brilhante, trará o completo e vivo estimulo da propaganda em prol do foot-ball, que hoje constitue um dos principaes sports no desenvolvimento physico da mocidade (A Federação, 2 de junho de 1909). A existência de dois clubes importantes (Frisch Auf e Internacional) nesse novo cenário que se descortina a partir de 1909 e a impressionante quantidade de notícias nos fazem pensar que o estímulo para a vinda do Rio Grande foi, justamente, do novo e vigoroso interesse da sociedade porto-alegrense, e não o contrário, como afirmam algumas publicações do Sport Club Rio Grande ou do Sport Club Internacional. Um dos exemplos enganosos quanto a essa importante visita, podemos encontrar em Antenor Lemos e Edmundo Carvalho, em 1919, ao dizer que “por ocasião da segunda excursão do Rio Grande a Porto Alegre reuniram-se vários rapazes de nossa melhor sociedade, tendo à frente os irmãos Henrique, José e Luiz Poppe e constituíram a sociedade...” (Lemos, 1919). Em outras palavras, a visita motivou a fundação do Internacional, tal como acontecera com Grêmio e Fuss-Ball em 1903, ligando os dois eventos como uma predestinação mitológica a partir do toque do “Midas Rio Grande”. O que Lemos e Carvalho não parecem recordar, ao escrever sua obra em 1918, é que a partida entre Rio Grande e Grêmio ocorreu em 23 de maio, portanto, quase dois meses após a fundação do Internacional. A mesma obra acaba sendo importante por outras questões, como a descrição dos fundadores, vinculando-os à “melhor sociedade”. Caracterização que não parece surgir apenas por vontade dos autores, um deles sócio do Internacional, pois se aproxima de importante obra de referência a respeito da história do clube, escrita por Carlos Lopes dos Santos. Ele descreve os fundadores como “um grupo de estudantes e jovens empregados no comércio e residentes nos arrabaldes da Azenha e do Menino Deus...” (Santos, 1984). Estas obras, associadas às duas fontes jornalísticas, descrevem da mesma forma os fundadores, fato que, aí sim, configura uma coincidência com relação a fundação do Grêmio Porto-Alegrense, surgido também por esforço de jovens do comércio, em 1903 – a despeito de rapidamente se configurar como clube de uma camada social mais elevada, a partir da entrada dos sócios da União Velocipédica. Não está claro o papel destes estudantes na fundação do clube, como refere Santos, porém eles afluíram ao Internacional nos seus primeiros anos, como bem observa o autor, destacando que tornaram-se médicos: Jorge Washington Martins, 72 Florêncio Ygartua Filho, Carlos Kluwe; engenheiros: Benjamin Vinholes, Rivaroll Padilha, Carlos Felippe Silla, Simão Alves da Silva Filho e Ildo Meneghetti. Foi planejada a escolha como Presidente Honorário do clube o “alto funcionário da Prefeitura e chefe político distrital” capitão Graciliano de Faria Ortiz, para dar mais prestígio à nova sociedade, que possuía como primeiro presidente eleito o jovem de 18 anos João Leopoldo Seferin. O futuro coronel da Guarda Nacional acabou por conseguir junto à municipalidade a cessão do terreno situado a rua Arlindo (área hoje do Hospital Porto Alegre) para os jogos do clube. Inaugurado em 25 de abril, o campo recebeu apenas treinings-matchs, tendo em vista que a área localizava-se ao lado do riacho (atual Arroio Dilúvio), responsável por desalojar o clube nos meses chuvosos. Tirante o pouco tempo de vida, já podemos perceber que os sócios do novo clube possuíam importantes relações na cidade, e, por isso, é possível que tenham tornado a agremiação rapidamente conhecida e simpática, como podemos ver nas muitas manifestações de apreço, que chamam a atenção nos periódicos desde a sua fundação. Entretanto, é importante não confundirmos o sucesso inicial do clube com popularização, no sentido de que atingisse as classes mais baixas. O processo de popularização do futebol estava apenas por começar, e, portanto, demoraria alguns anos ainda para que os clubes da elite porto-alegrense se “popularizassem”, isso se não se extinguissem. Por sua vez, se pensarmos em “popular”, no sentido de conhecido e simpático por muitas pessoas, podemos dizer, sim, que o Internacional era o mais “popular” de um universo elitista como foi a Liga de futebol fundada no ano seguinte. Poderemos entender melhor essa “simpatia” na obra de Lemos e Carvalho. Incumbidos de apresentar os principais clubes esportivos do Rio Grande do Sul, os autores também contam uma pequena história dos mesmos, quando a tônica da obra é valorizar as associações esportivas nacionais, senão lamentar uma origem outra que não a brasileira, como os clubes teutos que haviam acabado de mudar de nome depois dos conflitos decorrentes da Primeira Guerra Mundial (remo ou futebol).57 O Internacional é descrito, orgulhosamente, como sendo “... a primeira sociedade porto-alegrense de foot-ball inspirada e fundada por elementos nacionaes” 57 É estranho que o clube Canottieri Duca Degli Abruzi foi a única agremiação de remo a não ser citada nas páginas da obra de Carvalho e Lemos, apesar de ser já em 1919 um clube expressivo. Portanto, não podemos afirmar com certeza que a ausência do Canottieri obedeceu a critério de nacionalidade, já que era o único clube que mantinha denominação em outro idioma (fato que mudaria a partir de 1942, em decorrência da Segunda Guerra Mundial). 73 (Lemos, 1919, p. 261), salvo a nomenclatura “inspirada pelos irmãos Poppe, que haviam sido jogadores de um club com igual denominação em S. Paulo, que por essa época se achava entre os primeiros do Brasil” (Lemos, 1919, p. 261). O nome parece coadunar-se com a escolha que fez o homônimo paulista, que não sobreviveu à fase de amadorismo no futebol. A inspiração vinha de uma palavra que significasse a aceitação de nacionalidades outras que não apenas ingleses, como eram a maioria dos foot-ballers de São Paulo em 1898 (ano da fundação do Internacional paulista) ou teutos, no caso de Porto Alegre de 1909, abrindo espaço para os lusobrasileiros. Ao que parece, por inspiração de sua fundação e dos encontros que a antecederam, na segunda reunião do clube foi proposto e escolhido o nome cujo impulso parecia afinar-se o título paulista. Sua fundação deve-se aos irmãos Poppe: José Poppe, Luiz Madeira Poppe e Henrique Poppe (que adicionou o epíteto “leão”, como se fosse o último nome). Eram os três mais velhos, tendo, ainda, Adelaide e o mais jovem, Carlos. Difícil é dizer algo a mais sobre a família Poppe, além do fato de que Leonilda, a matriarca da família, vinha para a cidade onde morava seu irmão Thomaz (algumas fontes dizem Thomé) de Castro Madeira, talvez por ficar viúva, já que não se encontram relatos de seu marido.58 A versão tradicional sobre a fundação do clube afirma que os três irmãos teriam sido rejeitados no Grêmio, porque eram novos na cidade e o clube aceitar apenas pessoas indicadas. Sendo assim, teriam resolvido fundar seu próprio clube. Todavia, a revista Goool, por ocasião do centenário do Internacional, descreve uma nova versão, com base no trabalho de alguns pesquisadores.59 Diz que nem todos os Poppe eram paulistas (provavelmente Henrique, o mais velho, seja pernambucano), alega que não teriam chegado em 1908, mas sim em 1901, e que não teriam sido negados no Grêmio (negativa que também não encontramos, porque o clube não tem registros dos nomes rejeitados). Chegando neste ano, é improvável que já tivessem jogado foot-ball em São Paulo, e se esquecido do esporte por tanto tempo. Confirmando-se a data da chegada, o clube paulista deve apenas ter servido de inspiração para o nome do homônimo portoalegrense. A conquista do título paulista de 1907 pode ter feito eco a quem estava melhor informado daquilo que se passava em São Paulo, já que Henrique escrevia para o jornal O Estado de São Paulo. Outra inspiração pode ter sido o símbolo “SCI”, apesar 58 Maiores detalhes da vinda da família Poppe para o RS ver em: Goool – A revista de todos os esportes. Edição número 141. Porto Alegre, Editora Cycnus, 2009. 59 Tiago Vaz, Guilherme Mallet, Jorge Vieira da Cunha, Raul Pons e a museóloga Vera Rangel. 74 de escolha bastante comum na época, tinha a diferença de que o paulista não havia entrelaçado suas letras, mas disposto uma ao lado da outra, como mostra o anexo D. Segundo Francisco Carlos Teixeira da Silva, o surpreendente e elevado número de 40 pessoas que compareceram na reunião de fundação foi tão grande que não se pode escolher o nome tampouco as cores. As cadeiras precisaram ser pedidas aos vizinhos do ciclista João Leopoldo Seferin, que emprestara o porão de sua casa para a reunião na avenida da Redempção, número 141 (que posteriormente tomou o número 211, e hoje número 1025 da avenida João Pessoa), e, por isso, teria recaído sobre ele a escolha do primeiro presidente do clube, ainda que não se interessar pelo foot-ball. Duas questões importantes: de efêmera existência havia o Grêmio Foot-Ball Internacional citado anteriormente e uma nota em junho de 1909 de Archymedes Fortini60, dando conta de que apenas Luiz Poppe já havia jogado futebol no Club Athletico Paulistano, e não do Internacional de São Paulo. Seriam os Poppe sócios deste Grêmio Foot-Ball Internacional, e daí uma confusão com o Internacional paulista? Teriam sido eles rechaçados deste Grêmio, como conta a tradição, ao invés do Porto-Alegrense? Infelizmente as raras notícias deste clube, bem como a perda das atas dos quatro primeiros anos do Internacional não permitem uma conclusão satisfatória. No mesmo local da fundação, uma semana depois, era escolhido o nome, justamente por sugestão de Henrique Poppe Leão, e também as cores, que não seguiram o rubro-negro do homônimo paulistano, e geraram certa divergência segundo Santos (1984, p. 40 e 41), mas que ocorrera com base na inspiração do carnaval porto- alegrense. Os festejos que acabaram de acontecer tinham como rivais as tradicionais sociedades Esmeralda e Venezianos. Na reunião do dia 11 de abril, era ainda tudo muito vivo, e as opções de cores apresentadas eram justamente o vermelho dos Venezianos e o verde da Esmeralda. A maioria composta por Venezianos ganhou, e, assim, os 60 Não sabemos na verdade se Archymedes Fortini esteve presente na reunião de fundação do Internacional como fundador ou se esteve apenas para relatar o acontecimento no jornal Correio do Povo, onde trabalhava. O fato é que Fortini nunca jogou futebol. Seu esporte era o remo, sendo sócio do Canottieri Duca Degli Abruzzi fundado no ano anterior, tendo passado antes pelo Almirante Tamandaré, mudando de clube pela identificação com a colônia italiana na cidade. Contudo, consta na coluna esportiva do próprio Correio do Povo, escrita por ele, que já em 12 de abril de 1909 foi concedido, a ele, o título de Sócio Benemérito. Carlos Lopes dos Santos destaca: “Evidentemente o grande colaborador da empresa jornalística Caldas Junior, que foi Archymedes Fortini, tomou parte saliente na fundação do Sport Club Internacional, envolvendo no seu trabalho todo o prestígio de sua organização, ...”. Como seria convidado a tomar parte em dois novos clubes de futebol meses depois, inclusive com um convite para a presidência, é possível que Fortini tenha sido apenas um “entusiasta” da fundação da agremiação, como era do football e de todos os esportes. Ver citação em Santos (1984). Além disso, Fortini consta no anexo A como tendo se associado ao Grêmio Porto-Alegrense em 1907. 75 esmeraldinos teriam deixado a reunião e o clube apesar de voltarem a se integrar posteriormente. Um deles era Napoleão Gonçalves de Oliveira, esmeraldino e justo a pessoa que narrou este fato a Carlos dos Santos. Napoleão era também irmão do veneziano e primeiro Vice-Presidente do clube, Pantaleão Gonçalves de Oliveira, escolhido naquele domingo, também dia da primeira eleição para diretoria do clube.61 Que a escolha das cores teve relação com a Sociedade Carnavalesca Venezianos é uma unanimidade em todos os relatos. É possível verificar que as notícias referentes ao carnaval no ano de 1909 tiveram maior destaque que nos anos anteriores. O debate que se fez naquele momento, por conta da rivalidade entre verdes e vermelhos, parece ter ajudado a tornar a questão mais acirrada no clube. A sociedade Esmeralda, neste ano, publicou uma nota dizendo que não aceitava qualquer tipo de condecoração sobre o carnaval, pelo outro lado, os Venezianos aceitariam e findaram por receber um prêmio efusivamente festejado, segundo os jornais. As notícias no Correio do Povo a respeito da dissidência do clube, em outubro, talvez se expliquem por conta dessa rivalidade e da disputa pelas cores. Seus ex-sócios vieram a fundar uma nova agremiação chamada Sport Club Porto Alegre. No entanto, é difícil afirmar que isto tivesse ainda relação com o mesmo litígio narrado por Santos, pois, como dissemos, a escolha das cores ocorreu na segunda reunião ainda em abril. É no mínimo de se estranhar que os dissidentes tenham esperado seis meses para cogitar um novo clube. Da mesma forma, não estão especificados os motivos para que viéssemos saber o motivo verdadeiro que motivou da cisão e a fundação deste novo clube, lá no mês de outubro, ou se realmente existe alguma relação com a disputa carnavalesca. Em todo caso, parece que este novo clube teve existência efêmera tendo em vista não encontrarmos mais notícias sobre o mesmo. O que fica é a impressão da heterogeneidade dos primeiros sócios do Internacional, em suas acirradas disputas para dar ao clube suas primeiras formas. Em Carvalho e Lemos, podemos verificar uma definição daquilo que lhes parece uma característica nacional brasileira: 61 Os demais nomes da primeira diretoria eleita eram: Presidente José Leopoldo Seferin; Presidente Honorário: Graciliano Ortiz; 1º Secretário: Legendre Chagas Pereira; 2º Secretário: Manoel Lopes da Costa; 1º Tesoureiro: Antonio Coiro; 2º tesoureiro: Valdemar Fachel; Orador: Henrique Poppe Leão; Comissão de campo: Luiz Madeira Poppe, José Luis de Andrade Vasconcelos, Irineu dos Santos e Alcides Ortiz. 76 Sociedade eminentemente nacional, não podia o novo club desmentir o velho habito dos brasileiros no que diz respeito à organização. Um par de goals, uma bolla de foot-ball e um apito – constituíam os primeiros materiaes de que dispunha o club, aliás os únicos verdadeiramente indispensáveis para o cultivo do association. (Lemos, 1919). Curioso que já houvesse em 1918 um tipo de organização que caracteriza o Brasil, e que a tônica fosse justamente a desorganização e/ou pobreza. Santos afirma, inclusive, que o Internacional cobrava a mensalidade de apenas 500 réis no seu primeiro ano, justamente com o intuito de tonar-se mais “popular”. Mas se o valor era assim tão baixo, por que muitos sócios foram excluídos por falta de pagamento? Os sócios do Internacional não teriam como pagar o valor? Inclusive a mudança do tesoureiro e dos secretários, em 22 de agosto, foi para que os novos diretores aplicassem maior rigor administrativo e eficiência nas contas, como queria o Presidente Seferin.62 Além daquilo que já dissemos sobre o uso da expressão, Santos parece anacrônico ao usá-la, tendo em vista que somente a partir da década de 1940 o Internacional passou a ser reconhecido como tal, diferente daquilo que pensa Santos, em 1983, quando publica sua obra. Apenas para termos uma ideia daquilo que significa este valor, comparemos rapidamente as informações que constam na obra de Leonardo Affonso Pereira (2000) sobre o futebol no Rio de Janeiro, em 1904. O Fluminense, o mais elitista dos clubes de foot-ball do Rio, tinha uma mensalidade de 5$000 (cinco mil-réis), enquanto o Bangu cobrava o dobro do Internacional, 1$000 (mil-réis). Doravante é importante destacarmos que o Bangu Athletic Club do Rio de Janeiro era formado por funcionários e dirigentes da fábrica da Companhia de Progresso Industrial, fabricante de tecido. Era uma agremiação que podemos chamar de intermediária, se compararmos a outras, tais como Cosme Velho Foot-Ball Club, Leme Foot-Ball Club e Engenho Velho Foot-Ball Club (infelizmente nada consta sobre os valores de suas mensalidades), clubes que nunca vieram a formar liga com Bangu, Fluminense, Botafogo e América, por exemplo. Os dois últimos, também elitistas, cobravam a mesma mensalidade de 2$000 (dois mil-réis), o dobro do Bangu e mesmo valor que o Grêmio Porto-Alegrense em 1905.63 Parece que o valor da mensalidade do Internacional era baixo, porém, não o suficiente para encorajar camadas 62 Os nomes alterados nesta eleição no domingo, 22 de agosto, foram os seguintes: 1º secretário: José Coelho Ramos; 2º secretário: José Menezes; 1º tesoureiro: Miguel Balvé; guarda sport: João Lazzaroni. 63 Fac-símile de recibo do ano de 1905 (Bordin e Devinar, 1983, p. 21). 77 mais pobres da população de Porto Alegre que, aliás, não pode ser comparada à capital do país, mesmo que a inflação entre 1904 e 1909 faça alguma diferença em ambas as cidades. Outro ponto comum as fontes é quanto ao primeiro desafio do clube, feito ao Grêmio e não ao Fuss-Ball, pelo fato do primeiro ser a equipe mais representativa da cidade. Relevância social que naquele momento não correspondia aos melhores resultados em campo, tendo em vista que o atual campeão do Wanderpreis, e que ganharia novamente ao final daquele ano, era o Fuss-Ball. Pires afirma, inclusive, que a ideia do desafio foi de Antenor Lemos, pelotense que logo de início, após rápida estada no Fuss-Ball,64 passou a ser um dos líderes do Internacional - viria a ser presidente do clube pela primeira vez em 1920 e presidente da Federação Rio-Grandense de Desportos (atual Federação Gaúcha de Futebol), no final da mesma década. Lemos teria encaminhado um ofício, no dia 16 de junho, ao Grêmio, convidando para sua partida inaugural, a realizar-se em 27 do mesmo mês. A resposta da diretoria gremista foi um “não”, pelo fato de estar marcada para dia 4 de julho a disputa da Taça Sportiva contra o Fuss-Ball, e uma partida tão próxima poderia atrapalhar a promoção do importante evento, que era bastante divulgado no Correio do Povo, pelo seu criador Archymedes Fortini. Todavia, junto a esta justificativa foi uma proposta de reunião na segunda-feira seguinte, dia 21, na Sociedade Leopoldina, para tratar deste duelo. Nesta data, estavam presentes por parte do Grêmio: Álvaro Brochado, Guilherme Kallfelz, Júlio Grunewald, além do presidente Augusto Koch. Para representar o Internacional chegaram: Antenor Lemos, Juvelino César e Henrique Poppe, que transmitiu as palavras do Presidente Honorário Capitão Alcides Ortiz (algumas fontes relatam que ele mesmo se fez presente), dizendo que “... vinha ao encontro do Grêmio como a sociedade mais antiga e mais conceituada, para realizar com ele um match sem caráter oficial, somente tornar o Sport Club Internacional conhecido e ao mesmo tempo desenvolver o esporte do foot-ball” (Pires, 1969, p. 25). Foi acertado que o jogo seria no ground dos Moinhos de Vento, também foram escolhidos a data e os juízes. O presidente do Grêmio teria feito questão, e as despesas foram pagas pelo seu clube, como forma de bem receber a nova agremiação. 64 Esta afirmação de Pires aparece sem explicar como essa passagem aconteceu e como este veio a fazer parte do Fuss-Ball. Muitos autores falam, inclusive, de uma prematura rivalidade com o Grêmio, inexistente como demonstram as gentilezas trocadas nos primeiros encontros. Entretanto, há em 1908, um Lemos jogando no 1º time do Fuss-Ball e em 1909 disputando a Taça Sportiva (2º times) como goleiro, podendo ter parentesco com Antenor, e, desse modo, o introduzindo no clube alvi-verde. 78 Nesta partida, A Federação65 destacou “A assistência que era selecta e numerosa, e que dava a festa um realce encantador, ...”, e que, por sua vez, “... estava dividida, sendo uns partidários do Grêmio e outros sympathicos ao team do Sport Club Internacional. Tanto é assim que vários cavalheiros fizeram apostas”. Era a primeira partida, e o Internacional já contando com número expressivo de simpatizantes, que, inclusive, acreditavam que a equipe poderia sair com bom resultado. Isto não parece pouca coisa, se pensarmos nos seis anos anteriores. Ao final dos 80 minutos66, não obstante o placar de 10x0 para a experiente equipe dos Moinhos de Vento e da rivalidade que surgiria nos anos posteriores, a partida transcorreu com tranquilidade, assim como também entre a assistência, apesar do alerta do Correio do Povo publicado no dia da partida: Somos obrigados, afim de evitar factos desagradáveis, a aconselhar aos espectadores a que não se pronunciem, por ocasião do jogo, em favor de um ou de outro team. Ainda domingo ultimo, durante o torneio, deu-se, entre um dos juizes e um grupo de assistentes, lamentável incidente, tendo os espectadores imprudentes ouvido phases pouco gentis. Achamos justo que se formem partidos sympathicos aos teams combatentes, porém que o enthusiasmo seja sempre moderado, para honra dos jogadores. Como se sabe, em todos os matchs numerosa é a assistência nos grounds, notando-se, entre ella, grande numero de senhoras e senhoritas, às quaes não se deve dar o desgosto de testemunhar discussões inconvenientes. Si fazemos esta pequena observação é porque desejamos ver o progresso do sport bretão, que está caindo no agrado da mocidade porto-alegrense (Correio do Povo, 18 de julho de 1909). O jogo no qual se ouviram “phrases pouco gentis” ocorreu uma semana antes do Gre-Nal (as fortes chuvas do dia 4, data originalmente marcada, foram as causadoras da transferência para o dia 11), e foi o responsável pela não aceitação desse primeiro confronto em junho, como queria o Internacional, ficando apenas para 18 de julho. Por sua vez, também não parece estranho que depois de alguns anos e com toda a tradição do ciclismo, Fuss-Ball e Grêmio possuíssem a rivalidade que se relatava pela primeira vez neste match entre os segundos times, e no qual saiu-se vitoriosa a equipe do 65 A Federação, 20 de julho de 1909. 66 Todos os jogos em Porto Alegre se disputavam em dois tempos de 40 minutos e o primeiro alerta para o erro é publicado por Archymedes Fortini, em setembro deste ano, sem que saibamos a repercussão da nota: “Até hoje, os matchs jogados nesta capital, pelas sociedades de foot-ball, tem sido de 80 minutos em duas partidas de 40 minutos cada uma. Segundo a Guia de Foot-Ball, um match deve durar 90 minutos, e os half-times são ambos de 45 minutos. Approximando se o dia da disputa da taça do campeonato (Wanderpreis), achamos conveniente chamar a atenção dos captains para esse artigo.” Correio do Povo, 4 de setembro de 1909. 79 Grêmio, pelo placar de 5x1, conquistando a Taça Sportiva. Sem que conste algo nos periódicos, o histórico do jogo escrito para seu clube pelo sócio e player gremista Álvaro Brochado, da mesma forma não esboça a mínima palavra sobre impropérios trocados nesta partida no campo dos Moinhos de Vento, pelo contrário, “após o match, houve um sarau dansante” (Pires, 1969, p. 24), no Tiro Alemão. Por isto, nos parece que o desentendimento ficou apenas entre os “simpatizantes” dos clubes, sem nenhuma relação com os associados67 mais proeminentes, ao menos. Pequenas brigas ou discussões parecem ser algo raro ao noviço meio esportivo da cidade, contudo, veremos que nos anos seguintes passaram a ser cada vez mais comuns, demonstrando que mesmo com todas as regras e transformações a partir de 1863 do antigo folk foot-ball no moderno e chic association foot-ball, ainda havia nele um grande potencial à violência. O clima deste primeiro Gre-Nal ainda era diferente, e depois de todas as homenagens de parte a parte, Fortini diz que “impossivel seria descrever a franca e sincera cordialidade que reinou entre os membros do Grêmio Foot-Ball e do Sport Club, os quaes, em meio da maior alegria se entregaram as danças até altas horas”68; ou como descreve o player Álvaro Brochado, nos registros do Grêmio sobre a partida: “Houve, depois, saudações e animado soirée, todos em alegre convivência” (Pires, 1969, p. 25). Tamanha a cordialidade que, no primeiro evento do Internacional, o clube não deixou de convidar o próprio Grêmio. Dia 11 seria realizado um raid de ida e volta até a Tristeza, e alguns sócios do Grêmio haviam aceitado. Como a disputa da Taça Sportiva havia ficado para o mesmo dia, em decorrência das fortes chuvas do dia 4 de julho, o raid foi transferido para agosto, e a partir daí não sabemos se a corrida foi realizada. Seriam distribuídas medalhas de ouro, prata e bronze para os vencedores, portanto, curiosamente o segundo Gre-Nal pode ter sido disputado em uma corrida, e não com uma disputa de foot-ball. A partida que seria realizada em agosto, entre os segundos times, acabou por não ser realizada, e os motivos não foram publicados, embora o movimento significativo de novos clubes e novos desafios possa justificar a mudança de planos. Alguns detalhes a respeito dos primeiros momentos do Internacional vêm de publicações onde a oralidade foi a forma pela qual chegaram algumas informações, 67 Em tempos de amadorismo, tanto os jogadores quanto as direções das agremiações eram necessariamente associados dos próprios clubes, sendo que podiam jogar em algum dos quadros e acumular funções administrativas, como são os primeiros presidentes do Grêmio, por exemplo. 68 Correio do Povo, 20 de julho de 1909. 80 como na obra de Santos, por exemplo. Isso se deve ao fato de que as primeiras atas do clube lamentavelmente foram extraviadas, restando apenas os documentos a partir de 1913. Não sabemos se isto tem relação com as constantes mudanças de sede/reuniões dos primeiros anos. Segundo apuramos em A Federação, Correio do Povo e o próprio Carlos dos Santos, a primeira mudança foi do endereço de sua fundação, casa do Presidente Leopoldo Seferin para a sede do clube político 17 de junho, localizado na rua José de Alencar, número 179, no Bairro Menino Deus, e em 17 de maio nova mudança para a rua General Caldwel, número 103, residência da família Poppe. Um fato importante é que o clube 17 de junho tinha como presidente honorário também o capitão Graciliano Ortiz e como presidente no ano seguinte Henrique Poppe Leão, que se casaria com a filha daquele, Maria da Conceição Ortiz. Independente de já realizar seus treinos no local, foi anunciado, em 21 de agosto, a transferência de sua sede para a rua Arlindo, número 11, provavelmente incorporando alguma infraestrutura para receber os associados. Apesar disso, abandonou o campo no ano seguinte, devido aos alagamentos do riacho vizinho. Durante os anos de 1911 e parte de 1912, preferiu jogar no campo fronteiro a Escola de Guerra, na Redenção. Mudou-se para a Chácara dos Eucaliptos, em 1912, que, coincidentemente, localizavase também, como todas as outras sedes, no segundo distrito de Porto Alegre, compreendido entre os bairros, Cidade Baixa, Azenha e Menino Deus, região de onde o clube jamais saiu. Na verdade, com relação à nova sede, podemos falar de reinauguração, tendo em vista a Chácara dos Eucaliptos ser uma área anteriormente alugada ao Grêmio Cachoeirense, e que convidara o Grêmio Porto-Alegrense para fazer a inauguração, em abril de 1912.69 De acordo com nossos dois periódicos, o boom dos clubes de foot-ball em 1909 é iniciado pelo Sport Club Internacional, que, todavia, não é o terceiro clube fundado pela elite porto-alegrense. O terceiro, falamos no capítulo anterior, é o Fuss-Ball Mannschaft Frisch Auf, fundado em 25 de outubro de 1908, nas dependências do Turnerbund (sociedade alemã de ginástica), localizada na rua São Raphael, entre as ruas Conceição e Barros Cassal (atual avenida Alberto Bins), sede vendida em 1980. A despeito de ser o terceiro, passou a frequentar as páginas dos noticiários, meses após a fundação do Internacional. Seus primeiros jogos e informações da equipe falam 69 Este jogo do Grêmio Porto-Alegrense não foi oficial, portanto imaginamos que fosse apenas o chamado match- treining entre dois times próprios, assim como fez logo em seguida o Sport Club Universal, clube recém fundado no início de 1912 e também convidado para jogar na Chácara dos Eucaliptos (Correio do Povo, 7 e 28 de abril de 1912). 81 simplesmente do Turnerbund ou da equipe de foot-ball do Turnerbund, não o retratando pelo nome correto, coisa que passa a acontecer apenas no segundo semestre de 1909. Na verdade, o Frisch Auf não era bem um clube, podemos dizer que era apenas um “time” ligado ao Turnerbund, pois como seu próprio nome indica, Mannschaft pode ser traduzido como equipe ou time. Caso bem diferente do Fuss-Ball Club Porto Alegre que, afora ser fundado pelos ciclistas da Blitz, funcionava paralelamente a este, e acabou por sobrepujá-lo; e diferente também de Grêmio e Internacional, que, com o tempo, criaram departamentos para prática de outros esportes. Inclusive o Turnerbund, por ocasião da Primeira Guerra Mundial, que teria fechado o Frisch Auf, como veremos mais adiante. Notícias em 1909 dão conta de que o Frisch Auf fez um movimento no sentido de desligar-se do Turnerbund, o que realmente não passou apenas de uma tentativa. Após a desistência da investida, a ligação entre Turnerbund e Frisch Auf estreitou-se ainda mais, visto que, segundo Hofmeister (Hofmeister Fº, 1987, p. 105), a equipe de futebol serviu de inspiração para a aquisição do Spielplatz (campo de jogos) de São João, no, até então, distante arrabalde de mesmo nome – atual e única sede da Sogipa. Haike da Silva descreve a aquisição desta sede como uma necessidade do clube para “... a prática de jogos coletivos como o futebol, o punhobol e o tamborim” (Silva, 1997, p. 27). E apesar desta afirmação, a nova aquisição foi inaugurada oficialmente apenas no dia 21 de maio de 1911, inclusive com um jogo de foot-ball entre dois quadros do Frisch Auf, que já o utilizava desde a sua aquisição em 1910. O grande incentivador da fundação do clube foi o conhecido ginasta Georg Black. Como bom sportman, Black era instrutor de ginástica no Turnerbund, ao mesmo tempo em que praticava foot-ball, desde 1904, no Grêmio. Uma das fotos do trabalho de Haike da Silva mostra inclusive uma apresentação de ginástica no campo do Grêmio no ano de 1904, na qual Black se apresenta na barra, e na qual, infelizmente, não consta a data exata. Segundo Haike, ele próprio fora incumbido de escolher a área para o novo parque esportivo do Turnerbund. Outro fato importante é que não encontramos Black na lista dos jogadores do Frisch Auf, sendo que seu nome aparece vinculado ao clube apenas como instrutor de foot-ball e somente como player a partir do campeonato em 1910. Isto se deve ao fato de que o responsável pela fundação do Frisch Auf jogava no Grêmio, ainda em 1909, inclusive disputando o primeiro Gre-Nal, no mês de julho. Aparecendo pela primeira vez ainda sem nome, temos as primeiras informações do Militar Foot-Ball Club, fundado por alunos da Escola de Guerra. Talvez não fosse a 82 intenção de seus componentes criar uma nova agremiação, senão apenas a vontade de jogar foot-ball desafiando o Internacional: “Consta-nos que distinctos foot-ballers da Escola de Guerra pretendem desafiar uma novel sociedade porto-alegrense”.70 Como alguns dos seus alunos eram provenientes de Rio e São Paulo, e já conheciam o esporte, parece que a cena esportiva porto-alegrense serviu de grande incentivo ao desafio e ao novo clube. Na Escola de Guerra um grupo de distinctos foot-ballers acaba de fundar o Militar Foot-Ball Club, para o cultivo e desenvolvimento do sport inglez. A novel sociedade conta (com) jogadores valentes e esperimentados, alguns dos quaes verdadeiros campeões e gloriosos vencedores de notaveis matchs realisados na capital da Republica e S. Paulo (A Federação, 31 de julho de 1909). Dia 27, terça-feira, Archymedes Fortini dizia a mesma coisa: “Um grupo de alunos da Escola de Guerra acaba de fundar uma sociedade para o cultivo do foot-ball”. Assim, poderíamos imaginar que a criação do clube, cujas cores eram o azul e branco, deu-se por estes dias finais de julho, se não fossem os festejos de seu primeiro aniversário denunciarem a data correta: 14 de julho, uma quarta-feira até então feriado nacional. A Escola de Guerra foi sediada até o ano de 1911 no Casarão da Várzea, atualmente ocupado pelo Colégio Militar, na Avenida José Bonifácio, em frente ao Parque Farroupilha. Logo em seguida, durante o mês de agosto, é grande o espaço dedicado à fundação da agremiação de natação, formada por integrandes da Escola de Guerra, bem como suas primeiras atividades, a partir de setembro. Por sua vez, imaginamos que ambos façam parte de um mesmo movimento esportivo organizado pelos militares sediados nesta instituição militar. Quanto à partida, primeira do Militar e segunda do Internacional, realisou-se no Campo da Várzea, em frente à Escola de Guerra, no dia 7 de setembro, terminando com um empate em 0x0. Foi marcado o desempate para o dia 10 de outubro, no mesmo local, que agora recebia um pavilhão para os convidados especiais, além de uma cerca para que a assistência não invadisse a área de jogo. Segundo Carlos dos Santos, foi “... a segunda partida de caráter cívico-social que o Internacional disputava” (Santos, 1984), e, desse modo, também a segunda do Militar. 70 A Federação, 25 de julho de 1909. 83 Uma partida de foot-ball, como todos os esportes nesse período, constituíam um acontecimento social, no qual a maior parte das matérias jornalísticas descreviam a assistência, ambiente e uma parte, por vezes pequena, do jogo propriamente dito. Por isso, a descrição das partidas tinha mais relação com a honrosa vida dos players como membros sociedade porto-alegrense, do que o desenrolar dos 80 minutos. Para que os jogos contra o Militar se tornassem eventos cívicos, além de sociais, não precisou muito mais do que a escolha das datas das disputas. O primeiro jogo foi na data de 7 de setembro, quando se aproveitou para comemorar a Independência do país. Com a derrota nesta segunda partida por 2x1, houve um convite para revanche, que foi marcada para o mesmo lugar, no dia 15 de novembro, tornando a partida novamente um evento cívico, com as comemorações da Proclamação da República, quando, aí sim, saiu-se vencedor o Militar, e pelo escore que havia perdido. Outro importante clube que mereceu destaque dos periódicos foi o Grêmio FootBall 7 de Setembro, fundado em 17 de agosto de 1909. Uma nota anterior à fundação muito parecida com a do Internacional foi emitida. Um grupo de jovens acaba de fundar uma associação para o cultivo do sport predilecto dos ingleses. A novel agremiação, que conta com bons elementos, denomina-se Grêmio Foot-Ball 7 de Setembro. Domingo próximo, às 3 horas da tarde, será eleita a primeira directoria daquelle centro sportivo (Correio do Povo, 20 de agosto de 1909). Em primeiro lugar, o batismo. A escolha por uma data nacional é bastante representativo de como a questão nacional estava na pauta dos sportmans, e mais uma vez no iniciante foot-ball de Porto Alegre. Vejamos outra notícia com a composição da diretoria: Segundo comunicação que recebemos, o novel Grêmio Foot-Ball 7 de Setembro elegeu domingo ultimo a sua primeira directoria, a qual ficou assim organizada: presidente, Archymedes Fortini; vice-presidente, Athanasio Vieira; 1º secretario, Lothario Kluwer; 2 º dito, Juvenal de Almeida; thesoureiro, Manoel Rodrigues Gonçalves da Silva; guarda sport, João Kluwer (Correio do Povo, 22 de agosto de 1909). Archymedes Fortini, já bastante citado, foi durante mais de 10 anos (pelo menos) o responsável pela seção esportiva do Correiodo Povo. Segundo pequena biografia (Haeffner, s/d), nasceu em Argel, apesar da família italiana, e chegou a Porto 84 Alegre com seus pais em 1899, aos 12 anos de idade, ficou conhecido pelo trabalho no Correio do Povo, até sua morte aos 85 anos de idade. Começou no Jornal do Commercio (não o atual existente em Porto Alegre fundado somente em 1933), em 1905, escrevendo também a seção esportiva à qual deu continuidade quando transferiuse em 1907 para o Correio do Povo. Juntamente com o sócio e 1º secretário do Grêmio, Gustavo Bier Filho, foi o responsável pelo lançamento da primeira revista esportiva de Porto Alegre, em 1912, que chamava-se justamente Revista Spotiva. Mas não foi apenas com Internacional e 7 de Stembro que se envolveu. Também faria parte da direção do Centro Sportivo Operário, como veremos adiante. O 7 de Setembro estava sediado no bairro Menino Deus, sendo, portanto, seu representante, como dizia o próprio Fortini no Correio do Povo. Nasceu azul e branco, mudando para um fardamento completamente branco, em março de 1910, e, mudando novamente, em agosto do mesmo, para as cores que levaria até seu fim, verde e branco. Também em agosto, um pouco antes, foi fundado outro clube de grande importância para os primeiros anos do foot-ball da capital e cujos membros fundadores expressaram o sentimento patriótico nacional também na escolha do nome: Foot-Ball Fundou-se nesta capital mais um club para o cultivo e desenvolvimento do football, que recebeu a denominação de Sport Club Nacional. A primeira diretoria da novel sociedade sportiva ficou assim constituída: Presidente, José Luiz Fagundes; vice, Euclydes Maciel; secretário, Arlindo Ramos; Thesoureiro, Henrique Dejardins71. Agradecemos a comunicação (A Federação, 5 de agosto de 1909). Sua fundação deu-se no dia primeiro de agosto, e é raro, mesmo entre os atletas, encontrarmos um sobrenome de outra origem que não a portuguesa. Assim, em vista dos sentimentos patrióticos nacionais, deve se justificar a escolha do nome, muito em voga neste período pós-Proclamação da República. Aparentemente seus sócios escolheram o nome com a mesma motivação que o Internacional, embora usando uma lógica diferente. O fato de possuir poucos nomes estrangeiros pode ser em decorrência dessa escolha nenhum pouco inocente, e até mesmo por isso, o inverso pode ser visto no Internacional com muitos nomes teutos encontrados nas suas escalações. 71 Tornou-se sócio do Grêmio Porto-Alegrense neste mesmo ano como podemos ver no anexo A. Provavelmente deixou o clube para fundar o Nacional em agosto. 85 As cores do novo clube eram o preto e o branco, e não se sabe onde ocorreu sua fundação, mas seus treining-matchs ocorriam no bairro Partenon, sendo citado por Fortini como agremiação representante deste arrabalde. Quanto aos primeiros jogos destes clubes do mês de agosto, sabemos apenas de uma partida amistosa em Canoas, terminada empatada em 1x1 entre o Nacional versus o Sport Club Canoense, formado por alunos do Colégio São José de Canoas, no dia 21 de novembro. O jogo foi assistido pela direção e pelos professores do Colégio, assim como as comemorações já tradicionais em matchs externos regadas a “líquidos e doces” aconteceram na escola. Como mostra do prestígio inicial de que já dispunha o Nacional, destacamos o árbitro da partida, o presidente do Grêmio, Augusto Koch. Com desempate marcado para abril, A Federação nada disse sobre o jogo, e a data está justamente em uma lacuna da Biblioteca Nacional quanto no Correio do Povo. Outros jogos externos, bem como o primeiro do Grêmio 7 de Setembro, constam apenas a partir da Liga de Foot-Ball Porto-Alegrense, fundada em 1910. 4.1.2 Clubes do povo? Sabemos que não existiam apenas sete clubes disputando o association em Porto Alegre e muito menos que foram fundados apenas os quatro já citados. Outros tantos mantinham suas atividades merecendo algum destaque nos periódicos da cidade, mesmo que pequeno. Por sua vez, imaginamos que esta não seja a totalidade do real universo esportivo da cidade. Estes clubes que chamamos de populares, no sentido de uma classe social inferior, ganharam algum espaço devido ao fato social que chamava atenção: a proliferações de inúmeras agremiações de um determinado esporte, coisa que até então nunca havia acontecido na cidade com outras atividades esportivas - nem mesmo com o próprio futebol antes de 1909. A fundação de uma sociedade esportiva qualquer era algo raro nos jornais, e por isso bastante destacado, e que, a partir deste ano, se tornaria comum, mas apenas no futebol. Como marca do ano de 1909 seria importante fazer justiça àquilo que disse o redator de sports de A Federação ainda no mês de junho, até mesmo para não parecer apenas a visão de Fortini: “Parece que desta vez, a vida do foot-ball em Porto Alegre, 86 tornar-se-á mais fecunda e feliz, a julgar-se pelo brilhante desenvolvimento que vae tendo nas associações em que se cultivam o salutar e útil sport inglez”.72 É, sem dúvida, uma visão a partir dos anos anteriores, quando o futebol tinha menos espaço do que o remo e o turfe. A análise do presente é acertada também quanto à previsão que remete aos meses e aos anos vindouros: fecundos e felizes ao futebol. A consciência que se tinha sobre importância dos esportes era tanta que os periódicos, inclusive, incentivavam a criação de novos clubes, mesmo que a coisa não progredisse, como parece ser o caso da informação abaixo. Foot-Ball Amanhã às 3 horas da tarde, um grupo de foot-ballers desta capital e que não se acham filiados a nenhuma sociedade, vão tratar da fundação de um club de football e da eleição de sua primeira directoria. Esta será composta de valiosos e decididos elementos, e a sua presidência será offerecida a illustre cavalheiro que occupa elevada posição social e que grandes sympathias conta em nosso meio sportivo. Por nosso intermédio são convidados todos os foot-ballers e admiradores do sport inglez que desejarem fazer parte da nova sociedade e a assistirem a reunião de amanhã, a qual terá lugar no prédio n. 57 da rua 7 de Setembro.73 Não encontramos mais nenhuma notícia nos dias que se seguiram a este encontro. Assim como é possível que nada tenha acontecido após a reunião, também é provável que muitos outros tenham surgido, sem que soubéssemos. Alguns por determinado motivo mereceram destaque. Podia ser por aproximidade com membros da elite, militares ou talvez pelo fato do cronista achar justa a informação. Alguns podem ter recebido pouco espaço apenas por se localizarem em arrabaldes mais afastados como parece ser o caso deste: Foot-Ball Club Theresopolis Do novel club que cultivará o foot-ball recebemos um officio, comunicando a acclamaçãoda primeira directoria, que ficou assim constituída: Presidente, capitão Hercules Limeira; vice-dito, Manoel Lopes da Costa; 1º secretário, Tertuliano Gonçalves; 2º dito, Alcides P. Ortiz; 1º tesoureiro, tenente Argimiro Souto; 2º dito, Waldemar Fachél e orador tenente Luiz Gomes de Andrade (A Federação, 15 de setembro de 1909). 72 A Federação, 26 de junho de 1909. 73 Não descartamos a possibilidade de ser uma primeira reunião de fundação do Grêmio Foot-Ball 7 de Setembro, pois o cavalheiro pode ter sido Archymedes Fortini e a rua pode ter inspirado o nome. No entanto, há a diferença de datas muito grande (A Federação, 29 de maio de 1909). 87 Clube que parece bem organizado, com três militares na sua diretoria – não sabemos se da Guarda Nacional, da Brigada Militar ou do Exército –, mas de um arrabalde mais distante. Aliás, é clube que encontramos mais distante do centro, o que talvez tenha prejudicado seu desenvolvimento. De outro modo, diríamos que tinha tudo para fazer parte da elite. Porém os demais parecem realmente populares, como é o caso deste primeiro de quem encontramos uma pequena notícia, e nada mais: “Sabemos que denominar-se-á Foot-Ball Club Santos Dumont a novel sociedade de foot-ball, fundada, ha dias, por um grupo de jovens estudantes, empregados no commercio e obreiros”.74 Mesmo que não tenhamos encontrado mais notícias deste clube, o nome já é importante, no sentido de percebermos que, mesmo em uma camada mais pobre da população, Santos Dumont é paradigmatico e bastante representativo de um novo herói nacional. O Correio do Povo deu menos destaque por ocasião de sua fundação, embora tenha noticiado também que “um grupo de jovens, empregados no commercio acaba de fundar o Bloco Sportivo Condor do Sul, destinado a cultivar o foot-ball”,75 sem que informasse mais sobre o clube posteriormente. Em 30 de setembro, é publicada uma nota acerda da fundação de uma dos mais importantes clubes desta camada social: Centro Sportivo Por iniciativa do nosso collega Xavier da Costa, um grupo de obreiros acaba de fundar o Centro Sportivo Operário. A novel agremiação cultivará todos os generos de sport, especialmente dos executados ao ar livre. O centro Sportivo será dividido em duas cathegorias de sócios, sendo uma para meninos até 16 annos, e outra para pessoas dessa idade em diante. A primeira de suas secções de sport a inaugurar-se, será a do foot-ball visto ser o mais preferido pela sociedade porto-alegrense. Para seus exercícios athleticos, o Centro Sportivo Operario conta com um excellente campo situado à rua Silveira Martins, fronteiro à rua Vasco da Gama. A secção do foot-ball estará a cargo do sr. A. Fortini. Domingo próximo, aquelle club realisará uma sessão, na séde da União dos Pedreiros, para eleição de sua primeira directoria. Sabemos que o Centro Sportivo Operario terá um hymno para ser cantado pelos seus associados por ocasião das festas daquele grêmio. A letra será da lavra do nosso collega Xavier da Costa (Correio do Povo, 30 de setembro de 1909). 74 Correio do Povo, 11 de agosto de 1909. 75 Correio do Povo, 14 de setembro de 1909. 88 Aparentemente Xavier da Costa era uma pessoa conhecida (provavelmente o militante socialista Francisco Xavier da Costa cooptado pelo Partido Republicano RioGrandense e eleito por três legislações para a Câmara Municipal de Porto Alegre), fundando um clube de cunho classista, e que tem em Archymedes Fortini não apenas apoio com a ampla divulgação que segue pelo ano seguinte, como também nas funções esportivas do futebol. Ao final de setembro, podemos perceber pelos periódicos da cidade a preferência pelo futebol, e Fortini, apesar de remador, nos parece ter papel importante nessa escolha, já que havia feito parte da diretoria de várias agremiações bem como de suas fundações. Contabilizamos até aqui seu quarto clube com o Centro Sportivo, além de criador da Taça Sportiva. A nota apresenta também a primeira referência a um hino de clube de futebol de Porto Alegre, que tomamos conhecimento. Encontramos outro em março de 1910, com o intuito de comemorar a segunda vitória consecutiva do Fuss-Ball no tradicional Wanderpreis, e uma marcha intitulada Grêmio Foot-Ball Porto-Alegrense, por ocasião da disputa da nova edição da taça móvel, em setembro do mesmo ano. A nota do Centro Sportivo parecia mais do que uma simples divulgação, mas sim uma grande propaganda do novo clube, que já contava com apoio suficiente, conseguindo, inclusive, rapidamente uma sede muito bem localizada. Parte deste apoio vinha de associações operárias que lhe davam o caráter classista. Se a União dos Pedreiros é o local das primeiras reuniões, não é surpreendente que quinze dias depois o clube já contasse com mais de 60 sócios “... sendo quase todos jovens obreiros”.76 Desse modo, também não é estranho a não inserção do Centro Sportivo nas competições organizadas pelo círculo social mais privilegiado de Porto Alegre, como veremos ao final do primeiro campeonato da Liga. Bastante próximo ao Centro Sportivo era o Rio-Grandense, que, apesar de mais antigo, aparece pela primeira vez nos noticiários com a seguinte nota: O sympathico Grêmio Foot-Ball Rio-Grandense, em sessão a dias realizada elegeu sua nova directoria, que ficou assim constituida: presidente, Herculano Brodt; vice-presidente, João Luiz de Souza; 1º secretario, Amadeu da Rocha Pedroso; tesoureiro, Octacílio Ferreira; orador, Januario de Souza; director de campo, Antonio Bastos; 1º capitão, Juvencio de Lima; 2ª dito, Henrique Moreira; 1º guarda-sport, Orlando de Lima; 2º dito, Antonio de Carvalho; portaestandarte, Luiz Ferreira. O novel grêmio sportivo funcciona actualmente em um amplo ground situado no Caminho do Meio. Já organizou elle seus teams, que 76 Correio do Povo, 14 de outubro de 1909. 89 denominar-se-ão verde e encarnado. Essas equipes estão trenando para um match que se effectuará a 9 de janeiro próximo (Correio do Povo, 26 de dezembro de 1909). O nome Grêmio Foot-Ball Rio-Grandense é um erro evidente, que parece influenciado pelo nome do clube citado no parágrafo anterior, o Grêmio Foot-Ball 7 de Setembro. Os meses seguintes são abundantes em notícias da mesma agremiação, e em todas as outras vezes é chamado de Foot-Ball Club Rio-Grandense, o que facilmente se pode perceber com os nomes comuns a esta lista da diretoria publicada. As cores eram duas da bandeira do Estado: verde, encarnado, faltando apenas o amarelo, porque era tradicional que duas únicas cores representassem o primeiro e a outra o segundo team, enquanto para matchs externos era utilizado um uniforme oficial com todas as cores, o que daí deveria incluir o amarelo, já que posteriormente era chamado de tricolor. Também a escolha da direção, que aconteceu dias antes dessa nota publicada, em 26 de dezembro de 1909. Era tradicional a escolha de nova direção por ocasião do aniversário dos clubes e por isso, é quase impossível que houvesse dois Rio-Grandenses com as mesmas cores e fundados ambos em dezembro. E por último, mas não menos importante é o fato de que seu primeiro campo localizava-se junto ao bairro chamado Colônia Africana, na estrada do Caminho do Meio, bairro não apenas de negros, mas de pobres, onde a miscigenação não era incomum, estando aí talvez, a explicação do clube de “mulatos” de Lupicínio Rodrigues.77 A próxima nota a respeito do Rio-Grandense se refere a uma partida entre seu primeiro team contra o também primeiro team do Centro Sportivo Operário, em 16 de janeiro de 1910, no campo da Redenção, que, por sua vez, é a primeira partida entre ambos com vitória do Centro Sportivo por 2x1. Voltando para 1909, temos o Brazil, cujo nome é mais um exemplo de vínculo entre o futebol e a questão nacional: “Um grupo de jovens enthusiastas e apreciadores de football fundou, domingo ultimo (dia 24 de outubro de 1909), no florescente arrabalde do Menino Deus, uma agremiação para o cultivo desse sport. A novel agremiação, que conta com bons elementos, denomina-se Foot-Ball Club Brazil”.78 No parágrafo seguinte, noticia-se a fundação dos filhotes do Sport Club Nacional, dando conta inclusive da diretoria dos meninos que compunham isso que chamamos hoje de “escolinha” de futebol, portanto, podemos observar que mesmo o 77 Para saber da Colônia Africana e a miscigenação ver Rosa (no prelo). 78 Correio do Povo, 28 de outubro de 1909. 90 Nacional e seus filhotes possuíam maior divulgação se comparado a equipes de elementos de menor prestígio na sociedade. Ainda com relação ao Brazil, pouco mais de um mês depois dizia-se que sua sede havia sido transferida para a avenida 13 de Maio (atual Getúlio Vargas), número 96 A, e que a equipe branca e preta estava “muito adeantada em seus exercícios”, realizando puxados trainings. A popularidade alcançada pelo futebol talvez se justifique pela forma como caiu no gosto dos mais jovens. Na Redenção (atual parque Farroupilha), dia 12 de dezembro, jogaram as primeiras equipes do Foot-Ball Club Pelotense contra o Foot-Ball Club 15 de Novembro, clubes formados por meninos, segundo o Correio do Povo. O primeiro saiu-se vitoriosos pelo placar de 2x1 e no dia 31 de dezembro, fizeram um segundo jogo, valendo 11 medalhas de prata, quando o juiz da partida seria o próprio cronista esportivo do jornal, Archymedes Fortini, e cuja vitória repetiu-se, mas agora por dois a zero. O verão, chamado por nossas fontes de “estação calmosa”, que era “pouco dada aos exercícios físicos”, acabou sendo responsável por estas notícias, pelo fato de que os sete clubes mais destacados no ano todo, estavam agora em descanso, e muitos de seus jogadores em férias, principalmente alguns estudantes de volta a suas casas, no interior do estado. Desse modo, o Club Pelotense recebe grande atenção, inclusive listando sua nova diretoria para o ano que se iniciava: Presidente, E. Rieger; vice-presidente, S. Victorio; 1º thesoureiro, João Merlotti; 2º tesoureiro, Carlos Gomes; 1º secretário, Antônio Ruiz; 2º secretário, Alcides Moreira; 1º director, Miguel Medina; 2º director, W. Presser; 1º guarda-sport, José Rossi; 2º guarda-sport, Carlos Clemente Seffener; 1º capitão, Waldemar Barth e 2º capitão, Paulo R.. Essa é a lista mais completa de diretoria noticiada desde 1903 e dessa vez, de um clube até então com pouca expressão, e que seria daqui por diante pouquíssimo lembrado. Esse momento de férias motivou também o mais original jogo de foot-ball que a cidade já deve ter visto. Um match à fantasia. Realizado pelo Grêmio, em 30 de janeiro de 1910, e dedicado às sociedades carnavalescas, incluindo a presença de muitas delas, e com o Zé Pereira da Sociedade Esmeralda, além dos juízes igualmente fantasiados, na medida em que aumentam os eventos dos clubes da elite ou surge uma notícia qualquer como esta do Grêmio, mesmo que seja de um evento mais social do que esportivo. Em janeiro, temos o Fuss-Ball Club Lageadense, da vila de mesmo nome, fundada entre o fim de 1909 e início de 1910, por iniciativa de Oscar Poisl (sócio do 91 Fuss-Ball Club Porto Alegre) e de Edwino Jaeger, já contando com 41 sócios e o equipamento necessário para o esporte. Mais uma vez, a influência da comunidade teuta na fundação deixando sua marca no próprio nome da nova agremiação. E logo em seguida, em 27 de fevereiro, temos a fundação do Sport Club Independência, de cuja direção fazem parte dois sócios do Grêmio Porto-Alegrense pertencentes a família Teichmann: “presidente, José Antônio Cordeiro; vice-presidente, Oscar Teichmann; 1º secretário, Domingos da Silva Castro, 2º dito, Carlito Fossati; 1º thesoureiro, Januário Nunes da Silva; 2º dito, Arnaldo Daudt; director geral do campo, Arthur Teichmann; 1º capitão, João Fornari; 2º dito, Joaquim Fernandes; 1º guarda sport, Dorcelino Angelo Bittencourt; 2º dito, Lindolpho Rothfuchs; porta estandarte, Angelo Perez; 1º orador official, Luiz Chaves; 2º dito, Lucio Scheider”.79 Portanto, um grupo maior parecendo mais bem organizado contendo inclusive um até então inédito porta estandarte além de dois experientes atletas e conhecidos pela fábrica de chapéus Teichmann, onde Oscar era sócio de Waldemar Bromberg, outro ilustre empresário e sócio do Grêmio a partir de 1910 (anexo A). Bastante comum em 1909, seguindo o mesmo no ano que entra, são as partidas de escolas importantes como dos Ginásios Júlio de Castilhos, Anchieta e Nossa Senhora da Conceição de São Leopoldo; das escolas superiores, como a de medicina, engenharia e farmácia; ganhando espaço mesmo com a temporada dos clubes da elite. Por vezes, também surgia algum espaço para notícias pequenas de algumas agremiações, bem como a fundação de novas, como o Guarany Foot-Ball Club80, que já de início falava em participar da Liga no ano seguinte. Sua fundação ocorreu no mês de julho, e sua diretoria era composta por: Alvaro Kraemer Filho, presidente; Affonso Lima, vice; Mozart M. Ferraz, 1º secretário; Angelo La Porta Sobrinho, 2º dito; Waldemar Campos, 1º tesoureiro; Juvenal Almeida, 2º dito; Angelo La Porta Sobrinho e Mozart Ferraz como oradores e Affonso Lima como capitão. Em agosto de 1910, temos as notícias de fundação de 4 clubes. O primeiro é o Athletic Foot-Ball Club, cujos principais membros da diretoria pertenciam à família Vasconcellos: Basílio T. como presidente, Aprígio T. como tesoureiro e Irineu T. como secretário. Interessante é o seu endereço no final da nota, que diz o seguinte: “A eleição 79 Correio do Povo, 2 de março de 1910. 80 Infelizmente não conseguimos saber ao certo se era o mesmo Guarany Foot-Ball Club que veio a disputar um amistoso com o Grêmio Porto-Alegrense em 1º de julho de 1917. 92 realizou-se a 31 de julho findo, em sua sede social à rua Coronel Fernando Machado, antiga do Arvoredo n. 143 ou 145 (quase ilegível o último número)”.81 O próximo chama a atenção pelos sobrenomes ítalos. É o Grêmio Foot-Ball Aymoré, fundado em 31 de julho: presidente Ferdinando Trussardi,82 vice Almicare Meucci, 1º secretário Ernesto Altafini, 2º dito Ottorino Meucci, 1º tesoureiro Luiz Felippe, 2º dito José Kontonski, guarda-sports Germano Hauenstein e Ateo Meucci, 1º capitão Gregório Nasareno, 2º dito Demetrio Fornari e diretor de campo Antonio Contursi. O terceiro é o Ypiranga Foot-Ball Club, cujos membros não são descriminados, cabendo apenas a notícia de que em pouco mais de uma semana de existência seus sócios eram superiores a 30 pessoas e que ao final do ano se candidataria à entrada na Liga. E com o nome de Parthenon Foot-Ball Club era fundado outro clube cuja diretoria tinha os nomes de: Breno Dias de Castro como presidente, Pedro Serg (as últimas três letras estão ilegíveis) como tesoureiro, Gastão Dias de Castro como capitão, Horácio Araújo como secretário e J. Itaborahy como orador. Com poucas informações, sabemos que no dia 5 do mês seguinte, funda-se o Club Fuss-Ball Juventude Operária, cuja notícia é a seguinte: “- Em reunião realizada segunda-feira última, pelos alumnos da Escola Elizeu Réclus, foi fundada nesta capital mais uma agremiação, que tem por fim cultivar o sport do foot-ball”. O francês Jean Jacques Elisée Reclus foi um importante geógrafo falecido no ano de 1905, mas no ano seguinte emprestou seu nome a esta escola de Porto Alegre não por ser professor, mas pela opção política pelo anarquismo. A Escola Elizeu Reclus era, portanto, uma escola de educação libertária, sendo o clube Juventude Operária, provavelmente, um clube de futebol de anarquistas. No mesmo mês se destaca a notícia de uma nova sociedade que vai ser fundado por “um grupo de cavalheiros, contando mais de 30 annos de idade, ...”, e entre seus fundadores “... contam-se muitos socios do Turner-Bund”. Como não encontramos mais notícias, não sabemos se o mesmo vingou, mas é interessante que, neste caso, chama a atenção de nosso cronista do Correio do Povo, a ideia de que senhores com mais de 30 anos, por ele chamados de “cavalheiros”, fundassem um clube de futebol, provando 81 Correio do Povo, 3 de agosto de 1910. 82 Talvez o mesmo que serviu no exército italiano durante a Primeira Guerra e que retornou em junho de 1919, segundo o Correio do Povo de 14 de junho de 1919. 93 mais uma vez o grande sucesso do novo esporte na cidade. Estes senhores não deveriam ter espaço no Frish Auf, apesar do instrutor de foot-ball Georg Black já contar com 33 anos em 1910, quando tomaria parte da equipe. Ainda em setembro, temos a fundação do Oriente Foot-Ball Club, cujos nomes não estão totalmente claros em nossa fonte, sendo nítidos: presidente Flávio dos Santos, vice Abdom de Mello, 2º secretário Waldomiro Chaves, 1º tesoureiro Nelson de Mello, guarda sport Celso de Mello, 1ºcapitão Mario Lemos e segundo capitão Cesar Lemos. Outubro é um mês com quatro novos clubes, além de um match de outro até então desconhecido, que bateu-se contra o Sport Club Canoense, em Canoas, e perdeu por lamentáveis 12x0, chamado de Club Athletico Porto-Alegrense. Um deles é o Riachuelo Foot-Ball Club, com a diretoria formada por: I. A. Soares, presidente; Satyro Camara, vice; O. de Magalhães, 1º secretário; Francisco Rocke, 2º dito; Melchiades Soares, 1º tesoureiro; Francisco Ferrari, 2º dito; Persio Malater, capitão geral; Alcides Menezes, 1º capitão; E. Moura, 2º capitão e Balthazar Macedo, guarda sport. Outro é o Vencedor Foot-Ball Club, cuja diretoria era composta por: presidente, Joaquim Lopes Andrena; vice, Isidoro Cardoso; 1º secretário, Othelo Primat Casanova; 2º dito, Romeu Borba; 1º tesoureiro, João (sobrenome ilegível); 2º dito, Nero Borba; 1º orador, Othelo P. Casanova; 2º dito, Romeu Borba; capitão geral, Almadino Cunha; guarda sport geral, Ventura Silva e diretor de campo Nestor Silva. O terceiro chama-se, curiosamente, Japonez Foot-Ball Club, sendo que, entre os poucos nomes de sua diretoria, somente encontramos nomes portugueses: presidente, Idalio Marques da Cunha; vice, Francisco Martins de Castilhos; secretário, João Fialho; tesoureiro, Carlos Pinto; capitão, Armando Alves da Silva e guarda-sport, Olintho Alves da Silva. Sem nenhum vínculo aparente com japoneses ou com o Japão, pela primeira vez temos um clube cujo nome nos parece burlesco. Mesmo nestas agremiações de menor expressão social, é visível a importância dada à escolha de seus nomes como símbolo de identidade a ser honrada nos campos, como o nacionalismo de RioGrandense e Ypiranga, a questão ideológica presente em Juventude Operária ou a identidade local com o Parthenon. Neste sentido, Oriental e Japonez são os nomes mais difíceis de serem identificados segundo alguma corrente. Aparentemente temos uma simples escolha por um nome que fosse diferenciado dentro de um universo de clubes tão expressivo e nomes relacionados. 94 Um destes é o Foot-Ball Club 20 de Setembro, cujo nome é claramente vinculado ao Rio Grande do Sul, e, do mesmo modo, o Rio-Grandense, que além de seu nome, fez parte de duas associações que escolheram nomes com um evidente vínculo à questão nacional: a Liga Sul-Americana de Foot-Ball, de 1914, e a Liga Nacional de Foot-Ball, em 1920 (Jesus, 1999a). Falamos do 20 de Setembro, porque este seria o quarto clube fundado neste mês, segundo Fortini. Julgamos tratar-se de um erro, tendo em vista o Fuss-Ball Club 20 de Setembro estar comemorando no ano seguinte quatro anos, segundo o próprio cronista, como citamos no capítulo anterior. Temos a diferença dos nomes em inglês para o alemão e da outra ter sido fundada em setembro, e os sócios citados em ambas as notícias tem seus nomes em português. Neste caso, os nomes da diretoria são diferentes e a lista é incompleta, sendo os nomes citados: Presidente, Antonio Mendonça; secretário Tito Torres; tesoureiro, Ariosto Agrifoglio e capitão o mesmo Antonio Mendonça. Por sua vez, é muito difícil imaginar duas equipes com o mesmo nome, tendo a mais nova copiado o nome de um clube de negros. Ainda em 1910, em quatro de novembro, se publica a fundação do Sport Club Porto-Alegrense, de cuja primeira diretoria fez parte: Narciso José Dourado, presidente; Ernesto Meister, vice; Francisco F. da Silva, 1º secretário; Antonio Rocco, 2º dito; Antonio Rosa, tesoureiro; Humberto Jordão, 2º tesoureiro; Fernando (sobrenome ilegível), 1º capitão; Antonio Pereira, 2º dito; Hugo Teichmann, diretor de campo; guarda-sport ilegível e A. Ferreira como orador.83 E o último clube fundado cuja fundação foi noticiada no ano de 1910 é talvez o mais importante desta lista, pois no ano de 1913 passou a fazer parte da Liga das agremiações da elite da cidade. Com o nome de Sport Club Colombo, acaba de ser fundada, nesta capital, mais uma sociedade para o cultivo do foot-ball. Em sessão realizada quinta-feira ultima, ficou assim constituida a primeira directoria: presidente, Pedro Jacobs; vice-presidente, Stanislau Gravoski; 1º secretario, Mario Costa; 2º dito Carlos Maccki; 1º thezoureiro, Armando Costa; 2º dito, João Schmidt; director de campo, Luiz Weiss; 1º guarda-sport, Leopoldo de Oliveira; 2º dito José Sabieski (Correio do Povo, 13 de novembro de 1910). Uma confusão deste clube, em uma partida da Liga de 1914, resultou no desligamento de dois membros da mesma. Com mais a cisão anterior (de 1913), 83 Correio do Povo, 4 de novembro de 1910. 95 podemos dizer que o Colombo teve papel importante para o final da primeira liga de futebol fundada em 1910, como veremos mais tarde. Em janeiro de 1911, viemos conhecer o Fuss-Ball Club Rio Branco e o Sport Club Progresso, que vieram a disputar uma partida, da qual, infelizmente, não temos o resultado ou mais informações, mas com o início da temporada e as abundantes notícias dos sete clubes da Liga, a próxima novidade está localizada apenas em maio, quando encontramos a fundação do Raidman Foot-ball Club.84 Uma grande nota da conta de um jogo de 1° e 2° times: “na villa do Lageado, o Club Sportivo Lageadense effectuará um match no arrabalde Floresta Alegre, ...”85, deixando a curiosidade quanto a localização da “Floresta Alegre”. Quando termina a temporada da Liga, em 30 de julho, é que as notícias sobre estes clubes aparecem em maior quantidade. As exceções são poucas, no período de maio a julho e podemos incluir também o Radverein Foot-Ball Club, novamente o FussBall Club Rio Branco, o Sport Club Colombo, o Foot-Ball Club Rio-Grandense e a fundação do Prego Foot-Ball Club (segunda sociedade com nome burlesco). A partir de agosto, a diversidade de clubes é muito grande, inclusive com jogos das escolas já citadas onde o destaque maior fica por conta do Colégio Conceição de São Leopoldo, que chega a disputar uma partida com o Internacional. Pela primeira vez, encontramos partidas no Vale dos Sinos, Jogos do Sport Club Club Leopoldense, Sport Club Novo Hamburgo e Oriente (de Novo Hamburgo). Congregando trabalhadores e/ou familiares, encontramos o Mauá. “Com o nome de Mauá F. B. C., fundou-se, nesta capital, uma agremiação sportiva, composta de alumnos da Escola Mauá, mantida pela Associação dos Empregados no Commercio”.86 Seu primeiro jogo seria com o Parisiense Foot-Ball Club. Também temos o Foot-Ball Club União que foi convidado para o jogo festivo com o Rio-Grandense pela passagem do 20 de setembro.87 Ao mesmo tempo o Correio do Povo volta a falar bastante no Colombo, que se mostra muito ativo no final do ano disputando mais alguns jogos. No capítulo anterior, citamos o Primavera, que tinha sua “... séde social (...) na rua General João Telles. O fardamento é creme e azul. O ground do Primavera é situado no campo da Redempção, em frente à rua General João Telles”.88 84 Correio do Povo, 15 de maio de 1911. 85 Correio do Povo, 6 de maio de 1911. 86 Correio do Povo, 17 de agosto de 1911. 87 Correio do Povo, 1 de setembro de 1911. 88 Correio do Povo, 22 de agosto de 1911. 96 Temos ainda uma nota citando Sport Club Teimoso, Sport Club Estrella do Mar, Sport Club Operário Cruzeiro do Sul e Bezouro Foot-Ball Club, que dizia apenas que “... trenaram igualmente seus teams, para as próximas pugnas”.89 Aqui chama atenção, além dos nomes cômicos, mais um clube com o nome de caráter “operário”, perfazendo um total de quatro, se somarmos o Mauá. No entanto, há uma notícia que nos chama atenção na hora de contabilizarmos tantas agremiações no corrente ano. O Internacional criou dois efêmeros times para disputar apenas um jogo: Temos hoje a dar aos leitores uma nota sensacional senão cômica em matéria de foot-ball. Sob a direção exclusiva dos srs. Jorge Washington Martins e Henrique Madeira Poppe, foram constituídos entre elementos do Internacional dois teams, Formidável e Invencível o outro, aproveitando assim jogadores, que, em gíria de foot-ball, chamam negações. Em palestra com o captain do team Invencível, disse-nos elle, ficaram, mais ou menos assim constituídos as equipes [...] (Correio do Povo, 23 de abril de 1911). Acreditamos que, dentre os nomes citados, todos sejam de clubes verdadeiros, e talvez a exceção fique por conta dos nomes cômicos da nota anterior, na qual não existem mais informações: Teimoso e Bezouro (talvez o Estrella do Mar). Caso diferente do Japonez, cuja notícia parece investida de uma seriedade que não podemos confirmar aqui nestes casos. Como a quantidade de notícias a respeito dos clubes da Liga sobra um espaço relativamente pequeno para que possamos verificar a longevidade deles a partir do grande número de nomes que alcançamos em 1911. Julgamos que as relações entre estes clubes se dava com menor rigor quanto a uma possível separação ou diferenciação como as sete agremiações elitistas da futura liga. Não eram necessariamente clubes que diferenciavam etnia, nacionalidade, porque, aparentemente, pertenciam à mesma classe social, onde as outras diferenças ficavam menores, apesar de não desaparecerem. Questões que foram importantes para os clubes elitistas, formados a partir de uma camada social, como vimos, ou a partir de uma origem nacional agregada também à classe, mas não para os excluídos por questões étnicas ou de classe social. 89 Correio do Povo, 12 de setembro de 1911. 4.2 Os primeiros anos da Liga de Foot-Ball Porto Alegrense 97 Em 1910, fundou-se a Liga de Foot-Ball Porto-Alegrense, e seus dois primeiros anos são de extrema importância para compreender como se organizaram os clubes da cidade, principalmente a partir da grande difusão de agremiações dedicadas ao english sport, em 1909. Destacamos sete clubes, não por uma escolha aleatória, mas porque eles dominaram os noticiários do Correio do Povo e de A Federação, desde a sua fundação, e que tiveram seu prestígio aumentado com a criação da liga esportiva. Mais do que simplesmente fundar uma liga, criaram formas de impedir que outros tivessem acesso a ela. Por sua vez, o caráter aristocrático e festivo que a elite deu a sua liga de futebol não foi suficiente para evitar as primeiras discussões que reinariam por uma década inteira. O restante da população que atreveu-se a fundar sociedades de foot-ball, operários, negros e pobres de uma forma geral, lutaram para mantê-las vivos, sendo que muitas sucumbiram nos primeiros anos de vida. Ainda assim, foram miríades de clubes multiplicando-se mês a mês, difundindo o foot-ball nos mais longínquos rincões da cidade e gerando um produto de cuja dimensão, nossas fontes dão apenas uma ideia. 4.2.1 Primeiro ano: sucesso (1910) A temporada iniciava com os treinos das equipes entre o final de março e início de abril, como já era tradicional no calendário do foot-ball de Porto Alegre. Em 1908, encontramos a justificativa para a data: “Após um descanso de cerca de três mezes, devido a estação calmosa que atravessou, imprópria para o cultivo deste bello sport, as sociedades desta capital reencetam, hoje, os seus costumados trenos, afim de realizarem matchs internos e externos”.90 Pelo que indica este trecho da coluna esportiva, os meses de calor não combinavam com a prática esportiva, pelo menos não com a do foot-ball, mas que, não fora obedecida pela primeira vez na virada do ano de 1909 para 1910, como pudemos verificar. Mas esta observação não cabe aos tradicionais clubes da elite, que mantiveram 90 Correio do Povo, 11 de maio de 2008. Coluna especial chamada: “Há um século no Correio do Povo”, p. 20 (entretanto, a matéria citada foi publicada originalmente no dia 5 de abril de 1908, como indica a edição de 2008). 98 a tradição, e mais do que isso, iniciada a temporada, iniciaram-se as tratativas de organização de um calendário para as principais agremiações. Neste sentido, o grande fato do ano de 1910 é a fundação da Liga de Foot-Ball Porto-Alegrense, em 12 de abril de 1910. A ideia de sua fundação partira do Grêmio Porto-Alegrense, segundo ata da assembleia geral em 12 de março. Como a concepção de uma liga partiu de Oswaldo Siebel (presidente do Grêmio entre 1904 e 1906), ele próprio fora encarregado de entrar em contato com os clubes que viriam a fazer parte da Liga, e assim fora eleito seu primeiro presidente. Os sete membros convidados por Siebel foram: - Grêmio Foot-Ball Porto-Alegrense; - Fuss-Ball Club Porto Alegre; - Sport Club Internacional; - Militar Foot-Ball Club; - Sport Club Nacional; - Fuss-Ball Mannschaft Frisch Auf e - Grêmio Foot-Ball 7 de Setembro. Não podemos dizer que as partidas se revestiram de um caráter especial tendo em vista que assim já eram os matchs externos entre Grêmio e Fuss-Ball, assim como foram os jogos de Internacional e Militar. Da mesma forma, a elite porto-alegrense era chamada a comparecer aos grounds, e o belo sexo, ao comparecer, era destacado pelos cronistas esportivos. Uma lacuna de três meses no acervo da Biblioteca Nacional não permitiu acompanhar alguns jogos da Liga, e por isso a tabela que apresentamos com os resultados é incompleta, ainda assim, é um material inédito, pelo que podemos verificar depois das pesquisas, onde a fonte foi o Correio do Povo durante os meses de desenvolvimento da Liga. Jogos da Liga de Foot-Ball Porto-Alegrense Campeonato dos primeiros quadros e Taça 12 de Abril (segundo quadros) Jogo Data 1º 19/06 Clube Grêmio Placar Clube 8x0 7 de Setembro Local Moinhos de Vento Competição Campeonato 1º 26/06 Grêmio 7x1 7 de Setembro ? Taça 12 de Abril 2º 26/06 Internacional ? Nacional ? Campeonato 2º 03/07 Internacional 3x1 Nacional Redenção Taça 12 de Abril 99 3º 03/07 Fuss-Ball 1x3 Militar Redenção 3º 10/07 Fuss-Ball 2x3 Militar Redenção 4º 10/07 Frisch Auf 1x1 7 de Setembro Redenção 4º 17/07 Frisch Auf 3x1 7 de Setembro Moinhos de Vento 5º 17/07 Grêmio 5x0 Internacional Moinhos de Vento 5º 24/07 Grêmio 1x1 Internacional Redenção 6º 24/07 Militar 6x0 Nacional Redenção 6º 31/07 Militar 9x0 Nacional Voluntários da Pátria 7º 31/07 Frisch Auf 1x9 Fuss-Ball Voluntários da Pátria 7º 07/08 Frisch Auf 0x6 Fuss-Ball Voluntários da Pátria 8º 07/08 Internacional 4x0 7 de Setembro Voluntários da Pátria 8º 14/08 Internacional 8x0 7 de Setembro Moinhos de Vento 9º 14/08 Grêmio 15x0 Nacional Moinhos de Vento 9º 21/08 Grêmio 6x0 Nacional Redenção 10º 21/08 Militar 3x1 Internacional Redenção 10º 28/08 Militar 4x2 Internacional Voluntários da Pátria 11º 28/08 Fuss-Ball 5x0 Nacional Voluntários da Pátria 11º 04/09 Fuss-Ball 2x1 Nacional Redenção 12º 04/09 Militar 6x0 Frisch Auf Redenção 12º 11/09 Militar 5x0 Frisch Auf Voluntários da Pátria 13º 11/09 Fuss-Ball 9x0 7 de Setembro Voluntários da Pátria 13º 18/09 Fuss-Ball 7x1 7 de Setembro Moinhos de Vento 14º 18/09 Grêmio 8x1 Frisch Auf Moinhos de Vento 14º 25/09 Grêmio 4x1 Frisch Auf Voluntários da Pátria 15º 25/09 Nacional 3x1 7 de Setembro Voluntários da Pátria 15º 02/10 Nacional 4x? 7 de Setembro Moinhos de Vento 16º 02/10 Grêmio 1x4 Militar Moinhos de Vento 16º 09/10 Grêmio 1x2 Militar Voluntários da Pátria 17º 09/10 Fuss-Ball 1x2 Internacional Voluntários da Pátria 17º 16/10 Fuss-Ball 0x4 Internacional Voluntários da Pátria 18º 16/10 Frisch Auf 0x2 Nacional Voluntários da Pátria 18º 23/10 Frisch Auf * Nacional Redenção 19º 23/10 Militar 5x0 7 de Setembro Redenção 19º 30/10 Militar 8x0 7 de Setembro Moinhos de Vento 20º 30/10 Grêmio 2x1 Fuss-Ball Moinhos de Vento 20º 06/11 Grêmio 1x4 Fuss-Ball Moinhos de Vento 21º 06/11 Internacional 7x2 Frisch Auf Moinhos de Vento 21º 13/11 Internacional 3x0 Frisch Auf Moinhos de Vento - Tabela elaborada com base nas informações dos periódicos pesquisados. Campeonato Taça 12 de Abril Campeonato Taça 12 de Abril Campeonato Taça 12 de Abril Campeonato Taça 12 de Abril Campeonato Taça 12 de Abril Campeonato Taça 12 de Abril Campeonato Taça 12 de Abril Campeonato Taça 12 de Abril Campeonato Taça 12 de Abril Campeonato Taça 12 de Abril Campeonato Taça 12 de Abril Campeonato Taça 12 de Abril Campeonato Taça 12 de Abril Campeonato Taça 12 de Abril Campeonato Taça 12 de Abril Campeonato Taça 12 de Abril Campeonato Taça 12 de Abril Campeonato Taça 12 de Abril Campeonato Taça 12 de Abril 100 * A vitória foi dada ao Nacional, pelo fato de que o Frisch Auf não compareceu para a partida, em decorrência das confusões do jogo entre os mesmos clubes no final de semana anterior. Vejamos algumas questões importantes sobre o primeiro campeonato da Liga. O campeão da Liga, tanto nos primeiros quanto nos segundos quadros, foi o Militar Foot-Ball Club, que neste ano formava com Grêmio, Fuss-Ball e Internacional o quarteto de maior destaque do futebol de Porto Alegre. Se pensarmos que dois eram já tradicionais clubes da cidade e que o Internacional havia surgido com esse caráter mais popular junto à classe média porto-alegrense, o Militar, além de carregar o status da marcialidade tão benquista no período, possuía jogadores de outros estados, que estavam a serviço da Escola de Guerra, e que já conheciam o foot-ball. Com a transferência da Escola de Guerra para o Rio de Janeiro, o clube foi extinto, e, segundo a História Ilustrada do Grêmio (Bordin e Devinar, 1983, p. 4), vários desses jogadores transferiram-se para o São Christóvão Athletic Club, agremiação que é conhecida pelo apelido de “cadete”, por causa de sua pela proximidade com o Exército Brasileiro. Neste ano, também foi fundada a Liga de “filhotes”, que eram crianças e/ou adolescentes (não se revela a idade em nenhum instante) com algum vinculo de parentesco com algum associado dos clubes. Estes jogos eram disputados pela manhã, mas em uma liga organizada independentemente, e que teve empatados em primeiro lugar Fuss-Ball e Militar. Com relação a ela, dois fatos chamaram a atenção. O primeiro é a reclamação de que, ao longo da temporada os “filhotes” dos clubes tornaram-se cada vez maiores podendo, de acordo com Fortini, jogar nos dois primeiros quadros das sociedades, devido ao tamanho dos jogadores. O segundo é a confusão na partida entre Militar e Fuss-Ball, terminada empatada em 1x1, quando o segundo retirou-se de campo, após ter dois gols anulados, retirandose da liga de “filhotes” duas semanas após a partida, no final de outubro. No Gre-Nal do campeonato, o Grêmio inaugurou suas redes, que foram as primeiras vistas em Porto Alegre, e, neste mesmo jogo, houve um fato chamado pela revista História Ilustrado do Grêmio de “sururu”, descrito como o primeiro a se registrar em campos de foot-ball de Porto Alegre: “Edgar Booth, o valoroso centerforward gremista foi agredido, ao ter driblado diversos players do Internacional, pelo ‘alvi-rubro’ Volksmann” (Bordin e Devinar, 1983, p. 4). 101 Sem dúvida, Booth era o grande foot-baller dos primeiros anos da cidade, com seu “belo jogo inglês”, e que, por isso mesmo, pode ter sido um dos jogadores que desfalcaram uma equipe porto-alegrense, em setembro, no sul do estado. Formada pelos principais atletas da Liga Porto-Alegrense, esta equipe viajou para as cidades de Pelotas e Rio Grande para jogar algumas partidas amistosas, quando o match contra o Sport Club Pelotas foi descrito da seguinte forma: Em Pelotas, a equipe desta capital foi infeliz no match: além de manifestações de desagrado, o goal-keeper Teichmann recebeu, em pleno campo, de um footballer pelotense, um murro em uma das vistas, inutilizando-a completamente. Outros jogadores também ficaram feridos, jogando, no fim do torneio, o team porto-alegrense com 8 figuras (Correio do Povo, 14 de setembro de 1910). O grande motivo da viagem era a disputa de uma partida contra o Club Athletico Estudiantes de Buenos Aires, na cidade de Rio Grande. Segundo a mesma notícia, o scratch porto-alegrense teria jogado com apenas seis players, devido à pancadaria em Pelotas, e, assim, perdeu o jogo por 7x3, naquilo que seria a primeira visita de um clube argentino ao Rio Grande do Sul. Mesmo sem mais pancadarias, as confusões não cessaram, e a disputa entre Frisch Auf e Nacional, dia 16 de outubro, teve um episódio estranho, pela falta de conhecimento da regra do foot-ball. Ainda na primeira etapa e já vencendo por 2x0, o Nacional teria marcado um terceiro gol, após a bola ter saído de campo. O mais estranho é que a confusão teria iniciado mesmo após o juiz (Vianna, sócio do 7 de Setembro) ter marcado a saída de campo e também pelo fato de que a bola teria sido atirada de volta ao campo por um espectador, quando o jogador Rieger, do Nacional, teria completado para dentro da goleira. Com a confusão, o Frisch Auf retirou-se de campo, e não enviou sua segunda equipe para o jogo da semana seguinte, perdendo por W. O. (walkover – ausência de campo). O jogo ocorreu no campo da rua Voluntários da Pátria pertencente ao Fuss-Ball, que deliberou não ceder mais seu ground, mesmo que fossem treinos durante a semana. O mesmo desconhecimento a respeito das regras do esporte fez com que um footballer enviasse uma carta para Archymedes Fortini, que a publicou no Correio do Povo, dando conta de que as partidas deveriam, segundo as regras do foot-ball, ser disputadas em 90 minutos, e não em 80, como se fazia até então. Parece que a nota 102 surtiu efeito, e a partir da publicação da mesma, no início da temporada de 1911, as partidas passaram a ter dois tempos de 90 minutos. Outro fato que chama atenção no ano de 1910 é a campanha de arrecadação de fundos para a compra de um novo encouraçado “Riachuelo”. A embarcação da Marinha com este nome havia sido aposentada, e surgiu uma campanha nacional para sua reposição, onde os mais diversos setores da sociedade brasileira contribuíram, e os eventos para arrecadação financeira são inúmeros pelo Rio Grande do Sul. O futebol não fica, de fora mostrando mais uma vez que o verdadeiro sportsman estava atento às questões da pátria. Em Porto Alegre, uma partida foi marcada para a data de 7 de setembro, entre os melhores atletas da Liga, no entanto, não sabemos o resultado, e mesmo se a partida foi realizada, devido à excursão ao sul do Estado. Sabemos apenas que os únicos clubes a cederem jogadores para a viagem foram o Grêmio e o Militar. Apesar do silêncio das fontes, é muito provável que esta partida em prol do Riachuelo fez com que as outras equipes não liberassem seus atletas para a viagem ao sul. Encerrando o ano de 1910, jogaram Grêmio e Fuss-Ball, mais um Wanderpreis. A taça ficava em definitivo com o clube que a conquistasse por três vezes consecutivas, e faltando apenas esta vitória para o Fuss-Ball pela primeira vez possuir um Wanderpreis, a sorte não lhe sorriu, com uma derrota por 5x0, em 25 de setembro. Essa partida foi amplamente noticiada com espaço maior do que o campeonato, mas que começaria, a partir do ano seguinte, a perder prestígio em decorrência da consolidação da Liga Porto-Alegrense. Da mesma forma, os dois anos posteriores marcaram a posse definitiva de mais esta taça pelo Grêmio, com uma vitória por 2x1, em 22 de outubro de 1911, e outra por 5x0, em seis de outubro de 1912, encerrando em definitivo com a primeira competição oficial entre clubes de Porto Alegre. O interesse na antiga competição não se perdeu apenas pelo maior prestígio da Liga, mas também porque havia agora um novo encontro, que despertava maior interesse por uma rivalidade que nascia. Mesmo que neste período as partidas não fossem difíceis, visto a superioridade da equipe dos Moinhos de Vento, fora das quatro linhas importantes nomes da sociedade portoalegrense travavam discussões cada vez mais frequentes e acirradas, que resultariam na cisão entre Grêmio e Internacional e, portanto, da Liga de Foot-Ball Porto-Alegrense, como veremos mais adiante. 103 Se tudo aquilo que foi dito até agora não serviu ainda para convencer sobre a elitização dos sete clubes fundadores da Liga, e, portanto, ela própria, falemos da grande ameaça surgida no final de 1910. O ideal chic de esporte europeu compartilhado pelos membros da Liga PortoAlegrense parecia ameaçado por todos os clubes que surgiam populares. O fato de fundar uma liga não foi o suficiente para criar um ideal esportivo nos moldes como se imaginava. Houve a necessidade de criar empecilhos, formas de distanciar as outras sociedades indesejadas. O meio de afastá-las foi o estabelecimento de dispositivos legais, ou seja, regras estatutárias que barrariam as tentativas de filiação à Liga de FootBall. Nesse momento importante de virada do ano, de organização do segundo campeonato da Liga de Foot-Ball Porto-Alegrense, chamam atenção as notícias veiculadas no Correio do Povo, portanto, de Archymedes Fortini, sobre os dois clubes que desejavam entrar na Liga. De todos, que em algum momento se declararam postulantes a uma vaga na Liga, durante o ano de 1910, Foot-Ball Club Rio-Grandense e o Centro Sportivo Operário mantinham a candidatura no início de 1911, segundo o periódico. Não há notícias de que os dois clubes oficialmente procuraram a Liga. Não sabemos se houve propostas oficiais, como troca de documentação ou uma simples proposta feita oralmente. Contudo, a possibilidade de que ambos tenham realmente proposto tornarem-se membros da Liga é plausível, e algumas questões podem revelar o motivo, mesmo que saibamos que nenhum dos dois veio a tomar parte na Liga durante o ano de 1911. Em primeiro lugar, sabemos do caráter destes dois clubes solicitantes: um operário e outro formado por negros e mestiços. Em segundo lugar, fora publicado o estatuto da Liga, em abril de 1911, sendo que grande parte dele dava conta das questões necessárias para uma nova agremiação fazer parte da mesma.91 Estas cláusulas eram desnecessárias no ano anterior, tendo em vista que por ser o seu primeiro ano de funcionamento, ninguém se candidataria a ela naquele momento. 91 No anexo E constam os principais artigos para esse debate. 104 Com relação às taxas a serem pagas seriam: inscrição na Liga, na importância de 50$000; aprovada a filiação, o clube pagaria a título de joia, a taxa de 200$000; contribuição anual de 40$000; e 5$000 mensais pagos adiantadamente. Mas digamos que algum clube indesejado ainda assim satisfizesse todas as exigências financeiras, o § 5° do artigo XIII parece ser absoluto com relação à possibilidade de qualquer nova agremiação filiar-se. Ele era então o mecanismo definitivo para separar estes indesejáveis, pois diz simplesmente que a Liga podia recusar a inscrição de qualquer clube.92 Uma terceira questão é a curiosa e inédita publicação dos estatutos, no início do ano, logo em seguida às insistentes notícias sobre as candidaturas. Por que não encontrarmos publicados nos jornais os estatutos do ano anterior? Desse modo, não podemos afirmar se houve algum tipo de mudança. Mesmo assim, é evidente que as questões sobre a filiação na Liga eram recentes, tendo em vista que em 1910 ela ocorreu por convite do clube que teve a ideia de sua fundação, o Grêmio. Deste modo, Fortini, ao publicar os estatutos, parece tentar responder aos motivos que fizeram com que o clube de seu principal interesse naquele momento, o Centro Sportivo Operário, e também o Rio-Grandense, não obtivessem suas filiações. Por último, e não menos importante, lembramos a crônica de Lupicínio Rodrigues, explicando o motivo pelo qual era torcedor do Grêmio e não do Internacional, o qual, na década de 1960, era reconhecido como o “Clube do Povo”, enquanto o Grêmio era tido como elitista e racista. Sua crônica faz menção à resposta negativa do Internacional quanto à filiação do Rio-Grandense à Liga. Além disso, podemos juntar outra informação, que pode, senão confirmar, pelo menos reforçar esta afirmação. Com a criação da Liga a partir de uma ideia do Grêmio Porto-Alegrense, a direção da Liga ficou a cargo dos homens do mesmo clube como dissemos anteriormente. Porém, como acontecia com as agremiações de futebol, havia eleições para a escolha da nova diretoria a cada ano. E no início de 1911, a escolha recaiu sobre o Internacional, e assim Henrique Poppe Leão, segundo presidente do Internacional, foi o escolhido para a presidência da Liga de FootBall Porto-Alegrense. Desse modo, os estatutos modificados com a inclusão das cláusulas financeiras que teriam sido as responsáveis pela negativa do Rio-Grandense bem como do Centro 92 Estes artigos encontram-se no anexo E. 105 Sportivo foram aprovados pelo Presidente do Internacional, Henrique Poppe Leão. Assim, sem sabermos das discussões internas entre os membros da Liga, podemos afirmar que a derradeira negativa a ambos os clubes só poderia ter partido da diretoria do Internacional, que presidia a Liga. Também poderia ter procedido de qualquer uma das agremiações pertencentes à Liga, mas, naquele momento, viria do próprio presidente do Internacional. Pensando no epíteto de “Clube do Povo” recebido em décadas posteriores, é importante reforçar a ideia de que o Internacional, em seus primeiros anos, era composto também por membros da elite da cidade, mesmo que não fossem tão próceres quanto boa parte dos sócios de Grêmio e Fuss-Ball, e daí o estranhamento das pessoas que perguntavam a Lupicínio sobre ser torcedor do Grêmio e não do Internacional. [...] no dia em que o Rio-Grandense pediu inscrição na Liga não foi aceito porque justamente o Internacional, que já havia sido criado pelo “Zé Povo”, votou contra, e o Rio-Grandense não foi aceito. Isto magoou profundamente os mulatinhos, que resolveram torcer contra o Internacional e o Grêmio, sendo seu maior rival foi o escolhido para tal. Fundou-se, por isto uma nova Liga, que mais tarde foi chamada de Canela Preta, e quando estes moços casaram, procuraram desviar os seus filhos do clube que hoje é chamado o “Clube do Povo”, apesar de não ter sido ele o primeiro a modificar seus estatutos, para aceitar pessoas de cor, pois esta iniciativa coube ao Esporte Clube Americano [...]. Portanto, a negativa que marcou os sócios do Rio-Grandense, e principalmente Francisco Rodrigues, pai de Lupicínio Rodrigues, foi o motivador de uma torcida para o principal rival do Internacional, e que, anos depois, com a “tradição popular” deste e a manutenção do elitismo gremista, causava estranhamento das pessoas que lhe perguntavam sobre a escolha. Para ilustrar a forma de exclusão através dos estatutos, escolhemos todos os artigos que falam de valores financeiros, pois são, por si só, excludentes da maior parte dos clubes que neste ano pululavam nas manchetes dos periódicos de Porto Alegre, não permitindo que outros se aventurassem a fazer parte da Liga. De uma forma simples: quem não tinha dinheiro não podia se filiar a Liga. No entanto, o item “c” do artigo XII fala na infraestrutura das canchas, e tem relação com a questão financeira mesmo que de forma indireta. A notícia sobre o campo da Redenção, palco do jogo entre Internacional e 7 de Setembro, na temporada de 1911, 106 não estava de acordo com o Estatuto da Liga e serve bem para ilustrar este item do estatuto. Antes de nos referirmos ao match, devemos dizer algo sobre o estado em que se encontrava o ground. Este não estava marcado, segundo manda a guia de football, nem tampouco, devidamente cerrado. As linhas de touchs eram feitas pelos espectadores, que tiveram o cuidado de não invadir o campo, para não prejudicar o torneio. Mas isso não foi nada; peor se observou, quando um forward teve de dar um penalty, não sabendo de onde deveria atirar o kick! Então, um espectador, invadindo o campo, mostrou, mais ou menos, onde era a linha de penalty. Parece-nos que a Liga não deveria deixar se reproduzirem taes factos, pois, segundo os seus estatutos, uma commissão momeada por ella, está incumbida de examinar o campo, antes de começar o torneio, para vêr si está ou não em condições de nelle se jogar. Pelo que se vê, a Liga pretende descansar nos louros colhidos em épocas brilhantes, sem se dar ao trabalho de fiscalizar os grounds (Correio do Povo, 12 de julho de 1911). Parece que, apesar de todas as exigências dos seus estatutos, a Liga não era assim, tão rigorosa com seus filiados. Pelos artigos que podemos ler, o rigor parece ter sido aplicado somente aos candidatos a filiação na Liga. Também não está bem claro como um clube que se licenciou ou simplesmente desligou-se faz para que volte a Liga, posteriormente. A única informação parece ser o § 1° do artigo XII, que fala que no caso de volta para a Liga, um clube não precisaria pagar taxa de inscrição e jóia, sem dar conta de como este processo se daria. Dessa forma, imaginamos mais fácil a volta do que a inscrição de uma nova sociedade. Entretanto, a dúvida recai sobre a palavra “substituídos”. Não sabemos se o caso se aplica, por exemplo, ao Frisch Auf, que, licenciado em 1911 e 1912, retornou apenas em 1913, porque ele não foi substituído por nenhuma outra agremiação durante estes dois anos em que esteve afastado. Por sua vez, os clubes que chamamos de populares, parecem ter desistido da Liga Porto-Alegrense, porque também não achamos mais nenhuma notícia de candidatura para o ano seguinte. A forma de resistir a essa negativa foi organizar-se para fundar sua própria liga: A notícia da fundação de uma “Federação Sportiva de Foot-Ball” de clubs não colligados à Liga Porto-Alegrense foi recebida com grande enthusiasmo. Brevemente, haverá a primeira reunião. Adheriran presentemente para a fundação da Federação, o Radium F. B. C., Colombo, S. C. Parisiense, F. B. C. Rio-Grandense, S. C. Rio Branco, F. B. Estrella do Mar e S. C. Cruzeiro do Sul (Correio do Povo, 20 de agosto 1911). 107 Infelizmente esta é a única informação que temos a respeito desta associação, que não chegou a existir. Todavia, a partir da cisão que aconteceu em 1913, houve um contato deste grupo com a elite. Sabemos de outras ligas que se organizaram, independente destes sete clubes elitistas, mas ocorreram, principalmente, a partir da brecha que se abriu com a cisão da Liga Porto-Alegrense, que, dividida em duas, criou a necessidade de incorporar novas agremiações como adversárias em ambos os campeonatos, que aconteceram paralelamente, em 1914. Se o histórico dos dezoito anos do Rio-Grandense dizia que lhe faltavam competidores, temos aqui um engano, pois ele descrevia apenas os adversários a partir do ano de 1912, quando sabemos da partida contra o Centro Sportivo. A descrição dos nomes da diretoria e dos jogadores não deixa dúvida, era o mesmo clube. Por que, então, descrever apenas os feitos mais recentes da história do clube? Falta de memória? É estranho, mas coincide exatamente com a fase em que o Rio-Grandense tinha relações próximas com clubes de brancos. Seria a Liga Sul-Americana de Foot-Ball fundada na metade da década formada já por clubes de negros? Por estas informações, nos parece uma liga pluriétnica com a inclusão do Rio-Grandense. Novamente sobram perguntas desta agremiação, e poucas são as respostas consistentes. Contudo, faremos mais um exercício de raciocínio. Um destes clubes com quem pretendeu formar uma liga, em 1911, o Colombo, veio a fazer parte da elite da cidade em 1913, e por isso afirmamos ser branco. O Centro Sportivo tinha como um dos associados o imigrante Fortini, e por isso também o imaginamos branco, afora o “Operário” de seu nome, que abre a possibilidade de outros elementos no clube. Portanto, o Rio-Grandense jogava ou tinha relações com sociedades de outra etnia. Agora olhemos para o próprio clube. Lupicínio destaca que “em 1907, uma turma de mulatinhos, que naquela época já sonhava com a evolução das pessoas de cor, resolveu formar um time de futebol” (Rodrigues, 1995, p. 47), ao mesmo tempo em que Gilmar de Jesus afirmou que clube que gerou polêmica no interior da liga por definir-se como “mulato”: somente mulatos e mulatas poderiam torcer pelo clube (Jesus, 1999a, p. 151). Que a fundação do Rio-Grandense aconteceu por membros eminentes da comunidade negra de Porto Alegre vai ao encontro do seguinte raciocínio de Gerson Fraga: “[...] a apropriação do jogo feita pelos menos favorecidos, reproduzindo-o dentro das condições disponíveis, certamente aponta para a capacidade em sinalizar, já à época, 108 um pretenso status de pertencimento a camadas sociais superiores” (Fraga, 2009, p. 170). Essas questões nos fazem imaginar que o clube, que jogava contra equipes brancas, acabou por se aproximar do Primavera a partir da metade da década de 1910, pela dificuldade em encontrar equipes dispostas a desafiá-lo. Para isso, devemos lembrar o caso que Fraga conta a respeito dos primeiros tempos do Fluminense FootBall Club e do América Foot-Ball Club de Belo Horizonte, que não se importavam com a cor de seus elementos, que, apesar de negros, possuíam uma condição sócio econômica privilegiada, e “a clivagem social, desta forma, se explicaria muito mais por uma questão de classe que racial” (Fraga, 2009, p. 169). Pela lógica, a interação entre brancos e negros de camadas sociais inferiores aconteceria da mesma forma, e aí é possível que negros e brancos já jogassem juntos, em Porto Alegre, muito antes do que imaginamos. 4.2.2 A consolidação da Liga (1911) Depois da negativa aos clubes populares de fazerem parte da Liga em 1911, este ano acaba sendo importantíssimo no sentido de se consolidar uma organização das agremiações da elite que disputariam o segundo campeonato da Liga Porto-Alegrense. Iniciando a temporada de 1911, encontramos as notícias dos clubes em seus primeiros treinos, como é o caso Fuss-Ball, e uma notícia que pode dar mais uma indicação a respeito da classe social à qual pertenciam os sócios do Internacional. Estão de parabéns os jogadores do Internacional, pois o club acaba de alugar, à rua Venâncio Ayres, em frente ao seu ground, magnífica casa, onde, entre outros melhoramentos, serão installadas duas duchas. Consta-nos, ainda, que os seus directores pretendem inaugurar, por todo o mez de abril próximo, uma aula de gymnastica e esgrima, a cargo de conhecido profissional (Correio do Povo, 26 de março de 1911). O Internacional inaugurando o ano investindo na qualidade de seu ground nos faz imaginar que seus sócios pudessem arcar com certos gastos, diferente de outras sociedades do mesmo escalão. Demonstra também como seus associados desejavam praticar outros esportes, ao incluir mais dois, que ainda hoje são reconhecidos como sendo elitistas. 109 Não se pode ter dúvida de que praticar esportes de uma forma geral, era ainda algo para poucos e que, fora o foot-ball já gozar de uma maior popularidade, o Internacional, com a inclusão destas novas atividades, demonstra estar acima de outros tantos clubes de foot-ball. O primeiro grande evento de futebol deste ano foi a partição do Frisch Auf na derradeira inauguração da nova sede do Turnerbund, no arrabalde de São João, adquirida, como dissemos, principalmente para a prática do futebol. Com os treinings iniciados para a festa do dia 7 de maio, o próprio Turnerbund manda publicar uma nota na coluna chamada “Declarações” (e não na coluna de notícias sobre os esportes), avisando que, devido à chuva, a inauguração estava transferida para o próximo domingo, dia 14, que, por sua vez, é transferido93 novamente para o dia 21, devido à realização das regatas marcadas pela Federação Rio-Grandense de Remo. Este fato indica que as pessoas envolvidas com as disputas do remo poderiam ser as mesmas que teriam lugar nos jogos do Turnerbund, e demonstra, ainda em 1911, a premissa de que um autêntico sportman deveria praticar o maior número de atividades que conseguisse. Além disso, é evidente que a rede formada pelos clubes da cidade ainda permanece nos mesmos moldes dos primeiros anos do início do século, como demonstramos no capítulo anterior. Visto realisar-se amanhã, a grande festa annual promovida pela Federação do Remo, os clubs de foot-ball, de cujos quadros fazem parte muitos remadores, não efectuarão training à tarde, como é de costume, transferindo-o, nesse dia, para as 9 horas da manhã. O Internacional, embora não tenha em seus teams remadores activos, transferiu seu training para a manhã (Correio do Povo, 13 de maio 1911). Mesmo sem “remadores activos”, se fazia necessário transferir o treino para não prejudicar os clubes de remo, diminuindo sua assistência ou criar uma concorrência. Chegado o dia 21 de maio, e a coluna de notícias sobre esportes divide-se com dois grandes acontecimentos, além do vasto espaço já tradicional dedicado ao turfe. Um é sobre a inauguração da Liga de Foot-Ball, com sua primeira partida entre Fuss-Ball e Nacional, e a outra é a inauguração do parque esportivo do Turnerbund, ainda hoje localizado no atual bairro São João94, e que, finalmente, aconteceria naquele dia depois 93 Correio do Povo, 12 de maio de 1911. 94 Utilizado pelo Frisch Auf desde 23 de janeiro de 1910, mas ainda sem a infraestrutura inaugurada nesta ocasião, em 1911. 110 de tantos imprevistos. “Notam-se grande enthusiasmo para o match athletico que o Turner- Bund effectuará, hoje, no vasto parque sportivo do arrabalde de S. João. Pelo programma abaixo, verse-a que a festa promette alcançar franco successo”.95 Abaixo vinha o programa, que começava às 7 horas, com a saída em comitiva da sede na rua São Raphael. Os jogos começavam às 8, com as competições de ginástica, que incluíam: “pular ao longe”, “bola de impulso”, “corrida a pé”, “lança de impulso”, depois teríamos “Foot-Ball entre dois teams, constituídos de socios do Turner-Bund e Friesenriege”.96 Entre os dois jogos de foot-ball haveria também um “match de tamborim para senhoritas”, mas tudo terminaria até as 17:30, para que aí começasse a distribuição de prêmios. O programa ainda terminava por fornecer detalhes do baile, às 20:30, na rua São Raphael, “o qual se nota muito enthusiasmo”, e, além disso, seria “abrilhantada por uma banda de musica da Brigada Militar”. Tirante ser um dos sete fundadores da Liga de Foot-Ball Porto-Alegrense, o Frisch Auf desligou-se dela no ano de 1911. O motivo não foi encontrado nas páginas dos jornais pesquisados, nem mesmo na edição onde consta inclusive um pequeno histórico da Liga. Apenas é dito que o motivo do desligamento já era conhecido, sem sabermos se a contenda no jogo contra o Nacional era o real motivador. Após o início do campeonato, não se noticiaram matchs do Frisch Auf até o mês de novembro quando este vai enfrentar o Fuss-Ball pela disputa de um Wanderpreis criado entre ambos, as únicas atividades pouco noticiadas eram os treinos realizados esporadicamente. Iniciando abril, aparecem os outros clubes que iniciam suas temporadas de futebol. Todavia, chama a atenção, já neste ano, a diferença de tratamento recebida pelo Grêmio no Correio do Povo. Pois figuram em seus quadros “mestres dos shoots”, jogadores que “renome deixaram entre os que viram jogar”, outros que “não estão ainda esquecidos” e ainda, um “habil foot-baller”, além disso, foram, nesta mesma matéria esportiva de abril, nominados 21 jogadores. Já os outros clubes citados (Fuss-Ball, Internacional, Nacional, 7 de Setembro) possuem 7 jogadores nominados, e, dentre eles, um atleta que é uma das “figuras de maior destaque” de sua equipe, outros dois que são “conhecidos foot-ballers”, um que é “figura saliente” em sua equipe.97 95 Correio do Povo, 21 de maio de 1911. 96 Correio do Povo, 21 de maio de 1911. 97 Correio do Povo, 2 de abril de 1911. 111 Não há duvida de que o Grêmio tinha uma representatividade maior, pelo menos para o jornal Correio do Povo. Contudo, é muito provável que todos tivessem bons olhos para ele tendo em vista seus sócios serem, em 1911, cidadãos, das mais respeitáveis famílias da cidade, como Hemetério Mostardeiro, que fora Presidente do Club do Commercio, em 1908 (atual Federasul), admitido sócio do Grêmio, neste ano (Pires, 1969, p. 32), por exemplo. Sobre a notícia ainda, parece ser uma novidade uma última informação da nota esportiva dando conta de que “o center-forward allemão Mordiek, que pertenceu ao Frisch Auf e depois ao Fuss-ball, entrou há dias, para o quadro do Grêmio PortoAlegrense, por quem igualmente, diz elle, jogará este anno”.98 Essa não é a primeira notícia que encontramos de transferência de jogadores nos periódicos, mas é sem dúvida a mais clara, até então. Talvez pelo fato de que Mohrdieck era já importante player, tornando-se conhecido ao atuar durante o restante da década no Grêmio Porto-Alegrense, e encontrado, hoje, com frequência, em listas que elencam seus grandes jogadores dos primeiros anos. Desconhecemos como se davam estas transferências, e, ao que tudo indica, após seu estabelecimento na cidade entrou para as fileiras do mais teuto dos clubes de foot-ball, passando para outro já aberto a não teutos, mas que possuía mais força e tradição no futebol, até, finalmente, estabelecer-se no mais forte e tradicional de todos, mesmo que fosse o menos teuto dentre os três. Com relação às transferências, existem mais dois jogadores importantes que entraram para as fileiras do Grêmio, no mesmo ano. Gustav Mohrdieck formou dupla de zaga com seu compatriota, também recém chegado ao clube, porém vindo do Rio de Janeiro, Bruno Schuback. Segundo reportagem do Correio do Povo, ambos jogaram em equipes da cidade de Hamburgo, apenas não sabemos se mantinham relação na Alemanha ou eram apenas rivais. Formaram uma histórica dupla de zaga, que perdurou por quase toda a década de 1910, e também uma dupla de cunhados ao casarem com duas irmãs, as filhas de John Day99, e vice-presidente gremista, em 1913. No entanto, Bruno veio a Porto Alegre com o concunhado de seu primo Walter Schuback, que foi um dos fundadores do Fluminense Football Club, em 1902. Era Edwin Horácio Cox, cidadão inglês, apesar de nascido na cidade do Rio de Janeiro. Era irmão de Oscar 98 Correio do Povo, 2 de abril de 1911. 99 Mais antigo clube de remo do Brasil. Dentre seus fundadores estava Alberto Bins, ex-Intendente de Porto Alegre. As ligações entre estes e outros sócios do Grêmio é muito maior, e não convém prosseguirmos com as explicações para não fugirmos do assunto principal. Por hora, basta apenas dizer que as relações familiares entre sócios do Grêmio eram muito maiores. 112 Alfredo Sebastião Cox, o grande introdutor no foot-ball na cidade do Rio de Janeiro, fundador e primeiro Presidente do Fluminense.100 Desse modo, uma nova geração refazia a dupla Schuback e Cox, agora no Grêmio. A chegada de Edwin Cox a Porto Alegre não passou em branco aos periódicos: Acha-se, desde alguns dias, residindo nesta capital, o sr. Edwin Cox, empregado no Banco da Provincia. O nome de Cox não é desconhecido nas liças do football. No Rio de Janeiro, onde residiu por muito tempo, fez parte do Fluminense Foot-Ball Club, onde jogou como center-forward. É ele um dos jogadores que tomaram parte do match contra os Corintians. A imprensa carioca tem sempre feito elogios ao jogo apresentado pelo sr. Cox (Correio do Povo, 4 de dezembro de 1910). Mesmo não tendo detalhes de como entraram para o quadro social do Grêmio Porto-Alegrense, não temos dúvida de que isso ocorre das relações sociais destes homens ilustres da cidade. Desconhecemos os rumos de Cox após o Grêmio, onde jogou no ano de 1911, e sabemos apenas que não voltou para o Fluminense no ano seguinte, portanto, provavelmente não voltou para o Rio de Janeiro. No Grêmio, recebeu o título de capitão, que pertencia ao goleador do primeiro Gre-Nal, Edgar Both. Seu grande feito foi o gol de “Charles” no Gre-Nal deste ano, ou seja, o primeiro gol de calcanhar, não apenas neste clássico, mas o primeiro de que se tem notícia em Porto Alegre. Edwin também levou uma grande modificação para o Grêmio: a escalação do time pelos próprios jogadores, pois antes isso era feito pela diretoria. Também era um exímio driblador, e é considerado o primeiro craque do Fluminense. Esta importante rede social, da qual citamos esta pequena amostra, demonstra a importância do Grêmio Porto-Alegrense, já no início da década de 1910, fazendo dele o principal clube, recebendo os mais destacados e importantes foot-ballers que se estabeleciam na cidade.101 Isso também pode ser medido pelo fato de que em maio o 100 O pai de ambos foi George Emmanuel Cox, cidadão inglês nascido em Guayaquil, Equador, onde fora vice-cônsul da Inglaterra. Fora também o segundo presidente e um dos fundadores do Rio Cricket Associação Atlética, clube da colônia inglesa de Niterói (primeira agremiação de foot-ball do Rio de Janeiro, introduzindo o esporte meses antes da fundação do Fluminense) e segundo presidente deste clube (1898-1907). A mãe de ambos era a carioca Minervina Dutra Cox. 101 Uma análise minuciosa de seus sócios com um trabalho de prosopografia poderia demonstrar a grande diferença de classe social de seus sócios com relação aos demais clubes, tendo em vista os inúmeros comerciantes e industriais que se encontram entre seus sócios, até o presente ano. Contudo, não há tempo hábil para tal, e também não é a proposta deste trabalho, que recorrerá a novos exemplos sempre que achar necessário demonstrar a vinculação dos sócios dos clubes. Mesmo assim, anexamos a lista dos sócios do Grêmio contida em uma de nossas fontes até o ano de 1912. Uma pequena passada de olhos na mesma é suficiente para encontrarmos nomes de eminentes homens da sociedade Porto-Alegrense do início do século. Anexo A. 113 clube recebeu a escritura definitiva da área de seu campo, adquirida por empréstimo em 1904. Era, assim, a primeira agremiação de futebol a possuir sede própria, não restando dúvida quanto ao status alcançado, colocando-o como de maior reputação no futebol e também entre os principais dentre todos os esportes da cidade. A partir de abril, começam as notícias da Liga, quando são citados, nos periódicos da cidade, os clubes que vão participar da Liga de Foot-Ball Porto-Alegrense do ano de 1911. São eles: - Grêmio Foot-Ball Porto-Alegrense, - Fuss-Ball Club Porto Alegre, - Sport Club Internacional, - Sport Club Nacional e o - Grêmio Foot-Ball 7 de Setembro. Com relação ao ano anterior, faltavam apenas o licenciado Frisch Auf e o extinto Militar. Os dois últimos, segundo o Correio do Povo, eram rivais. “O Nacional e o 7 de Setembro, os dois clubs verdadeiramente rivaes, trenam a toda força: empurrando, ou querendo empurrar, um para o outro, as respectivas honras de campeão em 5° logar”.102 Rivais pela fraqueza, porque na Liga do ano anterior, bem como nesta, não vão obter vitória sobre nenhum outro, a não ser sobre eles próprios, cabendo-lhes, assim, a definição de quem seria o último colocado. Uma notícia de Fortini, em dezembro, fala que dois clubes do “... 2º disticto, ambos pertencentes a Liga Porto-Alegrense, vão fazer fusão”. Imaginamos que fosse o 7 de Setembro do Menino Deus, que teve seu campo próximo à ponte do Menino Deus (próximo a atual praça Garibaldi) e sua sede na rua Barbedo e o Nacional com sede no Parthenon que tinha seu campo na rua São João (atual Freitas e Castro). Entre as primeiras notícias da Liga, está colocada uma reunião na qual “... escolheram os juízes dos 3 primeiros jogos e combinada a entrada de 500 réis e outra medida foi não colocar juízes das equipes que disputam a partida”.103 Desse modo, temos duas questões importantes. Primeiro, a cobrança de ingresso ao ground, medida que vai ser dificultada, tendo em vista que poucos são os campos cercados, mas ao mesmo tempo dificultaria a presença de alguns expectadores mais exaltados, com seus apupos, como se verificou em 1910. A segunda, que parece estranha aos conhecedores 102 Correio do Povo, 16 de abril de 1911. 103 Correio do Povo, 19 de abril de 1911. 114 do futebol atual, a escolha de um juiz de uma agremiação que não estivesse disputando a partida. Primeiro, deve-se dizer que os juízes eram os próprios foot-ballers, e algumas vezes era comum que apitassem jogos dos próprios clubes, no entanto, como respeitáveis e honrados cidadãos que eram, isto ocorria sem favorecimento da sociedade a que pertenciam, ao menos sem grandes problemas até então. Todavia, a Liga achou por bem evitar que o juiz pertencesse a um dos envolvidos na partida, como já o fez no ano anterior. Sobre a cobrança de ingressos instituída a partir deste ano, foi noticiado também que “as familias acompanhadas de cavalheiros não pagarão entrada”.104 Deste modo, um evento “chic”,105 como uma partida de foot-ball, ganhou esse importante incentivo para que famílias completas frequentassem os grounds, apesar das mulheres não praticarem o esporte.106 Antes de prosseguirmos com a disputa da Liga, para uma melhor localização temporal, apresentamos uma tabela com todas as partidas, resultados e locais das disputas, a partir dos periódicos pesquisados. Uma novidade é que, a partir deste ano, os jogos do campeonato entre as segundas equipes foram disputados como preliminar dos jogos principais. Jogos da Liga de Foot-Ball Porto-Alegrense 2º Campeonato dos primeiros quadros e Taça 12 de Abril (segundos quadros) Jogo 1º 1º 2º 2º Data 21/05 21/05 28/05 28/05 Clube Fuss-Ball Fuss-Ball Grêmio Grêmio Placar Clube 7x1 Nacional 8x1 Nacional 3x0 7 de Setembro 10x1 7 de Setembro Local Rua Voluntários Rua Voluntários Moinhos de Vento Moinhos de Vento Competição Taça 12 de Abril Campeonato Taça 12 de Abril Campeonato 3º 04/06 Internacional 3º 04/06 Internacional 4º 11/06 Fuss-Ball 4º 11/06 Fuss-Ball 5º 19/06 Grêmio 3x1 Nacional 6x0 Nacional 5x2 7 de Setembro 7x0 7 de Setembro 1x1 Internacional Campo da Redenção Campo da Redenção Rua Voluntários Rua Voluntários Moinhos de Vento Taça 12 de Abril Campeonato Taça 12 de Abril Campeonato Taça 12 de Abril 104 Correio do Povo, 23 de julho de 1911. 105 Correio do Povo, 23 de julho de 1911. Uma observação importante diz respeito a uma nota que usa esta expressão. Está na mesma página da citação anterior. Ela noticia mais um jogo (já era tradicional e não o primeiro) entre “filhotes” do Grêmio e do Fuss-Ball. Estes jogos dos filhos dos sócios dos principais clubes eram, da mesma forma, um grande evento, também noticiado, e acabava por envolver as crianças no foot-ball e, por conseguinte, toda a família. 106 A proibição das mulheres de praticarem foot-ball é inglesa, e, portanto quando chega no Brasil, este já é um esporte apenas masculino. 115 5º 19/06 Grêmio 10x1 Internacional Moinhos de Vento Campeonato 6º 25/06 7 de Setembro 1x0 Nacional Campo da Redenção Taça 12 de Abril 6º 25/06 7 de Setembro 4x0 Nacional Campo da Redenção Campeonato 7º 02/07 Grêmio 2x0 Fuss-Ball Moinhos de Ventos Taça 12 de Abril 7º 02/07 Grêmio 7x0 Fuss-Ball Moinhos de Vento Campeonato 8º 09/07 Internacional 2x1 7 de Setembro Campo da Redenção Taça 12 de Abril 8º 09/07 Internacional 4x1 7 de Setembro Campo da Redenção Campeonato 9º 23/07 Grêmio 10x1 Nacional Moinhos de Ventos Taça 12 de Abril 9º 23/07 Grêmio 4x1 Nacional Moinhos de Vento Campeonato 10º 30/07 Fuss-Ball 1x1 Internacional Moinhos de Vento Taça 12 de Abril 10º 30/07 Fuss-Ball 3x3 Internacional Moinhos de Vento Campeonato - Tabela elaborada com base nas informações dos periódicos pesquisados. * Como podemos verificar, em ambos os campeonatos saiu-se campeão o Grêmio Foot- Ball Porto-Alegrense. A primeira nota sobre o jogo que abre o campeonato, Fuss-Ball contra o Nacional, faz muitos elogios a todos os envolvidos inclusive “... tendo merecido encômios a commissão de foot-ball composta dos srs. dr. Escobar Junior, Poppe Leão e Oscar Beck”.107 O único fato a lamentar na disputa “... do popular divertimento britânico,...” foi a “... falta de senhoras e senhoritas, que são sempre o encanto das diversões ao ar livre. Essa falta justifica-se por ter ido o bello sexo prestar homenagem ás senhoritas do Turner-Bund que, pela primeira vez, se apresentaram em publico nos exercicios do tamborim. (...)”108 Parece ser pequena a relação entre o jogo deste domingo com o “verdadeiro systema inglez”. Pelo que foi noticiado no mês anterior, o foot-ball inglês parece já não ser jogado assim por tantos cavalheiros: “Notícia da Inglaterra onde: queixa-se o sr. Briggs, principalmente das gigantescas ‘extravagâncias’ dos estudantes, membros das equipes de foot-ball, cujas contas de despezas classifica de ‘pouco próprias de cavalheiros’. (...)”.109 Este crônista reclama que estes senhores que jogam foot-ball já não se comportam como cavalheiros, pelos lugares onde passam, gastando em “festas, botas, 107 Correio do Povo, 23 de maio de 1911. 108 Correio do Povo, 23 de maio de 1911. Pelos lamentos que se vêem, a assistência feminina não era pouca nessa época, entretanto, o tamborim parece ser um dos raros esportes praticado por mulheres, juntamente com o tênis. E o segundo clube a introduzi-lo foi o Grêmio, em julho, segundo o Correio do Povo. Nem mesmo encontramos notícias sobre ginastas mulheres, o que as fotografias confirmam. 109 Correio do Povo, 16 de abril de 1911. 116 camisolas, alojamento caro em hotéis, quando vão jogar fora, vinhos, charutos, souvenirs, automóveis e theatros”.110. Todavia, em Porto Alegre se faziam apologias a seus jogadores, que comportavam-se de acordo com os “systema inglez”. Ao menos esse era o desejo da Liga, assim como o cronista do Correio do Povo enquanto divulgador da “verdadeira” tradição do esporte bretão, mesmo que na Inglaterra ele estivesse passando por transformações, que o levavam ao profissionalismo. Três meses depois desta matéria que criticava o jogador inglês, é publicada outra de grande tamanho com o nome: “O sportman inglez”.111 A matéria é cheia de elogios ao desportista britânico, que tinha como principais esportes o “foot-ball, o tennis, o rowing e o cricket”. Hoje, sua definição chega a ser engraçada: “São rapazes bonachões, não dispensando dois banhos por dia, o indefectível cachimbo, o casaco de lã sobre a camisa e a boina”. A moral idealizada deste atleta também esta descrita, e vai de encontro ao que foi dito pelo sr. Briggs: “Como, porém, o estudante bretão sobre-põe á idea de qualquer divertimento a do exercicio sportivo dahi a plenitude exuberante de suas energias physicas, influindo muito na compleição moral”.112 Estão aqui expostas ao “sportman porto-alegrense” as qualidades morais em que deveriam espelhar-s,e para tornarem-se grandes “players”. Conceitos que já não faziam eco na própria Inglaterra, pelo que vemos meses antes nas páginas do mesmo jornal. Entretanto, ainda era o exemplo europeu que o cidadão porto-alegrense deveria seguir, e as confusões descritas, tanto no Reino Unido, quanto em Porto Alegre, na disputa da “Taça Sportiva”, em 1909, ou no campeonato de 1910, não deveriam passar de lamentáveis exceções, noticiadas com espanto, e que deveriam ter fim. Realmente a relação entre Grêmio e Fuss-Ball parece boa, pelo menos é o que se diz em 1911: “Como se sabe a rivalidade entre os teams do Gremio e do Fuss-ball, é grande, rivalidade essa que só existe quando em campo. Fora dahi, os membros de ambas as associações nutrem, entre si, os mais fortes laços de amizade trabalhando conjunctamente pelo engrandencimento do foot-ball, em nosso meio social. Vae ser, portanto, um festival chic, uma festa da mocidade da jeunesse dorée das duas fortes associações. E, por isso, não faltarão o comparecimento gentil de nossas patrícias, no mundo sportivo porto-alegrense”.113 110 Correio do Povo, 16 de abril de 1911. 111 Correio do Povo, 13 de julho de 1911. 112 Correio do Povo, 13 de julho de 1911. 113 Correio do Povo, 2 de julho de 1911. 117 O relato das partidas segue o mesmo de sempre: nos dias anteriores, pede o comparecimento de mulheres, e, após, muitos elogios de parte a parte, e, por fim, a descrição do jogo em campo. E esta partida entre Grêmio e Fuss-Ball é, sem dúvida, o melhor exemplo disto, até porque era ainda o jogo mais importante da Liga. O principal jogo do campeonato foi disputado entre os mais antigos e tradicionais clubes da cidade, e, nesse momento, não é o Gre-Nal ainda. A disputa mereceu enormes matérias não vistas em outros jogos de foot-ball. Foi uma espécie de final do campeonato organizado pela Liga, vencido, como podemos ver na tabela acima, pelo Grêmio Porto-Alegrense. Embora as muitas diversões de hoje, o match do campeonato de 1911 será o cocteau du jour, porquanto, além de se baterem duas equipes fortes, tem cada uma mais a seu favor renome de épocas passadas, das quaes o Gremio Foot-Ball conquistou glorias, a par de continuas victorias obtidas pelo Fuss-Ball.114 O motivo para que o Fuss-Ball e o Grêmio, principalmente, fossem tão mais benquistos que os outros clubes de foot-ball (ao menos nos periódicos) é bastante simples: o estrato social de seus sócios, citado há pouco, e que poderia, em um trabalho de mais folego, ser facilmente descrito a partir das fachadas dos empreendimentos comerciais e industriais da cidade. As demais agremiações participantes da Liga possuíam nomes importantes na cidade, ao menos promissores como o estudante de medicina Carlos Antônio Kluwe, que jogou no Internacional até 1916 (acabaria por virar prefeito de Bagé, sua cidade natal, entre 1948 e 1951), entre outros nomes já citados, mas que estavam abaixo dos sócios dos dois pioneiros.115 Depois do encerramento do campeonato da Liga, em julho, o fato que dominou o noticiário do foot-ball em Porto Alegre foi a primeira excursão de um clube para o sul do estado, para bater-se contra uma equipe estrangeira. E assim, o Grêmio foi a Pelotas jogar duas partidas amistosas, uma com o próprio Sport Club Pelotas, e a principal contra um time formado por jogadores enviados pela liga uruguaia. Não podemos atribuir certeza pela descrição, mas não parece ser a seleção oficial do Uruguai, todavia, não deixava de ser uma seleção, ainda mais em se tratando do país que se tornaria o mais vitorioso nas competições mundiais nas primeiras décadas do século XX. Ao final dos esperados jogos, o Grêmio havia perdido ambas. A primeira por 1x0 para os pelotenses e por 3x0 para os uruguaios. Curioso é que com esta vitória do 114 Correio do Povo, 2 de julho de 1911. As letras com a fonte maiúscula são originais da edição. 115 A relação entre os sócios e atletas é feita com base na descrição dos proprietários de inúmeras empresas descritas na obra já citada (Lloyd, 1913). 118 Pelotas, somada à vitórias sobre o Sport Club Rio Grande, Sport Club São Paulo de Rio Grande e sobre o Guarany Foot-Ball Club de Bagé, todas no mesmo ano, os pelotenses se autodenominaram de campeões do Rio Grande do Sul, mesmo sem um campeonato oficial e sem a existência de uma entidade que congregasse todas as regiões do Estado, título, aliás, repetido pelo Correio do Povo. Após estes jogos em Pelotas, o Grêmio pensou em uma revanche, e cogitou-se que o “campeão do Estado” viria a Porto Alegre retribuir a visita do Grêmio, e disputaria mais um jogo com outro time. Quanto ao segundo match, não se sabe ainda se será com o Fuss-Ball ou com o Internacional. Acredita-se que em vista das intimas relações do S. C. Pelotas com o ultimo, onde jogam muitos seus ex-socios, seja com este o citado match (Correio do Povo, 7 de outubro de 1911). A vinda do Sport Club Pelotas acabou não acontecendo, por dificuldades no calendário, embora esta relação descrita entre ambos é mais uma amostra de que o Internacional era um dos primeiros clubes da elite porto-alegrense. Mais rico, possuindo um campo próprio e bem localizado na cidade, e sendo, nos dez primeiros anos, o mais vitorioso da cidade, o Sport Club Pelotas era conhecido por ser elitista, e hoje, dos três clubes profissionais que ainda restam, ainda se repete a mesma história sobre ser elitista. Atualmente, se faz a comparação entre Grêmio e Pelotas, por serem ambos elitistas e, portanto, é muito interessante percebermos esta proximidade entre Pelotas e Internacional, em 1911. Com efeito, no último jogo da liga, em 30 de julho, estes prósperos e bem conceituados senhores da sociedade porto-alegrense, da qual faziam parte os sócios de Grêmio, Fuss-Ball e Internacional, foram protagonistas de bengaladas e cenas de pugilato, no jogo entre estes dois últimos. De um modo bem desagradável, terminaram, ante-hontem, no ground dos Moinhos de Vento, os últimos matchs da Liga, da temporada de 1911. Ainda estão na memória publica os factos desenrolados nas regatas de maio ultimo, e já, ante-hontem, elles se reproduziram, de um modo digno de censura, sob todos os pontos de vista. Houve até troca de bengaladas, saindo feridos alguns dos contendores, e não tendo o conflicto assumido maiores proporções devido a intervenção de vários cavalheiros. Quando se deu um pugilato entre um membro do Internacional e o cobrador do Gremio, teve de ser suspenso o jogo. A equipe do Fuss-Ball, em vista disso e dos successos anteriores, retirou-se do campo, só se resolvendo a voltar a elle devido a instantes pedidos. É necessario que a Liga 119 tome as devidas providencias, fazendo eliminar do quadro de seus sócios os promotores de conflictos. Si as cousas continuarem assim, o foot-ball decairá entre nós, não havendo mais quem o queira cultivar (Correio do Povo, 2 de agosto de 1911). O jogo em que teria havido a confusão foi o primeiro da tarde, que é tradicionalmente o jogo dos segundos times. Apesar da briga entre sócios116 de Grêmio e Internacional, a confusão originou-se devido à arbitragem confusa do juiz da partida, segundo o Correio do Povo. A briga ocorreu entre sócios do Internacional e do Grêmio. Os sócios dos clubes envolvidos não pagam ingresso e os sócios do Grêmio, da mesma forma, não pagavam pelo fato da partida se realizar no Campo dos Moinhos de Vento. Também é importante destacar que, com o resultado de 1x1, o Grêmio foi o campeão isolado dos segundos times, e se a vitória fosse colorada ambos empatariam, dividindo o título, por isso a partida gerou tanta polêmica. A discussão entre os dois times seguiu até setembro, nas páginas do Correio do Povo, e revelou que o juiz da partida, João Baptista, sócio do Nacional, havia sido aceito como sócio do Fuss-Ball Club. No entanto, a mesma matéria que relata os incidentes narra o jogo, e diz que o senhor Baptista anulou dois gols, um de cada equipe, e o primeiro teria sido do próprio Fuss-Ball, não parecendo que a anulação tenha ocorrido para beneficiar seu novo clube, até porque o resultado não mudaria em nada sua colocação. O mais importante de toda a discussão que seguiu foi a manifestação do Internacional, em um ofício dirigido a Liga. Entre outros itens, diz “... que a Liga não deve dar-se ao trabalho de desliga-lo no dia 18 pois, desde o dia 23 de agosto, elle acha-se desligado”.117 Não obstante o desligamento, sabemos que o Internacional voltou à mesma, disputando o campeonato de 1912, porém começava aí uma série de desentendimentos, que fariam com que os principais clubes de Porto Alegre rompessem, em 1913, e ficassem separados em duas Ligas, até o ano de 1916. 116 Não havia ainda o conceito de torcedor, e todos que estavam a torcer por determinado clube eram seus sócios. 117 Correio do Povo, 14 de setembro de 1911. 5 BRIGAS & DISSIDÊNCIAS, DINHEIRO & POLÍTICA, GRÊMIO & INTER Gremistas, palmeirenses e flamenguistas são cidadãos quaisquer, que compartilham, entre outras coisas, o gosto pelo futebol. Justamente porque partilham uma série de dilemas sociais, sendo o futebol capaz de tornar público e de maneira muito peculiar alguns desses conflitos, é que existem as rivalidades clubísticas, algumas delas circunscritas à esfera local, outras regionais e até nacionais. Arlei Sander Damo Em 1913, começam as brigas entre Grêmio e Internacional (a exceção do “sururu” descrito no capítulo anterior, no Gre-Nal de 1910), e são elas que levam às dissidências, à fundação de novas ligas e a novas dissidências ... Discussão após discussão, rivalizam dentro e fora de campo. Nesse ínterim, é que os clubes que não pertenciam à mesma camada social da dupla Grêmio e Internacional, tiraram algum proveito. Alguns entraram na liga do Grêmio e outros na liga do Internacional. A brecha que foi aberta oportunizou que agremiações como Americano, Colombo, Cruzeiro e São José aparecessem nas manchetes esportivas de então. Mesmo assim, alguns sucumbem, dentre eles clubes pioneiros da Liga de 1910, inclusive com a circunstância da Primeira Guerra Mundial, no caso do Frisch Auf. O Fuss-Ball, embora sobrevivente, vai ficando cada vez mais para trás. Por sua vez, Grêmio e Internacional já demonstram possuir uma força que ainda não conheciam, o poder político. Ao mesmo tempo em que o futebol começa a ser reconhecido com seu valor social em proveito financeiro por alguns poucos negociantes, os dois batem às portas da Intendência e da Presidência do Estado, com cada vez mais frequência. As benesses recebidas, aliadas ao prestígio crescente junto à população, os fazem conquistar cada vez mais simpatizantes. Alguns deles dispostos, inclusive, à luta armada, como no segundo Gre-Nal de 1918. 5.1 Gre-Nal: brigar e crescer 121 Acreditamos que o fim da Liga de Foot-Ball Porto-Alegrense tenha começado no ano de 1912. Suas cláusulas continuavam intransponíveis, e seus cinco membros disputaram a competição sem grandes novidades. O Grêmio Porto-Alegrense foi o grande vencedor do ano, com as duas conquistas da Liga (no campeonato dos primeiros quadros da Liga e na Taça 12 de abril), além disso, no último Wanderpreis disputado em outubro com 5x0 contra o tradicional Fuss-Ball Club. O ano de 1912 marcou também as maiores vitórias de Grêmio e Internacional, ambas contra o Nacional. O primeiro por 23x0, e o segundo com uma vitória por 16x0. Foi também o primeiro campeonato com turno e returno, porém, alguns jogos não se realizaram. Uma briga, em 18 de agosto, entre os jogadores do Fuss-Ball e 7 de setembro, quando a disputa estava sendo vencida, pelo primeiro pelo placar de 4x0, fez com que o mesmo se retirasse da disputa da Liga. O 7 de Setembro, apesar de jogar mais uma partida, fez o mesmo. A nosso ver, o terrível insucesso do Nacional, e o não tão terrível, mas também insucesso do 7 de Setembro, que, além disso, protagonizou o conflito de agosto, foram a gota d’água na existência das duas agremiações, que não conseguiram resistir à proximidade de clubes fortes e bem melhor estruturados, como os outros três que sobravam, e o Frisch Auf, ainda fora da disputa. Sem a estrutura de um campo e com a atração que estas agremiações exerciam sobre seus sócios/jogadores, ficou difícil resistir a uma certa ascensão social, que representava tomar parte em um dos outros clubes. Como exemplo, podemos citar o melhor jogador do Nacional, e ao mesmo tempo um de seus fundadores, Henrique Dejardins, que passou-se para o Internacional, em abril de 1912. Mesmo que todos os cinco clubes representassem a elite da cidade, não há dúvida de que Internacional, Fuss-Ball e Grêmio eram de um nível acima dos outros dois. Jogar no Internacional representou uma ascensão para Dejardins, além de ser um clube melhor estruturado, e que, portanto, dependia de menos esforços de sua parte, tanto dentro de campo quanto para sua existência. Além disso, este ano registrou a fundação de um clube em especial, além dos demais que emergiam todos os meses. Fundou-se em 4 de julho o Sport Club HispanoAmericano, que teve entre seus pioneiros diversos espanhóis e descendentes, como podemos ver entre seus fundadores: Jacinto Losano, João Ray, Bernardo Serrano, Erwin 122 Siegmann, João Siegmann, Paulo Manchon, Manoel Manchon, André Ibañez, Reynaldo Preuss, Honório Ouriques e Napoleão Salatino. Contudo, para não ficar somente vinculado aos imigrantes hispanos, a agremiação mudaria de nome para Sport Club Americano, no ano seguinte. Restando apenas três clubes na Liga (Grêmio, Internacional e Fuss-Ball) a mesma abriu, em 1913, duas vagas, quando entraram o Sport Club Colombo, ao mesmo tempo em que voltava a ela o Frisch Auf. As coisas apenas pioraram, e com apenas dois jogos na Liga, inclusive um deles sendo a sexta vitória em seis jogos contra o Internacional, O Grêmio deixa não apenas a competição, como pede seu desligamento da mesma. O motivo foi que no jogo FussBall contra o Internacional, que, aliás, terminou em 1x1, o sócio gremista enviado como juiz, foi ofendido pelos jogadores do último. Segundo um periódico gremista, “... o juiz fornecido pelo Grêmio foi desrespeitado com palpável propósito de atingir o clube da Baixada”.118 Não encontramos os detalhes da partida, para saber de que forma ocorreram as discussões, fato é que além do Grêmio, também o Fuss-Ball desligou-se da Liga, por se sentir de alguma forma ofendido ou prejudicado. Com apenas três equipes restantes, o campeonato deste ano ficou então com o Internacional, que conquistava, assim, seu primeiro título. Curioso é que mesmo tendo jogado apenas dois jogos, em diversas publicações oficiais do próprio Grêmio ele se declara campeão de 1913, embora tenha abandado o campeonato. Mesmo que sua razão para a saída se justifique e que tenha vencido o Internacional, reivindicar o campeonato parece um equívoco, já que o clube desligou-se, terminando o ano jogando vários amistosos, todas partidas intermunicipais, além da primeira contra uma agremiação internacional, com a derrota por 7x1 para o Bristol de Montevidéu, em 9 de novembro, nos Moinhos de Vento. Com esta saída de Fuss-Ball e Grêmio, abriram-se mais duas vagas para o campeonato de 1914. Um dos clubes aceito foi o Sport Club Americano, já apresentado, e o outro foi o Sport Club Cruzeiro, curiosamente fundado em 14 de julho do ano anterior. Paulo Mariath, Ernani Oliveira, Cicero Soares, José Pacheco, Gustavo Borgreve, Antonio Vinhas, Carlos Diehl e alguns outros, foram os fundadores do valoroso Cruzeiro, cabendo a presidência provisória a João Felippe Nunes. 118 O juiz oficial do Grêmio enviado para arbitrar os jogos da Liga era Carlos Mostardeiro (Pires, 1969). 123 Organizada definitivamente a sociedade assumiu a presidência o sr. Mario dos Santos Castellan, que procurou dar ao club o maior desenvolvimento (Carvalho e Lemos, 1919, p. 304). Temos poucas informações a respeito de sua fundação, para tentarmos saber de que forma uma sociedade tão jovem passou a integrar a elite futebolística da capital. Nem mesmo no site do próprio clube existem maiores informações sobre a fundação ou alguma pista do estrato social de seus sócios-fundadores. Interessa então que em 1914 disputaram o campeonato da Liga de Foot-Ball Porto-Alegrense: Fussball Mannschaft Frisch Auf, Sport Club Americano, Sport Club Colombo, Sport Club Cruzeiro e Sport Club Internacional. Em mais um ano de muita confusão na Liga, Frisch Auf e Americano pediram seu desligamento. Tudo em decorrência de uma confusão no jogo dos segundos times, em que o Colombo venceu o Americano pelo placar de 1x0. Também pelas ofensas ao árbitro, sócio do Frisch Auf, este e o Americano, depois de discussões na Liga, onde o Colombo não fora punido, tornaram-se as duas mais novas baixas, na entidade máxima do futebol da capital. Dessa forma, juntaram-se os dissidentes da Liga em 1913, Grêmio e Fuss-Ball, com os dissidentes deste ano, Frisch Auf e Americano com mais os novos, Sport Club São José e Sportivo Foot-Ball Club, fundando a Associação de Foot-Ball PortoAlegrense, cujo primeiro campeão foi o Grêmio. O Sport Club São José tem a mesma rápida ascensão do Cruzeiro. Fundado em 24 de maio de 1913, no ano seguinte já fazia parte de uma liga, e se pensarmos nos clubes que faziam parte dela, dentre os clubes da Associação havia três dos pioneiros da Liga, onde restava apenas com o Internacional dos fundadores. Segundo o próprio São José, seu nome veio do colégio de mesmo nome, localizado na rua São Raphael (atual Avenida Alberto Bins), e teria sido o Irmão Constantino Emanuel o mentor intelectual que incentivou o grupo que jogava futebol no colégio a formar o clube.119 Somando as fontes, encontramos como seus fundadores: João Scieczkowski, José Edgar Vielitz, Walter Graf, José e Arthur Oswaldo Endler, Guilherme Jung, Florêncio Wurding, Léo De La Rue, Antônio Pedro Netto (Netinho) e Arnaldo Peterlongo Ely. 119 Disponível em , pesquisado em 28 e 29 de dezembro de 2013 e em 16 de fevereiro de 2014. 124 [...] faziam parte da Sociedade Juventude dos Moços Católicos, cuja sede era nos altos da ex-capela São José, localizada na rua São Raphael. A sociedade surgira para que os alunos pudessem praticar o futebol dentro das dependências do colégio. Embora a sociedade crescesse, o grupo não podia enfrentar equipes fortes e por isso surgiu a idéia de fundar um clube de futebol. Após celebrar a fundação, o aluno Léo De La Rue foi escolhido para ser o primeiro Presidente do clube, ficando estabelecido que cada jogador compraria seu uniforme e contribuiria com 500 réis de cota mensal, pois a participação dos sócios ainda era reduzida.120 Sendo a igreja/capela São José um templo inaugurado para conter os conflitos entre os imigrantes alemães católicos e as Irmandades do Rosário e São Benedito na igreja do Rosário, o vínculo estreito da agremiação com a comunidade teuta de Porto Alegre faz com que ele tenha sido chamado como o “clube dos alemães pobres”, por algumas fontes. Na descrição de Lemos e Carvalho sobre o São José, em 1919, é interessante como é caracterizado o clube. O maior elogio que se pode fazer ao S. C. São José está no facto de ser esse club dos poucos que sabe perder um match. Vencedores ou vencidos, os quadros do S. C. São José mantém, sempre, a mais alta linha de cordura para com o antagonista e apezar de não ter ainda colhido senão revezes nas luctas sportivas, o novo club não cessa de trabalhar para engrandecer-se (Lemos e Carvalho, 1919, p. 315). Apesar dos poucos anos do clube, a descrição parece quase como uma maldição no sentido de que “saber perder” é ainda hoje sua marca, pois nunca ganhou nenhum campeonato municipal, estadual ou mesmo o extinto torneio início. Já a sociedade chamada Sportivo Foot-Ball Club, apenas é citada em nossas fontes a partir do campeonato de 1914 da Associação, e nada sabemos de sua origem. Com relação a esta nova liga, destacamos a forma como o Grêmio descreve seu extremo respeito e observância aos estatutos da mesma: “Êste era obedecido à risca, como comprovam as diversas recusas a convites para preliar com agremiações que não faziam parte da Associação de Foot-Ball Porto-Alegrense”. No entanto, acreditamos que esta cláusula não dissesse respeito a clubes de outras cidades, pois neste ano o Grêmio faz três partidas contra clubes de outras 120 Disponível em , pesquisado em 28 e 29 de dezembro de 2013 e em 16 de fevereiro de 2014. 125 cidades: Sport Club Rio Grande (3ª visita a Porto Alegre), Sport Club Novo Hamburgo, da cidade de mesmo nome, e o Sport Club Rio Branco de Bagé. No ano seguinte, seguem as duas ligas com campeonatos paralelos, onde a novidade é o quarto integrante da Liga de Foot-Ball Porto-Alegrense, o Sport Club São Paulo, sobre o qual, infelizmente, também temos raras informações, sendo a maioria dos confrontos com Internacional e contra o Grêmio, nos anos seguintes. Em agosto o Fuss-Ball Club, pretendendo liderar a fusão entre as duas ligas, remete um questionário no qual as agremiações deveriam responder as seguintes perguntas: 1ª Qual a opinião do clube sobre a fusão? 2ª Quais as condições do clube para aceitar a fusão? 3ª Se o clube concordava que a fusão fosse realizada de acordo com a proposta do Fuss-Ball Club Porto Alegre; e 4ª Qual das três pessoas indicadas pelo Fuss-Ball Club Porto Alegre deveria presidir a fusão? Obtidas as respostas, o Fuss-Ball consegue atingir seus objetivos e é fundada a Federação Sportiva Rio Grandense, para organizar o campeonato de 1916. Depois destes acordos de unificação, a pacificação é coroada com a disputa do sétimo Gre-Nal, que era muito aguardado, porque, além do Internacional ser o campeão da Liga e o Grêmio o da Associação, havia o interesse geral em assistir a esta disputa, que não ocorria desde 1913 entre as duas mais fortes equipes da cidade. Isso porque o Fuss-Ball, mesmo que aberto a nacionalidades outras e não possuindo mais a maior parte de seus atletas com origem teuta, deixara de ser a segunda força do futebol de Porto Alegre. Isto aconteceu ao mesmo tempo em que a rivalidade entre a dupla GreNal se acirrou, como podemos perceber, inclusive, com o fato de ambos não terem superado a discussão acontecida no ano de 1913, no jogo em que o juiz, sócio do Grêmio, foi ofendido. Do questionário enviado ao Grêmio podemos perceber essa tensão ainda na resposta à segunda pergunta: “Para o Grêmio aceitar a fusão, faz questão que desapareçam os nomes da Associação e da Liga e que, também, sejam trocadas explicações a fim de dirimir o impasse existente entre o clube gremista e o Internacional”. Com a partida amistosa entre ambos os campeões, em 31 de outubro de 1915, quebrou-se um tabu, e, pelo placar de 4x1, pela primeira vez, o Internacional vencia o 126 Grêmio, fato que se repetiria no ano seguinte, e levaria o Grêmio a buscar reforços além fronteiras, como veremos a seguir. No mesmo ano de 1915, chamam atenção os seis jogos do Grêmio contra equipes de outras cidades, e também a forma aristocrática como ainda recebia os visitantes: “O S. C. Pelotas foi regiamente recebido, sendo oferecido um jantar festivo à delegação pelotense, além de um passeio à Pedra Redonda e na cidade, bem como convite para um espetáculo artístico” (Pires, 1969, p. 47). O placar do jogo disputado em 3 de outubro foi de 5x2 para os visitantes, comprovando mais uma vez a superioridade que o futebol de Pelotas teve sobre o da capital na década de 1910, e que culminaria com o título do primeiro campeonato gaúcho em 1918.121 A mesma fonte que descreve a recepção pelotense (publicação oficial do Grêmio) destaca suas festas de doze anos com o título: “Aniversário e Civismo”. Nela, está descrito que seu presidente, Aurélio de Lima Py “... referiu-se ao covarde assassinato do Senador Pinheiro Machado, dizendo que todos ainda se encontravam contristados com êsse acontecimento, assim o aniversário do Grêmio não podia ser comemorado com grandes festas” (Pires, 1969, p. 48). Mas não fica por isso, e segue: “Pediu, por êsse motivo, que fosse lançado em ata um voto de pesar pelo trágico passamento do Senador Rio-Grandense, homenagem considerada justa não só por tratarse de um eminente brasileiro, como particularmente por ser um digno filho do Rio Grande do Sul” (Pires, 1969, p. 49). Imaginamos que em outros clubes não fosse diferente, e o momento político fizesse eco na nova liga, lembremos o envolvimento político de Graciliano Ortiz e Henrique Poppe do Internacional. Desse modo, fica claro mais uma vez a relação do futebol, sua organização e seus associados com o mundo à volta, talvez muito mais do que se possa pensar hoje que o esporte é, para muitos, sinônimo de alienação. Estava o mundo futebolístico da capital atento aos fatos políticos brasileiros e mundiais, como falaremos também no seu devido tempo. Por hora, podemos citar os jogos internacionais que levavam para os campos o mundo político, como, por exemplo, a vinda da seleção uruguaia, em 1916, que tinha como assistentes o General Salvador Pinheiro Machado, vice-presidente do Estado, em exercício; Vicente Carrió, cônsul do 121 Gilmar Mascarenhas de Jesus discorre sobre esta superioridade, alegando que a relação entre a força econômica e o futebol já existia neste período. Ver Jesus (2001a). 127 Uruguai; Vieira Pires, chefe de polícia, Joaquim Ribeiro, presidente do Conselho Municipal. Interessa agora que a pacificação entre as duas ligas e a criação da Federação Sportiva Rio-Grandense teve como seu primeiro campeão o Internacional, em um campeonato que contava também com Cruzeiro e Colombo, da antiga Liga, e Grêmio e Fuss-Ball, da Associação. E pela primeira vez uma segunda divisão onde disputaram a chance de participar do campeonato da Federação, no ano seguinte: Americano, Frisch Auf e o primeiro vencedor desse tipo de certame, o São José. Apesar dos incidentes reclamados pelo Grêmio à Federação no Grenal (agressão do jogador Lucio Assumpção por três jogadores do Internacional e um gol deste último considerado irregular), de 30 de julho, perdido por 6x1, o Internacional conquistava, com as duas vitórias deste ano, sua terceira contra o rival, e todas consecutivas, sendo duas por goleada, fatos que nos parecem decisivos quanto à intenção do Grêmio de reforçar seu quadro principal com quatro uruguaios. Na publicação oficial lançada pelo Grêmio em 1969, chamada Grêmio 70 consta descrita a forma como Julian Bertola, que havia jogado contra ele pela seleção uruguaia em 1916, passou a vestir a camisa tricolor com mais três compatriotas. Depois de mais uma bem sucedida excursão uruguaia pelo Brasil, dessa vez pelo centro do país, em janeiro de 1917, Bertola teria ficado em Porto Alegre, no que é apresentado da seguinte forma: Depois dessa gira, Julian Bertola, vencido pelo amor à primeira vista que tributava ao Grêmio desde o ano anterior, aportou em Pôrto Alegre disposto a integrar, de qualquer forma, as fileiras do glorioso tricolor dos pampas. Para o Grêmio a honsrosa predileção foi recebida com as portas abertas de par em par, sendo muito festejada pela direção e pela torcida e até mesmo pelos desportistas metropolitanos em geral, (...). Nos grandes clubes do centro do país, onde o novo craque do Grêmio era conhecido por sua brilhante atuação no selecionado uruguaio que os visitara, o acontecimento causou grande impacto. Uma glória do futebol uruguaio se passara, com armas e bagagens, para o Grêmio de tantas glórias, dando ao seu novo e querido clube fôros de potência esportiva internacional (Pires, 1969, p. 53). Justificativa que se hoje pareceria estranha, em tempos de amadorismo seria bastante verossímil. Com efeito, a justificativa do arrebatamento segue: O center-half do scratch uruguaio não se limitou, entretanto, a assegurar ao Grêmio a sua valiosa colaboração. Trouxe para as fileiras gremistas três outros 128 companheiros, que nelas se engajaram, no mesmo ano de 1917: Eduardo Beheregaray (também craque da celeste), Eduardo Garibotti e Nicanor Rodrigues. Julian Bertola, estreitamente ligado ao seu venerado Grêmio por laços de amizade tão íntimos e sólidos, viveu, desde então, mesmo depois de seu regresso à capital uruguaia, uma vida cheia de generosa colaboração com o clube gremista, na qualidade de Cônsul em Montevideo, onde é destacado prócer do valoroso Club Nacional de Foot-Ball (Pires, 1969, p. 53). Esta estranha paixão de Bertola pelo Grêmio, que o faz voltar para a cidade e ainda por cima trazer três outros jogadores para o Grêmio, é, no mínimo suspeita, quando, ao pesquisarmos as escalações do clube, descobrimos que Bertola não aparece escalado em nenhum dos jogos que encontramos da equipe. O único dos uruguaios que aparece em todos os jogos até o ano de 1919 é Eduardo Garibotti. Nem Bertola nem os demais aparecem sequer no segundo quadro. No entanto, a nova cisão das principais agremiações da capital à qual se achavam filiados em 1917 nos ajuda a entendermos melhor a questão. Após o estrondoso anúncio e repercussão da vinda dos quatro uruguaios para o Grêmio, a Federação resolve discutir uma “lei de estágio”, que, ao ser aprovada, fazia com que os jogadores gremistas não pudessem atuar pelo clube por, pelo menos, um ano. Na reunião em que foi aprovada a referida lei, a mesma foi apresentada nos seguintes termos: Projeto de Lei – Considerando que a F. S. R. G. é uma autoridade desportiva regularmente constituída no Estado; que o seu fim é o de proporcionar aos nossos compatrícios exercícios physicos que os desenvolvam physica e moralmente, a fim de aperfeiçoar e apurar a raça e não o de proporcionar campeonatos fáceis de foot-ball a clubs menos escrupulosos; que a F. S. R. G. deve zelar por tal escopo; que a F. S. R. G. é constituída puramente por clubs nacionais, especialmente locaes; que F. S. R. G. deve tornar effectivo, por qualquer meio o amadorismo em suas disputas officiaes; que os jogadores officiaes dos clubs confederados são de posição e profissão definidas; que a F. S. R. G. deve zelar pela moralidade desportiva, resolve: Art.° único: só poderão fazer parte dos quadros officiaes dos clubs confederados os jogadores nacionais e a inscripção destes na F. S. R. G. deve respeitar os estatutos em vigor. § 1º - Os jogadores extrangeiros poderão fazer parte dos quadros officiaes dos clubs confederados uma vez que provem a sua residência effectiva nesta capital pelo espaço mínimo de um anno e documentem a profissão que exerçam. § 2ª – À F. S. R. G. fica o arbítrio de resolver sobre a profissão que exercerem os jogadores extrangeiros. 129 Porto Alegre, 3/1917 (Pires, 1969, p. 54). Assinaram os representantes das seguintes agremiações: Fuss-Ball Club Porto Alegre, Sport Club Internacional, Sport Club São José, Sport Club Ruy Barbosa, Sport Club Brazil, Sport Club Tiradentes, Sport Club Cruzeiro. Dessa forma, estes clubes acusavam o Grêmio, a quem chamavam de “sem escrúpulos”, de contratar os quatro jogadores de forma profissional, na tentativa de reforçar sua equipe. Fica então evidente toda a justificativa gremista para o “amor” arrebatador de Bertola ao Grêmio, assim como o fato de que três dos quatro jogadores em questão não fazerem parte da equipe gremista nos jogos posteriores, nem mesmo o apaixonado Julian Bertola: se o clube não disputaria o campeonato, não precisaria mais investir no serviço de tantos jogadores. Não sabemos ao certo o momento em que o futebol de Porto Alegre começa a se profissionalizar. E ainda há o curioso caso da chegada de Edwin Cox, descrita no capítulo anterior. O primeiro craque do Fluminense, chegou em dezembro de 1910, para trabalhar no Banco da Província, e depois da temporada de 1911, consagrado com o título e o gol de Charles no Grenal de 10x1, abandonaria o Grêmio e Porto Alegre. E o que é pior, para algum lugar que desconhecemos, porque sua importante história no Fluminense acabou em setembro de 1910 sem que voltasse a fazer parte de qualquer equipe conhecida do Rio de Janeiro ou mesmo São Paulo. Teria sido Edwin Horácio Cox o primeiro jogador a receber dinheiro para jogar em um clube de Porto Alegre, e, posteriormente seguido para outro lugar que melhor o remunerasse? Infelizmente não conseguiremos provar isso, mas o caso de Bertola é emblemático, em 1917. A rivalidade que dicotomizaria o futebol de Porto Alegre nos anos seguintes já mostra, neste caso, a primeira altercação quanto ao poder financeiro do Grêmio, que defendeu-se das acusações mencionadas da seguinte forma: Um ano se passou. 1916 não sorriu com o primeiro posto para os gremistas e isto teve o dom de apaziguar os ânimos exaltados dos que tentavam combater o progresso do Grêmio, no último lustro. Mas durou pouco a trégua. Nova borrasca desencadeada pelos fazedores de tempestades toldou o horizonte e não demorou a redundar na necessidade de repetir drástica atitude de altivez e vigilância perante a afronta e a manobra escusa dirigidas, mais uma vez, diretamente contra os interesses e direitos legítimos do Grêmio (Pires, 1969, p. 54). 130 Já em uma publicação mais recente do próprio clube, reconhece o profissionalismo que começou a imprimir a sua equipe. Fala da cisão da nova liga destacando que “... o movimento adverso ao Grêmio tinha um pretexto: a contratação dos players uruguaios...” (Bordin e Devinar, 1983, p. 23). Mesmo que tenha levado muitos anos para admitir o contrato profissional dos uruguaios, o fato é que o clube não disputou o campeonato de 1917 que ficava mais uma vez com o Internacional, e, pela segunda vez, passou um ano sem o embate das duas principais equipes de Porto Alegre. Em 1917, tinham repercussão no futebol da cidade os fatos que se desenvolviam além mar, principalmente depois que, em 5 de abril deste ano, o vapor brasileiro Paraná era torpedeado por um submarino alemão, deixando mortos três brasileiros. Neste momento, seguiu-se uma comoção nacional para que o país declarasse guerra à Alemanha. Em Porto Alegre, tamanha a indignação do proprietário do Hotel Schmidt com as ofensas recebidas por sua origem teuta, que ele e seu e filho puseram-se a atirar em um bonde, no dia 15 de abril. Com isso, a população, dia seguinte, saiu às ruas para destruir o local, e depois de atear fogo no mesmo, seguiu noite apedrejando, e, quando parecia fácil, invadindo e destruindo todo o tipo de estabelecimento que supunham ter como dono um alemão ou descendente. Assim, acabaram por invadir casas e destruir dois estabelecimentos que julgavam alemães, pertencentes a um austríaco, C. Binder e um descendente de russos, J. Daniel Pattoff.122 Em uma noite de barbárie não escapou a sede do Turnerbund123, localizado na rua São Rafael. As manifestações nacionais correram o país em abril, e em Porto Alegre tiveram mais algumas consequências relacionadas ao esporte. No remo, o Ruder Verein Germânia muda de nome para Clube de Regatas Guahyba; o Ruder Club Porto Alegre muda para Clube de Regatas Porto Alegre e o Ruder Verein Freundschaft vira o Grêmio Náutico União. No futebol, o Fuss-Ball Club Porto Alegre alterou seu nome para FootBall Club Porto Alegre, e a partir daí o clube é chamado em diversas fontes apenas por Porto Alegre. Todavia, Fortunato Pimentel (1945) afirma que esta mudança de nome ocorreu em 1916, assim como os contemporâneos dos fatos Carvalho e Lemos, em publicação de 1919 (Lemos e Carvalho, 1919). Ficam as dúvidas ainda, tendo em vista 122 A Federação, 17 de abril de 1917. 123 A destruição da “piscina” do clube, em 1917, por um incêndio gerou nossa desconfiança, mas segundo Silva, a Badeanstalt (casa de banhos) à beira do rio, localizada ao final da rua da Conceição, portanto próximo ao Tunerbund, foi, “... ocasionada por um incêndio nos armazéns da estrada de ferro...”, que era vizinha a estrutura. Ver Silva (1997). 131 encontrarmos nas fontes relacionadas a Grêmio e Internacional o nome “Fuss-Ball” ainda em 1917, e também pelo fato de existir ainda com o mesmo nome o Fuss-Ball Mannschaft Frisch Auf, no mesmo ano. As depredações no Turnerbund amedrontaram o clube, a ponto de Silva (1997) constatar nos anos de 1917, 1918 e 1919 problemas para manter suas atividades, afirmando que “os livros das atas da diretoria apresentam uma lacuna neste período, o que permite concluir pela suspensão das atividades do clube em função da guerra” (Silva, 1997), mantendo plenas atividades em 1916, mesmo ano em que se afirma a mudança do Fuss-Ball Porto Alegre. Difícil imaginar motivo para uma alteração de nome anterior aos conflitos mais relevantes no Brasil, mas que pode ter acontecido preventivamente, já que o clube não possuía mais vínculo tão estreito com a comunidade teuta da cidade. Por sua vez, o futebol desaparecia do Turnerbund, quando, “no campo de São João, a torcida adversária, armada de paus e garrafas vazias, invadiu o campo quando o Frisch Auf abriu a contagem” (Hofmeister Fº, 1987, p. 105). A o jogo foi disputado, segundo Hofmeister, contra um “popular clube porto-alegrense” (Hofmeister Fº, 1987, p. 105). A partir do fato, a agremiação fecharia suas portas, para nunca mais voltar aos gramados de Porto Alegre. Com o afundamento de mais dois novos navios mercantes brasileiros, a declaração de guerra à Alemanha veio em 26 de outubro, e, junto, mais confusões, como em abril (Silva Júnior, Mauch e Vasconcellos, 1994, p. 97). Como a última partida que encontramos da equipe foi disputada em 19 de agosto contra o Grêmio, no qual perdeu por 5x0, acreditamos que sua derradeira despedida dos gramados tenha acontecido por este período de novos conflitos, antes do final do ano. Neste momento, a quantidade de novos clubes de futebol na cidade é tão grande que é difícil citar um que possua alguma característica nacional estrangeira ainda, como era o Frisch Auf, que, por estar vinculado ao Turnerbund, possuía cláusula de barreira por nacionalidade. Este último apenas aceitava como sócios teutos, descentes e seus cônjuges, como continuou a fazer mesmo depois da Primeira Guerra Mundial, até 1942, com a nacionalização, em decorrência da Segunda Guerra, quando teve de mudar seu nome para Sociedade de Ginástica Porto Alegre 1867. No remo, eram mais comuns clubes com identificação nacional havendo dois teutos, um italiano, um português, um misto nacional e teuto, além dos nacionais. No entanto, com relação ao futebol, além dos dois teutos, Fuss-Ball Club e Frisch Auf, tivemos o Hispano-Americano, que logo retirou o primeiro nome, porque 132 muitos de seus sócios eram nacionais; o Sport Club Sokol124 (falcão em diversas línguas eslavas), fundado por poloneses; além de outros, que já citamos, e que possuíam muitos sobrenomes estrangeiros, principalmente ítalos, polacos, e a maioria ainda de teutos. Estes clubes passaram a organizar uma nova liga de futebol, cuja primeira versão, em 1916, chamava-se Liga Sportiva Rio-Grandense, até mesmo porque a ideia primeira de fundação de uma nova liga sem vínculos com a elite, em 1911, citada no capítulo anterior, não vingara. Mas se a organização da Liga elitista era de difícil consenso, imaginamos que as associações destas agremiações também tivessem dificuldades, e todas as tentativas tenham sido de efêmera existência. Ainda mais pelo fato de que a divisão dos clubes elitistas acabou trazendo alguns deles para compô-las. Entretanto, fazer parte das ligas principais parece não ser sinônimo de glórias, tampouco longevidade. Alguns acabaram encerrando suas atividades muito rapidamente como foi o caso dos pioneiros na Liga de 1910, Nacional e 7 de Setembro, sumidos em 1912, ou Colombo e do São Paulo, que após grandes goleadas sofridas, desaparecem em 1916. Uma terceira geração a fazer parte da liga da elite, a partir de 1919, seriam seis clubes se revezando entre primeira e segunda divisão, junto com os mais tradicionais e perseverantes, que ainda resistiam: Sport Club Tiradentes (1916), Sport Club Municipal, Sport Club Ruy Barbosa (1915), Concórdia Foot-Ball Club (1915), Sport Club Marechal de Ferro, Ypiranga Foot-Ball Club (1917), Tabajara Foot-Ball Club, além do já citado Sport Club Sokol (1913). Destes, o mais longevo foi o Ruy Barbosa, já sem futebol e que encontramos disputando outros esportes, na década de 1960. O municipal foi fundado por Henrique Poppe Leão, quando funcionário municipal, para a prática do futebol, dos funcionários do município. Sua fundação deve ter ocorrido antes de 1916, pois Poppe Leão faleceu em 1916. Por sua vez, o Concórdia foi fundado por alunos do Colégio e/ou Seminário Concórdia, já que ambos funcionavam no mesmo local, onde hoje fica a escola no Bairro São Geraldo. Ypiranga é o clube ainda existente no Bairro Santana, e sobre quem nenhuma relação encontramos com outro de mesmo nome, fundado em 1910, como noticiamos no capítulo anterior. Atrevendo-nos mais um pouco a avançar no tempo, diríamos que a quarta geração teve os conhecidos Grêmio Sportivo Força e Luz (1921), Grêmio Esportivo Renner (1931) e Nacional Atlético Clube (originalmente fundado em 1937, como 124 Clube de certa longevidade, pois o encontramos disputando a segunda divisão de Porto Alegre na década de 1940. Sua fundação ocorreu em 31 de maio de 1913, segundo Mazo (citado por Da Costa, 2005). 133 Departamento Esportivo da Viação Férrea). Agremiações de conhecida matriz social operária, sendo os três foram fundados por funcionários de empresas da cidade.125 Voltando então à nossa “terceira geração”, foram todos fundados no período da Primeira Guerra Mundial, e neles podemos perceber sua altivez patriótica, com nomes como Tiradentes, Ruy Barbosa, Marechal de Ferro, Ypiranga e Tabajara, bastante diferente da geração posterior do período pós-guerra. É provável que não tenha existido uma segunda liga em importância na cidade, como descreve Gilmar Mascarenhas de Jesus, ao menos em longevidade. Jesus descreve as ligas a partir de epítetos populares, sendo esta que pertenceria a clubes cujos sócios seriam pobres e/ou imigrantes pobres, chamada de “Liga do Sabão”; a principal, ou melhor, as principais, pertencentes à elite seriam chamadas de “Liga do Sabonete”, e, por último, a já referida, “Liga da Canela Preta”. À exceção da descrição de Lupicínio Rodrigues a respeito da Liga da Canela Preta, não encontramos em nenhuma das fontes os apelidos citados por Jesus, o que talvez se justifique pelo fato de que estes eram nomes populares, e nossas principais fontes são periódicos, que jamais ousariam usar uma linguagem coloquial, quanto mais sendo caracterizações pejorativas como a última citada. Apesar do histórico sobre o Foot-Ball Club Rio-Grandense no Correio do Povo datar a liga negra como sendo fundada em 1920, o próprio jornal e Jesus citam uma outra tentativa de organização destes clubes, que teria levado à fundação, em 1913, e se extinguido no ano seguinte, chamada por ele de Liga Sul-Americana de Foot-Ball. Sem muita certeza a respeito da fonte de Pimentel, encontramos quase as mesmas agremiações citadas por Jesus. Pimentel cita esta liga em 1916, e com o nome de Liga Esportiva Porto-Alegrense, e seus membros, chamados de “varzeanos”, eram, segundo ele: 8 de Setembro F. B. C., Primavera F. B. C., Bento Gonçalves F. B. C., Esporte Clube União, Esporte Clube Palmeira, Rio-Grandense F. B. C. e Ford F. B. C. (Pimentel, 1945, p. 181). Além disso, o nome confunde-se com o que achamos que pode ter sido uma das, ou a, “Liga do Sabão”: Liga Sportiva Rio-Grandense, de 1916. Para trazer um pouco mais de luz a estes pequenas confusões chamamos o Correio do Povo: Em 1913 foi fundada a Liga Sul Americana, fazendo della parte o Rio Grandense, que apezar de possuir um quadro excellente não logrou levantar o 125 Para saber sobre o que chamamos de 4ª geração ver Stédile (2011). 134 seu campeonato. Tal liga, foi, porém, de duração ephemera, pois, se não nos falha a memória, apenas fez disputar dois campeonatos. Só passados 6 annos, é que em uma nova liga foi fundada, a Liga Nacional, dando então novo enthusiasmo aos clubs que não se achavam filiados. Mas o Rio Grandense durante essa interrupção não se descuidou do seu progresso, realizando sempre um ou outro encontro amistoso, nos quaes teve alguns revezes, vencendo, porém, na maioria das vezes. Um dos traços característicos do actual campeão da Associação de Amadores é, sem duvida alguma, o devotamento com que jogam os seus players, o enthusiasmo com que se atiram á luta, no intuito unico de confirmar as tradições do club, de elevar o mais alto o nome do Rio Grandense, como justa homenagem ao abençoado torrão que lhe deu o nome (...) (Correio do Povo, 12 de dezembro de 1925). Não sabemos se a Liga Sul-Americana de Foot-Ball era mesmo uma liga de negros, precedendo esta de 1920, até mesmo pelo fato, já citado no capítulo anterior, de que o Rio-Grandense estava se reunindo em 1911 com clubes que não podemos caracterizar com a etnia negra. Contudo, temos aqui um documento que representa uma espécie de certidão de nascimento da Liga da Canela Preta, com sua datação. Além disso, podemos observar uma característica sua com relação às demais, que é o amadorismo. O cronista (provavelmente ainda seja Fortini) chama a liga não de canelas pretas, mas sim de Associação de Amadores, tendo em vista o fato de que mesmo com a saída do Grêmio da Federação, em 1917, esta não conseguiu evitar o que se chamava a época de profissionalismo, e hoje caracterizamos como “profissionalismo marrom”. Profissionalismo que era reclamado como um mal do esporte por Lemos e Carvalho. Em seu livro, ambos se dedicaram a escrever um histórico apresentando as sociedades esportivas do Rio Grande do Sul, e assim fizeram com as devidas vênias de que alguns clubes não remeteram as informações solicitadas. Entretanto, duas questões marcam o trabalho de ambos. A primeira característica é a denúncia daquilo que era estrangeiro, e enaltecimento dos clubes nacionais, como nos referimos no capítulo 2, e a segunda é a denúncia do profissionalismo como um mal que assolava o futebol. Desde a sua fundação, a directoria do S. C. Internacional imprimiu ao club uma directriz altamente moralizadora, não permitindo que o profissionalismo, cultivado em tão alta escala no sul do Estado, invadisse seus quadros, que se ressentiam, as vezes, de alguns elementos que fácil lhes seria obter si quisessem dispor dos haveres sociaes. Por outro lado a organização dos quadros do Internacional era (e felismente ainda é) tão selecta que a intromissão de um elemento mercenário não poderia ser mascarada (Lemos e Carvalho, 1919, p. 263). 135 Quando ambos falaram das agremiações pelotenses, as críticas não foram tão contundentes quanto no espaço dedicado ao próprio clube. O Internacional tem, não apenas, um espaço muito maior do que os outros clubes porque é a agremiação de pelo menos um dos autores, como também é o espaço onde ambos deixam claro sua visão sobre a questão nacional e o profissionalismo no futebol. Mais algumas páginas depois e temos a crítica final: Actualmente o club da chácara dos Eucalyptus atravessa uma forte crise de jogadores, não lhe restando senão o back João Bello, do admirável conjunto com que, até aqui se veio impondo aos seus co-irmãos. Essa situação seria muito fácil de remover si a directoria do S. C. Internacional, a exemplo de que vem fazendo certo club do sul do Estado, outrora pujante, incluísse em seus quadros elementos profissionaes, foot-ballers alugados, que só têm servido para entravar o cultivo do association pela mocidade rio-grandense (Lemos e Carvalho, 1919, p. 273). Sem uma pesquisa mais específica com relação aos clubes do sul do estado, não podemos ter certeza a quem caberia tal acusação. Todavia, é este o momento de pujança, não apenas da cidade de Pelotas, mas principalmente do Grêmio Sportivo Brasil, que apresentava um grande crescimento, e seria, no mesmo ano desta publicação, o primeiro campeão de futebol do Rio Grande do Sul. No momento em que se denuncia o profissionalismo, que é ao mesmo tempo uma demonstração das mudanças pelas quais passava o esporte, acrescentaríamos o sucesso de uma discussão que encontramos pela primeira vez em 1909: a fundação de uma entidade que organizasse um campeonato oficial do estado. Em maio de 1918 é realizado o anunciado “Congresso Rio Grandense de FootBall em Porto Alegre”, com representação de Pelotas. O congresso acontece na nova sede da revista Máscara, localizada na rua dos Andradas, número 317, em frente à praça da Alfândega, e no dia 18 surge a Federação Rio-Grandense de Desportos (atual Federação Gaúcha de Futebol). Sua primeira diretoria (fotografia do anexo G) é composta por: Aurélio Py, presidente (representante do Grêmio); Francisco Simões Lopes, 1º vice-presidente (representante do Pelotas); 2º vice-presidente, Nestor Fonseca; secretário, A. Rebello e tesoureiro, Washington Martins (representante do Internacional). 136 Seu primeiro campeonato se realizaria no final do ano, com os campeões das principais cidades do estado associadas à federação. No entanto, com a pandemia de febre espanhola, o primeiro campeonato realizou-se apenas no final de 1919. O grande prejudicado foi o Sport Club Cruzeiro que venceu o campeonato de Porto Alegre em 1918, quebrando a hegemonia de Grêmio e Internacional, iniciada em 1911, e que seria o primeiro representante da cidade na disputa estadual não realizado. O que não fica claro em nossas fontes é a versão do Grêmio sobre o retorno à Federação Sportiva, na qual havia saído com a aprovação da “lei do estágio”, afirmando que “... o clube gremista havia voltado em atenção às insistências das agremiações filiadas, ...”. Como publicação oficial do clube, é desvelada a intenção de tornar real todas as suas versões para os fatos, se dizendo sempre prejudicado ou com a melhor das intenções. Porém, voltar para uma entidade que saiu depois de uma nova discussão era inédito para o Grêmio. Acreditamos que este seja um erro, pois, em 1918, fundou-se a Associação Porto-Alegrense de Desportos, que iniciara seu campeonato em 21 de abril, segundo o periódico Máscara.126 Se o Congresso de Foot-Ball já estava marcado nesta data, é possível que o retorno do Grêmio ao convívio dos seus ex-companheiros federados tenha se dado justamente com vistas a apaziguar o meio futebolístico da capital, para a realização do evento, em maio, e, pela segunda vez, achamos que isso se deu com a fundação de uma nova entidade. Não sabemos se a Associação Porto-Alegrense surgiu antes da ideia da Federação Rio-Grandense, mas como o idealizador desta última foi o presidente do Grêmio, que também era o clube melhor relacionado com os demais do interior, fica difícil ter certeza se a Associação foi pacificada pela intenção de uma nova conciliação ou se foi com vistas aos demais participarem do campeonato estadual. Acrescentemos a isto o fato de que nesse mesmo ano era concluída a obra de Lemos e Carvalho, na qual denunciam o profissionalismo no sul do estado, e, em 1917, foi aprovada a “lei do estágio”, em Porto Alegre. Portanto, um momento não apenas conturbado, mas também de confusão, com aparentes reveses para todas as posições contrárias ou não ao profissionalismo e a pacificação. Independente dos reais motivos para a conciliação, ela veio, e, depois de pouco mais de um ano e meio, Grêmio e Internacional voltavam a se encontrar em maio de 1918, na Chácara dos Eucaliptos, com mais uma vitória internacionalista (como eram 126 Máscara, 1918, ano 1, n. 11, p. 3. 137 chamados seus sócios à época), dessa vez por 5x3. Entretanto, o clima não era amistoso, como descreve o cronista da Máscara: Era o triumpho do musculo sobre a destreza, chegando ao cumulo de jogadores atravessarem o campo aos encontrões, sem resultado pratico visível, mais do que predisporem-se a angariar alguma lesão que os prejudicasse ou que desse motivo ao exercício de jogo violento, sobre todos os pontos de vista abusivo e condemnavel (Máscara, n. 16, p. 3). Para além do jogo violento, a assistência também chamava atenção com seu “indiscriptivel e ruidoso partidarismo”, de certa forma prenunciando os acontecimentos no próximo encontro. Mesmo com a campanha vitoriosa do Cruzeiro, o décimo primeiro Gre-Nal realizado no Campo dos Moinhos de Vento não foi nada amistoso. O confronto de 4 de agosto de 1918 atingiu o auge de uma rivalidade que já se sentia desde 1912. Não podendo fazer melhor descrição dos acontecimentos, reproduzimos Archymedes Fortini: Como se sabe, o dia de ante-ontem fora designado pela “Associação PortoAlegrense de Desportos” para o encontro dos teams do Sport Club Internacional e do Grêmio Porto-Alegrense. Como era natural, em se tratando de um match de duas equipes valorosas, a concorrência que ali afluiu foi deveras avultada. Mal havia começado o macth dos primeiros teams às 16 horas sucedeu sair a bola fora de campo. Segundo a policia colheu, nesse momento, como houvesse duvidas sobre a quem devia pertencer a bola, um dos assistentes dirigiu um insulto ao sr. Ricardo Kluwe, jogador do Internacional. Este, abandonando o campo, tratou de repetir a ofensa, estabelecendo-se, então, grande tumulto dos partidários dos dois clubs. Houve troca de bengaladas e socos, até que o sr. Manoel Costa, empregado da Empresa Telefônica Rio-Grandense, armado de faca, desferiu um golpe no jovem Alvaro Ribas, o player do Internacional, ferindo-o na região ilíaca. Com o intuito de separar os contendores, interveio na luta o jovem Octavio Telles de Freitas, que recebeu um ferimento de faca na perna esquerda. Intervindo a polícia, foi Manuel preso em flagrante, pelo inspetor do 3º Posto, Pasqual Parollo. Manoel, que tentou resistir à prisão, somente entregou a faca ao dr. Aurelio Py. Em seguida chegou ao local o capitão Eduardo Sarmento, sub-intendente do 3º districto, que, em vista da atitude do povo, aos gritos de – lincha – queria agredir o sr. Manoel Costa, ocultou-o no pavilhão em construção, ficando ele guardado por uma força da polícia administrativa. Comparecendo ao local, o dr. Ariosto Pinto, chefe de polícia, tomou várias providencias, falando, também, ao povo, pedindo calma e garantindo que seria feita justiça. Por ordem dessa autoridade, foi Manoel conduzido, no carro do chefe de polícia para o 3º posto, sendo escoltado por agentes municipaes. Não obstante o pedido 138 daquela autoridade, o povo, quando partiu o carro, arremessou algumas pedras sobre o veículo, sendo atingido por uma o dr. Ariosto Pinto, que ficou ferido, e por outra Manoel Costa, recebendo este um ferimento no braço esquerdo. Enquanto isso, eram dadas providencias para prestar socorros aos feridos; Ribas foi conduzido para casa de saúde do dr. Dias Fernandes e Telles para Pharmacia Providencia, onde recebeu ligeiros curativos, sendo em seguida removido para sua residência, à rua Luis Afonso nº 72 onde o socorreu o dr. Mario Totta. Ribas, que, como dissemos, foi transportado para a casa de saúde, foi ali socorrido pelos drs. Bernardo Velho e Whashington Martins. Como o ferimento fosse grave, sujeitou-se o ferido a uma intervenção cirúrgica, às 20, 30 horas, praticada pelos drs. Moisés de Menezes e Bernardo Velho, encarregando-se da cloroformização o dr. Whashington Martins. Esses médicos verificaram um ferimento na região ilíaca esquerda, dirigindo-se para baixo, cortando o osso até encontrar a articulação da coxa, numa profundidade, de 15 centímetros. O dr. Dionisio Marques, delegado judiciário do 1º districto, ouviu varias testemunhas do facto, pro e contra o acusado, assim como ambos os ferido. Aquela autoridade, tendo determinado o inquérito enviou-o ao dr. Valentin Aragon, juiz districtal do crime, a quem também Manoel Costa foi apresentado. Depois de ouvido pelo referido Juiz, foi ele conduzido para a Casa de Correcção, onde aguardará o respectivo processo (Correio do Povo, 6 de agosto de 1918). Para aquém destes incidentes permaneceram os clubes filiados na Associação Porto-Alegrense em 1919, cujo campeão, Grêmio, foi o primeiro representante no campeonato sul-riograndense de futebol. Com o título conquistado pelo Grêmio Sportivo Brasil, da cidade de Pelotas, abriu-se uma nova fase no futebol de Porto Alegre, onde não restava outra coisa aos clubes se não a profissionalizar-se, assumindo o risco do fracasso ou, para outros, manter o amadorismo até onde pudessem. Para essa perspectiva que apresentamos já, sabemos a resposta: negros, imigrantes e pobres, todos absorvidos pelas agremiações da elite, principalmente Grêmio e Internacional. 5.2 O foot-ball agregando valor Em abril de 1909, ao afirmar que “hoje em dia, porém, pode-se assegurar que o foot-ball é o sport da moda, a diversão preferida da nossa elite.”, Archymedes Fortini não conseguiu prever que nos meses seguintes o association se transformaria na diversão preferida de grande parte da cidade, superando barreiras de classe, que outros esportes não haviam sido capazes, até aquele momento. Também não previu que poderia se tornar um bom negócio. Inúmeros empreendimentos foram levados adiante usando o nome foot-ball, tudo muito pequeno ainda, se compararmos aos dias atuais, contudo, percebemos que 139 ainda sem completar dez anos de seu advento em Porto Alegre, o frisson que seu nome causava na cidade foi levado para áreas que pouco ou nada tinha de relação com o esporte. Talvez isso tenha começado com a venda dos equipamentos para sua prática antes de tomar outros meios. Pois como já dissemos no capitulo anterior, por ocasião da segunda visita do Sport Club Rio Grande, a loja “Ao Preço Fixo” começou a anunciar regularmente durante, todo o ano de 1909, em A Federação, os artigos mais simples para a prática do futebol: a bola e a bomba de inflar. Justamente a loja onde teria trabalhado o principal nome da fundação do Internacional, Henrique Poppe Leão. Também em um momento duplamente oportuno, porque, além da visita dos riograndinos, era o período que chamamos de boom do futebol, com a fundação do próprio Internacional. Nos parece que momentos como esse de esperteza comercial para a propaganda foram raros, e as demais propagandas não tiveram vínculos com eventos ou algum outro momento especial. Em novembro de 1910, começaram a ser publicadas grandes notas no Correio do Povo sobre a futura inauguração das Casas Clark com o aviso, disposto da seguinte forma: Brevemente Inauguração da Casa Clark Sortimento completo De calçado para Homens, senhoras e creanças Artigos para foot-ball Impermeáveis e outros artigos 389 Andradas 389 (Correio do Povo, 25 de novembro de 1909). A única propaganda publicada que envolvesse algum outro esporte era sobre o Restaurante Jockey Club, localizado na rua da Ladeira (atual General Câmara), mas ainda assim um estabelecimento que não tinha nenhuma relação com o esporte. Interessante é que empresários de outros ramos começam também a perceber o potencial comercial dos esportes de uma forma geral. Outro exemplo, fica por conta de um empresário que, imaginamos, tentou criar um ponto de encontro dos desportistas da cidade: 140 Restaurante Sportman. – Inaugurou-se, ante-hontem, em um compartimento do andar superior do Mercado Publico, a sala de refeições do RESTAURANTE SPORTMAN, de propriedade dos srs. Vettorelli, Baron & C. A sala apresenta agradável aspecto pela abundancia de luz e hygiene, a par do elegante mobiliario e serviço de cosinha, dirigido por competente profissional (Correio do Povo, 5 de setembro de 1911. O destaque em fontes maiúsculas é original da publicação). Não chegamos a fazer nenhum tipo de estatística, porque não vem ao caso tratar desse tipo de informação, senão mostrar as pioneiras formas de envolvimento comercial dos esportes em Porto Alegre, com destaque para o futebol, que dispunha de uma publicidade cada vez maior sem par quanto às outras atividades esportivas. Com repetidos anúncios, a Casa Clark anunciou que sua inauguração seria dia 1º de dezembro de 1910, e lá estava estampado, no dia da inauguração, uma propaganda maior, com a descrição dos artigos à venda, e, em um dos trechos, o destaque era o seguinte: Artigos Inglezes Mantemos uma secção bem sortida de artigos extrangeiros, como sejam: impermeaveis, perneiras, meias, foot-balls e pertences; calçados para regatas e gymnastica, tenis, cricket, foot-ball e muitas outras novidades (Correio do Povo, 1 de dezembro de 1910. O destaque em negrito é original da publicação). Portanto, mesmo que a especialidade da loja fossem calçados, como consta em outros anúncios, podemos perceber que a procura por artigos esportivos devia ser grande, já que na inauguração das Casa Clark os esportes tinham um espaço significante com destaque para o futebol. Mas se aqui ele aparece dividindo espaço com outros esportes ao longo dos próximos anos, o que se viu foi uma exclusividade nos anúncios da mesma loja que por vezes apenas anunciava seus artigos relacionados ao foot-ball: “Aos clubs Foot-balls chamamos a attenção do grande sortimento de artigos inglezes para este sport na Casa Clark Andradas 389”.127 Com o início do ano, as propagandas eram mais detalhistas, prevendo uma demanda maior, no início da temporada: “Foot-Balls, meias, calçado, agulhas e apitos, grande sortimento recebeu a Casa Clark Andradas 389”.128 Não acreditamos que a Casa Clark seja a única a vender artigos relacionados ao association, até mesmo pelo 127 Correio do Povo, 13 de maio de 1911. O grifo é original da publicação. 128 Correio do Povo, 10 de agosto de 1911. O grifo é original da publicação. 141 fato de que estamos falando apenas do Correio do Povo, mas as constantes propagandas ao longo dos primeiros anos da Liga chamam atenção pela repetição. Uma publicação de 1919 anunciava também artigos esportivos. Era o que vendia o “Bazar A Tricolor de Hanssen e Mohrdieck” (Lemos e Carvalho, 1919), loja localizava na Andradas, 449. Desse modo, dois foot-ballers perceberam de forma pioneira que os clubes eram nomes de referência na cidade, e poderiam gerar negócios, batizando seu empreendimento com o apelido do Grêmio Porto-Alegrense, “tricolor”. Vendia brinquedos, objetos para escritórios, perfumaria e miudezas, contudo, sua propaganda destacava: “Importação directa”, “Fornecedores de sociedades sportivas”. Voltando para 1910, a filial de Porto Alegre da Livraria Universal, de Carlos Echenique, conhecida por dedicar-se à temática gauchesca e ser a única empresa a editar as obras de Simões Lopes Neto em vida, fazia sua propaganda com o anúncio de uma extensa sessão esportiva. Fortini anunciou também o lançamento de uma revista esportiva, que trataria de todos os gêneros esportivos em Porto Alegre. Acreditamos que a ideia não vingou, tendo em vista a ausência de mais informações sobre a mesma. Ele dizia apenas que um de seus diretores seria o “dr. Luiz Coelho da Silva”.129 No entanto, Ernani Haeffner (s/d) afirma que a primeira publicação sobe esportes a aparecer no Rio Grande do Sul é a Revista Sportiva, em 1912, pelo próprio Fortini e Gustavo Bier Junior. Assim, o mundo editorial começava já no início do século a lançar seus produtos ligados ao futebol. Também em 1910, no mês de outubro, é noticiado, em A Federação, o registro da marca “Foot-Ball” pela empresa Braga & Leite, sediada na cidade de Rio Grande. A palavra fora anunciada para batizar uma marca de cigarros importados: “Cigarros FootBall”. Dois anos depois, encontramos, no mesmo jornal, o registro de outra marca de cigarros. Dessa vez chamado Sport Club, cujo logotipo estamparia dois jogadores disputando uma bola. Sua fabricação seria na própria cidade de Pelotas, por José Gonçalves Lamas, e o slogan era: “Os cigarros Sport Club só são usados por fumantes de Bom Gosto”.130 Além do comércio de seus apetrechos e os cigarros, o futebol parece ter feito sucesso nos cinemas também. Em 24 de novembro de 1909, se anuncia o filme “FootBall desastrado”, na sala de cinema Smart Salão. Já em agosto de 1913, no cinema Iris, 129 Correio do Povo, 20 de novembro de 1909. 130 A Federação, 10 de setembro de 1912. As letras maiúsculas são originais da marca que estava sendo registrada. 142 é anúnciado um filme chamado simplesmente de “Foot-Ball”. Classificado como “natural”, tratava-se de uma partida filmada, sobre a qual, infelizmente, não consta nenhum outro dado, se era local, nacional, estrangeiro. E ainda em novembro de 1914, o Cine-Theatro Apollo anunciava uma ficção chamada “A honra do jogador de foot-ball”. Das cinco sessões que passariam a 2ª, 3ª e 4ª estavam reservadas a este filme, cuja descrição diz ser um drama em “3 longas partes”. Ainda na área do lazer, em outubro de 1915, anunciava-se, em A Federação, uma excursão de Porto Alegre ao Rio de Janeiro, que se realizaria durante todo o mês de novembro, pela empresa “Transoceanica”. Seriam 17 dias de estada, e o restante da viagem nos vapores da companhia. Ao preço individual de 750 mil de réis (750$000), além da passagem de ida e volta em primeira classe, o valor incluía alguns passeios, como o Pão de Açúcar, Corcovado, à Tijuca, à cidade de Petrópolis, às praias. Além disso, a vida cultural da cidade estaria disponível com entradas aos quatro principais cinemas, em três dos principais teatros (incluindo o Municipal) e a um evento esportivo: uma corrida no Jockey Club ou no Derby ou a um match de foot-ball de um dos seguintes clubes: Fluminense, Botafogo ou Flamengo. Uma propaganda do Colégio Cruzeiro do Sul, em janeiro de 1919, exaltava que entre suas novas instalações contava com um campo de foot-ball para os exercícios físicos de seus alunos. Se lembrarmos dos clubes já citados, Canoense, São José, Concórdia, e agora a propaganda desta escola, lembramos de Gerson Fraga, alertando para a necessidade de refletirmos “... sobre a relação entre a educação de massas e a perenidade do futebol como símbolo nacional no Brasil” (Fraga, 2009, p. 141). Por mais que este trabalho não se dedique a pesquisar este vínculo, não podemos deixar passar o fato de que a importância do enraizamento do futebol a partir do cenário educacional pode ser tão antigo quanto a chegada do esporte ao país, perpetuando a relação destacada por Fraga. Podemos perceber que o futebol, diferente dos outros esportes, teve uma dupla valorização: como valor financeiro, e também no sentido social. Além da forma direta de se ganhar dinheiro com a venda de produtos ligados ao esporte, como seus equipamentos e livro de regras, surgia uma forma indireta de se obter alguma receita com ele. O maior interesse era, sem dúvida, o status que desfrutava o futebol na década de 1910, e, longe de ser pensado como um negócio em si mesmo, como nos dias de hoje, ele funcionava como forma de agregar valor a outros produtos, como cigarros, cinema, à excursão, à educação. O mais importante é que todas estas ideias não partiram 143 dos clubes como forma de arrecadar fundos para os mesmos. Clubes que precisavam de grounds apropriados, tinham despesas com uniforme, bolas, medalhas, viagens, e que, nesta mesma década, vai conhecer o que convencionou-se chamar de “profissionalismo marrom”, com o pagamento a jogadores semi-profissionais. Não percebendo que estas despesas poderiam ser custeadas por estes meios, as agremiações de futebol preferiram pedir dinheiro aos governos. Na verdade, não apenas pedir dinheiro, mas que, de alguma forma, contribuíssem para diminuir seus custos, como foi o caso da segunda excursão do Sport Club Rio Grande, em 1909, a Porto Alegre: “O Grêmio espera obter apoio do commercio, da municipalidade e da directoria da Exposição Agro-Pecuária no sentido de coadjuvar para o melhor brilhantismo em honra aos distinctos foot-ballers riograndenses”.131 Como os outros contribuíram, não sabemos, mas encontramos pela primeira vez um pedido mais específico ao poder público municipal: “Hontem mesmo foi dirigido um officio ao nosso presado amigo e intendente municipal, dr. Montaury solicitando-se o seu concurso e auxilio para o melhor brilho e realce das festas”.132 Por ocasião desta que seria a primeira partida intermunicipal disputada em Porto Alegre, três autoridades foram convidadas o Presidente do Estado, Carlos Barbosa; o Intendente Municipal, José Montaury e o chefe de polícia, Vasco Bandeira. Todavia, até onde nossas fontes indicam, foi somente às portas da Intendência Municipal que a comissão organizadora (composta pela diretoria do Grêmio apenas) dos jogos (acabaram sendo dois) bateu pedindo ajuda. Ante-ontem a noite a commissão central das festas foi a Intendência Municipal conferenciar com o dr. Montaury Leitão afim de ver si a municipalidade concederia um premio para ser disputado entre o team do Rio Grande e o desta capital (Grêmio). A referida comissão foi muito bem recebida pelo intendente que logo accedeu ao pedido. Hontem foi feita a acquisição de dois prêmios, os quaes importaram em cerca de 200$000, quantia essa oferecida pela municipalidade. Sabemos que, além da taça, é muito provavel sejam adquiridas medalhas destinadas aos vencedores do torneio. (...) Hoje em uma das vitrinas do Preço Fixo serão expostas as duas taças oferecidas pela Intendencia Municipal, afim de serem disputadas entre as sociedades desta capital e a do Rio Grande. 131 A Federação, 15 de maio de 1909. 132 A Federação, 19 de maio de 1909. 144 A primeira foi adquirida naquelle bazar e a outra na ourivesaria do sr. Carlos Foernges. Tanto uma como outra taça trazem gravadas significativas dedicatorias”.133 Quantia que correu às expensas dos contribuintes municipais, e que poderia receber o incremento do custo de mais algumas medalhas. Mas tudo feito com a maior boa vontade, porque tratava-se de um importante evento para a cidade. A impressão que temos deste e de outros eventos nos quais a cidade recebeu visitantes, é de que ela realmente parava desde a chegada no porto até o embarque de volta. Neste caso, não interessa se o clube que realizou o evento seria A ou B, mas era um evento, e a cidade deveria contribuir, na visão de todos, a partir do que percebemos em nossas fontes, a despeito de sabermos praticamente impossível que um clube trouxesse visitantes ou fosse ele o viajante. Ao mesmo tempo, fica claro o benefício ao Grêmio PortoAlegrense com relação aos demais. Também ao saberem da fundação da Liga de Foot-Ball Porto-Alegrense, as autoridades estaduais enviaram uma comunicação a ela, saudando e “... ao mesmo tempo promenttendo prestar todo o seu auxilio”.134 Não demorou muito, e os pedidos ao governo estadual já vieram. Em 31 de agosto, veio um, para viajar ao sul do estado levando uma seleção dos melhores jogadores da cidade para baterem-se contra algumas equipes, principalmente contra os argentinos do Estudiantes de Buenos Aires. O Grêmio novamente, na qualidade de organizador da equipe e principal clube a ceder jogadores para a mesma, dirigiu um telegrama à Companhia Costeira, pedindo um abatimento nas passagens e, com uma curiosa obstinação, pediria auxílio aos governos estadual e municipal: “Alguns sportsman estão empenhados em obter, do governo do Estado e do Conselho Municipal, um auxílio para facilitar a viagem dos foot-ballers ao Rio Grande”.135 Segundo o Correio do Povo, tal empenho deu resultado: “O conselho Municipal auxiliou o team que partiu desta capital para o Rio Grande com 1.000$000, e o presidente do Estado com 30% sobre o valor das passagens”.136 Vieram para Porto Alegre as equipes do Rio de Janeiro e São Paulo, ao final do ano de 1912, no que foi talvez o maior evento esportivo, até então. O Presidente do 133 Pelo simples fato da Intendência comprar estas taças, algumas fontes citam o Rio Grande como campeão da Taça Municipal como se esse fosse um campeonato existente e previamente discutido (Correio do Povo, 22 de maio de 1909). 134 Correio do Povo, 7 de julho de 1910. 135 Correio do Povo, 31 de julho de 1910. 136 Correio do Povo, 9 de setembro de 1910. 145 Estado, Carlos Barbosa, negou auxílio financeiro ao pedido feito, pessoalmente, no palácio pelo presidente do Grêmio, Aurélio de Lima Py, entretanto, ofereceu duas lanchas a vapor para a chegada dos selecionados e as bandas de música que fossem solicitadas. Já o Conselho Municipal, segundo A Federação,137 assentiu com o pagamento de parte das despesas do evento. No ano seguinte, o mesmo órgão concede ao Grêmio mais 7 contos (7.000$000)138 para custear as despesas com a vinda da primeira equipe internacional para Porto Alegre, o Bristol Foot-Ball Club de Montevidéu. Mas da mesma forma que no ano anterior, agora o novo presidente do Estado, Borges de Medeiros, negou ajuda financeira. Estes auxílios aos clubes de futebol parecem mais comuns do que pensamos, ao ler a informação de que o deputado Federal Raul de Morais Veiga havia submetido à consideração da Câmara, o seguinte projeto de lei: O congresso nacional decreta: Art. 1º Fica o governo autorizado a subvencionar anualmente com a quantia de 30 contos de réis a Liga Metropolitana dos Sports Athleticos do Rio de Janeiro, afim de que promova todos os anos match internacionais de foot-ball nesta capital e em S. Paulo, abrindo o governo o necessário crédito. Art. 2º Revogam-se as disposições em contrário (Correio do Povo, 9 de setembro de 1910). Desse modo, fica claro que o auxílio financeiro dos governos aos encontros de futebol era algo já comum no Brasil, pois era visto como importante para o desenvolvimento físico e educacional brasileiro. Apenas algumas poucas agremiações podiam exprimir os reais valores de um sportman os reverberando a partir de novos matchs e eles eram por tudo que vimos até agora, os clubes da elite. Com facilidade, apontaríamos em 1910: o Fluminense e o Botafogo no Rio de Janeiro; o São Paulo Athletic Club, o Paulistano e a Associação Atlética das Palmeiras em São Paulo; no Rio Grande do Sul, o Sport Club Rio Grande, na cidade de mesmo nome, e o Grêmio, em Porto Alegre. Quanto à segunda escala de privilégio, que era sobre as cidades que receberiam verbas federais, não encontramos nenhuma linha que solicitasse a ampliação do mesmo para outras capitais. Da mesma forma que parece haver um consenso dentro das cidades sobre os clubes que podiam obter tais benefícios públicos, por sua vez, há 137 A Federação, 30 de novembro e 7 de dezembro de 1912. 138 A Federação, 21 e 25 de novembro de 1913. 146 também concordância quanto às cidades que receberiam esta verba federal, nada se dizendo em contrário. Como exemplo do prestígio do Grêmio Porto-Alegrense sobre os demais, podemos citar a tentativa do Internacional, por meio da Liga, que presidia neste ano, de levar a seleção Uruguaia, que esteva em Pelotas em 1911 para Porto Alegre. E nem mesmo se utilizando do compatriota Florêncio Ygartua conseguiu seu intento. Um segundo exemplo é o fato de trazer a Porto Alegre o primeiro clube estrangeiro, mesmo desligado da liga da cidade. Além disso, é possível perceber em todos estes eventos a estreita relação entre as três agremiações de mais prestígio do Estado: Grêmio, Pelotas e Rio Grande. Ainda que as solicitações não cessassem, estes mesmos clubes também realizavam atividades beneficentes, arrecadando fundos para causas que se julgavam justas. A primeira delas é um jogo entre Grêmio e Fuss-Ball, cujo produto das entradas reverteu em benefício da Santa Casa de Misericórdia em, 9 de agosto de 1908, realizado no campo dos Moinhos de Vento, como consta no anexo B. Em 1910, para a nova aquisição do encouraçado Riachuelo, também se iniciou uma campanha para arrecadação de fundos, na qual participariam os sete clubes da elitista Liga Porto-Alegrense. Ou como as duas campanhas de 1914: a primeira em junho, arrecadando fundos para a construção da estátua do Barão do Rio Branco (localizada em frente ao atual Memorial do Rio Grande do Sul) e a segunda é em setembro, com um jogo da mesma Liga, que teria a bilheteria remetida à Liga do Rio Grande do Sul, contra a tuberculose. Com efeito, podemos perceber como muito forte a questão nacional, com o apoio à memória do Barão do Rio Branco e com a aquisição de embarcação à marinha. E nos outros dois casos a ajuda seria a causas sociais ligadas a saúde. Portanto, os clubes da elite faziam sua parte da forma como patrioticamente acreditavam ser correta e importante, partindo de um sportman. Porém, os pedidos não cessaram, e apesar das solicitações para ajuda nas despesas com a vinda de equipes de fora da cidade partirem sempre do Grêmio, como demonstram nossas fontes, acreditamos que postulações das mais diversas deveriam vir de outros clubes da capital, e que não viraram notícia, talvez pelo fato de serem apenas autorizações, empréstimos ou alguma ajuda de menor valor, como a cessão ao Sport Club Internacional de seu primeiro campo esportivo, na rua Arlindo, ou o pedido do 147 Frisch Auf para utilização do antigo campo do Grêmio Foot-Ball Internacional, na Redenção. Neste caso, acreditamos que outras tantas agremiações tenham solicitado o mesmo, pois Militar, ambos os clubes chamados de Internacional, Rio-Grandense, Primavera, entre outros, estiveram, em determinado momento, utilizando um espaço da Redenção para seus jogos ou treinos. Todos pedidos de repercussão bem menor do que os barulhentos encontros com equipes de fora promovidas pelo Grêmio. Por essa mesma lógica, é possível que outros esportes tenham se beneficiado apesar de não encontrarmos notícias a respeito, contudo, imaginamos muito difícil que qualquer tipo de patrocínio público seja próximo dos benefícios dados ao futebol. Mas os pedidos não cessariam por aí. Não bastasse o dinheiro para patrocinar os jogos encontramos um pedido para a construção de um ground municipal em auxilio a Liga Porto-Alegrense. Mesmo sem revelar o autor da missiva, Fortini a publica na integra: Sr. Redactor da secção sportiva do Correio do Povo. Como sabeis, é o foot-ball um dos jogos que mais nos apaixona actualmente, e, também, um dos que maiores difficuldades traz às nossas sociedades que o cultivam, pela falta de local apropriado para esse útil sport. Das sete sociedades que compõem a Liga Porto-Alegrense, apenas três possuem installações, segundo o regulamento da mesma Liga. Para acabar com essa irregularidade, a Liga pensa adquirir um ground em condições, onde effectuarse-ão os matchs das sociedades confederadas. Mas de antemão, sabemos que, sem auxílio do município, nada poderá ella fazer, mesmo dentro de alguns anos, pela falta de recursos de que se resente. Ora, à intendência foi devolvido o Velódromo que, segundo dizem, será transformado em uma praça. Levando-se em conta a propriedade do logar, bem poderia o intendente municipal, seguindo o exemplo da prefeitura do Rio, que transformou o campo de S. Christóvão em centro de jogos athleticos, fazer o mesmo com a antiga séde da União Velocipédica contruindo, ali, um bom ground para o cultivo do football, concorrendo pro esse modo, para a estabilidade da nossa Liga e para o progresso da cultura physica entre nós, tão altamente cuidada pelos governos nos centros mais civilisados do mundo. Por esse motivo, sr. Redactor, tomamos a liberdade de pedir-vos uma propaganda nesse sentido, contando com a vossa dedicação não desmentida em prol do sport. Um foot-baller (Correio do Povo, 11 de dezembro de 1910). Mesmo que tal ideia não tenha vingado na esfera municipal, este pedido de um estádio municipal, por si só, é um corolário daquilo que estamos afirmando sobre a valorização do futebol. Destacaríamos a necessidade dos governos promoverem os 148 esportes, classificando aqueles que assim o fazem como “mais civilizados”. E nesse caso, nosso redator esportivo, Archymedes Fortini, não faz nenhum juízo de valor ou observação sobre o documento, no que aparentemente parece concordar, fato que se deve, principalmente, por ser ele próprio um sportman, como já descrevemos. No final do ano de 1911, temos mais uma importante notícia a respeito dos benefícios do poder público ao futebol. Dia 20 de novembro, foi noticiada a discussão, na Assembleia Legislativa, sobre a solicitação por parte do Grêmio Porto-Alegrense sobre a isenção de impostos para clubes de futebol no Estado, cuja confirmação saiu no dia seguinte e cuja redação da lei foi outorgada com o seguinte texto: Lei n. 139 de 30 de novembro de 1911 Isenta do imposto as associações sportivas de foot-ball. Doutor Carlos Barbosa Gonçalves, Presidente do Estado do Rio Grande do Sul. Faço saber, em cumprimento do disposto no artigo 49 da Constituição, que a Assembléa dos Representantes do Estado approvou em sessão de 22 de novembro corrente e eu promulgo a seguinte resolução: Artigo 1º - Ficam isentas de impostos estaduaes as associações sportivas de foot-ball. Artigo 2º - Revogam-se as disposições em contrario. Palacio do Governo, em Porto Alegre, 30 de novembro de 1911. Dr. Carlos Barboda Gonçalves Candido José de Godoy. Nesta secretaria de Estado dos Negocios da Fazenda foi selada e publicada a presente lei, aos 30 de novembro de 1911. Joaquim Mauricio de Oliveira, Director (A Federação, 9 de dezembro de 1911). E as justificativas de benefícios físicos dos esportes, defendidos como salutares e importantes também para o caráter e a moral do indivíduo, mudam de figura? Todas aquelas adulações dignificantes caem por terra agora com um benefício tão específico ao foot-ball. É possível que tenhamos aqui uma mudança de paradigma, que é reforçado com outra isenção de impostos. Dessa vez para artigos de foot-ball importados por Rio de Janeiro e São Paulo, como é noticiado no mesmo jornal logo em seguida: Rio, 19 – No orçamento da receita foram aprovadas 185 emendas entre as quaes as seguintes: [...] concedendo isenção de direitos aos objectos destinados aos sports athleticos, importados pela Liga Metropolitana e Liga de Foot-Ball de S. Paulo [...] (A Federação, 20 de dezembro de 1911). 149 O futebol desde seu estabelecimento como atividade da elite passou a receber benefícios dos governos, municipal, estadual ou federal bem como seus respectivos legislativos aprovando os mesmos. Parece que, num primeiro momento, a novidade não precisou ou pediu qualquer tipo de auxílio, pois, nascendo, precisava vingar nestes rincões. Mas no momento seguinte, quando vivo e forte, o foot-ball, junto dos seus pais, a elite da cidade, recebeu primeiro da municipalidade sua benção. Tal qual os três reis magos, o município, o estado e, no caso de Rio e São Paulo, a união, não se furtaram em abençoar-lhe, e prestaram, desde os primeiros anos, a necessária ajuda para continuar crescendo mais vigoroso e forte, ... ao menos no lar privilegiado das boas famílias da elite. 6 CONCLUSÃO Algumas pessoas acreditam que futebol é questão de vida ou morte. Fico muito decepcionado com essa atitude. Posso garantir que futebol é muito, muito mais importante. Bill Shankly Para o estrangeiro e elitista foot-ball, percorrer seu caminho ao longo do século XX e transformar-se no futebol não foram poucos os obstáculos, e se pensarmos que hoje muitos o chamam de futebol moderno ... aí então o trabalho estaria apenas começando. Por hora, devemos dar-lhe uma conclusão. Da mesma forma, poderíamos fazer a mesma analogia com cada língua, em cada país como o fútbol argentino, passando por questões parecidas com as nossas: um país jovem, cheio de imigrantes, e que precisam ser absorvidos e transformar aquele Estado em uma Nação. O fussball alemão: de um Estado jovem (apesar de longa tradição e história), com as duas grandes guerras, duas grandes derrotas e uma nova separação. Pensar na história do século XX usando como guia o futebol, ou melhor, a transformação do association football, é um grande desafio, se não um prazer. Porém, fiquemos com uma pequena parte do século XX. Dezesseis anos apenas e somente uma parte do planeta futebol: Porto Alegre. Trabalho facilitado, porém, não simples. Um dos trabalhos do historiador é desacomodar o “senso comum”. Já que esse discernimento é motivo de debates e muito trabalho, um olhar inocente diria que é abominado por todos. No caso deste trabalho, a luta é contra vários “sensos comuns”. O primeiro deles é dizer que o desenvolvimento do futebol, no Rio Grande do Sul, trilhou um caminho diferente de outras regiões do país, porque a “malemolência”, o “gingado”, não são tão bem vistas como no restante da Nação Brasileira. Outro seria dizer que o futebol em Porto Alegre obedeceu ao mesmo desenvolvimento social que descreve Mário Rodrigues Filho. Não falaremos da capoeira, da malandragem ou do improviso. Portanto, contra estes “sensos comuns”, algo tinha de ser feito. Como este trabalho candidatou-se a esta luta, é provável que o mesmo esteja afrontando o símbolo 151 maior da brasilidade, construído a muito custo ao longo do último século. Unindo-nos aos que já militam neste campo, levamos adiante esta candidatura. Rechaçando este senso comum, não será aberto um vazio, retirando-se o futebol do status de símbolo nacional. A construção que elegeu o esporte como emblema não pode ser menosprezada ou apagada. Pretendemos rever a forma como isso aconteceu, incluindo nessa construção aquilo que julgamos mais pertinente colocar como liga para o “Grude Nacional”. Composta por negros, imigrantes e por classes sociais díspares, acreditamos que o amalgama destas diferenças seja a ânsia de realizar neste estado uma Nação. Portanto, trocamos aquele atraente senso comum de Mario Filho, com justificativas fascinantes sobre a técnica aliada a ginga e tantas histórias narradas por ele, simplesmente pela “necessidade” de uma explicação e construção de símbolos nacionais que representassem o país. Da mesma forma como na Argentina, o futebol pareceu preencher todos os requisitos desta necessidade de unir o país em torno de sentimentos que conciliassem populações tão dispares. Ou como na Alemanha, onde a necessidade de unir o país após a queda do muro de Berlim teve como símbolo a vitória na Copa de 1990, representando o fechamento, com chave de ouro, de seu intenso século XX. A finalidade deste trabalho foi, até agora, de revelar que as três categorias sociais tão distintas que destacamos estavam mais próximas do que imaginamos, entretanto, com mecanismos para que não houvesse mescla. A mistura que tem início continuará heterogênea, pelo menos até o fim de nossa investigação, 1918, pois já havia no “football” uma proposta a partir de valores nacionais, bem diferente daquilo que se imagina para o “futebol”. É ao final de nosso período de investigação que o foot-ball procurava símbolos brasileiros para nacionalizar-se e 50 anos depois faria o mesmo movimento para tornarse gaúcho. Entretanto, difícil será comprovar que ele é nascido e desenvolvido por riograndenses. Ao final deste pequeno introito, revelo, pretensiosamente, a verdade sobre o “senso comum” para os historiadores: ... em verdade os adoramos. São a desculpa para um bom assunto. Só o futebol permite que você sinta aos 60 anos exatamente o que sentia aos 6. Todas as outras paixões infantis ou ficam sérias ou desaparecem, mas não há uma maneira adulta de ser apaixonado por futebol. Adulto seria largar a paixão e 152 deixar para trás essas criancices: a devoção a um clube e às suas cores como se fosse a nossa outra nação, desconsolo ou a fúria assassina quando o time perde, a exultação guerreira com a vitória. Você pode racionalizar a paixão, e fazer teses sobre a bola, e observações sociológicas sobre a massa ou poesia sobre o passe, mas é sempre fingimento. É só camuflagem. Dentro do mais teórico e distante analista e do mais engravatado cartola aproveitador existe um guri pulando na arquibancada (Veríssimo, 2010, p. 25). Senão, foi apenas a verdade deste que assina estas páginas. *** Se mais uma vez tivermos razão, e o futebol desembarcou em Porto Alegre naquele setembro de 1903, pela “modernidade”, e, logo em seguida, uma parcela da sociedade fundou os dois primeiros clubes, devido ao “associativismo teuto”, todavia, não criou raízes profundas em Porto Alegre pelos mesmos motivos. Até mesmo pelo fato de que, nos 16 anos que aqui analisamos, podemos perceber o envolvimento de boa parte da sociedade porto-alegrense com o english sport, ou seja, algo maior do que estes dois aspectos afetaram a cidade. Escolhemos três personagens: o rico, o negro e o imigrante. A partir de outras questões da mesma sociedade na qual se inserem, podem se afastar ou se aproximar. Logo, poderíamos ter um rico filho de imigrante, um negro proeminente no pósabolição ou ainda um imigrante pobre, residente no arrabalde da Colônia Africana. Este exemplo serve apenas para mostrar que a sociedade é dinâmica, e que o mundo do futebol seguiu estas variações, mesmo que tenhamos destacado três personagens. O que os três possuem em comum é o fato de viverem em um país sob forte influência do nacionalismo da virada do século. Com a necessidade de repensar a nação brasileira, o Estado estava aberto a propostas de reconstrução da identidade nacional. Isso fez com que os nossos três atores tivessem em suas mãos a possibilidade de comporem o novo país, e o que vimos foi uma luta na qual o futebol nos serviu de campo de batalha, e décadas depois seria alçado a símbolo dessa identidade. Olhando para o placar do jogo, principalmente com a virada pós Revolução de 1930, o resultado é: os três elementos contribuíram com parte daquilo que é hoje a 153 identidade nacional brasileira. No entanto, o resultado final não estava no projeto de 1930, tampouco no período da República Oligárquica, a que o trabalho se refere, embora o Estado brasileiro estivesse interessado em uma nova identidade nacional desvinculada do Império. Mesmo que por linhas tortas, algum de nossos personagens faça parte da identidade atual, também não é a vitória do projeto da elite burguesa. Com o dinamismo social do século XX, nossos elementos se modificaram, moveram e adaptaram-se, possibilitando uma nova identidade nacional, criada a partir da apropriação do futebol. O que motivou este trabalho foi mostrar os primórdios do futebol, que desde muito cedo traria nossos três personagens, e os colocaria frente à frente, senão na mesma cancha, pelo menos no campo ao lado como acontecia na Redenção. Um destes personagens já se apresenta nos gramados mais cedo do que se imaginava, quando, em 1907, é fundado o Foot-Ball Club Rio-Grandense, quando deixamos muitas dúvidas a respeito da forma como conheceram o association. Ele é o clube onde se coloca a questão étnica, justamente pela distância dos demais clubes brancos. Mesmo que fazendo parte de uma “pequena burguesia negra” (Jesus, 1999a, p. 151). composta por funcionários públicos que se espelhavam na elite branca, a distância para as duas agremiações brancas era muito grande. Outro motivo de sua relevância é que ele pode ser, inclusive, o primeiro a apresentar uma característica pluriétnica, na medida em que era composto por mestiços ou mulatos, como refere Lupicínio Rodrigues. E por último, mas não menos importante, é que ele será um dos fundadores da “Liga da Canela Preta”, em 1920. Apesar das justificativas relacionadas às dificuldades quanto às fontes, localizar, neste período, um clube de futebol pertencente à comunidade negra de Porto Alegre já é bastante valioso, para podermos pensar em uma maior amplitude temporal com relação ao futebol, o que nos permite voltar treze anos antes da fundação da Liga da Canela Preta, dentro da perspectiva chamada de protagonismo negro no pós-abolição. A forma como parte da comunidade negra de Porto Alegre conheceu o futebol, dificilmente será revelada, mas achamos que as suposições sobre um contato com Grêmio ou Fuss-Ball mereceram ser destacadas. Novos trabalhos sobre o contato entre teutos e negros ou sobre a ocupação da Colônia Africana, vizinha ao campo dos Moinhos de Vento, podem revelar uma pista neste sentido, e estes dois caminhos indicados, mesmo que não se confirmem no futuro, podem ser pistas iniciais. O contato 154 de teutos e descendentes com negros no pós-abolição pode revelar uma dinâmica diferenciada da sociedade porto-alegrense quanto a estes dois elementos novos. Além disso, não intencionalmente, mas fruto da pesquisa realizada cotejando bibliografia e fontes, o Rio-Grandense e o Frisch Auf são os melhores exemplos do silêncio historiográfico dos seis primeiros anos. Com efeito, não parece pouca coisa que neste período tenhamos encontrado três clubes caracterizados com os três personagens que destacamos, já os colocando em evidência desde o início: Fuss-Ball, teuto; Grêmio elitista e o Rio-Grandense, étnico. O elitismo dos primórdios do futebol também se justifica plenamente em Porto Alegre, pois a comoção demonstrada na visita do Sport Club Rio Grande a Porto Alegre é algo facilmente explicável a partir da intensa propaganda relatada nos jornais com a chegada ao porto, tomando ares de evento político, pois até então eram os únicos acontecimentos que reuniam tantas pessoas às ruas. E como dissemos anteriormente, havia mais pessoas no desembarque do clube do que na partida de foot-ball, que era a razão da viagem. Se não os esportes como o turfe, o remo ou o ciclismo, que outro evento podia levar três mil pessoas às ruas sem motivos ligados à pátria? Mesmo assim foi apenas o início do caminho que o futebol teve de percorrer para chegar até 1909, e, a partir de então, se popularizar de verdade. A fundação da Liga de Foot-Ball Porto-Alegrense é um capítulo importante dessa história, tendo em vista a tentativa de regulamentar os jogos de foot-ball criando uma competição aos moldes daquilo que já ocorria em grandes centros como Rio, São Paulo, Buenos Aires e Montevideo. É importante relatar que sobre campeonatos mais distantes, como o inglês, o italiano e o alemão havia informações frequentes nos periódicos da capital, com ênfase para os quatro centros citados primeiro. Com tantas informações sobre os excitantes campeonatos de foot-ball, partiu do Grêmio, em 1910, a ideia de não apenas viver as mesmas emoções de um campeonato, como já acontecia em importantes cidades do mundo, mas também regular o esporte no qual fora um dos pioneiros. Lembrando que os esportes modernos eram “modernos” por conter regras, era regulamentação que tanto o diferia do selvagem folk foot-ball de períodos anteriores. Dentro deste novo ideário social, que possuíam os esportes, vinha o conceito do sportman associado ao fair play, e a Liga proposta pelo Grêmio se encarregaria de vigiar e regulamentar a atividade dentro destes conceitos, como realmente aconteceu. Também foi o primeiro clube a abandoná-la, quando achou, em 1913, que as regras e o 155 fair play, não estavam sendo respeitados, e assim fez novamente, outras vezes, como vimos. Tudo dentro do padrão burguês esportivo descrito por Hobsbawm (1998, p. 306). Com a grande quantidade de clubes fundados em Porto Alegre, estes passaram a representar uma ameaça a este padrão burguês dos fundadores da Liga de Foot-Ball Porto-Alegrense. É aí que entra o isolamento da Liga burguesa, de forma exemplar, tal qual descreve Hobsbawm. A Liga, ao registrar em seu estatuto a intenção de aceitar apenas agremiações que se enquadrassem em seu critério financeiro, afastou pretendentes operários e negros, como o Centro Sportivo Operário e o mesmo RioGrandense em 1911. Outra questão importante e diferente em Porto Alegre é o fato de não encontramos oposição à adoção do esporte, como relatam Leonardo Affonso Pereira e Bernardo Buarque de Hollanda, no Rio de Janeiro. Ao mesmo tempo em que pode ter facilitado sua aceitação, também demonstra a falta de preocupação com o “estrangeirismo”, tão em voga no Brasil. Se Porto Alegre chega a ser chamada de “principado germânico” (Mulhall, 1974, p. 57), e o esporte é o favorito dessa comunidade, é difícil imaginar oposição. Além disso, havia outros tantos imigrantes que o futebol ajudou a incorporar à vida social no Novo Mundo. Também é certo que todo o discurso legitimizador dos esportes ajudou, passando a ligá-los à Nação, que seria a grande beneficiada pela lógica do mens sana in corpore sano, reavivada e reinterpretada com os esportes modernos. A elite como detentora destes saberes tratou de ratificar a prática esportiva, ao mesmo tempo em que o esporte divertiu como jogo e foi adotado como moda já que era moderno, e não são coincidência as duas palavras estarem juntas no dicionário.139 Neste sentido, é importante lembrar que não são poucas as vezes em que encontramos nos periódicos a expressão “sports da moda”, para se referir ao rowin, turf ou ao foot-ball, principalmente. Porém, antes deste último tivemos o ciclismo como o principal esporte da moda. Esta troca de esportes passa a sensação de que qualquer novidade deveria ser absorvida, embora pudesse ser trocada, como acreditamos que aconteceu com o ciclismo e o futebol. Essa mudança de gostos ou dificuldade na escolha de um esporte 139 Moda como símbolo da modernidade relatada na introdução. Relação explicitada em Ferreira (1986, p. 1147): “moderno. [Do lat. Modernu.] Adj. 1. Dos tempos atuais ou mais próximos de nós; recente: filosofia moderna; autor moderno. 2. Atual, presente, hodierno: a vida moderna. 3. Modernista: a poesia moderna; autor moderno. 4. Que está na moda: vestido moderno. 5. Restr. Diz-se das manifestações artísticas e literárias do séc. XX. 6. Bras., BA. Moço, jovem. 7. Aquilo que é moderno ou ao gosto moderno: aperfeiçoar o moderno na arquitetura. – V. modernos”. Grifos meus. 156 ou outro, lembra a crise de paradigmas de que nos fala Hobsbawn, descrevendo-a como sendo mundial. Talvez nada ilustre melhor a crise de identidade por que passava a sociedade nesse período que a história das artes nos anos 1870 a 1914. Foi a época em que tanto as artes criativas como seu público perderam as referências. A reação das primeiras a essa situação foi um salto para a frente rumo à inovação e à experimentação, vinculando-se cada vez mais às utopias ou pseudoteorias. O público, salvo os conquistados pela moda e pelo esnobismo, murmurava defensivamente que “não entendia de arte, mas sabia do que gostava”, ou se refugiava na esfera das obras “clássicas”, cuja excelência era garantida pelo consenso de gerações. Contudo, a própria validade desse consenso estava sob fogo cerrado (Hobsbawn, 1998, p. 308). Parece que com relação aos esportes também não havia consenso, porém se acreditava ser algo fundamental, a partir de então, e em Porto Alegre a adoção de novidades esportivas bem como mudanças de gosto, escolhas e descarte de esportes que não mais interessavam, se justificava com a defesa da cultura esportiva, na figura do sportman. A Primeira Guerra Mundial como marco desta fase proposto por Hobsbawm, também é importante neste trabalho, na medida em que a identificação teuta do FussBall se desfez com a nacionalização dos clubes, durante o conflito. Essa relação com uma importante comunidade de Porto Alegre parece ser a base que sustentava também o Frisch Auf, e que, mesmo com a recuperação do Turnerbund após a guerra, não foram suficientes para o seu retorno. Parecia que o clube havia perdido anos importantes da consolidação do futebol na cidade. Ambos sucumbiram ao movimento nacional durante a guerra, e, mesmo que o Fuss-Ball tenha sobrevivido mais trinta anos, nunca mais atingiu o status que possuía antes de 1914. Diferente eram o Hispano-Americano e o Sokol, que dificilmente poderiam apresentar um crescimento significativo por pertencerem a comunidades de imigrantes menores, e, portanto, tinham uma base de sustentação mais fraca em expressão social e econômica. Pensando apenas neste trabalho, o período anterior à Guerra Mundial é o momento em que o futebol ainda é uma novidade, como todos os outros esportes. Contudo, é no ano de 1909 que a população da cidade fez a escolha do esporte de sua preferência, possibilitando não apenas a grande disseminação de clubes de futebol pela cidade como também ocasionou uma nova referência no cenário esportivo, com a fundação do Internacional. Mesmo que a rivalidade ciclística da Blitz com a União tenha 157 passado ao futebol, o antagonismo criado entre Grêmio e Internacional seria um marco na cidade, sobrepondo a rivalidade tradicional anterior por esta nova uma nova. O Internacional não parece trazer novidades na sua formação, pois lusobrasileiros havia no Grêmio e estudantes das escolas superiores também, além do fato de possuir também muitos sócios pertencentes à comunidade teuta da cidade. Contudo, o clube tem nestes elementos que o compõem uma característica de menor rigor em sua composição social. Não havia nele uma marca característica, como uma espécie de nicho, teuto, burguês ou negro, como em outros. Entrementes, a aceitação de negros dentro de um clube também da elite, como o Internacional, não se colocava, até mesmo porque 1888 parecia ontem, menos de vinte anos. Aceitou, com relação a nacionalidades, outras, principalmente a brasileira, mais do que ser aberto a todos, era o mais luso-brasileiro, até então. Assim mesmo, a aceitação de negros nos clubes da elite porto-alegrense, a partir da década de 1920, precisa ser observada como uma questão profissional, sendo absorvidos apenas como mão-de-obra dentro destes, sem que tivessem o status de reconhecimento social dos primeiros sóciosjogadores das duas décadas anteriores. Formou um clube internacional inspirado no Sport Club Internacional de São Paulo (quem sabe no Grêmio Foot-Ball Internacional de Porto Alegre), e após a guerra passa a ser destacado seu nacionalismo, e não mais o internacionalismo de seu nome. Podemos caracterizá-lo então, como ligado a uma classe média formada por funcionários públicos, estudantes e comerciantes, e que já tinham contato com o mundo esportivo, como foi o caso de seu primeiro presidente ciclista ou mesmo com o próprio futebol, já praticado por Luiz Poppe. Como pioneiro do boom de 1909, os melhores elementos desse segmento social acorreram a ele, formando aquilo que seria, a principio, uma terceira força da cidade, para, logo em seguida, tornar-se rival do veterano Grêmio, na busca pelo primeiro posto. A importância social dos membros do clube foi reconhecida, desde o início, como pode comprovar a aceitação do inédito desafio por parte do Grêmio, que tinha, até então, como seu único rival o Fuss-Ball. Se nos primeiros anos o futebol se restringia a poucos, era também pela falta de interesse no desconhecido esporte. Contudo, na medida em que outros clubes foram fundados, os dois desbravadores de 1903 também sofrem mudanças ao longo do tempo. A organização social dos pioneiros era alterada e o Grêmio, que apenas admitia novos sócios segundo uma criteriosa análise social do candidato indicado, passou a ter sócios 158 que, cada vez mais, pertenciam ao topo da pirâmide social. O clube assumiu um caráter de extremo prestígio, no qual qualquer notícia mais simples acerca de sua organização era detalhadamente explicada nos periódicos, enquanto os outros recebiam espaço menor. Nesta situação, o Fuss-Ball abria-se para elementos de outras nacionalidades, como podemos perceber na composição de seus quadros, fator que não foi suficiente para adquirir o mesmo status social alcançado pelo Grêmio. As diferenças entre ambos aumentavam, ao mesmo tempo em que diminuía entre Fuss-Ball e Internacional. Da mesma forma, é importante destacar que o Grêmio, assim como todo e qualquer clube da época, analisava os nomes a comporem seus quadros. Entretanto, ele é o único que temos a descrição da forma como se apresentava a candidatura de um novo sócio, o que torna impossível comparar seu crescimento com o Fuss-Ball, nesse momento. Este trabalho além de revelar as transformações destas identidades clubísticas, se alterando ou se afirmando, pretendeu destacar novas agremiações que irrompiam nos mais distantes arrabaldes da cidade, com uma importante amostra daquilo que chamamos de boom. Destacamos seus nomes e listas de sócios fundadores de todos aqueles que encontramos e que mereceram algum destaque pelos cronistas esportivos do Correio do Povo e de A Federação, entre os anos de 1909 e 1911. Encontramos ali a grande maioria de sobrenomes lusos ao mesmo tempo em que aparecem muito teutos, ítalos, poloneses e espanhóis. Momento em que os imigrantes de todas as nacionalidades puderam ser absorvidos pelo futebol. O trabalho pretendeu também demonstrar o início da rivalidade entre Grêmio e Internacional, a partir do crescimento da dupla, inclusive com as bênçãos da classe política, ficando para trás clubes como o Fuss-Ball, e, principalmente, os de menor expressão, que continuavam surgindo, e, quando tinham a sorte de entrar na liga principal, sofriam grandes derrotas para os dois. O início da rivalidade entre Grêmio e Internacional é também a fase de consolidação dos dois clubes, e cada um com uma proposta diferente, que somente na década de 1950, com a popularização gremista, é que coincidiriam. Segundo o Grêmio, a rivalidade começou com a falta de fair play contra seu sócio Carlos Mostardeiro, que arbitrava um jogo do Internacional, em 1913 (apesar de já relatar em 1910 um “sururu” em campo). Com a fundação de uma associação estadual em 1918, a Federação RioGrandense de Desportos (atual Federação Gaúcha de Futebol), parece que os ânimos sossegaram, e a Associação Porto-Alegrense de Desportos juntou novamente os brigões 159 Grêmio e Internacional, em um campeonato em que, pela primeira vez desde 1910, ganhava outro clube que não eles, o Cruzeiro. Contudo, nas tentativas de paz, os Grenais não foram tranquilos, e algumas brigas e confusões aconteceram, sendo a pior de todas o Gre-Nal de 4 de agosto de 1918, quando um jogador do Internacional e um espectador foram esfaqueados, por um outro espectador, simpatizante gremista. Simpatizante, porque a expressão “torcedor”, e principalmente o conceito do torcer, surgem anos depois. Época em que os cronistas esportivos ainda pediam que a plateia não se exaltasse com relação a sua preferência por um clube ou por outro, demonstrando que o discurso da elite já não fazia eco nos grounds da cidade. Por sua vez, o desenvolvimento de Porto Alegre, a adoção dos esportes modernos, o crescimento de Grêmio e Internacional, estão estreitamente relacionadas. Se a capital do estado, com a terceira produção industrial do país, precisava se modernizar e justificar nas ruas esta pujança, teve na representação cosmopolita dos esportes um dos seus pilares. Se reconstruindo, abrindo avenidas, levantando edifícios, destruindo a cidade colonial era uma parte, a outra era apresentar atrações. Se agora a rua era palco, ela precisava apresentar um espetáculo condizente com a posição que Porto Alegre alcançava, e nada melhor do que o poder público prestigiar os esportes. Os esportes não foram pensados como forma de ganhar dinheiro, as pretensões, nesse sentido eram apenas iniciais, e mais no sentido de vender os materiais esportivos. Todavia, é possível perceber que o esporte, principalmente o futebol, já possuía um valor diferenciado para a população, servindo para dar nomes a empreendimentos, e agregando valor a produtos diferenciados de sua prática, como cigarros, restaurantes, lojas, excursões e escolas. Com efeito, a classe política passou a subvencionar os eventos mais importantes da capital. Nisso entrou o governo do estado e a intendência municipal com verba, descontos em serviços, oferecendo outros ou cortando impostos. Alicerçado na nova identidade de centro cosmopolita, se projetaram para Porto Alegre novas formas sociais, nas quais o foot-ball parecia se encaixar, pois era um novo divertimento da elite, e os campos de futebol eram novos teatros, onde deveriam estar o governador, seus representantes, e, principalmente, o intendente, afinal eram os patrocinadores do evento. Não podemos exagerar, e pensar, anacronicamente, que era parecido com algo contemporâneo. Neste sentido, não encontramos oposição aos gastos com o esporte, que, além de tudo, eram vistos como a melhor propaganda em benefício da saúde e dos sports. Assim, é possível dizer que o crescimento e a adoção dos esportes 160 modernos em Porto Alegre, em nosso caso o futebol, tem, além da elite, a classe política como sua grande incentivadora. Da mesma forma, podemos afirmar que os maiores beneficiados com este projeto político, até o ano de 1918, foram os três principais clubes da cidade: Fuss-Ball, mas principalmente Grêmio e Internacional. Podemos concluir que a crise de identidade foi superada com a ajuda dos esportes modernos, e, dentre eles, sobressaindo o futebol. A partir do momento, em que o futebol passa a fazer parte do establishment, ele produz e/ou reproduz a ilusão conservadora da qual fala Nildo Viana. Logo, por alguma característica de sua história, que pode não estar relacionada à origem, mas sim a um fato qualquer acontecido no decorrer dos anos, um clube pode passar a representar um setor da sociedade com sentimentos e ideologias que não se apresentavam necessariamente por ocasião da fundação do mesmo. Possivelmente questões que passavam alheias a seus interesses. Assim, surge uma identidade inventada, e tomada como tradicional: “- Desde priscas eras as coisas são assim ...”. Com o futebol sendo modelado pela sociedade, a rivalidade entre protestantes e católicos na Escócia explica a forma como surge o antagonismo entre Celtic e Rangers, o que não é diferente da rivalidade em Porto Alegre entre o Grêmio, clube da elite, e o Internacional, clube do povo. Os clubes foram moldados pela sociedade em que estavam inseridos. Sendo uma cidade latino-americana do século XX, as rivalidades sociais não estavam bem claras ou mudaram ao longo do tempo, moldando também uma rivalidade que nascera dentro da elite porto-alegrense, e que, inicialmente, tentou mantê-la no mesmo patamar aristocrático. As agremiações populares perderam a guerra, e foram desaparecendo, ao longo do século XX. Foram absorvidos a partir do momento em que Grêmio e Internacional perceberam que poderiam tirar algum proveito das camadas mais populares. Desse modo, reformularam suas identidades, e a histórica tradição elitista. O Internacional passou a ser popular “desde sempre”, apesar de que esse episódio pode ser datado a partir da década de 1940, com a grande equipe do “rolo compressor”. Já o Grêmio, com a grande campanha social dos anos 50, aumentando o número de sócios, construindo o maior estádio particular do Brasil, marqueteiramente concluiu sua popularização, a partir do momento em que trouxe Tesourinha para vestir sua camiseta. 161 Entretanto, em ambos os discursos, os jogadores negros serviram apenas para fazer o trabalho dentro de campo, enquanto as direções mantiveram-se brancas, reproduzindo mais uma vez a sociedade na qual estão inseridos. Duas tradições inventadas a partir de uma adaptação cruel do mundo dos negócios, onde apenas os mais fortes sobrevivem, pois não é na natureza que esta expressão atingiu sua plenitude onipotente. Porém, o significado dos esportes modernos para a elite da cidade não era o mesmo para as classes baixas, como ainda parece não ser. Dentro do microcosmo construído pela dupla Gre-Nal, ambos trataram de expandi-lo, vivendo agora uma fase em que deixam de ser clubes, para tornarem-se empresas, onde o mundo do futebol foi ultrapassado, e seus torcedores, que agora passaram a ser consumidores, grenalizam os resultados financeiros e não apenas o jogo em si. Não deixando que a História sirva para legitimar suas tradições inventadas é que escrevemos sobre o período em que, além de chic, o futebol era um divertido passatempo. Concluo, citando João Manuel Casquinha Malaia Santos e Maurício Drumond, quando afirmam que “... deve-se procurar entender a história do futebol ... por meio de uma reflexão crítica deste esporte tão popular. O historiador não pode ser um cronista, não pode se refugiar na narrativa como subterfúgio para não ter de explicar nem de resolver, portanto os impasses da explicação” (Santos e Drumond, 2013, p. 35). Finalizo, acreditando que meu trabalho poderá auxiliar no despertar para a produção de outras pesquisas sobre o futebol, que ultrapassem os limites da narração. REFERÊNCIAS ALABARCES, Pablo. Fútbol y Patria. El fútebol y las narrativas de la nación en la Argentina. Buenos Aires: Prometeo, 2002. ALABARCES, Pablo (Org.). Hinchadas. Buenos Aires, Prometeo Libros, 2005. ANDERSON, Benedict. Comunidades Imaginadas. Lisboa: Edições 70, 2005. ARBEX JR, José. Showrnalismo: a notícia como espetáculo. São Paulo: Casa Amarela, 2002. BELLOS, Alex. Futebol – O Brasil em campo. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2002. BERMAN, Marshall. Tudo que é sólido desmancha no ar - a aventura da modernidade. São Paulo: Companhia das Letras, 1986. BOGDAN & TAYLOR. Introdución a los métodos cualitativos de investigación. Barcelona: Paedós, 1992. BORDIN, Raimundo; DEVINAR, Hélio. A história Ilustrada do Grêmio – número 1. Porto Alegre: [s/n], 1983. _____. A história Ilustrada do Grêmio – número 2. 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Porto Alegre, 1983. - Pires, Edson (dir.). Grêmio 70. Rio de Janeiro: Edição da S. A. Gazeta de Notícias. 1969. - Goool – A revista de todos os Esportes. Edição 100, setembro de 2003. - Goool – A revista de todos os Esportes. Edição 141, abril de 2009. 167 - Revista Grandes Clubes Brasileiros Grêmio – número 7. Rio de Janeiro: Rio Gráfica e Editôra S.A., 1971. Sites , pesquisado em 15 de janeiro de 2014. , pesquisado 28 e 29 de dezembro de 2013 e em 16 de fevereiro de 2014. Mapas - Cartografia Virtual Histórica-Urbana de Porto Alegre. CD-ROM, 2005. Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Sul. Anexo A - Lista de Sócios do Grêmio Porto-Alegrense (1903 – 1912): Fundadores: (23 sobrenomes teutos140 dentre os 31 fundadores) 1 - Francisco França Júnior 2 - Carlos Luiz Bohrer 3 - Joaquim F. Ribeiro 4 - Alberto Luís Siebel 5 - Guilherme Uhrig 6 - Álvaro Brochado 7 - Cândido Dias da Silva 8 - Guilherme Kallfelz 9 - Alberto Knewitz 10 - João Stelczyk 11 - João Knewitz 12 - Otto Müssnich 13 - Arthur Bohrer 14 - José Müssnich 15 - Pedro Schuck 16 - Frederico Panitz 17 - Pedro Haeffner 18 - Otto Neu 19 - Manfredo Orengo 20 - José Maria Calleya 21 - Paulo Haeffner 22 - Pedro Cléres 23 - Augusto Bugs 24 - Carlos Fädrich 25 - João Geski 26 - Oswaldo Siebel 27 - Leopoldo Siebel 28 - Ernesto Gerlach 29 - Frederico Strelau 30 - Jacob Molther 31 - Oscar Obst 29 de fevereiro de 1904: 32 - Pedro da Costa Huch141 168 3ª reunião Sócios admitidos em 30/09/1903: (7 sobrenomes teutos dentre 8 novos associados) Arthur Schwarz, Augusto Koch, Guilherme Kraemer, Leopoldo Diefenthäler, Alfredo Cattaneo, Jacob Haetinger, Ernesto Bauermann e Luiz Giesler. 140 Os sobrenomes teutos serão sublinhados para melhor identificá-los. Infelizmente alguns nomes estão incompletos podendo gerar alguma divergência como é o caso de Pedro Carvalho Haeffner, citado no segundo capítulo. 141 Apesar de assinar como fundador será contabilizado como sócio somente em 1904 como consta na fonte. 169 Sócios admitidos em 21/10/1903: (10 teutos entre os 13 associados) Henrique Pünder, Ernesto Gayer, Carlos Müller, Roberto Schneider, Otto Bade [Baade?], Hugo Bade [Baade?], Albino Frantz, Alipio Brochado, Fernando Einloft, Harmodio Franco, Augusto Sartori, Emilio Winter e Lindolpho Bohrer. Sócios admitidos em 18/11/1903: (nenhum teuto) Gustavo Soyaux Sócios admitidos em 10/12/1903: (3 teutos) José Ruschel, Roberto Diefenthäler, Carlos Wetter. Sócios admitidos em 1904: (47 teutos de 66 associados) Walter Helm, Affonso Knewitz, Germano Rödel, Antonio C. de Oliveira, João Fernandes, Oswaldo Neves, Carlos Mentz, Augusto Dahlheimer, Henrique Grave [Grawe?], Jorge Black [Georg Black], Pedro da Costa Huch (assinou como fundador), Rodolpho Jalowski, Theodoro Vielitz Filho, Reinaldo Herrmann, Affonso Petersen, Emilio Barth, Edwino Matzembacher [Matzenbacher?], Carlos Dexseimer [Dexheimer?], Gustavo Maine, Emílio Wienandz, Jorge G. de Lima, Edmundo Brochado, Israel T. Barcellos, Guilherme Sperb Filho, Leopoldo Lemos, Pedro Maragno, Theodoro Schroeder, Leopoldo Tietboehl, Luiz Thomaz [Thomas?], Alfredo Gerlach, Waldemar Brandt, João Hasse, Carlos Deppermann, Oscar Jaeger, Eduardo Mundt, José dos Santos Cavalheiro, Albano Stumpf, Amedeo Faracco, Germano Albert, João Foernges, Germano Winkler, Arthur Stumpf, Luiz Carlos Presser, Germano Petersen, Luiz Pinto, Joaquim Kraemer, Euclides Lima, Gastão Cardoso, Oscar Yung142, Emilio Freitag, João Stelczyk143, Edmundo Bohrer, John Day, Arnaldo Daudt, Djalma Wetter, Guilherme Yung Filho, Innocencio Borges da Rosa, Guilherme Mitzscherlich, Edmundo Kruger [Krueger? Krüger?], Dr. Manoel P. Pitta, Helmuth Bernhard, Julio Grunewald, Cezar Antonello, Carlos Bina, Roberto Petzhold, Henrique Sommer, Affonso Bohrer. Sócios admitidos em 1905: (7 teutos de 14 associados) Gustavo Bier Junior, Leopoldo Bier, Alfredo dos Santos, Walter Schilling, José Candido dos Santos, Gastão da Costa Huch, Erny Bauermann, Harry Hill, Joaquim Ferreira de Oliveira, Emilio Feix, Octavio H. Mazeron, Felippe J. Mayer, Guilherme Petan, Luiz Brochado. Sócios admitidos em 1906: (17 teutos de 19 associados) João Tonding, Hugo Issler, Arlindo Petersen, Frederico Becker, Fritz Diefenthäler, João J. Presser, Fritz Hemb, Julio Bencke Filho, Primo Qontador, Rufino Henriques, Emilio 142 Não fica claro se o correto é Young inglês ou Jung teuto. Contabilizaremos como Jung. 143 Este nome corresponde a um dos fundadores, portanto acreditamos que seja um engano da fonte. No entanto, não sabemos se o engano deve-se a repetição ou se era um parente levado ao clube pelo próprio João Stelczik, cujo primeiro nome pode ter sido trocado. Em nosso levantamento não está contabilizado dentre os 66 associados. 170 Diehl, Guilherme Sperb, José Laydner, Max Schreiber, C. Feix, Oscar Daudt, Frederico Höfel [Höffel?], João Martau, Theodoro Bugs. Sócios admitidos em 1907: (15 teutos de 30 associados) Pedro Caliendo, Jovenalino Cezar, Alfredo Kreber [Kerber?], Oscar Machado, Oswaldo Kraemer, Castellar Salvaterra, Adolpho Martins, Luiz Ludwig, João Ibañes, Archimedes Fortini [Archymedes Fortini], Armando Andrade, Gustavo Bier (pai)144, Pedro Provenzano, Francisco Gerber, Otto Bachmann, Alfredo P. Noronha, Lourenço Piccardo, Harold Boore, João Ohlmeyer [Öhlmeyer?], Leopoldo Laemertz, J. O. Frederich, Alfredo Stumpf, Francisco Montano Junior, Arthur Dietz, Leopoldo Dexheimer, Fernando Hoerle, Gustavo Carls, Luiz Werkhauser, João Lazzaroni, Francisco Ferreira da Silva. Sócios admitidos em 1908: (10 teutos de 16 associados) Francisco A. Roth, Candido de O. Job, Luiz Fachini, Ernesto Kramer, Albino Lindemeyer, Lothar Zirbes, Walter E. Petersen, Arthur Daudt, Rudolfo Kastrupp, João Martins do Rosário, Bruno Escobar, Miguel Genta, Arthur Tannhauser, Luiz Zirbes, Paulo F. Tavares, Silvio Barbedo. Sócios admitidos em 1909: (21 teutos de 42 associados) Carlos Mostardeiro, Alfredo Mostardeiro, Carlos Moreira, João J. Becker, Christiano Elwanger [Ellwanger?], Edgar Booth145, Julio Sievers, Oscar Canteiro, Hugo Presse, Fabio Silveira Netto, Ricardo Ernst, Roque Laurindo, Guilherme L. Geyer, Benjamin C. de Oliveira, Paulino Rodrigues, Nestor Pinto, Luiz Kaehler, Humberto Selbach, Bruno Presser, Theobaldo Helm, B. Vignoli, Antonio Scheffel, José Thomé D’azevedo, Henrique Dejardins, Jos A. Rousselet, Fritz Laydner, Oscar Berg, João Albrecht, Oreste Tavares, Carlos Neukuckatz, Germano Lemmertz, Walter Presser, Nicolau Koehler Filho, Fernando Aaron [Ahrons?], João Tavares Py, Arno Geyer, Arthur Ernst, Octavio Barreto, Jacob Fillipsen, José Both [Booth?], Oscar Ely, Octavio Monteiro Aché. Sócios admitidos em 1910: (5 teutos de 17 associados) Carlos Fabricio, Jonathas Pereira, Augusto Sisson, Celestino Cardoso, Eugenio Alencastro, Hugo Bina, Carlos Schiell, Alexandre P. Balestrin, Pedro L. Schmidt, João Hache, L. Galvão, Antonio Rocha Fernandes, Caetano Pianta, Ernesto Frosch, Luiz F. Alencastro, Matheus Borges Fontoura, Aurélio de Lima Py. Sócios admitidos em 1911: (21 teutos de 62 associados) Bento R. C. Monteiro Fº, Aristides Prado de Oliveira, Edwin Horácio Cox, Bruno Schuback, Adolpho G. Luce, Clodualdo Jacobus, Gustav Mohrdieck, Francisco Peixoto, Carlos S. Bento, Jabar Sgillo, Otto Heylmann, Carlos Bina, José Gertum, Paulo Gertum, Antonio F. Ribeiro, Carlos M. Friederich, Franklin Etzberger, Fernando Strehlau, J. C. Rohde, Almiro Franco, Luiz Crivellaro, Rodrigues R. Lemos, Eduardo Secco, Gustavo Livonius, Fabio Barreto Leite, Francisco Bento Junior, Hygino Bernardes, Zeferino F. 144 O parênteses é original da publicação. 145 Nascido em Hamburgo, mas de família inglesa não será contabilizado como teuto. 171 Bento, João Schenes, Alfredo L. Ribeiro, Arthur Maleba, José Salvador, Theodoro Tschoepcke, José C. Klein, F. A. Ritter, João Zanenga Junior, Ernesto Wildt, A. C. P. da Silva, Umberto Tonetti, Victorio Scalco, Dr. José Carlos Ferreira, Francisco Bento Netto, Guilheme Luce, Hemeterio Mostardeiro, Cypriano Piegas Tavares, João L. Azevedo, Helio Cidade, Luiz Luce, Pery Balbé, João Maria dos Santos Sobrinho, Ademar Torelly, Cap. Affonso Selbach, Arthur Gertum, Edmundo Eichenberg, José da C. Dias, Adolpho Muller, Renato Rosa, Feodor Jacobi, Carlos Echenique, Lyndolpho H. Gassen, Sylvio Olinto, Arthur de Maia Lins. Sócios admitidos em 1912: (31 teutos de 94 associados) Ernesto Hansen, Argemiro Dornelles, Danton Correa da Silva, Pedro Cuervo, Alberto da Silva Gradin, Oscar Warth, Alcindo Moreira, Dr. Hernani de Irajá Pereira, John Fait Bower, Otto Kuhl, Mario Soares da Silva, Almiro Ribeiro, Mario Leite Echenique, Benjamin Vinholes, Pedro Azevedo, Carlos Corrêa da Silva, Asturio Guimarães, Frederico Dihel [Diehl?], Aurelio Py, Octaviano S. Martins, Ademar Canteiro, João Siebel, Homero C. da Silva, Edmundo Daudt, Willy Stumpf, Alberto Torres, Heinrich Behr, Emilio Bernardino Adam, Candido Dias, Thomas Woods, Dario Osorio, João Vargas da Silva, João Ilha, Jorge Olinto, Pedro Chaves Barcellos, Guido Schultz, Germiniano C. Xavier, Jorge Moojen da Rocha, Raul Moreira da Silva, Augusto Kuplich, Joaquim Francisco Vieira, Antonio Barcellos Filho, Oscar Gama, Augusto Carvalho, Ademar Fontoura de Barcellos, Joaquim A. Pereira, Agobar Azevedo, Arthur F. Rocha, David Santos Abreu, Alvares Salles Ribas, Oscar Raupp, João Protásio Pereira Costa, Tito C. Torres, Conceição Mattos, Germano Petersen Junior, Augusto Maria Sisson, Alvaro Gonçalves Soares, Julio Angelo, Modesto Fontella, Lauro Chaves Ferreira, Eduardo Leitão, Dr. Benito Elizalde, Miguel Maneque, Carlos Drügg Filho, Raymundo Passos Carvalho, Fritz Pabst, Gregorio Frankenweiter, Fernando Pienck Jr., Carlos Waldmeyer, Frederico Marques da Cunha, Jacintho Lopes da Silva, João Lomando, Guerino Malerba, Guilherme Jung, Dr. Donato Di Donato, Hermann Mueule [Müller? Mueller?], Karl Nenbert [Neubert?], Germano Wahrlich, Willy Burger, Calixtrato Cunha, Jorge H. Eichenberg Fº, Dr. José Steidle, Arthur Bromberg, Dr. Carlos Lisboa Ribeiro, Guilherme Schmit [Schmitt? Schmidt?], Max Ertel, Francisco Silveira Martins, Bernardo Wahrlich, Dagoberto Poeta, Ricardo Wahrlich, Osorio Thompson Flôres, Alfredo Albuquerque Santos, Waldomiro Marques, Armando Luiz Antunes (Pires, 1969). Anexo B – Matchs externos disputados em Porto Alegre de 1904 até 1909: 172 Data: Clube: Placar: Clube: Local: 06/03/1904 Fuss-Ball 0x1 Grêmio Velódromo da Blitz* 06/03/1904 Fuss-Ball 0x1 Grêmio Velódromo da Blitz* 10/04/1904 Fuss-Ball 4x1 Grêmio Campo da rua Voluntários 25/09/1904 Grêmio 1x2 Fuss-Ball C. dos Moinhos de Vento*** 25/09/1904 Grêmio 1x0 Fuss-Ball C. dos Moinhos de Vento 12/03/1905 Grêmio 4x0 Fuss-Ball C. dos Moinhos de Vento 18/03/1905 Grêmio 3x0 Fuss-Ball C. dos Moinhos de Vento 07/05/1905 Grêmio 1x1 Fuss-Ball C. dos Moinhos de Vento 10/09/1905 Grêmio 2x0 Fuss-Ball C. dos Moinhos de Vento 18/03/1906 Grêmio 3x3 Fuss-Ball C. dos Moinhos de Vento 05/05/1906 Grêmio 3x1 Fuss-Ball C. dos Moinhos de Vento 01/12/1907 Grêmio 4x1 Fuss-Ball C. dos Moinhos de Vento 09/08/1908 Azul 4x1 Verde C. dos Moinhos de Vento 09/08/1908 Azul 2x1 Verde C. dos Moinhos de Ventos 27/09/1908 Grêmio 0x1 Fuss-Ball C. dos Moinhos de Vento 23/05/1909 Grêmio 1x3 Rio Grande C. dos Moinhos de Vento 26/05/1909 Fuss-Ball 3x3 Rio Grande C. da rua Voluntários 11/07/1909 Grêmio 5x1 Fuss-Ball C. dos Moinhos de Vento 18/07/1909 Grêmio 10x0 Inter C. dos Moinhos de Vento 07/09/1909 Militar 0x0 Inter Campo da Várzea 19/09/1909 Militar 2x0 Inter Campo da Várzea 03/10/1909 Fuss-Ball 1x0 Grêmio C. da rua Voluntários 10/10/1909 Militar 1x1 Inter Campo da Várzea 10/10/1909 Militar 1x2 Inter Campo da Várzea 07/11/1909 Grêmio 0x0 Fuss-Ball C. dos Moinhos de Vento 15/11/1909 Militar 2x1 Inter Campo da Várzea - Tabela elaborada com base nas informações dos periódicos pesquisados. Nome da disputa: Wanderpreis Vereinpreis** Gutschow Wanderpreis Vereinpreis Wanderpreis Vereinpreis Vereinpreis Wanderpreis Wanderpreis Wanderpreis Wanderpreis Amistoso**** Amistoso** Wanderpreis Amistoso***** Amistoso Taça Sportiva** Amistoso-1º Grenal Amistoso Amistoso** Wanderpreis Amistoso****** Amist. desempate Medalhas Revanche * Inicialmente dividiu espaço com o velódromo da Blitz até esta desaparecer, passando apenas a ser chamado de “cancha do Fuss-Ball” ou “campo de rua Voluntários”. A Federação, dia 5 de março de 1904: “... está marcada para amanhã, à tarde, na cancha do Fuss-Ball Club Porto Alegre, a realização do grande match de foot-ball ...” “A cancha fica situada à rua Voluntários da Pátria, nos fundos do velódromo da Radfahrer Verein Blitz, por onde se fará a entrada.” ** Partida entre segundas equipes. Incluindo todos os Vereinpreise. *** Primeiro jogo noticiado com a denominação de “cancha da sociedade de atiradores”. In: A Federação, 24 de setembro de 1904. Na sua inauguração em 14 de agosto foi chamada de “... cancha do Grêmio Foot-Ball Porto-Alegrense, em frente ao edifício da sociedade de atiradores, no alto dos Moinhos de Vento.” Posteriormente foi chamado de ground dos Moinhos de Vento ou field dos Moinhos de vento. **** Partidas beneficentes em prol da Santa Casa de Misericórdia com os dois quadros mistos de Grêmio e Fuss-Ball. O jogo dos segundos quadros foi vencido pela equipe azul por 2x1 e o jogo principal dos primeiros quadros foi vencido por 4x1 também pela equipe azul, fato que fez com que algumas publicações do Grêmio equivocadamente contabilizassem este jogo como sua vitória. O jogo arrecadou líquidos 523$000 (Pires, 1969). ***** Todos as fontes relacionadas do Grêmio Porto-Alegrense relatam que a partida terminou em 2x1 para os riograndinos. Contudo, A Federação do dia 24 de maio, dia seguinte a partida afirmam que o placar foi de 3x1 para o Rio Grande. ****** Jogo disputado entre os terceiros quadros das equipes como preliminar do jogo das primeiras equipes disputadas no mesmo dia, segundo A Federação de 9 de outubro de 1909 e o Correio do Povo do dia 12 de outubro de 1909. 173 Anexo C – Os velódromos e os primeiros grounds na Planta de Porto Alegre de 1906: Fonte: Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Sul. Cartografia Virtual Histórica-Urbana de Porto Alegre. CD-ROM, 2005. 174 Imagem ampliada da anterior (original) onde podemos perceber os pontos: 1 – Ao lado do ponto 1, podemos ver o velódromo da Blitz que tinha a seu lado o campo do Fuss-Ball. 2 – Ao lado do ponto 2, podemos ver o velódromo da União Velocipédica. 3 – Exatamente onde colocamos o ponto 3, localizava-se o campo dos Moinhos de Vento pertencente ao Grêmio Foot-Ball Porto-Alegrense. Anexo D – Sport Club Internacional de São Paulo: 175 Fonte: , pesquisado em 15 de janeiro de 2014. Outros sites apresentam a mesma imagem contudo esta parece em melhor definição e em cores. Anexo E - Estatuto da Liga Porto-Alegrense (artigos selecionados) 176 Art. X – As reclamações, queixas ou recursos que se fizerem à assembéa deverão ser acompanhados de 10$000, não sendo essa importancia restituída si taes reclamações, queixas ou recursos forem julgados fúteis ou pueris. Art. XII – Para que um club possa filiar-se á Liga deverá: a) provar a sua existencia regular, enviando-lhe os seus Estatutos em vigor; b) provar que joga foot-ball association em conformidade com as regras approvadas; c) provar que possue um campo com dimensões legaes e amplas commodidades para os teams visitantes; d) designar quaes as cores com que jogarão os seus teams e o modo por que estão dispostos no uniforme; e) designar o domicilio do presidente e do secretario; f) juntar ao pedido de admissão um recibo do thezoureiro da Liga, pelo qual se verifique o pagamento da taxa de inscripção na importancia de 50$000; g) enviar uma lista de seus jogadores. § 1°. – Caso algum club filiado deixe de cumprir a disposição acima, a assembléa poderá suspende-lo ou tomar qualquer deliberação conveniente. § 2°. – Para o effeito do paragrapho anterior, como para da letra C do arttigo antecedente, proceder-se-á á minuciosa investigação no campo do club suspeito de infractor. Art. XIII – De 1° a 15 de março em cada anno será aberta, por edital a inscripção para os clubs candidatos á filiação, que deverão satisfazer as exigencias do art. XII. § 1° - Apresentando-se só um candidato, será filiado si bater o club da Liga collocada em ultimo logar na prova annual anterior e satisfazer as demais condições exigidas por estes Estatutos. Si o numero de clubs prefixados, de que trata a letra P do art. VI, (...) o já existente, o club candidato, no caso acima, substituirá o da Liga. § 2° - Tratando-se de mais de um clubcandidato a filiação, deverão disputar entre si, successivamente, e o vencedor será filiado se satisfazer as exigencias do artigo anterior. § 3° - Havendo a assembléa geral annual determinado o augmento de um club, só será admittido á filiação o que vencer o club da Liga, de conformidade com o disposto no § 1° do artigo presente. Si o numero fôr augmentado para mais de um, os candidatos sujeitar-se-ão ás provas de eliminação e, na ordem em que ficarem, terão que cumprir o § 1° deste artigo. § 4° - Em qualquer dos casos dos paragraphos anteriores, para determinar o resultado dos jogos, applica-se, quando necessario, a disposição final do artigo 21. § 5° - A Liga póde recusar a inscripção de qualquer club. Art. XV – Satisfeitas as exigencias dos arts. 12 e 13 e seus paragraphos, o club que tiver de filiar-se pagará a taxa de 200$000 a titulo de joia e a de 40$000 como contribuição annual, a que fiacam sujeitos todos os clubs colligados e mais 5$000 mensaes pagos adiantadamente. § 1° - Os clubs da Liga que forem substituídos por clubs candidatos não serão obrigados a pagar taxa de inscripção e de joia, si pretenderem e conseguirem reentrar para a Liga. § 2° - A inscripção e joia deverão ser pagas três dias antes do primeiro match de cada prova annual do campeonato e a contribuição annual até 15 de março de cada anno, considerando-se desligados os clubs infractores. 177 Art. 33 – A Liga não admittirá em seus matchs jogadores profissionaes ou indivíduos, cuja reputação seja notoriamente duvidosa. Consideram-se profissionaes aquelles que recebem remuneração de qualquer espécie, salvo gastos de viagem. A assembléa tendo conhecimento e provas de infracção deste artigo, por parte de qualquer club colligado, excluirá taes jogadores, scientificando os demais clubs e imporá ao infractor as penas que julgar de justiça (Correio do Povo, 20/04/1911). Anexo F – A assistência fora da cancha: 178 179 Fonte: Máscara, ano II (1919), n. 37, p. 16 e 17. A primeira imagem é a que foi originalmente publicada, sendo as demais aproximações para uma melhor visualização do público atrás das arquibancadas em direção ao bairro Rio Branco (Colônia Africana até o ano de 1911). Partida no campo dos Moinhos de Vento entre Grêmio e 14 de Julho de Santana do Livramento em 19 de outubro de 1919, terminada com vitória do primeiro por 4x2. Anexo G – Fundação da Federação Rio-Grandense de Desportos: 180 Imagens do Congresso de Foot-Ball que ocasionou a fundação da Federação Rio-Grandense de Desportos. Fonte: Máscara, ano I (1918), n. 16, p. 25. 181 Fotografia da primeira diretoria da Federação Rio-Grandense de Desportos por ocasião de sua fundação em 18 de maio de 1918. Fonte: Máscara, ano I (1918), n. 17, p. 15.