PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE DO SUL PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA FACULDADE DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS DOUTORADO DANIELLE HEBERLE VIEGAS O PLANEJAMENTO DA REGIÃO METROPOLITANA DE PORTO ALEGRE A PARTIR DA COOPERAÇÃO TÉCNICA ENTRE O BRASIL E A REPÚBLICA FEDERAL DA ALEMANHA (1963-1978) Porto Alegre, março de 2016. Danielle Heberle Viegas O PLANEJAMENTO DA REGIÃO METROPOLITANA DE PORTO ALEGRE/RS A PARTIR DA COOPERAÇÃO TÉCNICA ENTRE O BRASIL E A REPÚBLICA FEDERAL DA ALEMANHA (1963-1978) Tese apresentada como requisito parcial e último para a obtenção do título de Doutora em História pelo Programa de Pós-Graduação em História da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul/PUCRS. Orientador: Prof. Dr. Charles Monteiro Porto Alegre, março de 2016. Catalogação na Publicação V656p Viegas, Danielle Heberle O planejamento da região metropolitana de Porto Alegre/RS a partir da cooperação técnica entre o Brasil e a república federal da Alemanha (1963-1978) / Danielle Heberle Viegas. – Porto Alegre, 2016. 324 f. Tese (Doutora em História) – Programa de PósGraduação em História da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Orientador: Prof. Dr. Charles Monteiro 1. Porto Alegre (RS) – História. 2. Relações Internacionais – Brasil-Alemanha. 3. Planejamento Urbano. 4. Ditadura Militar. 5. Regiões Metropolitanas. I. Monteiro, Charles. II. Título. CDD 981.65 Bibliotecária Responsável: Salete Maria Sartori, CRB 10/1363 Danielle Heberle Viegas O PLANEJAMENTO DA REGIÃO METROPOLITANA DE PORTO ALEGRE/RS A PARTIR DA COOPERAÇÃO TÉCNICA ENTRE O BRASIL E A REPÚBLICA FEDERAL DA ALEMANHA (1963-1978) Tese apresentada como requisito parcial e último para a obtenção do título de Doutora em História pelo Programa de Pós-Graduação em História da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul/PUCRS. Aprovada com louvor em 28 de março de 2016. BANCA EXAMINADORA Prof. Dr. Charles Monteiro (Orientador) Programa de Pós-Graduação em História – PUCRS Profa. Dra. Claudia Musa Fay Programa de Pós-Graduação em História – PUCRS Prof. Dr. Luis Carlos dos Passos Martins Programa de Pós-Graduação em História – PUCRS Profa. Dra. Célia Ferraz de Souza Programa de Pós-Graduação em Planejamento Urbano e Regional - UFRGS Profa. Dra. Sarah Feldman Instituto de Arquitetura e Urbanismo – USP São Carlos Para Berlim, cidade que tantas vezes permitiu reconstruir-se, tal como esta tese. AGRADECIMENTOS O presente trabalho é a materialização de pesquisas as quais venho me dedicando há alguns anos, entre consideráveis variações e recortes. Sua confecção só foi possível graças ao apoio e a mobilização de diversas pessoas, entre colegas, professores, amigos, familiares e outros colaboradores, com os quais compartilho os créditos desse estudo. Agradeço (já assumindo quaisquer esquecimentos): Ao Programa de Pós-Graduação em História da PUCRS, local que me proporcionou realizar os cursos de Mestrado e Doutorado em amplo sentido – e não só restrito à experiência (solitária) de pesquisa e escrita –. Sou grata pelas oportunidades quanto à participação no corpo editorial da Revista Oficina do Historiador, organização de eventos, acompanhamento de aulas, entre tantas outras lidas do cotidiano acadêmico que contribuíram para o meu aperfeiçoamento profissional. Obrigada a todos os professores da instituição que acompanharam a metamorfose dessa pesquisa ao longo dos anos, notavelmente: ao Prof. Dr. Marçal Paredes; Profa. Dra. Claudia Musa Fay, Prof. Dr. Charles Monteiro, Prof. Dr. René Gertz, Prof. Dr. Antonio de Ruggiero e Prof. Dr. Luis Martins. A todos os funcionários dos laboratórios e departamentos, de maneira particular a Carla Carvalho: suas mãos receberam um projeto de Mestrado em idos de 2008 e uma tese de Doutorado em março de 2016. Por sua presteza e simpatia constante, minha gratidão. Ao CNPq, pelo financiamento integral desta pesquisa, fundamental à coleta de dados em outros Estados do país. Minha dedicação integral à tese proveio o tempo necessário às tantas versões que esse trabalho pode assumir no decorrer de quatro anos. À CAPES, pela concessão de bolsa sanduíche, essencial para obtenção de fontes de pesquisa na Alemanha no decorrer do ano de 2015. Aqui, cabe um agradecimento especial ao Prof. Dr. Jurandir Malerba, por minha indicação como bolsista do Programa PROBRAL e a colega Kellen Bamman, pelo apoio determinante. À Profa. Dra. Núncia Santoro de Constantino (in memoriam), orientadora original do projeto ora materializado em tese: por me incentivar a sempre priorizar a excelência acadêmica, pela confiança profissional manifestada em tantas oportunidades concedidas. Sou orgulhosa por ter integrado sua rede de pesquisa e comprometida a manter o seu valioso legado historiográfico atualizado. Ao meu orientador, Prof. Dr. Charles Monteiro, pela acolhida generosa no meio do caminho e pelos ensinamentos sobre História Urbana desde os idos do curso de Mestrado. Suas intervenções foram decisivas para a qualificação e formato deste trabalho. Por me transmitir tranquilidade e segurança para a finalização desta tese, sou imensamente grata. Ao Prof. Dr. Stefan Rinke, meu co-orientador durante a realização do doutorado sanduíche na Freie Universität Berlin: pelo alegre recebimento e integração junto ao seu grupo de pesquisa no Latein Amerika Institut/LAI e, principalmente, por proporcionar a ampliação de minhas perspectivas em história transnacional e em história da Alemanha. Agradeço, também, a Karina Kriegesmann, por sua competência e compreensão para a resolução de todas as dúvidas que uma estudante estrangeira em Berlim pode ter. Aos professores componentes da banca, contribuintes e interlocutores essenciais ao longo da trajetória de pesquisa, pela disponibilidade e sugestões construtivas. Em tempo, sou grata aos professores que proporcionaram meus primeiros passos no mundo da pesquisa: Profa. Dra. Cleusa Graebin, Prof. Dr. Rodrigo Simões e Profa. Dra. Rejane Penna. Gratidão, também, aos colegas “da antiga”, pela torcida. Aos depoentes, pelas memórias concedidas. Agradeço, especialmente, ao Sr. Rainer Ernst: por sua confiança e disponibilidade ao ter aberto as portas de sua casa em Berlim para compartilhar sua experiência no Brasil a uma jovem e desconhecida pesquisadora. Vielen Dank! No mesmo sentido, sou imensamente grata ao Sr. Danilo Landó, por dividir comigo o seu acervo e imenso conhecimento sobre a história do planejamento urbano no Brasil. Não posso deixar de agradecer ao Sr. Isaac Zilbermann, cujo valioso depoimento forneceu importantes caminhos para essa pesquisa, desde Canoas até Heidelberg. Obrigada, enfim, ao Sr. Roberto Py de Almeida e ao Sr. Dirceu Schäffer, pela generosidade e precisão ao proverem informações sobre a elaboração do PDM. Sem sua contribuição esta tese perderia parte significativa de seu valor. Aos tantos colegas historiadores (felizmente, não são poucos) com os quais tive o prazer de dividir importantes momentos profissionais e que abriram brechas para a construção de laços pessoais. Juliana Sommer, Joana Schossler, Tassiana Saccol, Débora Karpovickz, Rafael Petry Trapp, Lidiane Friedrichs, Luísa Kuhl Brasil, Eduardo Knack, Leonardo Conedera, Ianko Bett, Thiago de Moraes e Bruno Biazetto. Um alô para o camarada Marcelo Vianna, historiador exemplar, pai do João e companheiro na conexão Canoas-Porto Alegre-Berlim. E, também, para a Ariane Arruda, pesquisadora e mãe (da Manuela) tão dedicada: pela amizade de Canoas a Corumbá! Agradeço, com afeição e admiração, a Helen Scorsatto Ortiz, por ser um exemplo pessoal e profissional, por seu companheirismo irrestrito e tão gentil presença. À Letícia Marques, pela amizade que provêm nas horas mais necessárias. À Luciana de Oliveira, pela generosidade e companhia insubstituível (e, não menos, por sua ajuda crucial à formatação da tese!). Enfim, ao meu talentoso companheiro de jornada alemã, José Augusto Ribas Miranda, o Zé: sem seu incentivo, eu não teria deixado Canoas; sem sua amizade, a vida seria muito mais desbotada; sem sua companhia, Berlim não seria (e não será!) a mesma. À “velha turma”, por suportarem, mais uma vez (e, possivelmente, não pela última), minhas ausências e angústias. Às amigas de infância, Fabi (& família) e Fernanda (& Tiago), sem elas eu não seria eu. À Camila Silva, estudiosa e construtora de tantas (boas) memórias; ao “amigão” Daniel Etchegaray; Alemão, pelo zelo e parceria; Juliana Robin, pelo carinho e confiança atemporal; Vavá (e tudo o que não podemos deixar para trás) e ao Mano também, pelos laços resignificados. Caren Radtke Camará (& família) e à pequena Elisa, presente da vida! Aos que se agregaram recentemente à lista dos que merecem agradecimentos, mas, não por isso, são menos importantes: meu carinho ao grupo “Berlin Alternative”, pelos tantos caminhos descobertos juntos; pela discussões-leves e diversões-pesadas; pela amizade que vem sendo construída à prova de fuso horário e distância. Edu, Pati, Severino, Marcos, Ana, Giu, Filipe: valeu! Obrigada a Camila Puls, pelo companheirismo em tantas tardes no “Ibero” e a Ivia Minelli, por me ajudar a dar os primeiros e fundamentais passos em Berlim. Por fim e, prioritariamente, agradeço a minha família. Aos meus pais, Everton e Márcia, por terem me criado em um lar provido de amor e respeito, traduzido em um suporte inabalável para a concretização de meus projetos. À minha avó Dilce, pelo exemplo de vida e incentivo constante. Ao Rodrigo e ao Luigi, pela alegria e sinceridade manifestada em piadas arrasadoras sobre mim, que só a relação entre irmãos e primos permite florescer. Sem sua cooperação e carinho dia após dia, essa tese não teria encontrado o seu ponto final. “O último bonde carregou a velha paisagem de Porto Alegre e soltou-lhe os caminhos da Região Metropolitana” Alberto André, Jornalista, na crônica “Porto Alegre: a nova imagem”, 1970 “Sabemos o que. Quem e como ainda descobriremos. Daí a importância da década de 1970, que vai nos revelar, através de censos e estudos, este universo que é o das áreas metropolitanas” Henrique Cavalcanti, Presidente do MINTER, 1972 “O desenvolvimento é a maior arma contra a subversão” Azeredo da Silveira, Diplomata brasileiro, 1970 “A cooperação científica e técnica não é um fim em si, mas o meio para atingir um objetivo (...)” Hans-Hilged Haunschild Chefe da seção alemã da Comissão Mista Teuto-Brasileira em C&T, 1979 RESUMO A criação das regiões metropolitanas no Brasil esteve especialmente associada ao quadro temporal delimitado pela Ditadura Militar (1964-1985). Uma das principais estratégias de ação do Estado à época foi o incremento do campo do planejamento urbano através da promoção técnica e tecnológica, atendida por meio da cooperação internacional. Tendo em vista tais considerações, esta tese apresenta a história da Região Metropolitana de Porto Alegre/RS, cujo planejamento foi concebido a partir do Acordo de Cooperação Técnica entre o Brasil e a República Federal da Alemanha/RFA. Analisou-se as especificidades que a cooperação técnica internacional conferiu à elaboração do Plano de Desenvolvimento Metropolitano, cumprindo os objetivos de identificar as instituições, os agentes e as motivações por parte do Brasil e da RFA, entre 1963 e 1978. Para isso, foram cotejadas correspondências inéditas oriundas dos Ministérios das Relações Exteriores de ambos os países, projetos realizados em universidades, agências e empresas brasileiras e alemãs, além de depoimentos orais de alguns dos experts que atuaram no projeto. A hipótese basilar lançada diz respeito à geração de uma esfera transnacional de compartilhamento de saberes que culminou na flexibilização de noções como as de assistencialismo e subdesenvolvimento, que pautaram os atos de cooperação no mundo Pós-Guerra. Nesse sentido, vislumbrou-se em que medida a circulação de ideias sobre o planejamento urbano no “terceiro mundo” sofreu assentamentos e rupturas quando associada ao projeto autoritário e desenvolvimentista brasileiro. Palavras-chave: Região Metropolitana de Porto Alegre – Cooperação Técnica – Relações Brasil-Alemanha – Planejamento Urbano – Ditadura Militar. . ABSTRACT THE PLANNING OF THE PORTO ALEGRE METROPOLITAN AREA BASED ON THE TECHNICAL COOPERATION BETWEEN BRAZIL AND THE GERMAN FEDERAL REPUBLIC (1963-1978) The creation of the metropolitan areas in Brazil was mainly linked to the time frame set by the Military Dictatorship (1964-1985). One of the key State strategies of action at the time was the growth of the urban planning scope through technical and technological promotion, made possible via international cooperation. Regarding such considerations, this thesis presents the history of the Porto Alegre/RS Metropolitan Area, whose planning was conceived through the Technical Cooperation Deal between Brazil and the German Federal Republic/GFR. The specificities that the international technical cooperation brought to the making of the Metropolitan Development Plan have been analyzed, reaching the aims of identifying the institutions, agents and motivations within Brazil and the GFR, between 1963 and 1978. To this end, unpublished correspondences found in the Ministry of Foreign Affairs of both countries, plans adopted in universities, agencies and companies, Brazilian and German, were considered, besides oral accounts by some of the experts who acted in the project. The main hypothesis suggested regards the generation of a transnational sphere of knowledge sharing which peaked in the flexibilization of notions such as welfare state and underdevelopment, which provided guidelines for the cooperation acts in a post-war world. In this regard, it was discerned the extent of which the circulation of ideas about urban planning in the ‘thrid world’ was subject to adaptation and ruptures when linked to the authoritarian and developmental Brazilian project. Keywords: Porto Alegre Metropolitan Area - Technical Cooperation - Brazil-Germany Relations - Urban Planning - Military Dictatorship. ZUSAMMENFASSUNG DIE PLANUNG DER METROPOLREGION PORTO ALEGRES SEIT DER TECHNISCHEN ZUSAMMENARBEIT ZWISCHEN BRASILIEN UND DER BUNDESREPUBLIK DEUTSCHLAND (1963-1978) Die Entstehung der Metropolregionen Brasiliens wurde vor allem mit dem Zeitraum der Militärdiktatur (1964-1985) in Verbindung gebracht. Eine der strategischen Hauptmaßnahmen des Staates dieser Zeit war die Stärkung des Bereichs der Städteplanung anhand fachlichen und technologischen Aufschwungs, der durch die internationale Zusammenarbeit gewährleistet werden sollte. Unter Berücksichtigung dieser Überlegungen stellt diese Arbeit die Entstehungsgeschichte der Metropolregion Porto Alegre/Rio Grande do Sul dar, deren Planung mit Beginn des Abkommens über die technische Zusammenarbeit zwischen Brasilien und der Bundesrepublik Deutschland erarbeitet wurde. Es wurden die Spezifika untersucht, die die internationale technische Zusammenarbeit zur Ausarbeitung des Planes zur Metropolentwicklung beigetragen hat. Dabei wurden die Ziele erfüllt, die Institutionen, die Akteure und die Motivationen auf brasilianischer und deutscher Seite zu identifizieren. Dafür wurden unveröffentlichte Schriftwechsel des Auswärtigen Amtes beider Länder, Pläne, die in Universitäten, Ämtern und Firmen erarbeitet worden sind, und mündliche Aussagen einiger experts, die in diesem Projekt mitgewirkt hatten, ausgewertet. Laut Hypothese, die dieser Arbeit zu Grunde liegt, wird die Schaffung einer transnationalen Ebene von Wissensaustausch angenommen, die die Begriffserweiterung der Konzepte von Hilfestellung und Unterentwicklung ermöglicht, welche für die Entwicklungsarbeit der Nachkriegszeit richtungsweisend waren. Als Konsequenz wurde herausgearbeitet, in welchem Ausmaß die gängigen Vorstellungen zur Städteplanung in der „Dritten Welt“ Anpassungen und Brüche erlitten haben, als sie mit dem autoritären, entwicklungsorientierten Vorhaben Brasiliens konfrontiert worden sind. Schlüsselwörter: Metropolregion Porto Alegre – Technische Zusammenarbeit – Deutsch-Brasilianische Beziehungen – Städteplanung – Militärdiktatur. LOCAIS DE PESQUISA BRASIL Arquivo Nacional/AN (Brasília/Rio de Janeiro) Arquivo Histórico Municipal (Canoas) Arquivo Histórico do Rio Grande do Sul/AHRS (Porto Alegre) Biblioteca Nacional/BN (Rio de Janeiro) Biblioteca do Clube de Engenharia (Rio de Janeiro) Biblioteca Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas/IPEA (Rio de Janeiro) Biblioteca GTZ/GIZ (Brasília) Biblioteca do PROPUR/UFRGS (Porto Alegre) METROPLAN (Porto Alegre) Ministério das Relações Exteriores/Itamaraty (Brasília) Museu Hipólito da Costa (Porto Alegre) Secretaria Municipal de Obras e Viação/SMOV (Porto Alegre) Secretaria Obras Públicas/SOP (Porto Alegre) ALEMANHA Auswärtiges Amt Politisches Archiv (Berlin) Agrar und Hydrotechnik GmbH/AHT Bibliothek (Essen) Bundesarchiv (Koblenz) Freie Universität Bibliothek (Berlin) GiZ Bibliothek (Echborn) Humboldt Universität Bibliothek (Berlin) Ibero-Amerikanisches Institut (Berlin) Karlsruher Institut für Technologie/KIT Archiv (Karlsruhe) Staatsbibliothek (Berlin) Technischen Universität Bibliothek (Berlin) LISTA DE SIGLAS AA – Auswärtiges Amt ABC – Agência Brasileira de Cooperação ABM – Associação Brasileira de Municípios AHT – Agrar und Hydrotechnik GmbH AMEM – Associação Metropolitana de Municípios AMVRS – Associação de Municípios do Vale do Rio dos Sinos BfE – Bundesstelle für Entwicklungshilfe BMZ – Bundesministerium für Wirtschaftliche Zusammenarbeit und Entwicklung BNH – Banco Nacional da Habitação BMW – Bundesministerium für Wirtschaft CMM – Conselho Metropolitano de Municípios CNAT – Comissão Nacional de Assistência Técnica CEPRAB – Centro Brasileiro de Planejamento de Análise e Planejamento CERPU – Centros Regionais de Estudos e Pesquisas Urbanas CERTAM – Centro Regional de Treinamento e Administração Municipal CIDUL – Centro de Informações para o Desenvolvimento Urbano Local CNPU – Comissão Nacional de Regiões Metropolitanas e Política Urbana CONSPLAN – Conselho Consultivo de Planejamento DASP – Departamento Administrativo do Serviço Público DNOS – Departamento Nacional de Obras e Saneamento DpU – Deutsche Projekt Union GmbH DED – Deutscher Entwicklungsdienst DFE - Deutscher Förderungsgesellschaft für Entwicklungslände DSE – Deutsche Stiftung für Internationale Entwicklung DM – Deustche Mark1 FEE – Fundação de Economia e Estatística Siegfried Emanuel Heuser do Rio Grande do Sul 1 Em português: Marco Alemão, moeda oficial na República Federal da Alemanha de 1949 a 2002. FGV – Fundação Getúlio Vargas FIPLAN – Fundo de Financiamento de Planos de Desenvolvimento Local Integrados GAWI – Garantie und Abwicklungsgesellschaft GERM – Grupo Executivo da Região Metropolitana de Porto Alegre GIZ – Deutsche Gesellschaft für Internationale Zusammenarbeit GTZ – Deutsche Gesellschaft für Technische Zusammenarbeit HAMBURG-SÜD – Hamburg Suamerikanische Dampfschiffahrts-Gesellschaft IAI – Ibero-Amerikanisches Institut IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística IBAM – Instituto Brasileiro de Associação Municipal IPEA – Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada IPH – Instituto de Pesquisas Hidráulicas IPES – Instituto de Planejamento Econômico e Social IBP – Instituto Brasileiro de Planejamento KAS – Konrad Adenauer Stiftung KfW – Kredit für Wiederaufbau KIT – Karlsruher Institut für Technologie METROPLAN – Fundação Estadual de Planejamento Metropolitano e Regional MINIPLAN – Ministério do Planejamento MINTER – Ministério do Interior MRE – Ministério das Relações Exteriores OEA – Organização dos Estados Americanos OCDE – Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico ONU – Organização das Nações Unidas OTAN – Organização do Tratado do Atlântico Norte PDM- Plano de Desenvolvimento Metropolitano PND – Plano Nacional de Desenvolvimento PNUD - Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento PROPUR – Programa de Pós-Graduação em Planejamento Urbano e Regional RDA – República Democrática Alemã RFA – República Federal Alemã RMPA – Região Metropolitana de Porto Alegre RS – Estado do Rio Grande do Sul SAGMACS – Sociedade de Análise Gráfica e Mecanográfica Aplicada aos Complexos Sociais SENAM – Serviço Nacional de Assistência aos Municípios SEPLAN – Secretaria do Planejamento SERFHAU – Serviço Federal de Habitação e Urbanismo SMOV – Secretaria Municipal de Obras e Viação do Rio Grande do Sul SNI – Sistema Nacional de Informação SOP – Secretaria de Obras Públicas do Rio Grande do Sul SPLI – Sistema de Planejamento Local Integrado SUBIN – Subsecretaria de Cooperação Econômica e Técnica Internacional SUDESUL – Superintendência de Desenvolvimento da Região Sul TU DORTMUND – Technische Universität Dortmund TU BERLIN – Technische Universität Berlin UFRGS – Universidade Federal do Rio Grande do Sul USAID – United States Agency for International Development LISTA DE QUADROS Quadro 01 – Composição bilateral das equipes...................................................... 218 LISTA DE FIGURAS Figura 01 – Carta do território brasileiro: população urbana ..................................... 75 Figura 02 – Região Sul: polos e sub-polos regionais ............................................... 76 Figura 03 – Área metropolitana de Porto Alegre em 1967 ...................................... 123 Figura 04 – Microrregiões homogêneas do Rio Grande do Sul............................... 124 Figura 05 – Mapa do RS segundo proposição da hierarquia urbana ...................... 125 Figura 06 – Área metropolitana de Porto Alegre em 2014 ...................................... 127 Figura 07 – Modelo de distribuição espacial da Região Metropolitana de Porto Alegre ................................................................................................................................ 262 SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO ...................................................................................................... 20 2 O PLANEJAMENTO URBANO NO BRASIL: ENTRE RUPTURAS E CONTINUIDADES .................................................................................................. 38 2.1 Perspectivas históricas ................................................................................ 38 2.1.1 A questão urbana dentro do projeto desenvolvimentista estatal ............... 39 2.1.2 Entre o urbanismo e o planejamento urbano: a formação de um campo de interesse público ..................................................................................................... 47 2.2 O planejamento urbano durante a Ditadura Militar .................................... 55 2.2.1 “Sangue, suor e lágrimas”: a reforma administrativa pós-Golpe ............... 56 2.2.2 Coordenação (e controle): o aparato institucional ..................................... 61 2.2.3 Um “arquipélago dissociado”: o projeto nacional de regionalização ......... 70 2.3 Autoritarismo técnico e territorial ............................................................... 80 2.3.1 Preceitos e práticas ................................................................................... 82 2.3.2 Instrumentos e equipamentos ................................................................... 85 3 O FENÔMENO METROPOLITANO NO BRASIL E NO RIO GRANDE DO SUL: INSTITUCIONALIZAÇÃO E INTERPRETAÇÃO ................................................... 90 3.1 O fenômeno metropolitano no Brasil .......................................................... 90 3.1.1 O processo de institucionalização: referências legislativas e entidades executivas .......................................................................................................... 89 3.1.2 Os nomes e as funções das cidades metropolitanas .............................. 101 3.2 O fenômeno metropolitano no Rio Grande do Sul .................................... 108 3.2.1 A configuração territorial da área metropolitana de Porto Alegre ............ 109 3.2.2 Entre o planejamento urbano integrado e o planejamento regional: interpretações sobre a metropolização ............................................................. 114 3.2.3 A institucionalização da RMPA ................................................................ 126 3.3 Porto Alegre: um caso exemplar ................................................................ 136 3.3.1 A experiência do Instituto Brasileiro de Planejamento ............................ 138 4 COOPERAÇÃO TÉCNICA E PLANEJAMENTO EM PERSPECTIVA TRANSNACIONAL: O CASO ENTRE O BRASIL E A REPÚBLICA FEDERAL DA ALEMANHA............................................................................................................ 143 4.1 Relações Brasil- Alemanha ........................................................................ 143 4.2 Planejamento e cooperação após a Segunda Guerra Mundial ............... 155 4.2.1 Fronteiras conceituais e geográficas: do assistencialismo à cooperação .......................................................................................................................... 161 4.2.2 A RFA: cooperação técnica e financeira para países em desenvolvimento 4.2.3 O Brasil: cooperação internacional para o desenvolvimento nacional .... 168 4.3 O Acordo Básico de Cooperação Técnica com a RFA ........................... 182 4.3.1 Em torno do Acordo: negociações .......................................................... 183 4.3.2 Detalhes do Acordo: prerrogativas .......................................................... 187 5 ENTRE ESCALAS E ESPAÇOS: O PLANEJAMENTO DA REGIÃO METROPOLITANA DE PORTO ALEGRE ............................................................. 193 5.1 A atuação da RFA no Vale do Rio dos Sinos ........................................... 195 5.2 A 1ª FASE (1971-1973): a elaboração do Plano de Desenvolvimento Metropolitano .................................................................................................... 211 5.2.1 “Os alemães estão chegando”: a missão preliminar ............................... 211 5.2.2 Agentes e instituições ............................................................................. 215 5.2.3 A publicação do PDM: circulação de saberes e ideias ........................... 229 5.3 A 2ª FASE (1973-1978): a implementação do Plano de Desenvolvimento Metropolitano .................................................................................................... 240 5.3.1 “Os alemães decidem ficar”: a renovação do projeto .............................. 241 5.3.2 Agentes e instituições ............................................................................. 247 5.3.3 Tópicos e tendências: os planos setoriais, a informática e a ecologização .......................................................................................................................... 252 5.4 “Hilfe zur Selbsthilfe”? À guisa de conclusão ......................................... 264 6 CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................ 276 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ...................................................................... 284 APÊNDICE 1 Quadro dos técnicos brasileiros que atuaram no PDM .......................................... 300 APÊNDICE 2 Quadro dos técnicos estrangeiros que atuaram no PDM ....................................... 308 APÊNDICE 3 Instituições envolvidas no projeto do Vale do Rio dos Sinos ................................. 315 APÊNDICE 4 Instituições brasileiras envolvidas na elaboração do PDM ..................................... 319 APÊNDICE 5 Instituições alemãs envolvidas na elaboração do PDM .......................................... 320 APÊNDICE 6 Lista de publicações decorrentes do PDM .............................................................. 322 1 INTRODUÇÃO Em 7 de outubro (...) foram embarcados pelo navio Souzon, os efeitos pessoais do Senhor Waldemar Wirsig. (...) O navio deve ter chegado ao porto de desembarque de Porto Alegre por volta do dia 30 de outubro. Ao revelar detalhes da chegada de um navio ao Rio Grande do Sul cuja origem foi a cidade de Bremen, na Alemanha, a citação acima poderia facilmente ser confundida em meio às narrativas que testemunham os fluxos imigratórios para o Estado no século XIX. Ocorre que os pertences do cidadão estrangeiro incluíam, além de objetos pessoais e alguma lembrança da terra natal, um automóvel da marca BMW 2002 e duas caixas de bagagem não acompanhada, com o peso aproximado de 1200 quilos. Isso porque o seu destino não era estabelecer-se em porções de terras a serem colonizadas no Sul do Brasil: Wirsig, em realidade, era um economista contratado por tempo limitado que chegou ao país no início da década de 1970 para atuar em um projeto de planejamento urbano considerado estratégico pelo governo brasileiro, à época da Ditadura Militar (1964-1985)2. Descortina-se, tão logo, que o trecho acima em destaque foi extraído de uma correspondência oficial enviada pela República Federal da Alemanha/RFA ao governo brasileiro no ano de 19713. O documento é abordado como uma porta de acesso à temática que a presente tese busca cotejar, relacionada à elaboração do Plano de Desenvolvimento da Região Metropolitana de Porto Alegre/RS a partir da cooperação técnica travada entre Brasil e Alemanha4, no decorrer dos decênios de 1960 e 1970. 2 Embora se especifique, sempre que se julgou necessário, as diferenças de administração entre os governantes, reporta-se ao período, a rigor, a partir de sua totalidade enquanto “Ditadura Militar”. 3 Nota-verbal WI III B4-87.50/626, de 1 de dezembro de 1971. Acervo AHMRE/Brasília. 4 Tendo em vista que a tese aborda, em sua totalidade um Acordo travado com a República Federal da Alemanha adotou-se muitas vezes, como um recurso textual, “Alemanha” como um sinônimo para “RFA”. Nas ocasiões necessárias, diferencia-se a chamada Alemanha Oriental a partir da sigla RDA, tendo em conta a divisão política do país entre 1949 e 1990. 21 O Acordo de Cooperação Técnica foi firmado na cidade de Bonn, então capital da RFA, em 19635. Implementou-se o ato no Brasil, no entanto, somente após o Golpe Militar, já em maio de 19646, sequencialmente a sua aprovação via decreto legislativo7. O convênio foi um marco na retomada de relações entre Brasil e Alemanha no Pós-Guerra e abriu o caminho para a sanção de contratos futuros, incluindo o seu “irmão famoso”, a saber, o Acordo de Cooperação Científica e Tecnológica, datado de 19698, que encaminhou o “negócio do século”9. Despido de maiores polêmicas (ao menos em um primeiro momento), o que é traduzido, inclusive, pela não extensa bibliografia que lhe é dedicada10, está o Acordo contemplado neste estudo. O seu quinto ajuste complementar foi assinado em 197111 e trata da cooperação estabilizada com vistas ao planejamento da RMPA, motivo que assegurou a vinda de diversos profissionais estrangeiros ao Rio Grande do Sul, além de equipamentos e recursos financeiros. Os experts alemães que aqui chegaram, compuseram um inédito modelo de coordenação mista de trabalho, em associação com os técnicos brasileiros selecionados para o projeto. Nesses termos, a RMPA passou a fazer parte de uma rota internacional de circulação de saberes e práticas atinentes ao que se convencionou chamar de “planejamento do Terceiro Mundo”12 que envolveu diversos setores e espaços, incluindo o meio urbano. Sem embargo, anuncia-se que o problema de pesquisa que orientou a construção desta tese está relacionado à investigação das especificidades que a cooperação técnica externa conferiu à produção do Plano de Desenvolvimento Metropolitano/PDM de Porto Alegre. O objetivo principal, com base nesse propósito, é o de identificar as instituições, os agentes e as motivações por parte do Brasil e da Alemanha para a confecção do projeto. 5 BRASIL. Ministério das Relações Exteriores/MRE. Departamento Consular e Jurídico. Divisão de Atos Internacionais. Atos Internacional n° 517, de 30 de novembro de 1963. Departamento de Comunicações e Documentação: Divisão de Divulgação Documental: 1977. 6 Decreto Legislativo nº. 6 de 1964. 7 Decreto n.º 54.075 em de 30 de julho de 1964 e publicado no Diário Oficial, em 4 de agosto de 1964. 8 Decreto n.º 65.160 de 15 de setembro de 1969. 9 O termo foi criado pela própria imprensa alemã, em referência ao Acordo datado de 1975 travado entre Brasil e RFA sobre os Usos Pacíficos da Energia Nuclear. 10 À rigor, não foi localizado nenhuma publicação exclusivamente voltada ao Acordo, apenas pesquisas que a ele se reportam, em meio a outros objetivos. Ver: BANDEIRA (1994), JACOB (1993), LOHBAUER (1999) e OLIVEIRA (2011). 11 Nota Wi III b4-87.50/38/71, de 5 de fevereiro de 1971. Acervo AHMRE/Brasília/DF. 12 O assunto será melhor explorado no capítulo 3. Em antecipação, registra-se o texto de HARDIMAN e MIDGLEY (1982) como uma leitura basilar. 22 * O despertar para o tema em pauta ocorreu em consequência do contato com publicações relativas a RMPA, em alinhamento a uma trajetória instituída há algum tempo voltada ao estudo da questão metropolitana13. O enfoque original da tese estava filiado a uma abordagem muito mais teórica do que empírica, através da qual almejava-se analisar as representações sociais em torno de referências como as de cidade-dormitório e cidade-industrial. Foi essa a proposta apresentada junto ao Programa de Pós-Graduação em História da PUCRS no ano de 2012 e parcialmente desenvolvida junto a Linha de Pesquisa Sociedade, Urbanização e Imigração sob a orientação da Professora Dra. Nuncia Santoro de Constantino, que falecera em março de 2014. Desde então, o projeto foi realocado na Linha de Pesquisa Sociedade, Ciência e Arte e inserido no grupo “O Processo de Urbanização Brasileiro nos Séculos XIX e XX: Políticas Urbanas, Dinâmicas Culturais, Disputas Sociais e suas Formas de Representação”14, sob orientação do Prof. Dr. Charles Monteiro. Tendo em vista os substratos oriundos da primeira fase de cumprimento do curso de Doutorado, em associação com os novos recortes propostos, intuiu-se o planejamento da RMPA como um objeto de estudo. Isso ocorreu a partir de uma intriga provocada por conta da menção à suposta colaboração do governo da Alemanha na composição do projeto. Na sinopse do PDM, lançada em 1973, o arquiteto-urbanista Danilo Landó afirmou que o Plano era fruto de uma desafiadora e vitoriosa experiência de cooperação internacional15. A declaração do profissional estava em harmonia com a capa da publicação, que estampava: “elaborado com ajuda técnica e financeira do Governo da República Federal da Alemanha”16. Para além das palavras preliminares 13 Nesse sentido produziu-se Dissertação de Mestrado: VIEGAS, Danielle Heberle. Entre o(s) passado(s) e o(s) futuro(s) da cidade: um estudo sobre a urbanização de Canoas/RS (1929-1959). Dissertação de Mestrado: Programa de Pós-Graduação em História. PUCRS, 2011, além de produções decorrentes, tais como: VIEGAS, Danielle. Uma outra história sobre a Região Metropolitana de Porto Alegre/RS: estudo de caso em Canoas. IN: HEIDRICH, Álvaro Luiz; MAMMARELLA, Rosetta. Habitação e Metrópole: representações e produção da cidade em disputa. Porto Alegre: Contexto, 2014, p. 105-151. 14 Grupo de Pesquisa registrado junto ao diretório de pesquisas do CNPq. Para detalhes, consultar: dgp.cnpq.br 15 Conselho Metropolitano De Municípios. Grupo Executivo da Região Metropolitana de Porto Alegre. Plano de Desenvolvimento Metropolitano – Sinopse. 1973, p. XI (Prefácio). 16 Idem. 23 do coordenador brasileiro, as informações sobre a participação alemã no projeto encerravam-se em uma lista na qual constam os nomes dos técnicos estrangeiros que participaram da empreitada. Contando com uma bagagem de leitura de textos que mais dedicam-se a analisar as regiões metropolitanas brasileiras a partir de suas problemáticas sociais e econômicas em período recente17 do que trazer à tona aspectos históricos sobre sua formação territorial e institucional, foi difícil de acreditar, naquele momento, que havia ocorrido um sofisticado programa de planejamento em Porto Alegre. De qualquer forma, o próximo passo a ser dado era o de verificar as possíveis menções bibliográficas sobre o tão instigante quanto desconhecido assunto. A bibliografia dedicada à história institucional da RMPA é discreta sobre o Acordo na mesma medida em que registros presentes junto ao próprio PDM. As produções desconsideram por completo o convênio ou o incluem somente à título de citação dos registros legislativos que lhe dão aporte. José Antônio Alonso, no texto chamado “Gênese e Institucionalização da Região Metropolitana de Porto Alegre” (2008), traz pertinentes informações sobre a arquitetura técnica e acadêmica que envolveu a formulação da RMPA desde o final da década de 1950. A despeito disso, sobre o acordo entre o Brasil e a RFA, o autor restringe-se a citar que o grupo teuto colaborou para a elaboração do PDM juntamente com o Grupo Executivo da Região Metropolitana/GERM (2008, p. 16). A mesma percepção pode ser estendida ao artigo de Clítia Martins intitulado “Região Metropolitana de Porto Alegre: dinâmica legal e institucional” (1992). Embora sintetize dados relevantes a respeito da origem da RMPA, não são revelados detalhes sobre o acordo internacional. A autora informa que “apesar dos esforços empreendidos pela equipe encarregada da montagem do Plano, este não chegou a ser implementado na íntegra, tendo sido definitivamente abandonado em 1980” (1992, p. 148). A ausência de uma menção densa sobre o ato foi constatada até mesmo na obra “Participação e governo local: balanço de uma década de cooperação técnica do governo alemão no Rio Grande do Sul” (BARTH; BROSE, 2002), cujo tema é correspondente àquele priorizado nesta tese, porém em época mais recente. No livro, ainda que a cooperação técnica entre as décadas de 1960 e 1970 seja 17 À título de exemplos recentes, pode-se citar: COSTA, Marco Aurélio; TSUKUMO, Isadora T.L. 40 anos de regiões metropolitanas no Brasil. Brasília: IPEA, 2013; GÔUVEA, Ronaldo G. A questão metropolitana no Brasil. Rio de Janeiro: FVG, 2005. 24 caracterizada como “(...) bastante diversificada, com predominância para o enfoque de transferência de tecnologias e know-how” (2002, p. 18), o projeto desenvolvido quanto a RMPA é posto em segundo plano perante outras pesquisas realizadas com o apoio do governo alemão no Rio Grande do Sul citadas obra. Nessa direção, os autores deixaram de lado o principal projeto no âmbito do desenvolvimento urbano preparado no Estado por meio da cooperação em momento anterior àquele que o livro pretende versar (o programa PRORENDA), perdendo uma interessante oportunidade de traçar paralelos entre iniciativas correlatas. Isso porque, na sua primeira fase, implementada a partir de 1990, a área atendida pelo PRORENDA foi, justamente, a RMPA. Tal descontinuidade historiográfica é parcialmente compensada quando o foco é direcionado àquelas publicações voltadas à formação do campo planejamento urbano no Estado. Registra-se os esforços empreendidos por Célia Ferraz de Souza e Maria Soares de Almeida (2014) que situam o Acordo junto aos saberes e práticas relativos à emergência da questão urbana no Brasil na década de 1960. Mais do que isso, as autoras imprimem opinião sobre a implementação do PDM a partir de coordenação mista, asseverando que a equipe brasileira dominava o conhecimento da realidade local, ao passo que o grupo alemão “era dotado de instrumental metodológico e a visão de país desenvolvido” (p. 9). Além disso, é válido reportar o trabalho de Fernanda Verri que, em sua dissertação de Mestrado, iluminou aspectos dos convênios internacionais firmados pelo Serviço Federal de Habitação e Urbanismo/SERFHAU em relação ao Rio Grande do Sul, incluindo uma consultoria efetivada pela empresa alemã Systemplan (2014, p. 222). Nesse sentido, seja pela incompatibilidade que um viés aprofundado sobre o PDM traria aos objetivos desses e outros estudos passíveis de serem incluídos18, seja pelas áreas de conhecimento de onde grande parte das produções sobre planejamento urbano provêm (que, muitas vezes, não se prevalecem de fontes primárias, como é usual tratando-se da História), clarificou-se que aí havia uma significativa lacuna historiográfica. A próxima etapa foi averiguar se o estabelecimento de uma pesquisa sobre o tema encontraria respaldo documental. 18 Em relação a Região Metropolitana de Porto Alegre, há o predomínio de estudos estatísticos e/ou econômicos (ALONSO, 2001), tratando-se da abordagem privilegiada. Em termos temáticos, destacam-se trabalhos voltados ao mercado de trabalho e para questões institucionais e/ou de governança na região (CARRION, 1989; TATSCH, 1990; MARTINS, 1992, SOARES, 2013). Em ambos os casos, salienta-se a preponderância de pesquisas cujo recorte temporal restringe-se sobre os últimos trinta anos. 25 No rastro de mais evidências sobre o incógnito projeto, descortinaram-se fontes situadas muito além das fronteiras geográficas que o PDM delimitava: em um primeiro momento, no Arquivo Histórico do Ministério das Relações Exteriores/AHMRE, junto ao Palácio Itamaraty em Brasília/DF, de onde foi extraída a correspondência que abre esta tese; sequencialmente, nos fundos do Arquivo Nacional/AN em suas duas sedes, no Rio de Janeiro e no Distrito Federal, contando com a sorte da crescente disponibilização dos documentos relativos a Ditadura Militar, por meio do projeto Memórias Reveladas19. Tais experiências foram o “meio do caminho” de uma trajetória de pesquisa iniciada, naturalmente, nos arquivos municipais das cidades da RMPA e em diversas instituições da Capital sulina e finalizada em Berlim, também tantas vezes ponto de partida e chegada para outras localidades na Alemanha, onde buscou-se aportes documentais. Nesse momento, é oportuno mencionar a terceira etapa agregada à trajetória de pesquisa do curso de Doutorado referida nas primeiras páginas desta Introdução: ela foi cumprida através da realização de um estágio sanduíche junto ao Lateinamerika-Institut, vinculado a Freie Universität Berlin. Diante da massa de informações levantada, o convênio entre Brasil e Alemanha tornou-se o tópico basilar de investigação desta tese. Tarefa que foi desafiadora, posto o horizonte de temas e escalas a serem perseguidos e os “diferentes caminhos que se abrem ao investigador que pretende responder às questões que as experiências e as formas de organização social no espaço urbano lhe sugerem” (MONTEIRO, 2012, p. 101). Em linhas gerais, o Acordo relaciona-se a emergência de uma nova ordem geopolítica intercontinental, à valorização da diplomacia como um instrumento de manutenção de laços e à ascensão da técnica e da tecnologia como objetos detentores de capital simbólico e financeiro no mundo contemporâneo. A esse contexto global, deve-se sopesar os pormenores de cada país: o Brasil, sob a égide da Ditadura Militar, priorizava a internacionalização como recurso ao desenvolvimento nacional, lidando-se com a perspectiva de que houve, mesmo após o Golpe, a manutenção de políticas desenvolvimentistas e as variadas acepções que 19 Centro de Referências das Lutas Políticas no Brasil (1964-1985) /Memórias Reveladas, instituído em maio de 2009. O projeto é subordinado ao Arquivo Nacional e encontra o seu principal objetivo o acesso aos documentos decorrentes do período Ditatorial Militar no Brasil, após décadas de restrição legislativa ao material. Parte da documentação está disponível on-line. Consultar: http://www.memoriasreveladas.gov.br/ 26 o modelo já comportou20. A Alemanha, por seu turno, valia-se dos usos de uma política externa em direções multilaterais como uma das estratégias de recuperação após a guerra, e encontrou no Brasil o seu principal parceiro ao longo da segunda metade do século XX. No rastro do anúncio feito quanto à proposta desta tese, tem-se em conta que, embora se esteja falando em nome de dois países, contando que as instituições e agentes citados, a rigor, os represente, sugere-se a geração de uma terceira esfera, de cunho “transnacional”21. Tal ponto de vista é apropriado tratandose de um caso de cooperação, visto que “trans denota em movimentação através de espaço e através de fronteiras, bem como mudança na natureza de algo, além de sugerir novas relações entre estados” (ONG apud PURDY, 2012, p.67). Tal dimensão foi alimentada pelo compartilhamento de ideias e saberes pautados pelas noções de desenvolvimento e planejamento. Tais conceitos, tantas vezes mobilizados em relação a outros setores, são arguidos quanto ao acionamento que tiveram em relação ao fenômeno metropolitano22 no contexto latino-americano e, precisamente, brasileiro. Vale destacar que essa esfera transnacional não é independente da conjuntura político-econômica, mas, tampouco, é por ela determinada. Em outras palavras, tão importante quanto tornar público os laços que ligam a elaboração do PDM a uma conjuntura global e seu vínculo a um aparato institucional montado durante a Ditadura Militar, é iluminar os componentes competentes à área de conhecimento técnico que lhe forneceu substrato. Sobre 20 Baseia-se, nesse caso, em: BIELSCHOWSKY, R. Pensamento econômico brasileiro: o ciclo ideológico do desenvolvimentismo. Rio de Janeiro: IPEA/INPES, 1988. 21 Não é intenção entrar na discussão conceitual sobre História Comparada, História Global e História Transnacional, para além do uso do tempo enquanto um recurso para abordar questões que não se restringem a fronteiras geográficas e contextos políticos, vislumbrados, neste trabalho, em relação ao campo do planejamento urbano. Para uma revisão pertinente sobre o assunto, consultar: PURDY, Sean. A História Comparada e o desafio da transnacionalidade. Revista De História Comparada, Rio de Janeiro, 6-1: 64-84, 2012. 22 Adota-se os termos “fenômeno metropolitano” e “metropolização” como sinônimos e destituídos, nesse caso, de carga conceitual. Para uma noção básica consultar FERRARI (2004, p. 239) que na obra “Dicionário de Urbanismo” define a metropolização como o: “crescimento populacional acentuado das metrópoles, bem como de suas áreas e regiões metropolitanas, em relação à população total do país”. O fenômeno metropolitano, no entanto, conforme lembra Schmidt (1983, p. 12) está ligado a um “conjunto complexo de demandas políticas e sociais de caráter urbano” e não precisa ter, necessariamente, um centro irradiador. Isso porque “existem metrópoles sem áreas suburbanas expressivas quanto existem grandes aglomerados metropolitanos sem um núcleo central” (idem, p. 16). Ver, também, a ideia de urbanização extensiva (MONTE-MÓR, 1994). Para o caso do Rio Grande do Sul, verificar: SOARES, Paulo Roberto. Região Metropolitana ou Aglomeração Urbana? O debate no Rio Grande do Sul. E-metropolis: Revista eletrônica de Estudos Urbanos e Regionais, v. 4, p. 25-29, 2013. 27 isso, é apropriado registrar o consenso que há entre os pesquisadores dedicados à questão de que, no Brasil, o urbanismo se constituiu antes como uma prática e, em um segundo momento, foi institucionalizado em centros de ensino e departamentos públicos. Considera-se a perspectiva da História Social, orientada pelo “desvelamento das características e condicionantes sociais dos agentes que operam nas instituições, de suas propriedades recorrentes, de suas histórias comuns, dos nexos familiares e de formação” (HEINZ; KORNDÖRFER, 2012), ao se questionar: é possível separar contribuições essencialmente brasileiras e, de outra parte alemãs, no arranjo do PDM? Quais foram os principais embates e dificuldades para a realização do plano? O que os olhares retrospectivos revelam sobre o projeto? Em que medida a proposta interliga-se e afasta-se das noções de assistencialismo e cooperação técnica em nível global? Nessa direção, julgou-se pertinente a incorporação de algumas proposições definidas por Pierre Bourdieu. Ainda que o foco deste estudo não seja, exclusivamente, a formação do planejamento urbano no Brasil, é importante acenar para a pertinência que o conceito de campo no sentido atribuído pelo sociólogo agrega à proposta. Qual seja, um espaço relativo às posições e propriedades que seus agentes correlatos ocupam. Vislumbrou-se que a formação do planejamento urbano esteve pautada pela disputa por suas “instâncias de consagração” e de “instâncias de difusão” (BOURDIEU, 2007, p. 101) perceptíveis em espaços de legitimação, publicações e, finalmente, representatividades institucionais que buscavam diferenciar-se em relação a outros grupos profissionais que se reportavam à questão urbana, como os geógrafos. O caso do planejamento de Porto Alegre é exemplar, pois lidou com a formulação conceitual, por parte dos acadêmicos, da ideia de região metropolitana em momento anterior ao reconhecimento do assunto pelo Estado, em 1973. Compreende-se dessa situação uma distinção entre o campo político, representado pelas ações executivas, legislativas e instâncias de institucionalização23 pública do fenômeno metropolitano, e o campo técnico, relativo às proposições oriundas das universidades e da circulação de ideias em publicações científicas e intelectuais. Tal proposta de interpretação, longe de ser esquemática ou bipolarizada, reconhece, 23 Considera-se a questão metropolitana como uma demanda apropriada por diversos grupos profissionais e/sociais, entendendo que sua institucionalização no Brasil ocorreu durante as décadas de 1960 e 1970, quando adquiriu uma posição reconhecida dentro de uma sociedade mais ampla, obteve funções e classificou áreas de competência (GOHN, p.44) a partir de ações do Estado. 28 igualmente, os pontos de encontro e choque entre esses campos, bem como aponta as condições históricas para a formação de novos, em alinhamento com autores que reconhecem o que foi chamado de “promiscuidade de campos” no Brasil (PINTO, 1996). Admite-se, nesse ínterim, as inúmeras zonas de encontro entre os campos político e técnico, especialmente tratando-se de um período ditatorial, assim como entre os campos acadêmico, intelectual e científico, constantemente reconvertidos de acordo com a posição ocupada por seus agentes. Nesses termos, tem-se em conta o horizonte de referências acenado pela legitimidade atribuída às regiões metropolitanas no Brasil na década de 1970 (ora pautado por teorizações intelectuais, ora às ações do poder executivo), sopesandose a condição de um campo de forças, suscetível a modificações entre seus componentes e a agentes de outros campos (BOURDIEU, 2001, p. 140), não necessariamente da mesma natureza. Metodologicamente, trata-se de considerar o corpus documental arranjado menos em busca das intenções dos seus agentes e mais com o intuito de reparar o lugar social que ocupavam, ainda que mobilidades sejam críveis. Essa ressalva é especialmente oportuna tratando-se de um projeto de cooperação internacional, pois prevê o encontro de agentes que carregam distintos habitus (conjunto de técnicas, crenças e habilidades) na definição de seu reconhecimento a uma unidade, no caso, aquela que identifica alguns agentes como promotores do desenvolvimento por parte do país “doador” e outros como “receptores”. É oportuno destacar aqui a noção de trajetória, compreendida como as posições ocupadas por esses agentes no espaço social da cooperação internacional que, embora impliquem em hierarquias, não são imunes a transformações (BOURDIEU, 1996, 189). Nessa direção, questiona-se de que forma a esfera transnacional de compartilhamento de capitais técnicos culminou na flexibilização de noções como as de assistencialismo e subdesenvolvimento, detentoras de um denso fluxo discursivo na história ocidental, associado à ideia de progresso, crescimento econômico e civilização. O PDM, enquanto um resultado desse amálgama de ações políticas, técnicas e acadêmicas foi o produto final (mas nem por isso finito) de um projeto de cooperação, aqui entendida como “um conjunto de práticas governamentais de intervenção de um Estado em outro Estado ou territórios estrangeiros em que são implicados fluxos variados” (VALENTE, 2010, p. 47) dentro chamado paradigma 29 desenvolvimentista apontado por Cervo (2003), em sua proposta de historicizar as relações internacionais do Brasil. O plano afirma-se como uma fonte reverberadora das concepções que pautaram a sua produção. Mas, afinal, o que foi o PDM? Em linhas gerais, tratou-se de um planejamento total concebido sobre a RMPA. Foi lançado em 1973 a partir de publicações basilares24, seguidas de diversos planos setoriais, cada qual dedicado a uma dimensão da infraestrutura urbana, tais como: indústria, transporte, mobilidade, habitação, áreas rurais, educação etc. Identificou-se como exemplar a própria nomenclatura empregada. A opção pela expressão “plano de desenvolvimento” é sintomática da diferenciação que o projeto detém quando comparado a projetos essencialmente urbanísticos (planos diretores, etc.), visto que aspirou planejar diversos domínios por meio do manejo de componentes territoriais25. Tem-se em conta a representatividade do PDM tanto junto às políticas estatais brasileiras quanto perante o quadro internacional de priorização ao desenvolvimento. Nos termos colocados Betty Lafer “o planejamento nada mais é do que um modelo teórico para a ação. Propõe-se a organizar racionalmente o sistema econômico a partir de certas hipóteses sobre a realidade” (LAFER, 1975, p. 07-12), aqui considerada a partir de suas implicações urbanas. Não obstante, a noção de planejamento pode assumir significados diversos, enquanto mera declaração de intenções e estratégias enunciativas, programas de desenvolvimento ou, ainda, planos de desenvolvimento (CAMPOS, 1974, p. 74). O caso aqui priorizado, nesses termos, caracteriza-se como um plano de desenvolvimento visto que, conforme será detalhado, envolveu prioridades setoriais e regionais, designação de agentes, obtenção de recursos financeiros e materiais, criação de um cronograma e, enfim, a publicação de um projeto através do qual as metas e os resultados são particularizados. Assim, entende-se que uma Região Metropolitana "não somente como uma aglomeração socioeconômica de fatores indispensáveis para a manutenção de uma economia de mercado, mas implica também na necessidade de novas estruturas governamentais" (SCHMIDT, 1986, p. 159). 24 GERM. Plano de Desenvolvimento Metropolitano. Vols. I, II, III. Porto Alegre: Ed. A4, 1973; GERM. Plano de Desenvolvimento Metropolitano. Sinopse. Porto Alegre: Ed. A4, 1973. 25 Para uma discussão sobre as diferenças entre planejamento urbano e urbanismo, ver: HALL, Peter; TEWDWR-JONES, Mark. Urban and regional planning. 4. ed. Londres: Routledge, 2002. 30 As próprias regiões metropolitanas brasileiras surgem, assim, em meio aos campos de forças técnico, político e social: a RMPA responde na condição de um território geograficamente delimitado (mesmo que não permanente)26 e, ao mesmo tempo, como uma categoria de classificação urbanística e uma entidade administrativa, instituída legalmente. O planejamento, como um instrumento técnicopolítico, buscou mensurar, classificar e organizar uma dinâmica urbana inédita, através de publicações, diretrizes legais, planos e projetos, sendo usualmente concentrado em órgãos e instituições específicos, ainda que pertencentes a uma estrutura ampliada. Não se trata de determinar como práticas urbanísticas do período considerado foram orientadas pelo desenvolvimentismo e pelo ideário do planejamento e retirar-lhe autonomia própria ao seu campo profissional, mas, antes, compreender de que maneira essas práticas estruturais do Estado brasileiro do século XX permitiram o florescimento dessas ações, ainda que nem todas tenham sido efetivamente realizadas. A opção aqui é fugir de armadilhas dualistas que contrapõe o “real” ao “plano”, tal como se fossem esferas distintas. Nessa lógica, Sarah Feldman coopera para superação dessa clivagem em termos metodológicos e declara que: Ainda que órgãos, comissões, etc. tenham sido criados e extintos em intervalos de tempo por vezes muito pequenos, planos não tenham sido necessariamente aprovados ou totalmente executados, estas mudanças e interrupções configuram uma não linearidade do processo, mas não desmerecem um processo de institucionalização de novas práticas e saberes na administração municipal. (2009, p. 04) Villaça ajuda a pensar esse problemática advertindo que há diferença entre planejamento urbano, políticas públicas e, ainda, sobre os discursos sobre ambas (1999, p. 11), estando o foco desta tese concentrado no primeiro elemento. O que será narrado, portanto, – com desculpas pelo pleonasmo – é a história do planejamento de um plano. 26 Atualmente, as regiões metropolitanas brasileiras são definidas por critérios de demografia, estrutura e integração. Segundo Ferrari (2004, p. 318): a metrópole ou cidade central deve ter uma população mínima de 400 mil habitantes e seu distrito deve ter uma densidade mínima de 500 hab/km². Além disso, 10% de sua população deve ser empregada em atividades industriais, entre outros critérios. 31 * Uma vez compartilhada a problemática de estudo e as questões que a sustentam, cabe compartilhar como tais pretensões foram metodologicamente operacionalizadas, enfatizando os guias e recortes a partir dos quais o trabalho está sustentado. O fato de abordar um tema essencialmente inédito acabou por determinar a formatação da presente tese: entre as múltiplas possibilidades de análise vislumbradas, optou-se por um recorte amplo que visa a cobrir toda a trajetória de elaboração do PDM, desde as suas negociações até as publicações dos produtos finais oriundos da parceria. O recorte temporal foi definido entre os anos de 1963 – ano de assinatura do Acordo de Cooperação Técnica entre Brasil e RFA – e 1978, quando do lançamento das últimas publicações decorrentes do projeto teuto-brasileiro. Mais do que ser delimitado por marcos precisos, esse interim de quinze anos comporta as ações em prol da institucionalização das regiões metropolitanas no Brasil e representa, consideravelmente, a configuração urbana esquematizada no contexto da Ditadura Militar. Tão logo, o recorte temporal é baseado em critérios delimitados de acordo com a documentação consultada, que foi selecionada na medida em que faz correspondência ao problema de pesquisa delimitado. Repousa aí uma vantagem do longo caminho trilhado para a configuração que a presente tese acabou por assumir e do lugar a partir do qual ele foi construído, a área de conhecimento da História: o contato com um vasto corpus documental. Destaca-se a inclusão, salvo engano, de documentações inéditas. São elas: i) Brasil: Secretaria de Planejamento/SEPLAN e o Ministério do Interior/MINTER, sob guarda do Arquivo Nacional, em Brasília27; ii) Alemanha: fundos diversos do Arquivo Federal alemão (Bundesarchiv) cuja sede de Koblenz guarda a documentação relativa a RMPA; fundos diversos do Ministério das Relações Exteriores alemão (Auswärtiges Amt/AA); livros e relatórios oriundos das bibliotecas do Karlsruher Institut für 27 Os acervos do MINTER e do MINIPLAN/SEPLAN incluem, em média, 120 processos por ano e foram contemplados nesta tese enquanto amostras documentais sob perspectiva qualitativa. O período limite é 1968-1973. O acervo ainda não está catalogado e não possuí, portanto, um guia. Tal fato impõe que a pesquisa seja realizada diretamente junto às caixas que guardam os documentos. De acordo com informações fornecidas por funcionários do Arquivo Nacional/Brasília, os acervos nunca foram consultados. Não foi encontrada, igualmente, nenhuma referência a esses acervos na bibliografia especializada consultada. 32 Technologie/KIT, da Agrar und Hydrotechnik GmbH/AHT, entre outras. Incluiu-se, ainda, referências pouco exploradas, como as inúmeras publicações oriundas da Biblioteca do IPEA/Rio de Janeiro; além da documentação pertencente ao Fundo Paulo Assis Ribeiro, recentemente disponibilizado ao público em formato digital através do Projeto Memórias Reveladas28. A abordagem temática alimentada pelas diversas tipologias documentais indagou o que poderiam revelar sobre os eixos centrais da pesquisa, quais sejam: o acordo de cooperação técnica entre Brasil e Alemanha, o planejamento urbano e a questão metropolitana no Brasil nas décadas de 1960 e 1970 além de, evidentemente, os elementos que referem diretamente a RMPA e o PDM. Ao optar por esse critério, reforça-se que não se desconhece os debates metodológicos sobre a utilização de fontes como mapas, jornais e depoimentos orais como objetos de estudo. Apenas julgou-se que este não seria o espaço de sua análise, visto os objetivos esta tese que visa a cumprir. A estrutura de exposição está dividida em quatro partes, que pressupõe a leitura uma da outra, compondo um sentido único em relação às temáticas apreciadas. Cada capítulo contêm uma breve introdução, na qual são divulgados guias norteadores. O capítulo de abertura reporta a temática “planejamento urbano no Brasil”. Através dele intenciona-se, prioritariamente, situar o planejamento urbano em meio aos demais setores concebidos como áreas estratégicas pelo Estado brasileiro desenvolvimentista. Isso porque muitos estudos – fomentados, com destaque, a partir da Arquitetura e do Urbanismo – encerram as práticas de planejamento urbano dentro de uma lógica própria a esse campo. Acrescenta-se que essa constante é, em parte, sustentada pelo fato de a maioria das perspectivas se valerem somente de fontes secundárias e/ou revisões bibliográficas para a colocação de suas inferências. Intitulada de “rupturas e continuidades”, a seção inclui deslocamento temporal sobre o recorte original da tese (1963-1978) que permitiu a tomada de um 28 Segundo informações divulgadas pelo Arquivo Nacional, instituição de guarda do acervo, o fundo reúne “correspondência, boletins, publicações, estatutos, atas, teses, monografias, organogramas, relatórios, balanços, dossiês, planos de ação, recortes de jornais, relações referentes ao escritório técnico pertencente ao titular”, incluindo produções exclusivamente voltadas à Grande Região Sul28. Há variada documentação de amplo interesse para os estudiosos da questão urbana no Brasil, visto que foram localizadas fontes referentes ao Departamento de Administração do Serviço Público (DASP), Grupo de Regulamentação do Estatuto da Terra (GRET), Instituto de Pesquisa e Estudos Sociais (IPES) e documentos cartográficos referentes a Estados e Municípios brasileiros. 33 posicionamento junto à discussão historiográfica acerca do papel que a questão urbana representou no modelo de Estado que emergiu no Brasil, precisamente, após o fim da República Velha. Do mesmo modo, essa seção digressiva permitiu um olhar sobre a constituição do planejamento urbano como um campo, suas diferenciações em comparação ao urbanismo e outras áreas que se reportam ao fenômeno urbano, principais associações de classe e entidades profissionais. Na segunda parte do primeiro capítulo enfatiza-se o período político ao qual esta tese debruça-se, a Ditadura Militar, descortinando-se as arquiteturas institucionais particularmente criadas após o Golpe. O componente autoritarismo, usualmente apontado quanto a outros âmbitos, é aqui alvo de inflexão a partir de seus desdobramentos para o gerenciamento da questão urbana no Brasil. Pretendese demonstrar que esse autoritarismo foi conduzido, também, por meio do uso da técnica, além de práticas políticas. Depreende-se, enfim, dois enfoques configurados no limiar entre os campos técnico e político direcionados a refletir e agir sobre a urbanização brasileira e que encontraram respaldo nas interpretações sobre o fenômeno metropolitano. São elas: o planejamento urbano integrado e o desenvolvimento regional O segundo capítulo, chamado de “O fenômeno metropolitano no Brasil e no Rio Grande do Sul: interpretação e institucionalização” aborda o papel das Regiões Metropolitanas dentro do esquema operacional voltado ao planejamento referido na primeira parte da tese. Nesta seção, introduz-se a RMPA como um recorte temático e espacial prioritário de estudo. Objetiva-se versar não sobre a metropolização em si, mas clarificar as formas de institucionalização que o fenômeno recebeu, por parte do campo político, e interpretação, a partir do campo técnico. Desvelam-se, de tal modo, instituições exclusivamente voltadas à administração metropolitana no país, como a Comissão Nacional de Regiões Metropolitanas e Política Urbana (CNPU) e aquelas organizados em nível regional com o mesmo fim (CMM, GERM, METROPLAN). Nesses termos, enquanto alguns itens informam a respeito do aparato técnico, dos instrumentos e das tecnologias voltadas ao planejamento urbano, outros, complementarmente, apontam os discursos e as teorizações relativas às regiões metropolitanas. Propõe-se uma análise da interpretação direcionada à criação das RM’s por parte da literatura técnica especializada do período. Em outras palavras, pretende-se compreender a partir de quais preceitos essa nova categoria de classificação urbana 34 foi construída no Brasil. As duas correntes de interpretação citadas no primeiro capítulo (planejamento urbano integrado e desenvolvimento regional) são especificadas em termos do que preconizam ao fenômeno metropolitano em Porto Alegre. Sequencialmente, no terceiro capítulo, contemplam-se outros dois temas basilares à composição desta tese, além do planejamento urbano e da institucionalização metropolitana no Brasil. São eles: a cooperação técnica e as relações Brasil-Alemanha. Este capítulo terceiro é fruto do estágio de pesquisa “sanduíche”, e empenha-se em incluir, tratando-se de um projeto de cooperação, demandas particulares ao Brasil e a Alemanha para, finalmente, serem estabelecidas reflexões entre os dois países. Tal capítulo poderia ser interpretado como um desvio ao eixo central proposto, caso não desempenhasse o papel primordial de situar a produção do PDM para além do campo ao qual está circunscrito, qual seja, o planejamento urbano. A assimilação exclusiva de ações locais e/ou restritas ao tema ao qual o objeto de estudo dialoga diretamente ocorre em um alto risco de produção de uma história ufanista, construída a partir de pressupostos como “pioneirismo” e talentos excepcionais. Outrossim, fez-se pertinente a inclusão de dados que iluminam os laços comerciais e financeiros entre Brasil e Alemanha e a sua incidência sobre o Acordo de Cooperação Técnica. Tal escolha está alinhada com o esforço empenhado, a cada capítulo, em registrar os múltiplos interesses e agentes mobilizados para o planejamento da RMPA. Inicialmente, procura-se traçar a historicidade do quesito cooperação técnica após a Segunda Guerra Mundial, evidenciando seus significados na conjuntura internacional. A “esfera transnacional” ganha expressivo significado nessa seção, dentro da perspectiva da difusão/circulação de conceitos e teorizações como os de desenvolvimento e planejamento, a despeito dos seus usos perante a questão urbana em nível global. Tão logo, é encaminhada uma discussão sobre o Acordo de Cooperação Técnica, investigando-se subsídios em seus preceitos gerais e condições de afirmação para compreender, em seguida, o ajuste referente a Porto Alegre. O capítulo encontra o seu sentido, além disso, no incremento de produções que versam sobre as relações Brasil-Alemanha na segunda metade do século XX, ponderando a massiva produção historiográfica apenas focalizada na Segunda 35 Guerra Mundial. Dentre as fontes das quais valeu-se, destaca-se aquelas oriundas dos boletins da Câmara de Indústria e Comércio Brasil-Alemanha, disponível no acervo do Ibero-Amerikanisches Institut/IAI, em Berlim. Finalmente, o quarto e principal capítulo da presente tese se reporta ao planejamento da Região Metropolitana de Porto Alegre a partir dos três temas desenvolvidos nos capítulos anteriores. O estudo de caso foi estruturado com base em uma interpretação da autora sobre as fases que o projeto incluiu, projetadas em dois momentos: 1971-1973 e 1973-1978. Ao se debruçar sobre tais assuntos, a seção está dividida em quatro partes, dedicadas, cada uma delas, às negociações prévias do projeto, sua elaboração e implementação e, finalmente, discussões à luz do problema de pesquisa que pauta esta tese, ligado as especificidades que a cooperação técnica alemã proporcionou ao PDM. Cumprindo o objetivo primordial da pesquisa, são revelados os agentes e as instituições envolvidas no projeto por parte do Brasil e da Alemanha. Nesse quesito, sopesa-se novamente a importância do cruzamento de fontes oriundas de ambos os países bem como de sua diversificação, tendo em conta o recurso aos depoimentos orais de alguns dos profissionais envolvidos no projeto. Embora o foco do estudo proposto não seja uma análise a partir da metodologia da História Oral – o que promoveria um novo trabalho – registra-se aqui o incremento que tais fontes proporcionaram ao estudo, mesmo tendo-se em conta a natureza fragmentária desse tipo de produção (CONSTANTINO, 2004). É cabínel, neste espaço introdutório, algumas considerações sobre os agentes entrevistados29. Por parte do grupo alemão, os colaboradores foram: Rainer Ernst e Jan Taaks. Já o grupo brasileiro foi representado por Danilo Landó, Dirceu Schäffer, Roberto Py da Silveira e Isaac Zilberman, no que pese a facilidade de contato. As biografias profissionais desses e de outros agentes estão disponíveis em quadros apêndices à tese. Considerando-se a numerosa menção ao longo da narrativa tanto aos profissionais quanto às entidades que agiram na preparação do PDM, tais quadros permitem ao leitor uma visualização sintética dos inúmeros dados e nomenclaturas citadas no texto. 29 Os depoimentos foram gerados a partir de métodos diversos. Os depoimentos de Dirceu Schäffer e Jan Taaks foram obtidos a partir de um questionário semi-estruturado, via e-mail. Já as entrevistas de Danilo Landó, Rainer Ernst, Roberto Py da Silveira e Isaac Zilberman ocorreram através de contato presencial com a autora. Todos os documentos estão disponíveis no Laboratório de História Oral, vinculado ao Programa de Pós-Graduação em História da PUCRS. 36 A seção final é encaminhadora das conclusões do estudo, expostas no tópico “ajuda para autoajuda? ”, em alemão, Hilfe zur Selbsthilfe. Tem-se em conta, notadamente, a dualidade das noções de cooperação técnica e seus frágeis limites em relação à assistência financeira, bem como as impressões dos agentes participantes do projeto quanto ao papel e resultados mais significativos do PDM. A partir desses guias, essa seção – constituída à guisa de conclusões – explicita quais itens sustentam a ideia da existência de uma esfera transnacional gerada como consequência da intersecção dos campos político e técnico sugeridos. * Não menos fundamental é a inclusão das justificativas e motivações para a realização desta tese. Considera-se o fato de que determinados assuntos basilares sobre os quais se versa (a RMPA como um espaço de planejamento e a cooperação internacional como uma prática contemporânea) afirmam a sua relevância não somente pelas suas peculiaridades históricas que detêm, mas pela sua inclusão em meio a pautas do tempo presente. Dois episódios de impacto e que mantêm o debate sobre o RMPA aceso ocorreram durante o período de construção deste estudo. O primeiro é relativo à extensão do trajeto do trem de superfície que interliga algumas das cidades componentes da RMPA. A linha, que desde a sua inauguração, em 1984, seguia o caminho desde a Capital até São Leopoldo foi, finalmente, ampliada até a cidade de Novo Hamburgo no ano de 2012. O segundo ocorreu concomitante à abertura oficial da temporada de verão 2014, que surgiu acompanhada da notícia que uma rodovia de grande porte estava prestes a ser implantada no Rio Grande do Sul. Na ocasião, as capas dos principais jornais regionais estamparam a inauguração da BR-44830, conhecida como “Rodovia do Parque”. A conclusão da estrada e a nova estação de trem surgiram com a promessa de qualificar a mobilidade urbana entre a Capital, sua região metropolitana e parte do interior do Estado. Tais medidas, apesar de recentes, representam fatores que detêm respaldo para a sua execução: a BR-448 foi construída mais de meio século após a BR-116, inaugurada em 193831, sendo que estava prevista já no PDM. Por 30 Zero Hora, 21 de dezembro de 2013. 31 Na época a referida Rodovia era chama de BR-2. 37 sua vez, o novo trecho da empresa TRENSURB voltou a reproduzir a antiga linha férrea existente na região desde o final do século XIX, mais uma vez reafirmando a configuração da RMPA em sentido Norte. Quanto à cooperação internacional, basta lembrar, à título de exemplo, da polêmica que cercou a edificação do centro de treinamento – justamente da seleção alemã – no Estado da Bahia, por ocasião da Copa do Mundo de futebol no Brasil, em 2014. O binômio desenvolvimento/subdesenvolvimento, que perpassa a formação dos Estados latino-americanos e foi alvo de estudos contundentes de alguns dos intelectuais mais conhecidos do país, veio à tona baseado na conjectura de que a Alemanha doaria o complexo erigido para uso do governo brasileiro após o término do evento. Tal versão associava o país europeu a uma imagem altruísta ao mesmo tempo em que pareceu reativar sua posição de “nação desenvolvida”. A superioridade, no caso, ficou restrita à atuação de seus atletas dentro de campo, visto que a notícia foi desmentida pela informação de que o centro esportivo seria utilizado, na verdade, para fins privados. Destaca-se, nessa direção, que o trabalho busca somar-se àqueles que analisam o planejamento urbano no Brasil32 a partir da circularidade de ideias e práticas (FELDMAN, 2010; SOUZA, 2012; LEME, 1999; MARICATO, 2000), que vem suprindo a lacuna existente quanto ao aprofundamento da história dessas regiões, cujo planejamento é, frequentemente, minimizado. * Antes de dar-se início à tese propriamente dita, são válidas orientações quanto aos aspectos técnicos que pontuaram a escrita do texto. As referências bibliográficas seguem o padrão autor/data, deixando-se as notas reservadas para comentários e informações sobre os acervos das fontes de pesquisa consultadas. Algumas notas possuem referências de obras bibliográficas, caso essas tenham sido utilizadas como fontes históricas e não bibliografia. As obras oriundas de acervos de fora do Brasil tiveram a sua localização precisada. A tradução adotada quanto aos documentos em inglês e em alemão é livre e foi realizada pela autora. 32 Destaca-se, dentro desse âmbito, a rede UrbanismoBr, formada em 1992 por pesquisadores de diversas instituições brasileiras. Em termos gerais, o grupo busca promover estudos relacionados à área e divulgar fontes de pesquisas a partir de um Banco Documental on-line. Consultar: http://www.urbanismobr.org/ 2 O PLANEJAMENTO URBANO NO BRASIL: ENTRE RUPTURAS E CONTINUIDADES 2.1 Perspectivas históricas A ascensão da questão urbana33 enquanto um problema público no Brasil relaciona-se à configuração do Estado brasileiro que emergiu após o final da República Velha. O quadro temporal politicamente delimitado entre 1930 e final da Ditadura Militar, não à toa, é um recorte bastante aludido em publicações dedicadas a abordar pontos estruturais da história brasileira34. Para além das inflexões políticas, o período assinala as origens de uma profunda transformação nos espaços nos quais se concretizam as relações sociais do Brasil, historicamente unidas ao campo. Uma outra história foi construída, cujo momento mais marcante iria ser anunciado por volta de 1970, quando a população urbana do país superou àquela classificada como rural. Ainda que o fenômeno urbano no Brasil no século XX seja contemplado em suas diversas nuances e proporcionalidades, há um consenso de que houve uma transformação expressiva: bastaram cinquenta anos, afinal, para que uma nação durante séculos associada ao meio rural sofresse uma mudança vertiginosa. Assim, aos lavradores e pastores foram acrescidos milhares de trabalhadores da cidade e a paisagem nacional passou a ser retratada e organizada em função de fenômenos essencialmente urbanos. Uma das particularidades do contexto retratado é a de que o voluptuoso processo de urbanização nacional, cujo resultado mais notório foi a surgimento de aglomerações metropolitanas, esteve amparado por uma série de medidas relacionadas à categoria “planejamento” (político, econômico e urbanístico). O urbanismo, encarado como instrumento por excelência regulador dessa transformação, tornou-se uma referência da condição moderna. 33 Adota-se aqui o entendimento de “questão urbana” nos termos colocados por SCHMIDT ” (1986, p. 12), ou seja: “um conjunto complexo de demandas políticas e sociais de caráter urbano”, no caso, relacionadas à sua institucionalização pelo Estado. 34 Ver, por exemplo: GERTZ, René (dir.); GOLIN, Tau; BOEIRA, Nelson (coord.) História Geral do Rio Grande do Sul: República: da revolução de 1930 a ditadura militar (1930-1985). Passo Fundo: Méritos, 2007. 39 Ao passo que boa parte da historiografia especializada (DÉAK,1999; VILLAÇA,1998; FELDMAN, 2009) reconhece como o ápice do planejamento urbano no Brasil o conjunto de práticas implementadas em momentos imediatamente anteriores e no decorrer da Ditadura Militar (1964-1985), ressalta-se a importância de trazer à tona a estrutura histórica desse quadro. Tendo em vista tal prerrogativa, pergunta-se quais os principais tópicos em urbanização que marcaram o quadro em tela e quais as especificidades da formação do campo do urbanismo no Brasil. Isso será cumprido através de duas frentes: i) situando dados sobre a urbanização brasileira em um contexto de média duração, iniciado com o fim da República Velha; ii) apresentando perspectivas sobre o planejamento enquanto um campo de interesse público, amparado pelo Estado, por grupos profissionais em ascensão e algumas entidades profissionais e privadas. 2.1.1 A questão urbana dentro do projeto desenvolvimentista nacional Ao reconhecer a emergência de uma consciência urbano-industrial no Brasil a partir do marco temporal delimitado entre o fim da República Velha e a ascensão da Ditadura Militar é, em outros termos, refletir sobre como desenvolvimentismo35 perpassou a composição da questão urbana no país. Nessa direção, vale-se da definição de Bielchowsky, que esclarece o referido modelo de Estado como um projeto pontuado por características precisas, tais como: a) a industrialização integral é a vida de superação da pobreza e do subdesenvolvimento brasileiro; b) não há meios de alcançar uma industrialização eficiente e racional no Brasil através das forças espontâneas do mercado; por isso, é necessário que o Estado planeje; c) o planejamento deve definir a expansão desejada dos setores econômicos e os instrumentos de promoção dessa expansão; e d) o Estado deve ordenar também a execução da expansão, captando e orientando recursos financeiros, e promovendo investimentos diretos naqueles setores em que a iniciativa privada seja insuficiente (1988, p.7) 35 Nesse sentido, acorda-se com pesquisadores que entendem que o desenvolvimentismo esteve presente, também, na agenda pós-Golpe Militar. Ver: CERVO, A.L.; BUENO, C. Inserção internacional: a construção dos conceitos brasileiros. São Paulo: Saraiva, 2008. 40 O desenvolvimentismo está relacionado com as práticas promovidas por um Estado forte e voluntarista que efetua altos investimentos públicos pretendendo dar à luz a uma nova economia e sociedade, o que inclui a materialização de um novo espaço público. Nesses termos, a descrição acima compartilhada toca em pontos essenciais para o entendimento de que o desenvolvimentismo pode ser relacionado à institucionalização da questão urbana no Brasil, ao lado de outros setoes, pois: a) prevê o planejamento; b) entende de que esse planejamento deve ser realizado pelo Estado; c) compreende a industrialização como fator de desenvolvimento. Sem embargo, o meio urbano erigido a partir da década de 1930 no Brasil encontrou como marco um voluptuoso processo de mobilidade territorial e populacional36. Cada vez mais, categorias como campo e cidade serão tematizadas, conforme sugeriu Singer: “não importa que nas cidades vivam agricultores, a agricultura não se inclui entre as atividades urbanas fundamentais” (1987, p. 9). Abalizado em um ângulo historicamente mais abrangente, Carlos Brandão ressalva que a concentração populacional e territorial é fruto da debilidade de uma economia periférica e que possui raízes anteriores às políticas de industrialização promovidas pelo Estado varguista (2012, p. 13). De fato, o substrato industrial, assentado no país desde o final do século XIX (SINGER, 1985), apresenta como diferencial, nesse outro momento, sua incorporação pelo Estado como uma via de superação do persistente passado colonial brasileiro. Dentro dessa conjuntura, as grandes cidades brasileiras foram concebidas como provedoras do desenvolvimento nacional. Destarte: “o modelo desejado de desenvolvimento associava produção industrial e condições urbanas de reprodução social, conduzido por um Estado fortemente atuante, verticalizado e hierarquizado” (FERNANDES, 2012, p. 51). Tão logo, a urbanização especificamente ligada à industrialização demarcará uma fase na qual os nexos econômicos impõem-se como principal vetor na configuração do território pois, em momentos anteriores, o fator urbano era definido muito por conta das funções administrativas que cada cidade representava. 36 É válido registrar, à título de contraposição, que autores como José de Souza Martins (1992), situam o marco da industrialização e da urbanização brasileira no último quarto do século XIX, em um entendimento de que esses processos se originam no ceio do complexo cafeeiro e não em sua posterior crise. Nesta tese, como priorizara-se as práticas de planejamento e sistematização em torno da questão urbana e industrial e não os fenômenos em si, optou-se pelos marcos temporais referidos. 41 A relação entre industrialização e território é crucial, pois irá contribuir, substancialmente, para a configuração de um padrão de urbanização geograficamente seletivo e centralizado. É cabível destacar a distribuição desproporcional dos polos industriais no país, cuja instalação se materializou, sobretudo, junto a região Sudeste, fator que está na origem da “urbanização territorialmente seletiva” por sua vez formadora de “espaços periféricos” (SANTOS, 2004, p. 41) no Brasil. No Rio Grande do Sul, tais dinâmicas industriais “provocaram um impacto na organização dos espaços locais e regionais, uma vez que a implantação das infraestruturas desenhou um novo mapa das redes técnicas do Estado” (UEDA, 2007, p. 169). Não obstante, os fluxos populacionais direcionadas para as áreas mais industrializadas foram determinantes para a formação de aglomerados urbanos que, não muito tempo depois, formaram as regiões metropolitanas em todo o país. Tais localidades transformaram-se, deste modo, nos principais alvos das ações de planejamento estatal que, de acordo com Déak (1999, p.19) irá se afirmar enquanto uma atividade governamental para regular o ritmo explosivo de urbanização. A cidade brasileira dos anos de 1930, tão importante que recentemente foi alvo de uma coletânea de estudos37, materializou especificidades próprias. Conforme afirmaram Célia Ferraz de Souza e Maria Soares de Almeida: o chamado processo de modernização da cidade preparava os lugares para a ampliação da base capaz de sustentar os capitais imobiliários aplicados na construção da nova cidade verticalizada. Os planos e projetos foram realizados sob a égide das ideias em circulação sobre cidade e urbanismo e serviram de legitimação às ações governamentais. (2012, p. 200) A cidade, antes já ocupada e local de difusão de capital cultural, centro de lazer, tornar-se-á destino de trabalho e lugar de geração de renda para milhares de (i)migrantes. Quadro que provocou preocupações desde o princípio, visto que: a falta de integração nacional era evidente e se fazia notar, pois o que existia, no país todo, eram linhas férreas e rodovias que atendiam apenas os estados e municípios e estavam completamente 37 Consultar: REZENDE, Vera (org.) Urbanismo na Era Vargas: uma introdução. IN: _______. Urbanismo na Era Vargas: a transformação das cidades brasileiras. Niterói: UFF/Intertexto, 2012, p. 9-20. 42 desconectadas entre si (tanta a parte física quanto administrativa). (UEDA, 2007, p. 173) Tais indicativos irão estimular novas ferramentas, estratégias e escalas de intervenção por parte do Estado diante da emergência de um padrão sem precedentes de centralização populacional. Tão logo, o principal mote quanto à urbanização brasileira durante a administração Vargas foi, para além das reformas nas capitais do país e das tentativas de integração nacional, a questão habitacional, compreendida de forma relacional ao trabalho, outra categoria valorizada na gestão varguista. Destaca-se, nessa direção, a criação dos IAP’s (Institutos de Aposentadoria e Pensões), que permitiam a utilização de recursos capitais para a construção de moradias, seguido da Fundação da Casa Popular, já no governo Dutra (1946-1950). Se antes as ações de urbanismo eram focadas em intervenções junto às áreas centrais das cidades e promoviam, notadamente, planos de embelezamento, a partir daquele momento a circularidade e a indução social foram priorizadas em detrimento do fator estético. De acordo com René Gertz: A industrialização e o desenvolvimento das infraestruturas viária, energética e de comunicações são outros temas típicos desse período, cuja importância, em momentos anteriores, foi bem menor. O próprio desenvolvimento das estatísticas, permitindo uma análise mais apurada do desenvolvimento e do movimento das populações, também é típico e específico dessa fase. (2007, p. 9-10) As décadas de 1940 e 1950 foram marcadas por um debate sobre o padrão de desenvolvimento que o país deveria adotar. Ao sopesar qual modelo deveria prevalecer, a industrialização ou a agroexportação (bem como o papel do Estado em qualquer um dos caminhos adotados), grupos dividiram opiniões sobre qual o destino seria dado aos territórios da nação. Fato que, logicamente, envolveu as funções destinadas às cidades brasileiras38, sendo que o êxodo rural era um dos motivos atribuídos à precarização da vida urbana no país. É pertinente lembrar das possíveis ressonâncias do ideário anti-urbano presente no país, quando autores como Oliveira Vianna se manifestou contra o 38 Para um aprofundamento dessa questão, consultar: MARTINS, Luis Carlos dos Passos. IN: A luta pela legitimação da industrialização planejada no Brasil e o programa econômico do Segundo Governo Vargas. IN: A grande imprensa “liberal” da Capital Federal (RJ) e a política econômica do segundo governo Vargas (1951-1954): conflito entre projetos de desenvolvimento nacional. Tese (Doutorado em História). PUCRS: Porto Alegre, 2010, p. 82-143. 43 desenvolvimento urbano ser incluído como um tópico presente na agenda administrativa do Estado39. Mas, conforme é amplamente divulgado, a perspectiva industrial superou aquela agroexportadora. Martins pondera que “(...) essas mudanças estiveram longe de ser naturais e/ou espontâneas, pois implicaram ou mesmo derivaram de uma decisiva interferência do Estado”. (2010, p. 87), o que também é defendido por autores como Déak (1999, p. 13). A industrialização sustentada por políticas de planejamento não ficou restrita às transformações econômicas: delineou novas paisagens, provocou uma consciência urbano-industrial, induziu mobilidades. Vale lembrar, nesse caso, que as políticas e práticas em cheque foram promovidas, especialmente, pelo Estado, mas o complexo social que as envolvia não deve ser minimizado. A atuação do mercado imobiliário, as ações de determinados grupos profissionais e a participação popular não deixaram de perpassar a formação desse quadro, portanto. Já na metade do século XX, a implantação do Plano de Metas durante a administração de Juscelino Kubitschek iniciou a chamada fase da industrialização pesada no país. Pode-se vislumbrar, de imediato, três itens diretamente relacionados com o fator urbano: energia e transportes, além da própria industrialização. O sonho da integração nacional cunhado por Vargas configurou-se através de inúmeras estradas, expressivas em termos quantitativos e por sua opulência. De fato, o projeto rodoviário foi um dos lemas desenvolvimentistas, aumentando 100% em um período de três anos, a partir de 1955 (NATAL apud UEDA, 2007, p. 176). Ora, tais medidas não são citadas só à título de contextualização, mas, mormente, pela nova configuração urbana que provocaram, seja através de indústrias implantadas junto às capitais ou pela mobilidade populacional correlata a esses processos. Foi nessa época que a Região Sul, atingindo a marca de 33%, ultrapassou o índice de urbanização nacional (32, 8%) estando bastante aquém da região Sudeste (48%). Tais fatores combinados provocaram uma fluidez no território nacional que antes era um “um grande arquipélago, formado por subespaços que evoluíam conforme lógicas próprias” (SANTOS, 2013, p. 29). A chamada “era do planejamento” esteve fortabelecida pelo caráter monumental e público que esse processo – até então mais restrito ao domínio 39 Sobre o tema, ver: BRESCIANI, Maria Stella M. O charme da ciência e a sedução da objetividade. Oliveira Vianna entre intérpretes do Brasil. 1a. ed. São Paulo: Editora UNESP, 2005. 44 político-burocrático – assumiu. Trata-se do “momento de um otimismo modernizador” (FELDMAN, 2009, p. 02). Houve diversas mudanças no plano da consciência nacional: “O dilema brasileiro e da América Latina era que nossa identidade se encontrava em descompasso com os tempos modernos, era preciso construir a nação para realizar a modernidade” (ORTIZ, 2014, p. 125). O território nacional de diversificadas paisagens geográficas, vai ser notado como um campo de práticas em prol do desenvolvimento e, nessa condição, palco de inúmeros investimentos. São famosas as chamadas “obras faraônicas”, que procuravam atravessar regiões inóspitas. A mais famosa delas, certamente, foi a concepção e construção de Brasília no Planalto Central para ser a nova capital federal. O projeto de modernização nacional, no entanto, possuía uma face reversa: a favelização40. Tratando-se de urbanização, o assunto foi um dos principais tópicos de discussão do período, tendo sido pauta de editorias da imprensa nacional. No que diz respeito o tema, Oliven afirma que: a primeira reação a este “problema” foi encará-lo como restrito à precariedade da habitação, já que esta era o aspecto mais visível da questão. Assim, não se percebia que a favela não é um problema, mas uma “solução” à necessidade de abrigo e que a sub-habitação é apenas um indicador de uma situação mais complexa caracterizada por desemprego e subemprego. (2010, p. 31) Ocorre que as mudanças nos âmbitos administrativo e político não foram acompanhadas de reformas sociais e agrárias, dado substancial quando se tem em conta que, historicamente, a propriedade sobre a terra no Brasil não está necessariamente associada à produção sobre ela. A construção de Brasília é paradigmática no sentido de simbolizar a interiorização e a modernização nacional e, em ambos os casos, estar desvinculada de qualquer preocupação com elementos sociais. Segundo Rovati: 40 Para um debate recente sobre o tema, consultar: MARTINS, Luis Carlos dos Passos ; KRILOW, L. S. W. . Cidades Refletidas: industrialização, urbanização acelerada e a ampliação das favelas na ótica da imprensa paulista no Segundo Governo Vargas. In: II Encontro de Pesquisas Históricas da PUCRS, 2015, Porto Alegre. Anais do II Encontro de Pesquisas Históricas da PUCRS, 2015. 45 Plural em termos políticos e ideológicos, porém sintonizada com o projeto desenvolvimentista, a vanguarda da moderna arquitetura brasileira perdeu influência ao mesmo tempo em que se consolidou o regime militar, instaurado em 1964. (2007, p. 484). Uma proposta de ruptura com esse quadro foi delineada com as ditas Reformas de Base, durante as administrações de Jânio Quadros (1961), seguido de João Goulart (1961-1964), que buscaram romper com a “modernização conservadora” efetuada nos governos antecessores, seja a do período varguista – promovida através de alianças com os setores agrários – ou aquela travada na administração de Kubistchek – alinhada com as elites industriais –. No que está circunscrito aos tópicos da presente seção, focada no projeto desenvolvimentista a na condução do planejamento em prol da industrialização, destaca-se as reflexões de Feldman sobre as concepções de orientação do Estado quanto à questão urbana no momento da reforma. Diz a autora: (...) Três pontos são apontados como base para formulação de uma estratégia de atuação articulada com processos sociais mais gerais: a redefinição do direito de propriedade, impondo limites à propriedade privada, submetendo-a ao interesse público através de sua função social; a redefinição da relação Estado-sociedade, devendo o Estado assumir o papel de regulador das relações sociais e de mediador dos conflitos urbanos, (...); a ampliação da cidadania, com extensão dos direitos dos cidadãos aos chamados ‘direitos sociais urbanos’. (2004, s/p) O ceifamento das reformas, aliadas com investimentos massivos em obras de infra-estrutura voltadas à industrialização, promovraem um verdadeiro colapso habitacional no Brasil na segunda metade do século XX. Às vésperas do Golpe Militar, em 1964, a questão urbana era cotada como um dos mais impactantes problemas da nação, ao lado de temas como a saúde e a educação. O Estado autoritário consagrou-se como um gerenciador de diversos domínios, desde aqueles voltados à infraestrutura urbana, passando pelo controle fiscal e tributário, até a dimensão cultural. A despeito da dívida externa e da profunda desigualdade social posteriormente notória, foi durante a Ditadura Militar que “se lançaram as bases fundamentais de transformação do Brasil no líder industrial da América Latina” (LUNA; KLEIN, 2014, p. 92). O chamado “milagre econômico” (1967-1973) provocou altos índices de crescimento, que servem a essa 46 contextualização no sentido de promover uma reflexão sobre as consequências e os sentidos dos investimentos concretizados. Os Planos Nacionais de Desenvolvimento, juntamente com os chamados Planos Quinquenais e Decenais, são considerados os primeiros esforços quanto ao planejamento contínuo e mais abrangente em termos setoriais no país. Conforme Ortiz: A ditadura militar foi modernizadora. Isso a distingue dos regimes autoritários do Cone Sul. Há desenvolvimento acelerado da economia durante o ‘milagre econômico’, intensa industrialização e urbanização da sociedade brasileira, reorganização do Estado, a emergência de uma tecnocracia que dinamiza e regula as forças produtivas, enfim, um conjunto de medidas que aprofundam a consolidação do que se denominava capitalismo tardio. (2014, p. 133) Essa medida, tal como afirmou Brandão “demandou o uso de grande quantidade de recursos naturais periféricos – água, terra e minérios – que por sua vez exigiam amplos investimentos em infraestrutura, tais como energia e transportes” (2012, p. 24). O mesmo autor ressalta que, a partir disso, houve um aumento na produção industrial, acarretando um processo regional de urbanização que, “contudo, foi desacompanhado de políticas públicas adequadas, em termos não só de saneamento básico e habitação, mas também de redistribuição de renda” (idem, p. 24), o que sugere uma profunda clivagem entre as políticas públicas de elaboração e execução dos planos. O modelo de modernização, não compensou os velhos déficits da nação, como a reforma agrária, dado que acabou por reforçar a precarização urbana nas cidades, verdadeiras vitrines do quadro de desigualdades sociais no país. Pode-se afirmar, em síntese, que a urbanização no Brasil, dentro do quadro temporal que se propôs iluminar, foi marcada por diferentes problemáticas e intensidades. Até a década de 1930, priorizaram-se planos de embelezanto e o tópico principal foi a estética e a órbita de ação eram áreas específicas da cidade. Entre as décadas de 1930 e 1950, os planos passam a incluir todo o perímetro urbano e a categoria proeminente é a habitação. A década de 1950 consagra a ampliação da escala, a monumentalidade e obras de infra-estrutura, tal como o rodoviarismo e a verticalização. Durante as década de 1960 e 1970 tais elementos condensam-se e complexificam-se: a metropolização foi exemplar de algumas dessas características 47 e centralizar as preocupações recorrentes com o padrão de desenvolvimento periférico do Brasil. Tão logo, o cerne da organização das áreas metropolitanas brasileiras foi a sua adequação como alternativas à habitação e à industrialização. Uma vez pontuados tais traços basilares, pretende-se agregar inflexões relativas os agentes e instituições que manejavam a questão urbana no Brasil, demonstrando-se como, progressivamente, o planejamento urbano foi transformado em uma categoria de interesse público, alvo de atenção por parte da sociedade civil, do Estado e de entidades profissionais. As transformações do chamado “Brasil urbano” estão amplamente relacionadas com o modelo estatal descrito, mas igualmente sujeito às especificidades da própria área do conhecimento sob a qual se ancoram. 2.1.2 Entre o urbanismo e o planejamento urbano: a formação de um campo de interesse público A elaboração da questão urbana no Brasil esteve sustentada por modificações na administração institucional, no quadro jurídico, pelo fortalecimento do tópico na agenda da grande imprensa nacional e pela atuação de profissionais especializados. Em uma verdadeira “cadeia de disseminação” (FELDMAN, 2005, p. 277) de ideias, práticas e modelos, a urbanização se tornará um campo de interesse público e o planejamento passará a ser reconhecido como instrumento capaz de conduzir o desenvolvimento das cidades, nos termos colocados por Kingdon (apud FERNANDES, 2012, p. 48): a criação de uma política pública – ou a integração de uma questão na agenda de governo – se ancora em três movimentos, que operam independentemente: a constituição de um problema considerado importante pela opinião pública; a construção de alternativas e a questão política propriamente dita. Fator determinante foi o assunto deixar de ser aferido como uma problemática centrífuga ao próprio setor que dele se ocupava por excelência, e ter sido deslocado para um tópico essencialmente político, ao lado de outros temas. Fernandes afirmou que foi delineada: 48 uma política nacional para as cidades, fazendo confluir um conjunto de experiências anteriores e de iniciativas e formas de regulação não necessariamente articuladas, é bem verdade – que inserem a questão urbana na complexa e disputada constituição do interesse público. (2012, p. 48). Com efeito, alicerçou-se um aparato estatal condutor de uma reforma administrativa expressiva, bem como de políticas estatais intervencionistas. Conforme Ianni (1971), a partir de 1930 o Poder Executivo é a dimensão mais ativa do Estado, organizando nessa condição diversos órgãos que priorizaram a consolidação da estrutura pública institucional, dando início a uma sólida experiência com a categoria planejamento no país41. Tais instituições sustentavam a percepção de que a técnica e a burocracia eram antídotos em relação a políticas oligárquicas e interpessoais. O novo arquétipo institucional promoveu a articulação de grupos profissionais que procuravam especializar-se. Tratou-se de uma geração que perseguia os critérios da eficiência e da racionalidade. Segundo Sola (apud FELDMAN, 2012, p. 23): Ao sentido político e autoritário e centralizador desta estrutura aliouse uma visão técnica de administração, com a absorção de uma nova geração de advogados, engenheiros, técnicos em agricultura, estatísticos, etc. que introduziram novos padrões de eficiência e um “novo agente social” – o burocrata de formação técnica. Nessa direção, a Constituição outorgada em 1937, na esteira do texto constitucional de 1934 - que lançou a possibilidade de criação de assessorias técnicas - previu a criação do Departamento Administrativo do Serviço Público/DASP, regulamentado por Decreto no ano seguinte42. Expressão maior dentro do contexto abordado, o órgão surgiu com a promessa de promover uma reforma na administração pública do país, através de controle de orçamentos, geração de um estatuto dos funcionários públicos, fixação de padrões profissionais, 41 Não à toa, aquele que é considerado o primeiro órgão de planejamento do Brasil trata-se do Conselho Nacional de Comércio Exterior, fundado em 1934. Ainda em 1930, foi criada a Comissão de Padronização, tão logo transformada, no ano seguinte, em Comissão Central de Compras. A instituição atuou ao lado de entidades privadas, como o Instituto de Organização Racional do Trabalho (IDORT) no sentido de instrumentalizar a administração pública e aumentar sua eficiência. Tais medidas pioneiras foram seguidas do lançamento, em 1936, da primeira Lei geral para o Serviço Público. 42 Decreto-lei nº 579, de 30/07/1938. 49 entre outras medidas. Representou, portanto, um marco para as políticas de planejamento, inclusive urbano. A instituição possuía seções regionais em cada Estado da Federação, responsáveis pela divulgação de informações sobre os Municípios. No Rio Grande do Sul, o órgão se fez representar através do CAE-RS, cujos objetivos “não se limitavam unicamente ao campo técnico-administrativo, mas abrangiam matéria de natureza essencialmente política, como é o caso da organização o do orçamento público” (ABREU, 2010, p. 77), confirmando a tendência de valorização da esfera técnica como via de superação das práticas oligárquicas. O DASP adquiriu crédito no que diz respeito às práticas de planejamento urbano e de assistência técnica, ponto notável nesta tese. Instituições relacionadas ao DASP (como os Departamentos das Municipalidades, eventualmente denominados Departamentos Administrativos ou Departamentos de Organização Administrativa) foram, de acordo com Feldman (2012, p. 23) os embriões da institucionalização da atividade de assistência técnica aos municípios no Brasil. O departamento operou, também, na gestão e implantação de redes de infraestrutura no país. De acordo com a pesquisadora: em sua atuação, paralelamente ao controle financeiro, os Departamentos incorporam funções específicas do campo do urbanismo e desempenham o papel de um órgão técnico municipal, contando a participação de urbanistas renomados em várias regiões do país (idem, p. 26-27). Além dos Departamentos, eram comuns as “Comissões de Planos” e “Conselhos Técnicos” que poderiam incluir quaisquer interessados na causa, dentro da perspectiva de Estado total e da construção de um novo quadro, sustentado por um sentimento de pertencimento nacional. Tal característica foi uma reverberação da estrutura institucional urbanística norte-americana, cunhada a partir da participação de diversos grupos profissionais e que emergiram como um referencial no Brasil, ao lado do urbanismo francês. A flexibilização de participação nas comissões e conselhos favoreceu, contraditoriamente, a atuação de elites locais43, a despeito do desejado 43 Em estudo anterior, desenvolvido no âmbito de dissertação de Mestrado, demonstrou-se que a Comissão de Melhoramentos de Canoas/RS foi formada pelos proprietários de terra responsáveis 50 “enfraquecimento da autonomia das esferas estaduais e municipais, herdadas do período da República Velha” (SOUZA; ALMEIDA, 2012, p. 199). Não à toa, a existência dessas entidades é a origem daquilo que Melo (1993) chamou se “cruzada municipalista”, cujo principal símbolo foi a criação, em 1946, da Associação Brasileira dos Municípios, a ABM, seguida do Instituto Brasileiro de Associação Municipal, o IBAM, em 1953. Por outro lado, a estrutura administrativa montada progressivamente buscava submeter os municípios às diretrizes federais, fator confirmado pela padronização das normas orçamentárias e contábeis, aprovado em 1940, dentro do projeto de racionalização da máquina pública. A década de 1940 denotou diferenças substanciais entre o que ficou conhecido como “urbanismo” e “planejamento urbano”: o primeiro, tradicionalmente voltado para planos estéticos, pontuais e dedicados à monumentalidade pública. Difundiu-se no país, sobretudo, até o final da década de 1930, por meio dos “planos de melhoramentos”.44 Já o planejamento urbano caracterizou-se por uma escala ampliada de intervenção e uma preocupação prioritariamente voltada à funcionalidade, no caso, industrial e habitacional. Nesse sentido, apesar das práticas em planejamento terem sido consagradas e complexificadas nos anos 1960, movimentos correlatos podem ser observados nos decênios anteriores. Foi o que demonstrou Sarah Feldman em análises sobre as práticas de zoneamento em São Paulo. Segundo a autora, o zonning trata-se de um “instrumento por excelência para adequar a ordem espacial à ordem produtiva industrial, e passa a constituir a base sobre a qual se estrutura o controle do crescimento urbano nos planos” (FELDMAN, 2012, p. 39). A prática do zonning é sintomática da transposição de uma influência urbanística predominantemente francesa para a norte-americana no Brasil. No rastro desses indícios regionais, Villaça (1999) considera que o planejamento urbano integrado estava estruturado em termos de conteúdo desde a década de 1940. Tópico exemplar sobre as mudanças do período, tratando-se de lidar da formação de um campo, é relativa aos agentes responsáveis pelo gerenciamento da questão urbana: os arquitetos irão reivindicar esse campo pela emancipação da cidade e, não obstante, pela configuração urbana peculiar da área central do Município (VIEGAS, 2011, p. 56-61). 44 Para o caso de Porto Alegre, consultar a obra: SOUZA, Célia Ferraz de. Plano Geral de Melhoramentos de Porto Alegre: o plano que orientou a modernização da cidade. 1. ed. Porto Alegre: Armazém Digital, 2008. 51 profissional para si, tal como outrora os engenheiros substituíram os antigos sanitaristas das repartições públicas (SOUZA; ALMEIDA, p. 201). Na ocasião, caminhos bifurcam-se: enquanto que os voltam suas atividades para a execução de obras públicas de grande proporção, arquitetos inserem-se no campo do planejamento urbano, delimitando seu território de atuação por meio da fundação de entidades profissionais e publicações. A esse respeito, é relevante conceito de profissionalismo, compartilhado por Monia Wazlawoski em seu estudo sobre Escola de Engenharia de Porto Alegre, ligado “ao domínio de uma expertise, e as formas através das quais os indivíduos que possuem esses conhecimentos especializados criam, a partir de suas redes de relações, mecanismos que possibilitem o monopólio da prática profissional” (SILVA, 2014, p. 28). No espaço de disputa avaliado, as falas autorizadas sobre o meio urbano eram respaldadas por meio de eventos acadêmicos. Os chamados “arquitetosplanejadores” (CINTRA, 1978, p. 220) tornam-se um grupo ativo na mobilização pública sobre a questão urbana. Em 1941, efetivou-se o I Congresso Brasileiro de Urbanismo. Na década de 1940, foram fundados os cursos de arquitetura no Rio de Janeiro (1944) e o curso de urbanismo no Rio Grande do Sul (1947), ambos vinculados aos Institutos de Belas Artes, sequencialmente àqueles que haviam sido criados de forma pioneira em Belo Horizonte (1931) e no Recife (1936). Data dessa época, também, o Instituto Brasileiro dos Arquitetos (IAB) que, conquanto existisse desde momento anterior, ampliou sua órbita de atuação para a escala nacional e iniciou a promoção dos Congressos Brasileiros dos Arquitetos. Essas informações não só indicam a difusão do tema, mas sua estrutura setorial, visto sua projeção acadêmica (cursos de graduação e congressos), técnica (institutos e associações) e estatal (departamentos exclusivos). A partir da década de 1950, o planejamento ganha força institucional com apoio na administração de Juscelino Kubistchek (1956-1960). Com respaldo histórico da criação do Vale do Rio São Francisco (CVSF), ainda em 1948, e da CIBPU (Comissão Interestadual da Bacia Paraná- Uruguai), em 1952, são realizadas medidas precursoras, como a inclusão de várias cidades e/ou Estados em um plano compartilhado. No ano de 1959, foi criada a SUDENE (Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste), que foi seguida pela SUDAM (Superintendência de Desenvolvimento da Amazônia), pela SUDECO (Superintendência de Desenvolvimento do Centro-Oeste) e pela SUDESUL (Superintendência de 52 Desenvolvimento da Região Sul). Nesses termos, a administração de JK inaugurou uma fase específica do planejamento no Brasil, antes caracterizado pelo zoneamento e, nesse momento, pelo planejamento regional, por sua vez marcado pela experiência da Tenessee Valley Authority (TVA), criada em 1933, no contexto de mobilização promovida pelo New Deal da era Roosevelt (1933-1937), nos Estados Unidos. Refletindo em termos de rupturas, as propostas urbanísticas o governo de João Goulart (1961-1964), associadas à política “nacional-reformista” que procurou afastar-se do alinhamento com Washington, priorizou pautas que criticavam o meio urbano como mero local de acumulação capitalista. Para além da expensão universitária que, para Leme (1999), foi um ponto essencial de consolidação do planejamento urbano no país, houve um forte viés político na abordagem dos problemas urbanos. A perspectiva está relacionada com o acesso à cidade, que sustentou debates entusiasmados em torno da chamada Reforma Urbana. Listou-se, entre os objetivos, o “planejamento urbano a longo prazo, o estabelecimento de prioridades nas políticas urbana e habitacional, a utilização de terrenos abandonados e sem uso e a mais justa distribuição dos recursos financeiros” (WILHEIM apud VERRI, 2014, p. 70). A proposta foi articulada junto ao Seminário de Habitação e Reforma Urbana: o Homem, sua Casa, sua Cidade, realizado nas cidades de São Paulo e Rio de Janeiro. O encontro foi promovido pelo IAB, mas contou com apoio do Instituto de Previdência e Assistência dos Servidores do Estado (IPASE). Em termos contextuais, coincidiu com a ocorrência do 1° Congresso Camponês, efetuado em Belo Horizonte no ano de 1961, com forte apelo às demandas agrária e urbana, no que tange à desapropriação social e à articulação da política habitacional com a agrária. Conforme Pereira e Pontual: A primeira metade da década de 1960 foi marcada pelas reivindicações dos arquitetos quanto à institucionalização de uma política nacional de planejamento, e pela mudança do perfil do arquiteto a partir de suas preocupações sociais, tendo como contexto os problemas gerados por uma urbanização acelerada (...) (2008, P. 37) É importante ter em conta que o município, enquanto categoria de planejamento, não desapareceu da agenda governamental. A administração federal, 53 a partir da década de 1960, irá incorporar manifestações oriundas do âmbito técnico e intelectual criando, em 1961, o SENAM (Serviço Nacional de Assistência aos Municípios), que agia em colaboração com a ABM e o IBAM. O SENAM é proeminente, para além da valorização municipal em um contexto de fortalecimento de teorias de regionalização, pois, de acordo com Melo (1993, p. 62): foi o primeiro órgão federal de assistência federal e competia a ele desde a promoção de audiências das autoridades municipais com o Presidente da República ou a elaboração de anteprojetos de lei relativos a problemas municipais, até a organização de um cadastro completo da situação e necessidades prioritárias dos municípios. Como elemento de diferenciação, destaca-se que, tão embora o Município seja uma categoria valorizada, foi intuído como uma peça componente de engrenagens mais amplas. Pereira e Pontual (2009) sintetizam tais diferenças e afirmam que, a partir da década de 1950, os planos são projetados em termos regionais, ao passo que em 1930 referiam-se somente às áreas centrais e, nesse intervalo, a todo o perímetro urbano. Tão logo, no limiar entre as décadas de 1950 e 1960, o campo voltado da arquitetura e do urbanismo irá ser caracterizado por uma profusão de tradições e práticas. Em termos teóricos, o período é marcado pela atuação de três correntes: a primeira delas, possivelmente a mais conhecida junto ao público, é que tem origem no movimento modernista e se difundiu com os Congressos Internacionais de Arquitetura Moderna, os CIAM’s. De acordo com Adriana Gurgel: O programa moderno surge, assim, como um grande projeto midiático. As funções urbanas (morar, trabalhar, circular e recrear-se) configuram-se como formas de ação definidas a priori, onde cada ato deve acontecer conforme o plano: tudo tem seu tempo e seu espaço. O programa é elaborado e divulgado em diferentes suportes para sustentar, justificar e legitimar aquilo que se constrói como valor: a vida ordenada, higienizada, controlada, disciplinada. (2014, p. 368) Diferenciando-se da corrente ligada à arquitetura moderna, existia uma segunda corrente, a SAGMACS (Sociedade de Análise Gráfica e Mecanográfica Aplicada aos Complexos Sociais). Não menos conceitual, porém com preocupação social mais acentuada, foi fundada pelo padre dominicano francês Loius-Joseph 54 Lebret. Nessa condição, esteve próxima ao chamado Movimento de Economia e Humanismo45. Tratou-se de um escritório de pesquisa que realizou inúmeros trabalhos voltados ao planejamento urbano no Brasil entre as décadas de 1940 e 1960, destacando-se, dentro dos fins desta Tese, aquele voltado à área metropolitana de São Paulo, intitulado “Pesquisa da Estrutura Urbana da Aglomeração Paulista”, datado de 1957. A atuação do Pe. Lebret é relevante, entre outros quesitos, pelas atividades de assistência técnica implementadas. Não por acaso, os profissionais dessa corrente eram chamados de “agentes do desenvolvimento” e atuavam em países considerados subdesenvolvidos a partir de uma série de arranjos eclesiásticos e políticos (DE ANGELO, 2013, p. 23), focalizando em aspectos como periferia, favela, desenvolvimento e estruturação urbana (idem, p. 24). Conforme a autora: suas ações e o seu pensamento estavam muito além da conversão dos povos. Além de reformador social, sociólogo urbano e economista, Lebret era um grande articulador político. (...) assessorava governantes nas questões de desenvolvimento, instruía jovens estudantes em cursos de formação e formava técnicos engajados em economia humana, deixando um legado de pesquisas na América Latina, África, Ásia e Europa (...) (DE ANGELO, p. 24) Existiu, enfim, uma terceira linha, que é a mais cara a este trabalho, atenente ao segmento que se inicia com os planos de melhoramentos e que, ao ampliar o conjunto de sua área de atuação, recebeu novas nomenclaturas na década de 1960. Trata-se do grupo promotor do planejamento urbano integrado, isto é, aquele que “compatibiliza os aspectos físico territoriais, econômicos, sociais e institucionais, além de integrar, verticalmente, os planos nos níveis local, estadual, regional e federal, enquanto prática oficial da administração pública” (FRANCISCONI, 1971, p. 12). Os profissionais tocantes a essa linha destacam-se por sua atuação no ensino superior, na administração pública ou, ainda, em empresas de cunho privado eventualmente acionadas. A prerrogativa encontra na trajetória e nos estudos de Harry Cole um dos seus referenciais. Uma das principais legendas dessa noção de planejamento foi a ampliação analítica (não mais um planejamento meramente urbano, mas global), por sua vez manifestada na diversificação dos profissionais 45 O Centro de Estudos Economia e Humanismo foi fundado na França em 1941. 55 envolvidos: não mais apenas arquitetos e urbanistas, mas também geógrafos, economistas e sociológos. Feldman afirmou que: o conhecimento sobre a realidade urbano-industrial já está institucionalizado em diferentes campos disciplinares: nos cursos de arquitetura, de sociologia e de geografia, além da engenharia, o que garante condições para a dimensão multidisciplinar do planejamento que, desde a década de 1930, vinha sendo demandada (FELDMAN, 2009, p. 5) A busca pela reforma urbana, associada à organização de centros de pesquisa, por um lado, e a crescente institucionalização da área associada ao caráter monumental da tradição modernista, por outro, gerou um substrato técnico e ideológico peculiar no campo do planejamento urbano no Brasil. Segundo Verri: fruto de transformações no aparato burocrático-institucional no país, sua implementação só foi possível graças à importação de padrões estrangeiros que, adaptados, ao contexto socioeconômico do Brasil permitiu a incorporação de ideias que irão pautar o desenvolvimento do planejamento urbano integrado nas administrações locais brasileiras. (2014, op.cit. p. 75) Ressalta-se que os intervalos democráticos entre governos autoritários favoreceram a atuação nos meios acadêmicos e técnicos (institutos profissionais e acadêmicos) e da esfera privada (ação de imobiliárias, por um lado, e criação de escritórios de assistência, por outro). Essas características se condensaram ao longo da Ditadura Militar, momento em que a institucionalização estatal irá incorporar práticas dos campos técnico e acadêmico tanto quanto restringir outras. 2.2 O planejamento urbano durante a Ditadura Militar O irromper do Golpe Militar no Brasil acentuou o processo de planejamento da máquina pública estatal, configurado do ponto de vista institucional a partir da década de 1930. Uma revisão no âmbito federal demonstra que modificações na ossatura administrativa federal não foram novidades. Ainda no governo Goulart, uma reforma administrativa coordenada pelo Ministro Extraordinário Amaral Peixoto criou 56 a Comissão do Planejamento, em 1961, a Coordenação do Planejamento Nacional, em 196346 bem como o próprio cargo de Ministro do Planejamento47. Foi nessa época que Celso Furtado foi nomeado como Ministro do Planejamento, sendo apontado como o primeiro da história do país. Antes disso, no governo de Juscelino Kubitschek (1956-1960), a implantação do Plano de Metas marcou a fase de planejamento nominada de pontos de germinação. Não à toa, a publicação “Reforma Administrativa em Marcha” se refere a essa fase como a “saída da pré-história no que se refere a conceitos, diretrizes e objetivos da reformulação administrativa brasileira”48 justificando que, pela primeira vez, os Ministérios adquiriram independência para efetivarem, por si mesmos, as ações referentes aos seus domínios. Csaba Déak refere o período entre meados da década de 1960 e o milagre econômico, como a “era de ouro do planejamento” no Brasil (1999), assim como Villaça (1999) que, embora preconize uma classificação ampliada, avalia a tela entre 1965 e 1971 como o auge do que chamou do planejamento marcado pela figura do plano diretor compreensivo e fundamentada na técnica e ciência. Isso porque as práticas relativas ao planejamento urbano estavam restritas “às investidas de algumas municipalidades mais ricas (...) sem qualquer coordenação ou integração/subordinação a uma política urbana de caráter nacional” (TONUCCI FILHO, 2012, p. 37) 2.2.1“Sangue, suor e lágrimas”: a questão urbana e a reforma administrativa pós-Golpe Reforma Administrativa é “sangue, suor e lagrimas”. É obra para mais de um governo, masque precisa ser deflagrada já. É essa lei de diretrizes que precisa sair. Uma lei que defina certos princípios que devem ser compulsoriamente obedecidos pelo Executivo, e que reconheça poderes a esse mesmo Executivo para efetuar a reforma administrativa.49 46 Decreto nº. 52.256 de 1963. 47 Decreto n.º 1.422, de 27.09.1962 48 MINISTÉRIO DO PLANEJAMENTO E COORDENAÇÃO GERAL. Reforma Administrativa em Marcha: atividades em 1967 e 1968. Brasil: Escritório da Reforma Administrativa, 1969. Acervo IAI Berlin. 49 Idem. 57 Foi durante a Ditadura que ocorreu o aprofundamento e a complexificação de medidas esparsas consagrando o planejamento a uma categoria institucional superior dentro do organograma estatal, considerando-se que os órgãos correlatos estavam associados ao departamento de Coordenação Econômica e não haviam recebido um Ministério específico. O processo foi conduzido pela grande reforma administrativa promovida após o Golpe, datada de maio de 1967, quando foi lançado no Brasil o Decreto-Lei nº. 200, principal ato referente ao rearranjo no país durante a Ditadura. O decreto buscou promover a chamada “operação “desemperramento” por meio de seus 215 artigos. Publicações especializadas sobressaem-se, tais como: “Resumo de Ação econômica do governo revolucionário (1964-1966)”; “Os novos instrumentos da Política de Desenvolvimento (1965)”; “Programa Estratégico de Desenvolvimento Diretrizes de Governo (1967)”; “Aspectos do Planejamento e Orçamento dos Estados (1972)”50, entre outros. Enquanto propostas principais, destacam-se o Plano Decenal de Desenvolvimento Econômico e Social (1967/76), e os não menos significativos Planos de Desenvolvimento (1971-1974;1975-1979). Tais produções eram uma parte significativa da concepção sistêmica de planejamento proferida por agentes, chamados por Albernaz (2012) de “mágicos do desenvolvimento”51. Esses agentes anunciavam o planejamento a longo prazo e a sua relação com o processo desenvolvimentista como os principais diferencias da Reforma Administrativa. Ernesto Geisel, Presidente do Brasil (1974-1979), ao expor as linhas de ação do seu governo, chegou a declarar: “o homem brasileiro, sem distinção de classe, raça ou região onde viva ou trabalha, é o objeto supremo de todo o planejamento nacional”.52 Encarado a partir desse conjunto de medidas, o Estado autoritário consagrou-se como um gerenciador e, também, como um planejador setorial. Reconhecendo modificações administrativas realizadas em outros momentos da 50 Todas podem ser acessadas no acervo da Biblioteca IPEA- Rio de Janeiro. 51 Para um aprofundamento da questão consultar o capítulo IV da Tese de Doutorado do Albernaz, intitulada “A Elite Estatal do Planejamento e a “Conquista do Estado”: Agentes Do Planejamento e “Mágicos” Do Desenvolvimento (1964-1982)”, p. 176-221. IN: ALBERNAZ, Cássio. Timoneiros dos Rumos da Nação: Carreiras e Trajetórias da elite estatal do planejamento do desenvolvimento Econômico e Industrial no Brasil (1934-1982). Tese De Doutorado. Programa e Pós-Graduação em História. PUCRS, 2012. 52 MINISTÉRIO DO INTERIOR. O homem como objetivo de todo o planejamento. Linhas de ação do Ministério do Interior no Governo Geisel. Marco Inicial de uma ação de equipe. Brasília: Secretaria de Divulgação do BNH, 1974. Acervo IAI Berlin. 58 história do país, como as promovidas sequencialmente desde o Estado Novo, os militares anunciaram a formação distinta do seu projeto com base nos seguintes pontos: a) planejamento b) coordenação c) descentralização d) delegação e competência; e) controle. 53 Nesses termos, ainda que os empenhos das administrações anteriores na organização do aparato estatal sejam reconhecidos, uma posição de diferenciação é adotada. Isso porque, na intuição dos militares não havia ocorrido, até 1964: um esforço dirigido para o planejamento global da máquina administrativa brasileira, cujo crescimento foi, de certa forma puramente vegetativo. A medida que as tarefas e responsabilidades aumentavam em relação à comunidade, desdobravam-se ou criavam-se Ministérios para atender aos novos encargos. 54 Em 1965, surge a CONSPLAN, Conselho Consultivo do Planejamento, presidido pelo Presidente da República e icônico do fortalecimento do poder executivo. Além disso, era indicativo do tecnicismo que cercava o conceito de planejamento, visto que previa, entre seus membros “quatro (4) técnicos de reconhecida competência profissional, sendo dois no campo da economia, um no campo da sociologia e outro no da engenharia, sendo dois deles, pelo menos, professores universitários”.55 O ideal de planejamento foi projetado em uma relação comparativa quanto à proposta de modificação estatal imediatamente anterior, o chamado “Projeto Amaral Peixoto”. Segundo os militares, o estudo proclamava uma “lei de estrutura”, materializada em um novo organograma, o que era ineficaz no processo de reforma administrativa56. Essa necessitaria ser projetada enquanto um sistema, a partir de diretrizes a serem cumpridas a longo prazo através de etapas. De fato, um dos principais diferenciais observados quanto à Reforma foi a mobilização total das esferas governamentais, pelas publicações concernentes ao 53 MINISTÉRIO DO PLANEJAMENTO E COORDENAÇÃO GERAL. Reforma Administrativa em Marcha: atividades em 1967 e 1968. Brasil: Escritório da Reforma Administrativa, 1969. Acervo IAI Berlin. 54 Idem, p. 9. 55 CONSPLAN. Os novos instrumentos da política de desenvolvimento. Secretaria Executiva da CONSPLAN. Ministério Extraordinário para o Planejamento e Coordenação Econômica. 1965. 56 MINISTÉRIO DO PLANEJAMENTO E COORDENAÇÃO GERAL. Reforma Administrativa em Marcha: atividades em 1967 e 1968. Brasil: Escritório da Reforma Administrativa, 1969, p.11 Acervo IAI Berlin. 59 Decreto de 1967. Sobre o “sentido do planejamento numa economia democrática” , lê-se, em obra datada de 1965 que: as decisões da política econômica governamental enfeixadas num Plano, não devem constituir providências esparsas e desconexas, mas representar o conjunto das medidas necessários para a concepção de certos objetivos globais prefixados. 57 O planejamento tornou-se indissociável da ideia de funcionalização, a partir do entendimento de que um órgão estatal só poderia operar obedecendo uma função pré-estabelecida em relação a outro órgão complementar dentro do sistema. Essa noção possui conexão com outro mote legitimador da Reforma Administrativa militar, o de descentralização. Arrolada como o entrave do funcionamento estatal, a centralização administrativa foi combatida em nível técnico e conceitual. Hélio Beltrão, Ministro do Planejamento, declarou em 1965 que: a reforma administrativa não é, basicamente, um problema de técnica de organização. É muito mais do que isto. É um problema de política ou de filosofia de administração. (...) A mais importante, a meu ver, é a centralização administrativa, que é a maior responsável pelo baixo rendimento e descrédito da administração pública.58 Ao introduzir a noção de sistemas e delegar funções específicas e autônomas a diferentes órgãos, almejava-se retirar o poder decisório de uma entidade central específica, com vistas a dinamizar o processo burocrático. Conforme Verri: o caráter autocrático da nova liderança militar também foi determinante para uma redefinição na influência, no acesso e na integração dos três níveis de governo, permitindo, assim, a criação de instrumentos necessários para a consolidação do planejamento urbano integrado no país. (2014, p. 87) 57 MINISTÉRIO DO PLANEJAMENTO E COORDENAÇÃO ECONÔMICA. Os novos instrumentos da Política de Desenvolvimento. Brasil, 1965, p. 4. Acervo IAI Berlin. 58 MINISTÉRIO DO PLANEJAMENTO E COORDENAÇÃO GERAL. Reforma Administrativa em Marcha: atividades em 1967 e 1968. Brasil: Escritório da Reforma Administrativa, 1969, p. XVI. Acervo IAI Berlin. 60 A pauta descentralização, no entanto, é passível de ser questionável quando se trata de abordar um período ditatorial. A interpretação retida é a de que, a despeito do enxugamento bucrocrático, o aparato estatal estava mais controlado, justamente por meio da sistematização promovida. Mas a distribuição de atribuições sob só era possível graças à crença de que as metas governamentais seriam executadas em quaisquer níveis, contando com o aparelho repressor instaurado e, não obstante, a funcionalização técnica promovida. Ainda que a existência de políticas desenvolvimentistas seja uma diretriz estrutural, o planejamento só foi exequível através da vontade política dos agentes que a promoveram as condições para sua implementação, inclusive, através das relações internacionais (CERVO, 2003, p. 08) Em outras palavras, a confiança no aparelhamento de Estado assegurava que o projeto de descentralização não ameaçasse o ideal de controle. Essa visão problematiza a ideia recorrente de que houve uma ruptura com a instauração da Ditadura Militar junto ao campo profissional dos arquitetos-urbanistas. Isso porque, ao passo que os debates pela Reforma Urbana foram silenciados, constata-se, por outro lado, que uma grande gama de técnicos foi absorvida pelos órgãos criados na nova esfera pública ditatorial, a despeito daqueles tantos perseguidos. A documentação proveniente do Serviço Público Federal lista, por exemplo, a criação de “Programas de Capacitação de Recursos Humanos para o Desenvolvimento Urbano” a serem promovidos entre o MINTER e o MINIPLAN nos Centros Regionais de Estudos e Pesquisas Urbanas (CERPU’s). Como justificativas, o documento listou “a operacionalidade da nova política urbana” que deveria “buscar conhecimento gradativo e cada vez mais aprofundado da realidade urbana brasileira em seus diversos aspectos, inclusive institucional” e a criação de “uma mão de obra qualificada para a formulação e implantação de políticas urbanas (...)”59. A iniciativa não foi isolada, tendo em vista que se contava com o “Programa de Capacitação de Recursos Humanos para o Desenvolvimento Urbano”, direcionado aos programas de Mestrado da Universidades Federais do Rio de Janeiro e do Rio Grande do Sul e com cursos de extensão da Universidade Federal de Pernambuco e Estadual de São Paulo60. 59 Serviço Público Federal. Processo nº. 296960. Versão Preliminar. Acervo MINTER/AN BSB. 60 Idem, p. 2. 61 Cabe problematizar seu papel frente à atuação do Estado, afinal: compreende-se os referidos “arquitetos-planejadores” e demais profissionais ligados à questão urbana no período nem como colaboradores estritos do esquema autoritário desenvolvimentista, tampouco como opositores silenciados, já que boa parte dos planos foi realizada com apoio do Estado. Entre profissionais previstos para comporem os CERPU’s, por exemplo, figuravam membros da CAPES, do BNH, das Superintendências Regionais, do IPEA, além dos Diretores das entidades metropolitanas as quais se vinculavam, dos reitores das Universidades citadas e do Secretário-executivo da CNPU. Nessa direção, os CERPU’s se prevaleceriam de estruturas existentes, bem como do conhecimento técnico-acadêmico acumulado. A documentação corrobora que havia centralização do poder decisório em órgãos de cunho público e federal e que as articulações com os setores privado (empresas de assistência técnica) e acadêmico (universidades) eram recorrentes. 2.2.2 Coordenação (e controle): o aparato institucional Objeto por excelência do planejamento urbano, o território nacional foi transformado em alvo de uma sistemática organização que envolveu múltiplos níveis do Estado, ainda que sob rígida centralização. Se no momento imediatamente anterior ao início da Ditadura a problemática era debatida em associações como o IBAM e grupos técnico-profissionais como a SAGMACS, nesse novo momento ela foi concentrada pelo Estado. Tão logo, refere-se órgãos, autarquias e Ministérios que foram criados e/ou reorganizados no quadro em tela. Inicia-se com uma abordagem sobre o Ministério do Interior/MINTER que, ao lado do Ministério do Planejamento/MINIPLAN (e suas sequenciais renomeações), formou o mais alto escalão voltado ao planejamento urbano durante a Ditadura Militar, tendo em conta que abrigou as principais autarquias e órgãos dedicados ao tema. O MINTER surgiu a partir da divisão daquele que é um dos Ministérios do mais antigos da história do país, a saber: o Ministério da Justiça e dos Negócios 62 Interiores, cuja origem remonta ao início do período republicano61. Assim apareceram enquanto esferas independentes o Ministério da Justiça e o Ministério do Interior, sob o qual intenciona-se lançar luz nesse momento. O Ministério absorveu competências, também, do Ministério Extraordinário para Coordenação dos Organismos Regionais, cujo surgimento é vinculado ao golpe de 196462. Foram incluídas entre as competências do MINTER: I – o desenvolvimento regional; II – a radicação de populações, a ocupação do território e as migrações internas; III – os territórios federais; IV - saneamento básico; V - beneficiamento de áreas e obras de proteção contra secas e inundações e a irrigação; VI –assistência às populações atingidas pelas calamidades públicas; VII –assistência ao índio; VIII assistência aos municípios; IX - programa nacional de habitação63. Não à toa, entre os órgãos e autarquias que o MINTER comandou, em temporadas parciais ou integrais, estavam: as Superintendências de Desenvolvimento Regional (SUDENE, SUDECO, SUDESUL, SUDAM, SUFRAMA), o Serviço Federal de Habitação e Urbanismo (SERFHAU), o Banco Nacional de Habitação (BNH), o Banco da Amazônia (BASA), o Banco do Nordeste do Brasil (BNB), o Departamento Nacional de Obras contra as Secas (DNOCS) e o Departamento Nacional de Obras e Saneamento (DNOS). Posto esses dados, chama-se a atenção para o fato da questão urbana estar inserida em um campo mais abrangente daquele que historicamente a reivindicou, a partir da arquitetura e do urbanismo. O tópico foi incluído no no Plano Decenal de Desenvolvimento Econômico e Social, publicado em 1967, e detalhado na seção “Desenvolvimento Regional e Urbano” que versava, prioritariamente, sobre as diretrizes para a formulação de uma política de desenvolvimento regional e a regionalização dos programas industriais64. Nessa direção, a problemática urbana só será avaliada com exclusividade e em nível ministerial, quando o MINTER perdeu as atribuições relativas à categoria 61 Lei n. 23, de 30 de outubro de 1891, por sua vez relacionado Decreto de 3 de julho de 1822, que criou a Secretaria de Estado dos Negócios da Justiça. 62 Lei n. 4344, de 21/06/1964. 63 MINISTÉRIO DO INTERIOR. Jurisdição e Competência. Rio de Janeiro: Rio Gráfica e Editora, 1967, p. 4. Acervo IAI Berlin. 64 MINISTÉRIO DE PLANEJAMENTO E COORDENAÇÃO GERAL. Plano Decenal de Desenvolvimento Econômico e Social. Tomo VII. Vols. 1 a 6. (Desenvolvimento Regional e Urbano). Documento preliminar. Rio de Janeiro: IPEA, 1967. Acervo IPEA/RJ. 63 território, com a criação do Ministério do Desenvolvimento Urbano e Meio Ambiente, na década de 198065. Sem embargo, apesar das inúmeras reinvindicações que remontam aos tempos dos congressos promovidos pelo IBAM, não foi criado um Ministério do Urbanismo e/ou do Desenvolvimento Urbano. O estado ditatorial desprezou as sugestões feitas pelo própria Organização do Estados Americanos (OEA) e sua proposta de criação de um Departamento Nacional de Urbanismo, elaborada em 1941 (FARIA, 2015). O mais próximo disso foi o MINTER, voltado ao gerenciamento territorial como um todo, incluindo fronteiras (territórios federais como Amapá, Rondônia, Roraima), populações (destaque para migrantes e indígenas) e, enfim, ao urbanismo (cortejado, com notoriedade, a partir do aspecto habitacional). Ecos desse debate são deduzíveis, por exemplo, em ofícios do referido Ministério. Em documento que abordava a criação do Sistema de Desenvolvimento Local, em meados da década de 1970, o Superintende responsável clamada às autoridades para que fosse criada, ao menos, uma “Secretaria Especial de Desenvolvimento Urbano” com vistas a fornecer paridade hierárquica entre os setores urbano e ambiental por parte do governo central, “em face dos investimentos e atuação já previstos no PND”66. A constatação de que a questão urbana fazia parte de uma estrutura políticoadministrativa muito mais ampla do que o campo acadêmico/profissional que a delimitava é uma interessante brecha para referenciar-se o outro Ministério considerado fundamental no quadro institucional ao qual se busca reconstruir. Trata-se do Ministério do Planejamento. O MINIPLAN possuía, a priori, a função de coordenação econômica e detinha sob o seu poder, nessa época, o Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico (BNDE). Mas, no início da década de 1970, o planejamento assumiu um caráter mais global, não estando mais essencialmente relacionada a esfera financeira, tal como era o caso da CONSPLAN. Sob responsabilidade de Ministério foram incluídos a FINEP – Financiadora de Estudos e Projetos S/A, o IBGE- Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística e o IPEA – Instituto de Planejamento Econômico e Social. 65 Decreto n. 91145 de 15/03/1985. Este novo ministério teve duas alterações de nome: Ministério da Habitação, Urbanismo e Meio Ambiente (MHU - decreto n. 95075, de 22/10/1987), e Ministério da Habitação e Bem-Estar Social (MBES - decreto n. 96634, de 02/09/1988). 66 Ofício/SG/SDL/068 ao MINTER, 19 de dezembro de 1974. 64 Foram designadas como competências do MINIPLAN: I - Plano geral do Governo, sua coordenação e a integração dos planos regionais; II - Estudos e pesquisas socioeconômicos, inclusive setoriais e regionais; III - Programação orçamentária; proposta orçamentária anual; IV - Coordenação da assistência técnica internacional; V - Sistemas estatístico e cartográfico nacionais; VI Organização administrativa. Conforme pode-se aferir, esse Ministério também detinha sob sua responsabilidade atividades que perpassavam o campo urbanístico e, não obstante, outra categoria chave para a composição desse estudo. Ao MINIPLAN foram agregadas outras instituições, complexificando o organograma voltado ao Ministério. Em 1972, foi criado o Sistema Federal de Planejamento (SFP) e, dois anos após, o Ministério alterar-se em uma Secretaria diretamente ligada a Presidência da República - a SEPLAN, confirmando não só a importância do setor junto ao governo como o seu caráter executivo. Nessa condição, assumiu as seguintes atribuições: I - a coordenação do sistema de planejamento, orçamento e modernização administrativa, inclusive no tocante ao acompanhamento da execução dos planos nacionais de desenvolvimento; II - a coordenação das medidas relativas à política de desenvolvimento econômico e social; III - a coordenação da política de desenvolvimento científico e tecnológico, principalmente em seus aspectos econômico-financeiros, ressalvada a competência deferida à Secretaria Geral do Conselho de Segurança Nacional; IV - na coordenação de assuntos afins ou interdependentes que interessem a mais de um Ministério, a SEPLAN se tornaria, pelo comando de seus ministros, o centro das decisões econômicas do país. Sob competência da SEPLAN estavam órgãos diretamente relacionados ao gerenciamento e estudo da questão urbana no país, como as Fundações Instituto de Planejamento Econômico e Social (IPES), o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), além do Conselho Nacional de Pesquisas (CNPq). Voltando-se o olhar agora para as autarquias, a primeira a ser mencionado, não por acaso, é a mais famosa entidade relacionada ao planejamento urbano no Brasil durante o período militar: trata-se do SERFHAU, o Serviço Nacional de Habitação e Urbanismo. Sua sigla coloca lado a lado o planejamento urbano com aquele que era o foco das preocupações dos especialistas e do Estado, a moradia. Foi criado em 1964, através da Lei n.º 4.380, juntamente com o Banco Nacional da 65 Habitação (BNH), as Sociedades de Crédito Imobiliário e as Letras Imobiliárias. O artigo 1º da referida Lei indica que essa irá dispor sobre: a política nacional de habitação e de planejamento territorial, coordenando a ação dos órgãos públicos e orientando a iniciativa privada no sentido de estimular a construção de habitações de interesse social e o financiamento da aquisição da casa própria, especialmente pelas classes da população de menor renda. Infere-se com base do trecho compartilhado que o SERFHAU foi criado, inicialmente, mais como um órgão voltado às políticas compensatórias habitacionais, a despeito do planeamento urbano com alto respaldo técnico e acadêmico que irá acabar promovendo. Ainda que o órgão tenha representado avanço em termos de valorização da questão urbana pelo Estado, é necessário ponderar que a autarquia, em termos institucionais, estava ao lado de entidades como o SENAM e do Serviço de Proteção aos Índios67, ou seja, vinculado a quesitos territoriais e não essencialmente urbanas. Isso porque o SERFHAU absorveu, enquanto entidade, as funções da antiga Fundação da Casa Popular, criada na década de 1940. Através de um ofício datado de 197568, lê-se que que todos os imóveis construídos pela antiga FCP passariam a ser administrados pela Caixa Econômica Federal, tal como posteriormente ocorreria com aqueles empreendimentos do BNH. Tal quadro irá mudar a partir da regulamentação do órgão, que aconteceu em 1966, composto pelo EPEA, no qual já o primeiro artigo indica que o SERFHAU como uma: entidade elaboradora e coordenadora da política nacional no campo de planejamento local integrado, estabelecida dentro das diretrizes da política de desenvolvimento regional em articulação com o Ministério do Planejamento e o Ministério de Coordenação dos Organismos Regionais. 69 Na Política de Desenvolvimento Urbano do Plano Decenal, definiu-se como um plano integrado como aquele que avaliava aspectos regionais além dos locais, e que eles deveriam abranger estudos e proposições para os setores econômico, 67 Informação retida de: MINTER. Jurisdição e Competência. Rio de Janeiro: Rio Gráfica e Editora, 1967. Acervo IAI Berlin. 68 Ofício SERFHAU/GS/574/75 de 13/05/195. Acervo MINTER/AN BSB. 69 Decreto 59.917, de 30 de dezembro de 1966. 66 social, físico-territorial e institucional70. Apesar dessa tipologia de Plano usualmente ser avaliada em relação ao meio urbano, é válido ressaltar que os planos integrados não foram direcionados unicamente às grandes cidades. No programa de ações do MINTER, por exemplo, são citados o “Plano integrado da Lagoa Mirim” e o “Plano Integrado do Litoral Sul de Santa Catarina”.71 Essa perspectiva fio ressaltada em 1969, quando da criação junto ao MINTER do Plano de Ação Concentrada/PAC, que destinou ao BNH, ao SERFHAU, à Superintendência do Sistema Financeiro e Saneamento/SSFS e ao Serviço Nacional dos Municípios/SENAM a tarefa de promover, por etapas, o Desenvolvimento Local Integrado de comunidades urbanas em todo o país, através do desenvolvimento regional e do programa habitacional. Foge aos objetivos desta tese mensurar a efetivação e/ou impacto das diretrizes e ações propagadas pelo SERFHAU, indicando-se trabalhos competentes nesse domínio72. Da existência do órgão para os fins dessa seção, retêm-se conclusões como as expostas por Feldman: Com o SERFHAU, o marco institucional federal do planejamento associado à política habitacional se concretiza, sem que seja conferido ao órgão o estatuto de Ministério. Formalizam-se as condições para criação de instituições estaduais, metropolitanas e municipais e incentiva-Se criação de órgãos permanentes de planejamento e desenvolvimento local. A atividade de assistência técnica aos municípios também se institucionaliza em nível federal e estadual. A regulamentação estabelece, pela primeira vez, a chancela de um órgão federal para contratação, pelos governos municipais, de empresas de consultoria para elaboração de planos. (2010, p. 8) A profunda setorização privilegiada no período separava as entidades de organização e execução de diretrizes técnicas daquelas que financiavam as obras. O financiamento de ações na área habitacional, por exemplo, foi condicionado ao Banco Nacional de Habitação que foi criado junto com o SERFHAU73. Inicialmente, a 70MINISTÉRIO DE PLANEJAMENTO E COORDENAÇÃO GERAL. Plano Decenal de Desenvolvimento Econômico e Social. Tomo VII: Desenvolvimento Regional e Urbano, 1967. Acervo IPEA/RJ. 71 REIS, Maurício Rangel. Ação do Ministério do Interior. Conferência pronunciada na Escola Superior de Guerra. Brasília: IBGE, 1976, p. 48-49. Acervo IAI Berlin. 72 Ver Mota (2007); Feldman (2010); Ferreira (2007). Para o caso específico do Rio Grande do Sul consultar Verri (2014). 73 Lei nº 4.380, de 21 de agosto de 1964. 67 entidade era submetida ao Ministério da Fazenda, sendo depois abrigada pelo Ministério do Interior74 e tão logo tornando-se uma empresa pública75. A função primordial do BNH era fornecer créditos imobiliários através do gerenciamento do FGTS (Fundo por Garantia de Tempo de Serviço), da formulação e implementação do Sistema Financeiro da Habitação (SFH) e do Sistema Financeiro do Saneamento (SFS). Entre as suas atribuições estava, inclusive, a manutenção dos fundos que seriam direcionados ao SERFHAU. Nesses termos, o banco é apontado um dos marcos do desenvolvimento urbano no Brasil e sua criação foi uma tentativa do apaziguamento daquele que era cotado como o principal problema urbano do paísl: a habitação. Um dos desdobramentos mais conhecidos do BNH foi a criação das COHABS (Companhias Metropolitanas de Habitação) em diversos Estados do país. Tratam-se de sociedades de economias mistas que atuavam na providência de habitações para as camadas mais pobres da população, através da promoção de condomínios de baixo custo. Em termos arquitetônicos, as residências caracterizam-se pelo padrão geminado e/ou, no caso de edifícios, blocos homogêneos configurados a partir do que foi chamado de padrão mínimo de moradia. Determinantes institucionais e legislativos irão corroborar o consenso de que a habitação teve um significado diferenciado no período76: as ações promovidas pelo BNH encontram a sua historicidade nos famosos IAP’s (Institutos de Aposentadoria e Pensões) promovidos durante o as primeiras administrações do governo de Getúlio Vargas, quando foi permitida a utilização desses recursos capitais para a construção de moradias. São importantes de serem citados enquanto precursores de um provimento em maior escala e de produção direta do Estado para a moradia do trabalhador. Além disso, vale sopesar que a habitação, era compreendida mais como uma instância social do que propriamente ligada ao setor urbano. Com efeito, não se fala em habitação nos programas voltados ao desenvolvimento regional ou urbano. O componente habitacional costumava figurar ao lado de programas de interiorização 74 Decreto nº 60.900, de 26 de junho de 1967. 75 Lei nº 5.762, de 14 de dezembro de 1971. 76 Para consultar uma retrospectiva em termos do fator habitacional no Brasil, ver: CHIARELLI, Ligia M.A. Habitação social em pelotas (1987 – 2010) influências das políticas públicas na promoção de conjuntos habitacionais. Tese de Doutorado (Programa de Pós-Graduação em História). PUCRS, 2014. 68 e de políticas indigenistas, associando o tema à problemática social, em acordo com as linhas da ação sugeridas pela administração do governo Geisel.77 Mas nem só da promoção da habitação popular se constituiu o BNH: durante uma temporada, a entidade foi responsável pelo SERFHAU bem como pelo FIPLAN (Fundo de Financiamento de Planos de Desenvolvimento Local Integrados)78. Para obtê-lo, era preciso preencher um Formulário de Informações Básicas, tanto para planos conjuntos quanto integrados. Cabe mencionar a articulação – passível de ser encarada como uma profunda setorização burocrática – entre as entidades citadas, visto que: dentre as exigências para a liberação de recursos destaca-se a criação de órgãos de planejamento e desenvolvimento local permanentes pelos solicitantes e a aceitação, por parte destes, da assistência técnica julgada necessária pelo SERFHAU, cujas despesas decorrentes seriam incorporadas ao próprio financiamento. (NYGAARD, 2007, p. 10) Registra-se que essa interlocução permitiu a abertura para as empresas privadas de consultoria de engenharia e arquitetura que, cadastradas no SERFHAU, poderiam ser contratadas, conforme é atestado pelos inúmeros cadastros e propagandas situadas junto ao MINTER. Serra diz, nessa direção, que muitas vezes o suposto âmbito técnico era contaminado pelo aspecto político e econômico: A natureza dessa ingerência podia ser explícita e ideologicamente fundamentada nos princípios gerais do planejamento centralizado ou referir-se a questões político-partidárias. Nesse último caso, enquadrase a transferência em massa de prefeitos para o partido do governo, com o objetivo de não prejudicaram suas cidades que, de outra forma, estariam excluídas das benesses federais. (SERRA, 1991, 149) A partir da segunda metade da década de 1970 a ideia de integração institucional firmou-se sobre aquela de particularização, mesmo que órgãos como o Sistema de Planejamento Local Integrado e o Fundo de Financiamentos de Planos de Desenvolvimento Local Integrado (FIPLAN) existissem desde a década de 77 MINISTÉRIO DO INTERIOR. O homem como objetivo de todo o planejamento. Linhas de ação do Ministério do Interior no Governo Geisel. Marco Inicial de uma ação de equipe. Brasília: Secretaria de Divulgação do BNH, 1974. Acervo IAI Berlin. 78 Decreto 59.917/66: criação do FIPLAN. O regulamento foi aprovado pelo BNH em fevereiro de 1967 (RC n.º 4/67). 69 1960.79 Se, no momento anterior, a percepção de dividir tarefas de acordo com critérios racionais e burocráticos era privilegiada, agora, a inclusão de órgãos e entidades em um sistema operacional ampliado era percebido como a solução de planejamento. Não por acaso, o SERFHAU foi extinto em 1975 com base na justificativa de que “era desnecessário, entre outros órgãos, em face da maior amplitude das atividades do Banco Nacional de Habitação”80, a despeito da composição realizada dentro de suas competências de inúmeros “planos de desenvolvimento em nível urbano, microrregional e metropolitano”81 e da “maior biblioteca do Brasil especializada em desenvolvimento urbano”82. Um documento datado de agosto de 1974, referente à “proposta para a criação de um Sistema de Operação para o Desenvolvimento Urbano e Local”, indica que essa tarefa só poderia ser cumprida “através da atuação das DDL’S na prestação de assistência técnica, elaboração de normas e promoção de instrumentos técnicos e financeiros, suprindo as deficiências de meios de execução desse trabalho”83. Isso porque uma das principais críticas direcionadas ao SERFHAU era, justamente, a “a dificuldade de contato técnico diretamente com os municípios”84. Diante desse problema, a institucionalização incluiu, também, o treinamento de técnicos. Inúmeros processos decorrentes dos MINTER e do MINIPLAN informam sobre o envio de funcionários dos órgãos ligados à administração urbana ao exterior, para participação em congressos e cursos da área. Em 1971, por exemplo, sugeriu-se que funcionários da administração federal frequentassem cursos de Pós-Graduação na Universidade Federal da Paraíba com vistas à preparação de especialistas para implemento do Plano Nacional de Irrigação. Nesse sentido, ao passo que desejava-se otimizar as atividades de planejamento, a centralização institucional se fortalecia, conforme explícito em organogramas institucionais anexos aos ofícios do MINTER, que sugerem uma configuração institucional baseada em elementos tais como: i) cabeças de sistema; 79 Decreto 59.917/66. 80 Processo n.º 1037 do Serviço Público Federal, de 26/06/1985. Acervo SEPLAN/AN BSB. 81 Ofício/SG/SDL/068 ao MINTER, de 19 de dezembro de 1974. Acervo MINTER/AN BSB. 82 Idem. 83 Documento n.º 220054, agosto de 1974. Acervo MINTER/AN BSB. 84 Ofício/SG/SDL/068 ao MINTER, de 19 de dezembro de 1974. Acervo MINTER/AN BSB. 70 ii) órgãos executivos iii) meios iv) implementação.85 A política de desenvolvimento urbano estava sendo burocratizada: caberia a um órgão fornecer recursos financeiros, a outro a assistência técnica e, ainda, ao MINTER, coordenar e autorizar todas as atividades solicitadas. Outro exemplo dessa constante setorização, foi a criação de órgãos para o financiamento dos planos, caso do Fundo Nacional de Desenvolvimento Urbano (FNDU)86, e sua execução, como o Programa Estratégico de Desenvolvimento (PED), que avaliava o sistema nacional de planejamento local e as primeiras experiências dos planos de desenvolvimento local integrado e previa: i) análise da estrutura especial do Brasil; ii) modificações previsíveis dos fatores que afetam o desenvolvimento urbano; iii) análise das estruturas institucionais existentes87. Fizeram parte dessa concepção de organização, que foi a segunda tentativa do MINTER de atender de forma mais satisfatória o desordenado crescimento urbano, além da CNPU, órgãos como o Sistema de Desenvolvimento Local (SDL), o Centro de Informações para o Desenvolvimento Urbano Local (CIDUL) e o Instituto Nacional de Desenvolvimento Urbano e Local (INDUL). Tais entidades pioneiras serão as responsáveis pela elaboração e implantação dos Planos de Desenvolvimento de Regiões Metropolitanas. 2.2.3. Um “arquipélago dissociado”: o projeto nacional de regionalização Ao lado do projeto de funcionalização das cidades por meio dos projetos de planejamento integrado, pode-se fazer referência ao chamado programa nacional de regionalização88, cujas atribuições estavam sob domínio do MINTER. Em um país considerado sem equidade territorial e no qual a problemática urbana era aquilatada uma problemática social (vale lembrar que a falta de moradia era associada à pobreza e a industrialização ao desenvolvimento), o conhecimento sobre o território 85 Idem. 86 Lei nº 6.256/75. 87 BRASIL. Programa Estratégico de Desenvolvimento: tabelas de recursos e aplicações por programa. 1968-1970. MINIPLAN. Brasília, 1971, p. 11. 88 Nesta tese, utiliza-se o termo regionalização como sinônimo de desenvolvimento regional, tendo por base a definição de Ferrari (2004, 321), que definiu a regionalização como um processo de formação de regiões de planejamento por um mecanismo socioeconômico espontâneo ou política a partir da estruturação de sua economia. 71 passou a ser enfrentado a partir de uma visão total e não somente limitada aos grandes núcleos populacionais, visto que estava sendo promulgado o: Desenvolvimento regional integrado, emprestando-se ordenamento nacional ao progresso brasileiro, dando-se dimensão continental a uma economia que se marcava pela transformação do País num arquipélago dissociado.89 (1967, p. 3) Programas de desenvolvimento regional e de atenuação de desequilíbrios foram incluídos em diversas publicações estatais90, inclusive aquelas essencialmente voltadas à economia, como é o caso da Programa de Ação Econômica do Governo Revolucionário (1964-1966).91 Ganharam, também, entidades próprias, caso do Programa de Integração Nacional/PIN, que englobava projetos como o PROTERRA, o PRODOESTE e o PROVALE92. Em sentido correlato a existência do PED em relação ao acompanhamento dos planos de desenvolvimento integrado, foi criado o SIPADE- Sistema de Informações para Planejamento e Avaliação do Desenvolvimento Regional. O território nacional vai ser notado, dentro dessa perspectiva, como um campo de práticas em prol do desenvolvimento, tendo em vista que “os espaços aparecem cada vez mais como se diferenciando por sua carga de capital” (SANTOS, 2013, op.cit. p. 143). Dessa forma, a centralização ditatorial foi legitimada pelo imperativo da integração, uma das legendas mais conhecidas do nacional-estatismo. Conforme Bomfim (2015, p. 367): o próprio nacional desenvolvimentismo e todos seus elaboradores, no Brasil, na França e em outros países, acreditavam na “correção”, a cargo do Estado, das desigualdades regionais, realizada por meio da penetração da industrialização e dos polos “modernos” da economia, de maneira a paulatinamente superar e vencer o “atraso”, postura que pareceria estar acima de qualquer ambiente políticoinstitucional. 89 MINISTÉRIO DO INTERIOR. Jurisdição e Competência. Rio de Janeiro: Rio Gráfica e Editora, 1967, p. 3. 90 Consultar, por exemplo: BRASIL. Pesquisa sobre polos de desenvolvimento e regiões homogêneas no Brasil. MINIPLAN – EPEA. S/d. Acervo Biblioteca IPEA/Rio de Janeiro. Também: BRASIL. Programa de Acompanhamento dos Planos Nacionais de Desenvolvimento. Normais Gerais. MINIPLAN: Secretaria de Planejamento. Brasília, 1974. 91 BRASIL. Programa de Ação Econômica do Governo Revolucionário (1964-1966). Ministério Extraordinário para o Planejamento e Coordenação Econômica. Brasília: 1967. 92 BRASIL. Programa de Acompanhamento dos Planos Nacionais de Desenvolvimento. Normais Gerais. MINIPLAN: Secretaria de Planejamento. Brasília, 1974. 72 A atenção dispensada a essa categoria foi ampliada para fins de interligação, ocupação e, enfim, domínio técnico, configurando o planejamento regional como uma função de governo. Vale mencionar que o chamado grande projeto de regionalização do Brasil foi iniciado durante os governos de Jânio Quadros e João Goulart e encontra respaldos em propostas lançadas por Getúlio Vargas durante o Estado Novo. Mas os militares que levaram o projeto à cabo: em 1964, logo após o Golpe, foi criado o Ministério Extraordinário para Coordenação dos Organismos Regionais93 com da prerrogativa da existência das Superintendências regionais, criadas no decorrer da década de 1950. O IBGE reconheceu e institucionalizou os conceitos teóricos de polarização e homogeneidade através de publicações tais como “Subsídios à Regionalização (IBGE, 1968) e a Divisão do Brasil em Microrregiões Homogêneas (IBGE, 1970). Um dos primeiros passos dentro do projeto militar de desenvolvimento regional foi a criação de órgãos para a coleta de informações e índices sobre a sociedade, o território e a economia do Brasil. Entidade de destaque, dentro desse âmbito, foi o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada/IPEA, criado em 1964 com a nomenclatura de Escritório de Pesquisa Econômica Aplicada/EPEA, tão logo assumiu a sua sigla atual, em 196794. Ao longo de sua trajetória institucional, o IPEA notabilizou-se na formulação de políticas públicas e programas de desenvolvimento a sucessivas administrações. Tal como as instituições vinculadas ao planejamento, era essencialmente concernente à dinamização do campo econômico. A partir dessa perspectiva, relacionava diversos temas sociais, tais como: educação, saúde, urbanização, habitação e transportes, traçando diagnósticos e propostas: a sua função básica era proporcionar estudos e pesquisas sobre a economia e a sociedade brasileiras, gerando diagnósticos e projeções econômicas e sociais para formulação de políticas públicas por parte do Ministério do Planejamento e do governo federal, bem como proporcionar dados, informações e conhecimentos para a sociedade em geral. Em 1965, ele ficou vinculado ao Conselho Consultivo de Planejamento do Ministério (BARBOSA, ANO, p. 3) 93 Lei n. 4344, de 21/06/1964. 94 O EPEA foi renomeado pela Reforma Administrativa de 1967 para Instituto de Pesquisa Econômico-Social Aplicada e, posteriormente, para Instituto de Planejamento Econômico e Social, 1969. Em maio de 1990 se tornou Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada. 73 O IPEA se somou às atividades de pesquisa desempenhadas pelo IBGE no que diz respeito à sistematização de dados e chegou a encampar as funções desse órgão por alguns anos. As suas atribuições, doravante, estavam muito além da produção de conhecimento técnico. Entre as suas incumbências, situavam-se: IAuxiliar a Secretaria de Planejamento da Presidência da República a elaboração dos programas globais de governo e na coordenação do sistema nacional de planejamento; II - Auxiliar a Secretaria de Planejamento da Presidência da República na articulação entre a programação e os orçamentos anuais e plurianuais do Governo Federal; III - Promover atividades de pesquisa aplicada nas área econômica e social; IV - Promover atividades de treinamento para o planejamento e pesquisa aplicada. Em 1976, foi dividido: o Instituto de Pesquisa/INPES, de caráter mais acadêmico, ganhou sede no Rio de Janeiro. Na capital federal foi criado o Instituto de Planejamento (IPLAN), cujas atribuições são de caráter técnico. O IPEA foi criado com o diferencial, todavia, de divulgar dados para auxiliar o governo federal na formulação de políticas públicas e programas de desenvolvimento. Inúmeras publicações foram realizadas a partir desse desígnio, desde os Planos Decenais, até Planos de Desenvolvimento Econômico, Diretrizes para Regiões Metropolitanas, entre outros, tais como os projetos de colonização95. O II Plano Nacional de Desenvolvimento (1974), por exemplo, versava sobre a Política Nacional de Desenvolvimento Urbano/PNDU e é considerado o primeiro plano nacional a incorporar criticamente as clivagens regionais do país, tão embora conte com respaldo esparsos e medidas pontuais das administrações anteriores. Segundo Amendola: a concepção de ordenamento territorial para o governo brasileiro compreendia promover a organização da rede urbana em um sistema que satisfizesse as aspirações dos habitantes das diferentes regiões do pais, e traria como consequências a reorientação dos fluxos migratórios, através da orientação dos investimentos públicos e privados em sintonia com os objetivos do desenvolvimento regional; iniciaria um processo de descompressão urbana, reorientando investimentos para induzir o crescimento das cidades médias e núcleos interiorizados. (2011, p. 178) 95 As publicações do IPEA estão disponíveis nas bibliotecas da instituição, que está dividida em duas sedes: no Rio de Janeiro/RJ e em Brasília/DF. Consultar, por exemplo: CORRÊA, R. L; DAVIDOVICH, F. R. Centros de polarização do Brasil (metodologia adotada). In: Esboço preliminar de divisão do Brasil em espaços homogêneos e espaços polarizados. Rio de Janeiro: IBGE, Conselho Nacional de Geografia, Divisão de Geografia, 1967, pp.1-7. 74 O documento propôs estratégias para as regiões como o Nordeste, a Amazônia e Centro-Oeste, por vezes nominados de “ilhas de subdesenvolvimento”96 em consonância com a circulação de conceitos em nível transnacional. No mesmo sentido, sugeria-se a dinamização do núcleo industrial da região Centro-Sul, evitando sua centralização na área metropolitana de São Paulo97. A partir dessas prerrogativas, o entendimento era o de que as regiões deviam ser caracterizadas de acordo com elementos em comum ao território ao qual pertenciam e, sobretudo, responder ao projeto nacional de integração. Destaca-se, à título de exemplo, produções cartográficas decorrentes dessa intenção de organização territorial, seja em termos nacionais ou regionais. O mapa produzido pelo IBGE em parceria com o EPEA (Fig. 1), datado de 1964, é indicativo não só da elaboração econômica que perpassavam a organização territorial do Brasil como, também, o padrão de urbanização historicamente seletivo do país, ligado às cidades capitais e à zona litorânea. Dentro desse contexto, a Região Sul foi representada pela SUDESUL, em 1972 (Fig. 2) a partir do critério de polos e sub-polos regionais. i) produtora de alimentos e matérias-primas predominantemente originárias do setor agropecuário; ii) suporte tributário ao governo central; iii) produtora de divisas; iv) mercado interno de sustentação; v) fornecedora de excedentes populacionais para as áreas a serem ocupadas.98 Para isso, a região deveria consolidar-se como terceiro polo industrial do país e “simultaneamente, apoiar a política de descentralização industrial às áreas periféricas”99. Tais propósitos seriam promovidos pelo Conselho de Desenvolvimento Industrial/CDI e Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico/BNDE. Medida de 96 MINISTÉRIO DO INTERIOR. Jurisdição e Competência. Rio de Janeiro: Rio Gráfica e Editora, 1967, p. 4 97 Inúmeras medidas são lançadas nesse sentido, tais como: Programa de Polos Agrícolas e Agro minerais da Amazônia (Polamazônia), Programa de Desenvolvimento de Áreas Integradas do Nordeste, Programa de Irrigação do Nordeste, Programa Especial de Desenvolvimento do Pantanal, Programa de Desenvolvimento da Região Geoeconômica de Brasília, Programas de Colonização ao Longo dos Novos Eixos, Programas de Aproveitamento Integrado de Vales. 98 BRASIL. Aspectos Socioeconômicos da Região Sul. Vol. II – As funções da região no conjunto do sistema brasileiro. As ações a desenvolver. Versão preliminar. Brasília: MINTER/SUDESUL, 1974, p. 6. Acervo Biblioteca IPEA, Rio de Janeiro. 99 Idem, p. 9. 75 setorização que, aliás, tornou-se comum à época: usualmente, junto às autarquias e entidades, eram designados fundos de financiamentos ou bancos. Quando foi instituído o Sistema de Planejamento Local Integrado em 1965, Fig. 01 Carta do território brasileiro – População urbana / Série Polarização, 1964 IN: MINIPLAN/EPEA. Pesquisa sobre polos e regiões e desenvolvimento. Rio de Janeiro: 1968. Acervo IPEA Fig. 02 Região Sul: polos e sub-polos regionais 76 MINTER/SUDESUL. Aspectos sócio-economicos da Região Sul. Vol. II. As funções da Região Sul. 1974 Acervo IPEA 77 foi estabelecido o Fundo de Financiamento de Estudos de Projetos e Programas (FINEP). O BNH também passou a operar segundo essa lógica. Além de ser o financiador dos projetos do SERFHAU, em 1972, foram lançados três fundos de desenvolvimento urbano, cada um deles voltados às ditas regiões menos desenvolvidas do país: Nordeste, Leste, Centro-Oeste e Sul, Amazônica. Em relação a Região Sul, a SUDESUL realizou, com apoio da OEA, “uma análise territorial cujo objetivo era o de detectar, em sua área de atuação, os espaços que revelassem maior carência relativa à infraestrutura econômica e social (...)”100. Priorizou-se a área noroeste do Paraná, o litoral Sul de Santa Catarina e o sudoeste do Rio Grande do Sul, perfazendo 159 Municípios. A RMPA, dentro desse programa, não foi pensada a partir de seus limites administrativos, mas, como um “eixo” até a cidade de Caxias do Sul, na serra gaúcha, via BR-116, compondo um “grande complexo industrial”, correlato a outros existentes na mesma “grande região”, tais como o de Pelotas-Rio Grande e Blumenau-Itajaí-Joinville, em Santa Catarina101. O programa nacional de desenvolvimento regional foi alvo de ações executivas e envolveu a colonização de áreas consideradas inóspitas, a criação de novos Estados na Federação e o reconhecimento institucional de regiões enquanto entidades político-jurídicas. Não bastava somente rascunhar um novo território por meio de mapas, mas assegurar o acesso a elas. Para Schmidt: como outros países que experimentaram uma tardia integração no mercado capitalista mundial, o Estado no Brasil tem historicamente tentando ocupar plenamente o território nacional através de colonização dirigida ou subsidiada, através da construção de novos sítios urbanos, e pelo redirecionamento dos fluxos nacionais de urbanização originados nos padrões históricos de comércio. (1983, p. 9) Fator notório na relação entre desenvolvimentismo e território foi a permanência do incentivo às rodovias no país. Já em 1964, lançou-se o Plano Nacional de Viação, com um capítulo dedicado ao Plano Rodoviário Nacional, fixando nomenclaturas e diretrizes das rodovias que deviam interligar as capitais ao interior, as zonas de turismo, à fronteira, etc. (UEDA, 2007, p. 177-178). Destaca-se 100 Idem, p. 18. 101 Idem, p. 33. 78 que os traçados foram escolhidos em função dos serviços que deviam prestar, revelando o forte ideal de funcionalismo presente na organização territorial à época. Além da integração do território que se esboçava no período anterior, foram construídas as bases de uma verdadeira fluidez do território, processo corroborado com os avanços da informatização. O projeto atingiu, até mesmo, o território marítimo do Brasil: em 1970 foi ampliado de 12 para 200 milhas, contra a vontade dos EUA. O Jornal O Estado de São Paulo, em sua edição do dia 21 de fevereiro de 1973, saudava o então Presidente do país, Emílio Médici (1969-1974), divulgando o Plano Modular Integrado nacional, cujo “objetivo era ocupar vazios demográficos”.102 Um dos expoentes da perspectiva de interiorização e controle territorial foi o Projeto Rondon, em 1967. O projeto, recentemente reativado (2005), envolvia estudantes universitários na participação de atividades de caráter assistencial em aéreas de difícil acesso do país, principalmente nas regiões Norte e Nordeste. A essas áreas foram dirigidos os principais projetos que envolveram a construção de rodovias, o incentivo à habitação e à instalação de indústrias, entre outras medidas que legitimavam o mote “ocupar para não entregar”, associado aos governos militares. A proposta detinha respaldo histórico: a “Marcha para o Oeste”, promovida pelo Governo Vargas, foi uma conhecida tentativa de interiorização do país com vistas à manutenção da soberania nacional. Também a Constituição, elaborada sob vigência do governo de Gaspar Dutra (1946-1951), datada de 1946, já havia incluído artigos referentes à colonização de áreas, à defesa contra as secas, à valorização da Amazônia e a organização dos campos de viação, entre outras medidas. Apesar dos projetos de interiorização e dos diagnósticos de vazios demográficos, o Brasil apresentava relativa dispersão de centros urbanos quando comparado a países como a Argentina, onde 35% da população vivia em Buenos Aires, e a Venezuela, onde 21% dos residentes moravam na capital, Caracas103. Arthur Bernady Santana assevera o caráter excludente dessa visão de colonização, pois: 102 Recorte de jornal anexo à carta datada de 22 de fevereiro de 1973, sob protocolo n.º 382. Procedência Vergueiro Planejamento Serviços Ltda. Acervo MINTER/AN BSB. 103 BRASIL. BNH/EPEA Desenvolvimento Urbano no Brasil. Bases para a formulação de uma política nacional de desenvolvimento urbano e para a implantação de um Sistema Nacional para o Planejamento do Desenvolvimento Local Integrado. Brasília: BNH/EPEA, 1965, p. 4. 79 esse “vazio”, ao qual os textos e discursos dos governos militares se referem, nega a existência de mais de 170 nações biblioindígenas, desconhecendo que esse território era terra de ocupação antiga, que abrigava posseiros, garimpeiros, populações quilombolas, entre outros indivíduos. A política dos governos militares para a Amazônia, utilizou o lema “ocupar para não entregar”, como se aquela imensa região fosse um “vazio demográfico” (SANTANA, 2009, p. 3) Nesses termos, Monte-Mór argumenta que a visão equilibrada quanto à ocupação do território nacional era preconizada mais em termos conceituais do que efetivamente, visto que as cidades: correspondiam ao grande meio rentável do capital investido pelo Estado e pela iniciativa privada. Não era interesse dos governantes, desta forma, limitar a concentração de investimentos nestes locais ou promover a descentralização dos grandes centros urbanos, afinal, a própria geração de empregos urbanos era uma maneira de conter os conflitos sociais (apud VERRI, 2014, p. 104) Um dos críticos da indução de polos foi Bernard Kayser, geógrafo francês para quem a estrutura dualista do Brasil – com zonas voltas à exportação e outras totalmente à subsistência – não comportariam uma real integração. A proposta de regionalização, em termos de planejamento, esbarrou em questões como os limites administrativos e jurídicos que delimitavam as cidades e os Estados brasileiros. As dificuldades quanto ao projeto de desenvolvimento regional foram arroladas no Plano Decenal, em 1967: conhecimento desigual do território nacional; impossibilidade de tornar equivalente a hierarquia de partes do país, distanciadas no espaço e no tempo; falta de conhecimento da dinâmica regional e do fenômeno dominante capaz de identificar o tipo de região. 104 Envolta em críticas e de difícil operacionalização por parte do Estado, o projeto promovido pelo IBGE e pelo IPEA cedeu lugar, aos poucos, para a matriz norte-americana, já bastante influente junto à área do planejamento urbano. O que não anulou o fato de os críticos dos projetos de desenvolvimento regional terem se 104 MINISTÉRIO DE PLANEJAMENTO E COORDENAÇÃO GERAL. Plano decenal de Desenvolvimento Econômico e Social. Tomo VII Vols. 1 a 6. (Desenvolvimento Regional e Urbano). Documento preliminar. Rio de Janeiro: IPEA, 1967, p. 113. Acervo IPEA/RJ. 80 encontrado, muitas vezes, desafiados por efeitos contrários aqueles que objetivavam, como a nucleação urbana. O histórico relatado fornece suporte para a compreensão desse “complexo amálgama de influências causais” (SCHMIDT, 1983, p. 13) que vai definir as características gerais do planejamento urbano no Brasil entre as décadas de 1960 e 1970. O aparato estava montado: Estado fortemente centralizado, um background nas políticas de zoneamento e a incorporação de experts pelo aparato institucional criado. 2.3 Autoritarismo técnico e territorial Ao dar início a presente seção, confere-se destaque a uma afirmação do geógrafo Milton Santos, para quem: “a história do Brasil também é a história da sucessão de verdadeiros pactos territoriais. (...) A cada ruptura na forma de governo corresponderia um novo arranjo político-territorial” (1987, p. 101). Ainda que muitas das propostas em tela não tenham se constituído como novidades instituídas pelo governo das forças armadas, foi sob sua égide que foram criados órgãos, autarquias e ministérios servidos por amplos recursos para a condução da questão urbana. Não só a quantidade de instituições designadas no período, mas, igualmente, as tecnologias e os recursos financeiros aplicados, consagraram esse quadro temporal como peculiar, tratando-se da institucionalização do planejamento urbano. Isso implica em admitir que a questão urbana, no Brasil, esteve profundamente relacionada com medidas técnicas e autoritárias cuja união configurou, certamente, um novo pacto territorial no país: a situação do país, em 1964, é apresentada como irracional e passível de solução pelo emprego de meios técnicos adequados. Nesse ponto, o centralismo autoritário estabelece seu vínculo ideológico com o imperialismo, pois, nos países centrais, a situação dos subdesenvolvidos é apresentada também como fruto da irracionalidade e da incompetência administrativa. (SERRA, 1991, p. 146) 81 O planejamento urbano, nesses termos, se configurou como um campo profissional tanto quanto uma função de governo. Autores como Lamparelli, Camargo e George explicam que o Estado se tornou um normatizador das contradições do espaço interurbano, atuando como o próprio “produtor do espaço urbano” (2007, p. 13). Entre as “bases para a formulação de uma política nacional de desenvolvimento”, datada de 1965, incluíu-se a “política nacional como instrumento para alterar a estrutura da urbanização do país”105. O documento foi originalmente elaborado em 1966 por ocorrência do VI Congresso Interamericano de Planificação, em Caracas, e versa sobre a necessidade do planejamento integrado do desenvolvimento local e a integração desse modelo planejamento à estrutura nacional. A obra foi produzida pelo engenheiro Rubens M. Pereira, coordenador do Setor de Desenvolvimento Urbano do EPEA e membro do Grupo de Trabalho BNH/SERFHAU. Rubens, juntamente com o economista Aloísio Guimarães Mendes, é autor da obra “Estatuto do Planejamento Municipal Integrado”, editado pelo MINIPLAN em 1966, entre outras contribuições. O conhecimento sobre o território nacional passou a ser ampliado para fins de interligação, ocupação e, enfim, domínio técnico, tendo em vista que a centralização ditatorial era legitimada pelo imperativo da integração nacional. Mas tais práticas estiveram circunscritas para muito além das fronteiras do campo do planejamento urbano. Nesse período específico, sua estrutura esteve associada à criação do que parcela da historiografia dedicada à Ditadura Militar chamou de Estado de Segurança Nacional (ALVES, 1989) e fez parte da organização de um território de ordem, diante da situação avaliada como calamitosa. Conforme Serra: o advento do centralismo autoritário ocorreu em meio à crise do processo de urbanização acelerada e frequentemente é associado a ele. De fato, é entre os anos de 1950 e 1970 que ocorrem as taxas mais elevadas de crescimento da população urbana no Brasil. Ao final dos anos 50, às vésperas do golpe de 64, o processo encontrase em sua fase mais aguda, fazendo-se sentir na rede urbana brasileira todas as suas características mais críticas. (1991, 146) 105 BRASIL. Desenvolvimento Urbano no Brasil. Bases para a formulação de uma política nacional de desenvolvimento urbano e para a implantação de um Sistema Nacional para o Planejamento do Desenvolvimento Local Integrado. Brasília: BNH/EPEA, 1965. 82 Compreende-se o território nem como um fator pré-estabelecido, nem como um reflexo de práticas, mas por meio de uma dinâmica na qual “a organização política e a organização territorial da nação não podem ser consideradas como dados separados, mas devem ser pensadas unitariamente, como uma organização político-territorial” (SANTOS, 1987, op.cit, p. 190). Tão logo, o planejamento, no contexto autoritário, trata-se de uma “uma imposição de formas que se constituem também em uma imposição de técnicas na medida em que as formas respondem a finalidade e as estruturas” (MORAES, 2013, p. 40). 2.3.1 Preceitos e práticas Nos termos acima mencionados, cunha-se a expressão “autoritarismo técnico e territorial”, aplicado nesse estudo para se referir àquelas práticas decorrentes da institucionalização do planejamento urbano no Brasil a partir do início da Ditadura Militar, no que tange à nova organização conferida ao território nacional, incluindo o meio urbano. Afinal: “o território é imutável em seus limites, uma linha traçada em comum acordo ou pela força” (SANTOS, 2002, p. 232). O tema autoritarismo, abordado em outros trabalhos relativos à Ditadura Militar sob diferentes perspectivas106, como a educação, memória e política, do mesmo modo se fez presente pelas formas impostas aos territórios urbanos. A “força” em destaque não foi proveniente do aparato voltado à coerção (terrorismo de Estado) – ou não exclusivamente dele, ponderando-se as mudanças na ocupação dos espaços públicos devido à repressão. Aborda-se aqui, prioritariamente, as múltiplas formas de autoritarismo conduzidas por meio da técnica, respaldadas pelo conhecimento científico, autorizadas pela legislação e largamente difundidos por publicações especializadas. 106 À título de exemplo, pode-se recomendar coletâneas que contemplam boa parte da diversidade de temas que o assunto comporta: PADRÓS, ENRIQUE SERRA; BARBOSA, Vânia M. (Org.); LOPEZ, Vanessa A. (Org.) ; FERNANDES, Ananda Simões (Org.) . A Ditadura de Segurança Nacional no Rio Grande do Sul (1964-1985): História e Memória. 4 vol. 2 ed. Porto Alegre: CORAG, 2010; ABREU, Luciano; MOTTA, Rodrigo Patto Sá. Autoritarismo e cultura política: FGV, EDIPUCRS, 2013; REIS, Daniel Aarão; RIDENTI, Marcelo; MOTTA, Rodrigo Patto Sá (orgs). A ditadura que mudou o Brasil: 50 anos do golpe de 1964. Rio de Janeiro, Zahar. 83 O ideal de controle está formulado de maneira clara na ideologia da segurança nacional. A sociedade brasileira deveria funcionar como um sistema integrado, com as partes ajustadas ao ritmo do todo. O Estado militar teria o papel de regulador autoritário, capaz de eliminar e diluir os conflitos que porventura viessem a ameaçar sua integridade. (REIS,2014, p. 116). O território emerge como uma das categorias no qual o autoritarismo e o desenvolvimentismo irão se locupletar: colonização, desbravamento de matas, construção de estradas e diminuição de distâncias faziam parte da agenda nacional de planejamento. Entre as principais decorrências, figuram definições precisas de zonas de acordo com critérios econômicos; a massiva coleta de dados, enquanto meio de conhecimento e, portanto, controle; e inúmeras desapropriações, usualmente para fins industriais e não sociais. Em outras palavras, a questão urbana passa a ser uma pauta de desenvolvimento econômico nacional. Segundo Mauro Ferreira: Ganharia força entre os novos governantes do país a ideia que a intervenção passe a ter como objeto o próprio poder, na medida em que se apresentam as causas dos problemas sendo os entraves políticos do período anterior, entre 1946 e 1964 (...) (2007, p. 44) Parte-se da hipótese de que a técnica e a burocracia priorizadas pelo Estado ditatorial não anularam, necessariamente, embates e conflitos. É o que se pode aferir, por exemplo, através de alguns processos provenientes do acervo MINTER, aos quais toma-se como exemplo dois. No primeiro, um grupo de moradores de uma comunidade da cidade de Antenor Navarro, na Paraíba, atestaram contra o seu despejo por conta da construção de um “açude público”107, em Pilões/PB. O processo chama a atenção pois contêm dados sobre a história de vida de todos os moradores da região, ressaltando o seu vínculo com a terra há mais de 60 anos, inclusive, através de uma coleção fotográfica. Outros processos tratam da contestação de juros abusivos cobrados pelo Banco do Nordeste do Brasil quanto à aquisição de imóveis em Arapiraca/AL.108 107 Processo 266 MI/GAB/GB/72 DE 29.02.1972. MINTER. PRES.RESP.SECOR.15.897/72. DNOCS. ACERVO MINTER AN/BSB. 108 Processo 370/MI/GAB/GB/72 DE 10.03.1972. MINTER. PRES. REP.SECOR. 17.635/72.BNB. ACERVO MINTER AN/BSB. 84 O simulacro técnico que envolveu essas definições, a rigor, políticas, possui respaldo histórico: a aliança entre centralização e autoritarismo compôs a tônica de um processo que, em um primeiro momento, foi configurado como a principal via de superação das políticas oligárquicas na década de 1930, cunhando aquilo que foi chamado de “tecnoburocracia” (BONDUKI, 1998). No período em tela, foi observado um desdobramento em termos de uma “tecnopolítica” (HECHT, 2001 apud VIANNA, 2013, p. 04). O termo não é à toa, pois o conhecimento especializado figurava como uma solução racional e politicamente idônea. No que diz respeito ao autoritarismo, admite-se o planejamento: como uma técnica para a introdução de racionalidade nos processos de decisão e a correção dos objetivos fixados a priori, e tudo o que se opõe ao plano é contrário aos objetivos nacionais e deve ser legitimamente afastado, eventualmente por meios físicos. (SERRA, 1991, p. 147) A ciência foi mais do que um guia de justificativas teóricas e abstratas, mas um elemento com resultados práticos, formatador de técnicas e tecnologias aplicáveis aos planos urbanos. A categoria território passa a ser manejada em termos da fluidez e da circulação que é capaz de proporcionar. As técnicas aplicadas dotam os espaços de virtualidades e esses tornam-se operacionais. O ideal de progresso era associado ao desenvolvimento econômico e à industrialização, alimentado pela burocratização estatal e uma constante disciplinarização. Nesses termos, alerta-se que, muitas vezes, o planejamento urbano perdeu seu status científico e é delineado como uma “ideologia espacial” (SANTOS, 2003, p. 20), no momento em que se examina o seu caráter eminentemente político. Tais mecanismos não podem ser entendidos de forma dissociada ao contexto autoritário e repressor do período, pois “o sistema moderno de comunicação é parte do aparelho institucional criado para o desenvolvimento de estratégias de controle do território nacional” (RIBEIRO, 1991, p. 46). Conforme afirmou Geraldo Serra: à nível de planejamento urbano, a escamoteação das questões fundamentais aparecia na adoção da tese do “bem-comum”. Dessa forma, o plano não era feito como um instrumento de negociação de interesses conflitantes no espaço, mas como um instrumento de introdução de racionalidade no processo de implementação de ações tendentes a atingir os objetivos do bem-comum. (1991, p. 147) 85 Além disso, a presença da ciência e da técnica nos processos de remodelação de fronteiras eram essenciais às produções hegemônicas que necessitam do meio urbano para a sua realização. Os territórios do país serão pontuados em acordo com as informações que se relacionam a eles, sua capacidade de circulação e, ainda, as suas formas, pois essas são “ferramentas estratégicas utilizadas dentro de uma totalidade planejada para se encaminhar um objetivo” (SANTOS, 2004, p. 67). 2.3.2 Instrumentos e equipamentos Ao referir a união da ciência (no estabelecimento de prognósticos) e da técnica (na colocação de soluções) (VILLAÇA, 1999, p. 198), questiona-se quais os instrumentos utilizados para a elaboração de planos? Um dos pontos determinantes do planejamento urbano no decorrer da Ditadura Militar foi, além do aparato institucional e legislativo, a disponibilidade de instrumentos tecnológicos. Tão logo, não se trata só de falar em território, mas da construção de uma configuração territorial específica, que é formada “pelo conjunto de sistemas de engenharia que o homem vai sobrepondo à natureza, verdadeiras próteses” (SANTOS, 2013, op.cit. p. 41). Ressalta-se, de imediato, que os equipamentos mencionados devem ser compreendidos em um contexto historicamente específico: ou seja, não os avalia como produtos que se encerram em si mesmos, mas a partir do seu significado dentro da história da ciência e da tecnologia e pelos fins para os quais foram utilizados em prol do planejamento urbano nacional. De acordo com Serra: Uma das características do centralismo autoritário foram as metas quantitativas, sem referência a padrões qualitativos. Nesse sentido, a referência fazia-se a m², m³, km ou número de unidades, sem que houvesse precisão sobre a qualidade do objeto de que se tratava. (SERRA, 1991, p. 149) 86 Houve a geração de um território por meios de infraestruturas e tecnologias, como máquinas fotográficas de alta precisão, computadores, automóveis, aeronaves, entre outros instrumentos. As produções decorrentes desses instrumentos são fotos aéreas e documentos cartográficos, que delimitaram novas fases na historicidade desses dois suportes imagéticos no país. Inicia-se referindo a fotogrametria, cujo significado linguístico é revelador. A junção das palavras photos (do grego luz), gramma (algo desenhado) e metron (medir) sugerem um método não só de obter uma imagem e de utilizar essa imagem para fins de medidas e desenhos. A fotogrametria pode ser terrestre, de curtadistância e, também, espacial. É válido registrar que muitas imagens eram capturadas com o objetivo métrico, para realizar avaliações qualitativas dos territórios enfatizados. A técnica, no entanto, popularizou-se a partir de sua produção com o apoio de aviões, caracterizando o que é chamado de aerofotogrametria. Historicamente, sabe-se que a primeira foto aérea foi tirada em 1858 de um balão, para ser usada na confecção de mapas. Mas foi com a I Guerra Mundial que as aerofotos tornaram-se elementares, tendo sido cruciais na II Guerra Mundial, justamente pelo amplo conhecimento dos detalhes territoriais que proporcionavam. Em termos de histórico, a técnica é dividida em três fases: fotogrametria analógica, analítica ou digital. Conforme Böettge: As fotografias aéreas são importantes fontes de dados espaciais, os quais podem ser usados para diversos fins. Uma mesma fotografia aérea pode ser usada para mapeamentos de uso e cobertura do solo, geomorfológico, geológico, hidrográfico, etc. São, portanto, pertinentes a diversas áreas do conhecimento científico. (2012, p. 01) No Brasil, a fotogrametria passou a ser utilizada de forma sistemática desde a década de 1940, tendo atingindo o seu auge, não por acaso, nas décadas de 1960 e 1970, período em a Força Aérea Nacional empenhou seus recursos nessas produções. Desta forma, foram produzidos desenhos (mapas e plantas) a partir de fotos aéreas conduzidas por medições específicas. As pesquisas cartográficas foram 87 listadas entre prioridades, além dos trabalhos topográficos no Nordeste, no Relatório de Acompanhamento do I Plano Nacional de Desenvolvimento.109 Entre os principais diferenciais das fotos aéreas, lista-se o fato dessas serem geradas em escala, o que possibilitava cálculos de área e ou medições outras dos terrenos fotografados. Pares de fotografias aéreas proporcionam visão estereoscópica, possibilitando leituras em três dimensões e, assim, melhores panoramas. Böettge ressalta, ainda, “o reconhecimento de regiões num relativo menor tempo” (2012, op.cit. p.02). Diferentemente de fotografias registradas por um agente em um cenário específico como, por exemplo, o centro da cidade, as fotografias aéreas não tinham como objetivo registrar personagens citadinos ou a materialidade da urbe. O uso do avião, nesse caso, é um elemento indissociável do agente fotógrafo. Dentro do contexto de “interiorização” priorizado, a utilização desses recursos foi inovadora e largamente difundida, tendo sido a Força Aérea Nacional a responsável por essas atividades. Segundo Santos: “o novo meio geográfico (informatizado), graças ao seu controle em técnica e ciência, é indutor e condicionante de novos comportamentos humanos (...) que por sua vez constituem a base operacional de novos automatismos sociais” (ibidem, p. 52) Entre esses automatismos podem ser incluídos sucessivos processos de territorialização e desterritorialização, no sentido de não somente serem forjados novos territórios políticos, mas novas formas de ser e habitar esses territórios. O uso desses equipamentos não é entendido como (re)produtores diretos de um território previamente existente, mas como parte de criação deles. Fialho alertou que: “os mapas, entendidos como imagem e discursos, produzem, eles próprios, os objetos de que falam” (ibidem, p. 15). Isso não quer dizer que as imagens fotoaerogramétricas e os mapas produzidos a partir delas sejam elementos ficcionais e não estejam comprometidos com o contexto do qual são produto e produtores, mas que, sem dúvida, são permeados por indícios que merecem ser desnaturalizados. Parafraseando Harvey: “(...) longe de ser um simples espelho da natureza, do que é verdadeiro ou falso, os mapas reescrevem o mundo, como nenhum outro documento – em termos de relações de poder e de práticas culturais, 109 MINISTÉRIO DO PLANEJAMENTO. Relatório De Acompanhamento do I PND: exercício de 1973. Reservado. IPEA, 1973. 88 preferências e prioridades” (apud FIALHO, p. 16). Trata-se de perguntar, portanto, quais novos territórios serão gerados por meio exclusivo desses instrumentos? No caso do contexto enfatizado, os mapas englobam o que se chamou de composição técnica do território: as remodelações que se impõem, tanto do meio rural como no meio urbano, não se fazem de forma indiferente quanto àqueles três dados: ciência, tecnologia e informação. Em consequência, aparecem mudanças importantes, de um lado, na composição técnica do território pelos aportes maciços de investimentos em infraestruturas, e, de outro lado, na composição orgânica do território, graças à cibernética, às biotecnologias, às novas químicas, à informática e à eletrônica. (SANTOS, 2013, op.cit, p. 39) A aerofotometria está diretamente ligada à ascensão do campo da informática no Brasil, que foi igualmente determinante para as práticas em planejamento urbano. Marcelo Vianna, em pesquisas exclusivamente dedicadas ao assunto, informa que o tema ganhou especial relevância durante o período militar, com a criação do Serviço Federal de Processamento de Dados/SEPRO. Diz o pesquisador: a peculiaridade da formação desse campo no Brasil está na incisiva participação estatal a partir dos anos 1970, modelo que teve diferentes graus de sucesso nos países europeus (França, Inglaterra e Alemanha Ocidental) (...) havia uma pequena, mas ativa produção científica-tecnológica nacional na Informática, que pode ser apontado nas primeiras pesquisas em computadores no país realizados pelo Instituto Tecnológico da Aeronáutica (ITA) em 1961 e que posteriormente nos anos 1970 cresceria na USP (Laboratório de Sistemas Digitais), PUC-Rio (RioDataCentro, Laboratório de Projetos em Computação) e UFRJ (Núcleo de Computação Eletrônica). (VIANNA, p. 2) Até mesmo o transporte pode ser entendido como um instrumento, ao considerar-se a sua função primordial, que é o de garantir a fluidez de mercadorias, de informações e de populações. O acesso a esses instrumentos foi essencial, já que “a informatização do espaço possibilitou, por exemplo, a expansão bancária e a creditização do território. Deste modo, as cidades que detinham esses elementos polarizavam não só as atividades industriais, mas também as trocas simbólicas e econômicas. 89 Após vislumbrar os contornos do Estado brasileiro em termos de planejamento e desenvolvimentismo, bem como relacionais esses itens ao campo técnico específico do urbanismo, parte-se para uma reflexão do papel específico das regiões metropolitanas nessa conjuntura. O fenômeno metropolitano, enquanto categoria mais notória do processo de urbanização brasileiro da segunda metade do século XX, foi alvo de múltiplas vias de interpretação aqui expostas, seja a proposta de regionalização nacional, seja o planejamento urbano integrado, que se locupletarão em diversas ocasiões. 3 O FENÔMENO METROPOLITANO NO BRASIL E NO RIO GRANDE DO SUL: INTERPRETAÇÃO E INSTITUCIONALIZAÇÃO 3.1. A emergência do fenômeno metropolitano no Brasil No Brasil, a metropolização coincidiu com o crescimento vertiginoso da população das capitais desde a década de 1940, configurando-se como um fenômeno territorial e populacional. O processo é comumente associado às migrações do campo para a cidade, tema amplamente explorado pela historiografia especializada. De fato, dados indicam que, na metade do século XX, a população urbana brasileira cresceu 60% e 1/3 deste incremento populacional se instalou, justamente, em áreas metropolitanas. Isso implica em admitir que a questão metropolitana, no Brasil, esteve profundamente relacionada com medidas cuja união configurou, certamente, um novo arranjo territorial no país. Esse novo arranjo foi promovido tanto por ações executivas quanto por elaborações conceituais. Nesses termos, pergunta-se: quais fatores políticos, técnicos e institucionais alicerçaram a emergência dessa nova categoria de classificação relativa ao fenômeno urbano no Brasil? Buscando responder fundamentalmente a essas arguições, anuncia-se como o principal objetivo deste capítulo a investigação da criação da Região Metropolitana de Porto Alegre (RMPA) confrontando-a à institucionalização do fenômeno metropolitano em escala nacional a partir das especificidades locais que apresenta. 3.1.1 A institucionalização das Regiões Metropolitanas: referências legislativas e entidades executivas As primeiras menções legislativas sobre as Regiões Metropolitanas datam da década de 1960: primeiramente, no Anteprojeto encomendado à chamada Comissão dos Juristas pelo Presidente Humberto Castelo Branco, em 1966. O documento indiretamente, contempla o aspecto metropolitano ao citar “áreas de 91 desenvolvimento prioritário” e prever uma “administração intermunicipal coletiva”, se necessário. O artigo 247 informa que: Os Estados poderão, mediante autorização de dois terços de suas Assembléias Legislativas, e das respectivas Câmaras de Vereadores, estabelecer administração conjunta de alguns Municípios, visando à realização de obras ou serviços públicos, ou a outros objetivos de interesse comum.110 Tais artigos, no entanto, não foram aceitos pelo Congresso Nacional quando da aprovação da Constituição de 1967. As regiões metropolitanas foram cortejadas através de uma emenda ao texto constitucional aprovado, elaborada pelo Senador Eurico Rezende, em decorrência de estudos feitos no MINIPLAN que preconizavam a necessidade de uma “planificação integral e integrada nas três áreas administrativas: União, Estado e Municípios”.111 De acordo com o arquiteto e urbanista Danilo Landó, essa comissão de juristas “sentiu falta de conhecimento técnico” e convidaram profissionais da área oriundos de diversos Estados do Brasil para prestar assessoria, sendo ele o representante do Rio Grande do Sul112. Nessa ementa identifica-se, pela primeira vez, uma referência direta ao fenômeno metropolitano. Conforme lê-se: A União, mediante lei complementar, poderá para a realização de serviços comuns, estabelecer regiões metropolitanas, constituídas por Municípios que, independentemente de sua vinculação administrativa, façam parte da mesma comunidade socioeconômica.113 No mesmo texto, as regiões metropolitanas foram descritas como “Municípios que gravitam em torno da grande cidade, formando com esta uma unidade socioeconômica, com recíprocas implicações nos seus serviços urbanos e interurbanos”. Chama a atenção, de imediato, que o referido artigo 157 não foi introduzido no título dedicados aos Estados, aos Municípios, ao Distrito Federal e 110 BRASIL. Anteprojeto da Comissão de Juristas. 19 de agosto de 1966. Artigo 247. 111 GUIMARÃES, Jackson Rosa; SILVA, Gutemberg da Mota. Os serviços comuns metropolitanos e a autonomia municipal. R. Inf. Legisl. Brasília. Ano 21, v. 83. Jul.-set. 1984. Acervo Biblioteca do Senado. Disponível on-line: http://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream/handle/id/181549/000410499.pdf?sequence=3 112 Entrevista com Danilo Landó. Duração 3h22 min. Local: Porto Alegre. Data: 23/12/2015. 113 BRASIL. Constituição de 1969. Artigo 164. 92 aos Territórios na Constituição, mas àquele tocante à “ordem econômica” que “tem por fim realizar a justiça social”. Nesses termos, concorda-se com Horta, para quem: “não há autonomia metropolitana dotada de quadro de competência constitucional” (1975, p. 42). Ao destituir o tópico metropolização dos setores governamentais responsáveis pelo gerenciamento urbano, tal emenda se soma a conjunto de indícios evidenciados ao longo desta tese de que as regiões metropolitanas se tornarão um item estratégico dentro do programa nacional de desenvolvimento econômico nacional durante a Ditadura Militar. Tonucci Filho comenta que: A criação das regiões metropolitanas em 1973 atendeu principalmente aos interesses estratégicos do Regime Militar de dar continuidade ao modelo de crescimento do “milagre econômico”, marcado pela concentração de renda e pela concentração espacial dos investimentos industriais e infra estruturais nos maiores centros urbanos do país, onde o retorno das inversões realizadas seria mais rápido. (2010, p. 14) Em 1969, outra modificação constitucional foi efetivada. O tópico metropolização ganha um artigo próprio, tão embora sua descrição seja similar àquela prevista na emenda de 1967114. Em abril de 1972 o projeto já havia sido aprovado pela Câmara de Deputados, mas foi somente em junho 1973 que as Regiões Metropolitanas brasileiras foram oficializadas115. O fenômeno estava vinculado às capitais e, nessa direção, as áreas institucionalizadas foram referentes a oito cidades: Porto Alegre, Curitiba, São Paulo, Belo Horizonte, Belém, Recife, Salvador e Fortaleza. Discrepâncias eram latentes: ao passo que São Paulo incluía 37 Municípios, Belém contava com apenas 2 e era a única cidade representante da Região Norte. Em 1974, após a fusão dos estados do Rio de Janeiro e da Guanabara, foi enfim criada a Região Metropolitana do Rio de Janeiro. A apreciação daquele que foi aprovado como o projeto de lei da regulamentação das Regiões Metropolitanas ocorreu envolto em polêmicas, sendo levado, até mesmo, à Casa Civil da Presidência da República. A oficialização das Regiões Metropolitanas há muito era encarada como imperiosa. Os Ministérios do Interior, do Planejamento e da Justiça foram encarregados de tratar do assunto e, 114 Emenda Constitucional nº 1, 17 de outubro de 1969 (artigo 8, XIV). 115 Lei complementar nº 14, de 8 de junho de 1973. 93 entre 1971 e 1973 foram lançados uma série de propostas dispondo sobre a organização das regiões metropolitanas, incluindo anteprojetos ministeriais e leis complementares116. Nesse contexto, o senador Vasconcelos Torres, da Arena-RJ, afirmou que as regiões metropolitanas “vêm desafiando há anos a imaginação dos nossos homens públicos”117. Tomando como exemplo o impasse no Rio de Janeiro, Torres disse que, além dos aspectos socioeconômicos usualmente tidos em conta, "a situação administrativa e política dos Estados deve ser considerada na regulamentação. A fim de que não seja prejudicada por debates infindáveis”.118 Os reclames por conta da ausência de reconhecimento jurídico das Regiões Metropolitanas como unidades territoriais e administrativas são passíveis através de sugestões advindas do setor especializado. Um caso notável advém dos escritórios de assistência técnica localizados na região Sudeste do país. Um deles pertencia a Paulo Assis Ribeiro, engenheiro geógrafo119. Seu escritório detinha ampla esfera de abrangência, à exemplo de outros notáveis, como o do arquiteto-urbanista Harry James Cole, proprietário do H.J. Cole + associados S/A – Planejamento e Empreendimentos. A importante atuação de Assis Ribeiro pode ser dimensionada pelo volume documental proveniente do trabalho do arquiteto, hoje sob guarda do Arquivo Nacional. Em uma das análises consultadas, a equipe Assis Ribeiro versou tanto sobre a reforma política quanto à questão metropolitana no Brasil ainda na década de 1950, sugerindo as medidas tais como: reformular a distribuição de rendas para melhor atendimento das necessidades das diversas unidades e fortalecimento do regime federativo; interrupção no processo de municipalização desordenada; estabelecimento de administrações especiais por órgãos específicos 116 Para mais detalhes, consultar Horta (1975, p. 39). 117 Correio do Povo. Senador defende a criação das áreas metropolitanas. 04/02/1972. 118 Idem. 119 “Paulo de Assis Ribeiro nasceu no Rio de Janeiro, em 20 de janeiro de 1906 e faleceu em 22 de maio de 1974. Diplomou-se engenheiro geógrafo, em 1928, e civil, em 1930, quando obteve o prêmio Moringa, como o primeiro colocado no curso. Atuou nas áreas de educação, economia e engenharia, tanto em funções públicas como na iniciativa privada. Exerceu, entre outros, os cargos de presidente da Associação Brasileira de Educação (1934-1935), delegado da Educação em São Paulo (1936-1937), chefe do Serviço Especial de Mobilização de Trabalhadores para a Amazônia (1942-1944), diretor-executivo da Fundação Getúlio Vargas (1944-1945), diretor do Centro Pan-Americano de Aperfeiçoamento para Pesquisa de Recursos Naturais (1961-1962) e presidente do Instituto Brasileiro de Reforma Agrária (1968-1970).” Fonte: http://www.an.gov.br/sian. 94 destinados a tratar problemas comuns dos estados e municípios e da união, compreendido no âmbito de zonas homogêneas ou regiões geoeconômicas comuns; tratamento do problema das áreas metropolitanas, mediante modificação constitucional que permite individualiza-las diferentemente dos estados e municípios a que pertençam.120 Já em outra produção oriunda do escritório, a reforma na organização política no que tange à administração da questão urbana é colocado como prioritária. Ribeiro critica a criação de novos Municípios de forma arbitrária e a “pulverização do território nacional”, especificando que: Tais áreas [metropolitanas] existem no Brasil nas aglomerações do Rio e de São Paulo e estão se formando em torno de Recife, Belo Horizonte e de Porto Alegre; as funções de interesse regional ou nacional que nelas se processam, transcendem as responsabilidades específicas de suas populações as quais não devem e não podem ser oneradas pelos tributos necessários ao cabal desempenho das atribuições que decorrem daquelas funções.121 Não sem sentido, no documento de Metas e Bases para a Ação do Governo, produzido em 1970, o desenvolvimento das regiões metropolitanas estava previsto122. A despeito disso, são ausentes as referências sobre as ações como as do Programa de Ação Concentrada e a Comunidade Urbana para Recuperação Acelerada/CURA. Conforme ressaltado em outro parecer oriundo do escritório de Assis Ribeiro, era imprescindível: o estabelecimento da configuração jurídica na constituição de ‘área metropolitana’ de modo a que se lhe atribua, além das rendas dos municípios que a compõe, dotações suplementares atribuídas pelo Estado em que se situa e pela União, tornando praticável o atendimento de seus justos e imperiosos reclamos, e, evitando assim que nesses grandes focos urbanos se originem crises de caráter social e político que se propagam em todo o país. 123 120 Relatório n.º 57, Cx. 56, PT2, p 122. AN/RJ. Projeto Memórias Reveladas. Fundo Paulo Assis Ribeiro. Acervo AN/RJ. 121 Relatório. n.º 57, Cx. 367, p.. 78-79. Projeto Memórias Reveladas. Acervo Paulo Assis Ribeiro. AN/RJ. 122 BRASIL. Metas e bases para a ação de governo. Presidência da Republica. IBGE: 1970. Acervo IAI Berlin. 123 Relatório. n.º 57, Cx. 367, p.. 78-79. Projeto Memórias Reveladas. Acervo Paulo Assis Ribeiro. AN/RJ. 95 O tratamento à questão metropolitana era delineado não somente como o fortalecimento do campo técnico, mas, também, como uma possível medida de regularização de problemas sociais decorrentes dessas áreas que “abrigam cerca de 20% da população do país e tornam-se, dia a dia, mais angustiosos e prementes, sobretudo nos serviços de educação, de saúde, de abastecimento e de transportes coletivos”. As regiões metropolitanas sintetizavam diversos dos problemas urbanos do país, tais como: mau uso do solo, ocupações em áreas inapropriadas, falta de habitação e infraestrutura, sem contar os danos ao meio ambiente. O debate estava direcionado tanto a temas socioeconômicas quanto administrativas, tais como: “qual órgão deveria dirigir as áreas metropolitanas quando oficializadas? ” ou “o que é uma área metropolitana? Uma nova forma de governo ou um instrumento de prestação de serviços? ”124. A discussão não era uma novidade: ainda em 1958, o IBAM constatou a confusão existente entre o que supunha-se ser um órgão de planejamento urbano e aquele que realizava obras públicas nas cidades brasileiras, através de um inquérito efetuado em aproximadamente 2.400 Municípios125. Por meio de nota conclusiva, foi afirmado que os planos deveriam ser integrais, responder a um órgão central e promover programas para treinamento de técnicos.126 Segundo informou o periódico Correio do Povo, que frequentemente apresentava editoriais sobre o tema, as opiniões se dividiam entre aqueles que eram favoráveis às autarquias federais, outros que preferiam órgãos ligados aos governos estaduais enquanto um terceiro grupo defendia que a cidade-núcleo deveria comandar as demais127. A preocupação latente com o quesito autonomia municipal fazia sentido tratando-se de um governo ditatorial no qual as representatividades políticas estavam limitadas. Nesses termos, a iluminação do debate que envolveu das regiões metropolitanas é elementar para problematizar a interpretação de que essas foram “impostas verticalmente” (CARRION e MARTINS, 2013, p. 125) pelo governo ditatorial. Isso aconteceu, afinal, mais pela burocratização de recursos do que propriamente pela ausência de uma discussão sobre o tema em nível técnico. 124 Zero Hora. Regiões metropolitanas. 15/10/1972. 125 BRASIL. BNH/EPEA. Desenvolvimento Urbano no Brasil. Bases para a formulação de uma política nacional de desenvolvimento urbano e para a implantação de um Sistema Nacional para o Planejamento do Desenvolvimento Local Integrado. Brasília: BNH/EPEA, 1965, p. 14. 126 Idem, p. 19. 127 Correio do Povo. Ainda as áreas metropolitanas. 07/4/1972. 96 Tal inferência vai ao encontro de outras pesquisas recentes desenvolvidas sobre a institucionalização do planejamento urbano no Brasil. De Faria, por exemplo, comenta que “o saber urbanístico é um dos poucos e mais importantes campos de atuação das esferas governamentais que seguiu o caminho de “baixo para cima”, do município ao governo federal” (2015, p. 314-315). O autor estabelece tal dedução fundamentado nos estudos de Villaça (1999), quem informou que o conhecimento em urbanismo produzido no Brasil ocorreu, inicialmente, através da esfera local, que remonta às comissões do século XIX. No mesmo sentido, é válido registrar que o urbanismo foi uma área na qual a prática, eminentemente, antecipou o ensino e a institucionalização. A partir dessa conjuntura, o projeto sobre as regiões metropolitanas aprovado continha 10 artigos e foi elaborado por um “grupo de juristas paulistas estudiosos do problema, que optaram pela solução de uma lei bastante flexível” que seria adaptável às características de cada região128. Os “serviços comuns” – entendidos como regionais e não locais –, a serem priorizados eram os seguintes: I – o planejamento integrado do desenvolvimento econômico e social; II- saneamento básico, notadamente abastecimento de água e rede de esgotos de serviço de limpeza pública; III – uso do solo metropolitano; IV- transportes e sistema viário; V- produção e distribuição de gás canalizado; VI- aproveitamento dos recursos hídricos e controle da poluição ambiental, na forma que dispuser a lei federal; VIII- outros serviços incluídos na área de competência do Conselho Deliberativo, por Lei (grifo meu)129 Eram cotados como “serviços comuns” aqueles que atenderiam ao “desenvolvimento econômico” da RMPA, corroborando a hipótese alimentada ao longo desta tese de que o elemento guia de planejamento das regiões metropolitanas foi o projeto de industrialização nacional, o que é passível de ser retido, entre outras fontes, a partir de discursos datados da época da institucionalização das RM’s. Henrique Cavalcanti, engenheiro à frente do MINTER, em conferência realizada na Escola Superior de Guerra intitulada “Política Nacional de Desenvolvimento Urbano, Áreas Metropolitanas e Municípios”, declarou que era necessário administrar com atenção as regiões onde estavam reunidas “cerca de 128 Idem. 129 Lei complementar n.º 14 de 8 de julho de 1973. 97 90% da vitalidade econômica do país”.130 Nesses termos, deveriam ser planejadas “para promover a acelerar o desenvolvimento econômico”131. Por um lado, a Lei Complementar engessou muitas das práticas requeridas pelos profissionais da área, dificultando operacionalização de planos, através da burocratização institucional. Um convênio firmado em 1974, entre o BNH e a Secretária-geral do MINTER teve como finalidade máxima, por exemplo, “estabelecer a ação integrada dos órgãos ministeriais vinculados ao desenvolvimento urbano e local”132, a saber, as superintendências de desenvolvimento regional. Nesses termos, visou-se “criar um cadastro para registro de empresas e profissionais que se capacitam a participar como consultores”. Outro exemplo é fato de o Governo Federal dispor de Cr$ 1 bilhão, provenientes do Fundo de Desenvolvimento Urbano do BNH, a serem disponibilizados às regiões metropolitanas133. Ou seja: os recursos financeiros não eram providos pelos mesmos órgãos de planejamento. Segundo Tonucci Filho: por meio das agências de planejamento metropolitano, o executivo federal tinha maior poder de ação e decisão sobre as principais regiões metropolitanas, sem precisar considerar os inúmeros interesses locais e municipais que porventura pudessem se colocar contra os seus grandes projetos de investimento. (2012, p. 14) Tais práticas induzem a conclusão de que, cada vez mais, a política de desenvolvimento urbano estava sendo burocratizada: caberia a um órgão fornecer recursos financeiros e a outro a assistência técnica e aos Ministérios coordenarem e autorizar todas as atividades solicitadas. Um argumento na mesma linha é o fato de o FIPLAN, destinado a prover estudos de desenvolvimento integrado, só beneficiaria municipalidades que criassem órgãos permanentes de planejamento (FELDMAN, 2010, p. 10). Por outro lado, a Lei anunciou que contaria com a anuência dos prefeitos e governadores e previu um Conselho Consultivo e outro Deliberativo, mesclando técnicos com representantes nomeados dos Governos Estadual e Municipal. Tais Conselhos seriam instituídos através de legislação estadual e foram projetados para 130 Correio do Povo. Áreas Metropolitanas exigem definição. 25/07/1972. 131 Correio do Povo. Metropolitanas: anteprojeto vai ao congresso em setembro. 10/08/1972. 132 Processo n.º 22005, caixa 71, acervo MINTER/AN BSB. 133 Correio do Povo. Regiões Metropolitanas. 19/04/1973. 98 serem normativos e não executivos “evitando a formação de uma assembleia política” vista como a “formação de uma nova e imprevisível esfera de especulação política, anômala dentro da organização do Estado Brasileiro”134. Assim: Excetuando-se os Conselhos Deliberativo e Consultivo, os detalhes administrativos e a estrutura institucional das novas instâncias de planejamento metropolitano poderiam variar de acordo com as necessidades e peculiaridades de cada região metropolitana (GOUVÊA, 2005). Com isso, seria evitada a criação das “superprefeituras”, tema bastante controverso dentro do processo de planejamento das regiões metropolitanas135. A proposta é análoga ao posicionamento do jurista Hely Lopes Meireles, autor da ideia - que encontraria tanto respaldo quanto críticas - da criação de um quarto nível administrativo, o metropolitano. A arguição girava em torno da sugestão de que a administração integrada não causaria a perda de autonomia municipal, como foi dito em relação ao caso de Porto Alegre136, trazendo à tona tópicos relacionados ao chamado período do “municipalismo”137 no país. Conforme Horta: Defendia-se a necessidade de ficar o conceito do peculiar interesse metropolitano, distinto do peculiar interesse municipal. O primeiro concentrado na realização de serviços comuns dos municípios da mesma comunidade socioeconômica e o segundo na administração própria, de acordo com o peculiar interesse local. (1975, p. 39) Deste modo, o modelo de administração adotado não foi de toda forma arbitrária, visto que se valeu de modelos já há tempos firmado pelo próprio campo técnico e acadêmico. Previu-se a concessão dos serviços comuns por uma entidade estadual, empresas de competência metropolitana ou, ainda, via convênios a serem executados por autarquias, sociedades mistas ou empresas públicas, dinâmica que encontra respaldo desde a década de 1960, a partir das diretrizes do SERFHAU quanto à implantação de planos integrados. A legislação era, ao mesmo tempo, 134 Zero Hora. Áreas Metropolitanas serão administradas por técnicos. 25/2/1973. 135 Folha da Tarde. Projeto cria “superprefeitura” para área metropolitana. 30/11/1972. 136 Zero Hora. Regiões metropolitanas. 15/10/1972 137 Sobre o assunto, consultar: Consultar: NUNES, Osório (org.). Clamor dos Municípios. Anais do IV Congresso Nacional de Municípios. Rio de Janeiro: Editora Tersol, 1957 [?]. 99 autoritária e híbrida, pois subordinava o planejamento a órgãos executivos que não eram os mesmos que o proviam financeiramente. À base jurídica proporcionada pelas referências legislativas, logo somou-se o aparato institucional. Inicialmente, as regiões metropolitanas não foram contempladas como como um tópico exclusivo dentro do organograma de órgãos e ministérios do governo federal. Apesar de serem referenciadas por órgãos de pesquisa ligados ao poder público como o IPEA e o IBGE, os ditos temas metropolitanos só ganharam uma pasta específica na segunda metade da década de 1970. Até esse momento, eram alvo de algumas ações por parte SERFHAU. Tão embora a autarquia tenha se debruçado durante boa parte de sua trajetória em auxiliar Municípios na confecção de Planos Diretores138, a escala metropolitana e regional também foram consideradas, através da elaboração de Planos Metropolitanos de Desenvolvimento Integrado e Planos Microrregionais de Desenvolvimento Integrado, aproximando-se mais do tópico metropolização, portanto. Feldman, ao identificar fases de atuação do órgão, afirmou que: Em 1964, ainda que algumas atribuições estivessem vinculadas ao planejamento, a maior parte das suas funções eram associadas a pesquisas e estudos relativos ao problema habitacional, configurando um a instituição assessora do BNH. Em 1966, o SERFHAU é regulamentado e passa a ser responsável pela elaboração e coordenação da política nacional de planejamento local integrado e pela gestão do FIPLAN - Fundo de Financiamento de Planos de Desenvolvimento Local Integrado, o primeiro fundo de financiamento a planos diretores criado na esfera federal. (2010, p. 3) Complementarmente, a principal ação do SERFHAU quanto ao gerenciamento do fenômeno metropolitano foi a sugestão para a criação do Centro de Planejamento Metropolitano. De acordo com Feldman (idem, p. 14), o CPM foi formulado durante o Seminário Internacional de Planejamento Metropolitano, que ocorreu em 1972 através de uma iniciativa conjunta do SERFHAU, da OEA e do Instituto de Engenharia da USP, além de órgãos estaduais do Estado de São Paulo. 138 O SERFHAU era responsável pelos Planos de Desenvolvimento Local Integrados (Polis) e Planos Diretores de Desenvolvimento Integrado (Pádis). A autarquia também era gestora do Fundo de Financiamento do Planejamento (FIPLAN) e do Programa de Desenvolvimento Local Integrado (PDLI). Para detalhes consultar: VIZIOLI, Simone Helena Tanou. Planejamento Urbano no Brasil: a experiência do SERFHAU enquanto órgão Federal de Planejamento Integrado ao Desenvolvimento Municipal. USP: Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, 1998. 100 O Centro esteve associado ao Grupo de Áreas Metropolitanas, vinculado ao seu Departamento de Geografia do IBGE, que entre os seus objetivos “(...) prestar assistência técnica às regiões metropolitanas e desenvolver estudos e pesquisas que levassem à formulação de uma política de desenvolvimento metropolitano” (ibidem). Quando da extinção do SERFHAU, em 1974, o CPM teve suas designações transferidas ao MINTER. A entidade crucial que formalizaria a atenção dispensada às regiões metropolitanas foi criada em 1974 e chamou-se Comissão Nacional de Regiões Metropolitanas e Política Urbana/CNPU139. A CNPU era vinculada a SEPLAN e teve como meta acompanhar a implantação do sistema das primeiras regiões metropolitanas institucionalizadas à luz das diretrizes da Política Nacional de Política Urbana, incluída como um capítulo do II PDN. Estava voltada ao cumprimento de obketivos tais como a descentralização regional e industrial e ao controle do uso de solo urbano. A CNPU, na verdade, foi primeiramente instituída apenas como Comissão Nacional de Política Urbana, o que explica a sua nomenclatura. As Regiões Metropolitanas foram acatadas em um segundo momento, outro fator que evidencia o caráter de emergência voltado ao assunto no Brasil, a despeito a discussão acadêmica e técnica o cercava. Decorridos três anos, a CNPU lançou, em 1977, a Lei Nacional de Desenvolvimento Urbano, além do Programa Cidades Médias, que objetivava organizar ações em cidades do Paraná e de Santa Catarina, em colaboração com a SUDESUL. A concepção de organização promovida pelo órgão foi a segunda tentativa de satisfazer as demandas dO processo de metropolização brasileiro, sendo antecedida pelo SERFHAU, na década de 1960, e sucedida pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Urbano/CNDU, a partir do período de 1979140. De acordo com Amêndola: (...) o foco de ação do governo federal através do CNDU era o fenômeno urbano, portanto a decisão de conduzir o desenvolvimento de modo integrado, formulando uma política urbana que refletisse a estratégia global de crescimento e transformação social. (2012, p. 178) 139 Decreto nº 74.156, de 6 de junho de 1974. 140 Decreto-Lei n.º 83355 de 1979. 101 Associado ao SERFHAU, existia o Centro de Informações para o Desenvolvimento Urbano Local/CIDUL, responsável por fornecer informações sobre a estrutura urbana brasileira em nível local e que objetivava formar, a partir dos dados que provia, o Sistema de Informações para o Desenvolvimento Urbano Local/SIDUL, por meio do qual as informações coletadas se intercambiariam (VIZIOLI, 1998, p. 43). Ainda em 1969, havia o FINEP – que incentivava a participação de prefeituras na obtenção de financiamentos através do Sistema Nacional de Planejamento Integrado/SNPI. Em 1970, surge a Secretaria de Articulação com os Estados e Municípios/SAREM do Planejamento e Coordenação Geral, cujo objetivo era prestar assistência e cooperar com os governos estaduais e municipais. Tais medidas são providenciais para a emergência do fator metropolitano enquanto unidade territorial específica dentro do Estado e categoria técnica exclusiva no âmbito acadêmico do planejamento urbano, sendo distintivas do deslocamento da escala municipal-local para a regional-integrada. Essa dinâmica não linear e de ajustes múltiplos característica da elaboração das áreas metropolitanas, em nível técnico e político. A existência das entidades citadas foi mais do que uma mera formalidade burocrática e desvela o modus operandi referente à origem da institucionalização das regiões metropolitanas no Brasil em um enlace com outras políticas públicas promovidas pelo Regime Militar. Tal situação foi progressivamente modificada a partir da década de 1980, quando grande parte do aparato institucional criado durante o regime repressivo foi desarticulado. 3.1.2 Os nomes e as funções das cidades metropolitanas Ao tomar conhecimento sobre a estrutura voltada ao gerenciamento do fenômeno metropolitano, questiona-se quais os pressupostos que sustentaram as produções decorrentes da arquitetura institucional contruída. Em primeiro lugar, é importante ressaltar que foi promovida no país uma dimensão de tecnoesfera, pontuada por acordos para o desenvolvimento, avanços em infra-estrutura e o emprego de novas tecnologias. Mas houve, outrossim, a geração de uma psicoesfera, “fortemente dominada por um discurso dos objetos, das relações que os 102 movem e das motivações que os presidem” (2013, p. 50). A psicoesfera foi alimentada por atividades como a massiva coleta de dados e as publicações especializadas que, em alinhamento com a construção da tecnoesfera, representaram novos formas de percepção sobre o território nacional. Na condição de um tópico de atenção por parte do poder público, as regiões metropolitanas foram elaboradas não só como objetos político-institucionais, mas, igualmente, como uma nova categoria de classificação urbana. A metropolização foi encarada, assim, como uma fábrica de novos territórios, inclusive conceituais. O tratamento constitucional que receberam esteve respaldado, portanto, por um variado substrato técnico e acadêmico. O “léxico de conceitos” e “as palavras da cidade”, feixes de estudo bem explorados em publicações historiográficas (BRESCIANI, 2001) são produtos e produtoras da esfera urbana, incidindo tanto sobre o meio técnico quanto o imaginário social acerca das cidades. A circulação de ideias sobre o tema metropolização é perceptível, entre outros meios, através das nomenclaturas dos eventos. Em 1967, por exemplo, aconteceu o “Seminário sobre metropolização no Brasil”, na cidade do Rio de Janeiro, sugerindo a pauta genérica que ainda envolvia o assunto. Já em 1971, o “Seminário de Planejamento Metropolitano” foi realizado em Brasília, indicando a nova disciplinarização sobre fenômeno. A “Semana de Debates sobre a Institucionalização das Áreas Metropolitanas” ocorreu na Câmara de São Paulo em 1975. No mesmo ano, por meio do arranjo do CNDU, sucedeu-se na mesma cidade o “Seminário Temático sobre Diretrizes para Regiões Metropolitanas”, quando a nova categoria de classificação urbana havia sido, enfim, institucionalizada. Não pode deixar de ser referido a interpretação do “urbanismo de representação” (SOUZA, 2008, p. 107): paralelamente à criação de entidades executivas e aos atos legislativos, uma parcela de literatura técnica passou a ser evocada e produções em prol da disciplinarização do fenômeno metropolitano eram sustentandas por um glossário exclusivo, mesmo que não definitivo. As cidades componentes das regiões metropolitanas tornaram-se conhecidas por um amplo conjunto de nomenclaturas: enquanto esferas municipais, eram compreendidas como partes de um todo homogêneo e classificadas de acordo com critérios de habitantes-tipo (operários, migrantes), localizações-tipo (satélite, periferia) e funçõestipo (dormitório, industrial, secundárias, etc.). 103 Ressonâncias desse ponto de vista são recorrentes em publicações editadas pelo próprio governo, tal como lê-se em um trecho do Programa Estratégico de Desenvolvimento, de 1971: Além da industrialização, aponta outros fatores para a urbanização como: aumento da taxa de população total; impacto das modernas técnicas de comunicação; maior status e oportunidade de sobrevivência na área urbana; expansão e melhoria das vias de comunicação e transportes; permanência de uma estrutura agrária sem oportunidades; aceleração do desenvolvimento econômico. 141 Um dos tópicos de destaque é o de que migrante era um componente determinante para a ocupação/formação das regiões metropolitanas142. Em correspondência confidencial, o Sistema Nacional de Informações/SNI se reportou a RMPA referenciando seu crescimento associado às migrações: O estado do Rio Grande do Sul duplicou sua população nos últimos trinta anos (1950-1980), sendo que 60% reside em cidades, por consequência do expressivo crescimento migratório atualmente ocorrendo em zonas urbana. (...) e A RMPA detém quase 50% desse tipo de migrante. 143 A RMPA foi alvo de controle por parte do SNI, atribuindo-se aos migrantes como os causadores de problemas no meio urbano que se pretendia “reorganizar”: as consequências causadas pela migração desordenada de procedência rural e urbana (...) são responsáveis pelo acelerado crescimento das principais cidades do RS, trazendo consequências desastrosas na sua infraestrutura que nunca atinge o nível requerido. 144 Em estudos anteriores (VIEGAS, 2014), aferiuse a instituição de uma explicação causal ao se narrar a história das cidades situadas em áreas 141 BRASIL. Programa Estratégico de Desenvolvimento: tabelas de recursos e aplicações por programa. 1968-1970. MINIPLAN. Brasília, 1971, p. XIX-2. 142 Sobre esse assunto, ver: MAGALHÃES, João Paulo de Almeida. A explosão demográfica. MINIPLAN/IPEA. Rio de Janeiro, 1969 e MARTINE, George; PELIANO, José Carlos. Migrantes no mercado de trabalho metropolitano. MINIPLAN/IPEA. Série Estudos para o Planejamento n.º19. Brasília: 1978. 143 Informação n. º 39/119/APA/80. SNI. Confidencial. Acervo AN/BSB, p. 6. 144 SANTOS, Milton; GEIGER, Pedro P. Reorganização do espaço no Brasil. IN: Política de Desenvolvimento Urbano: aspectos metropolitanos e locais. Série Monográfica. Rio de Janeiro: IPEA/INPES, 1976, p. 8. 104 metropolitanas no Brasil, que restringia a história dessas regiões à tríade migraçãoindustrialização-urbanização. Regina Weber, correlatadamente, destacou os usos políticos e identitários que revestem essas nomenclaturas como as de cidadedormitório e cidade-operária, afirmando que: nos anos 80, algumas cidades da Região metropolitana de Porto Alegre são vistas ora como cidades-dormitório, ora como municípios que estão se industrializando e gerando empregos em virtude dos distritos industriais, construídos a partir da década de 1970. Intelectuais (urbanistas, economistas, sociólogos), administradores públicos, políticos e imprensa, seja influenciada por aqueles, seja elaborando suas próprias interpretações, veiculam imagens nem sempre convergentes a partir de ângulos específicos de análise. (WEBER, 2004, p. 369) Tais interpretações, de fato, foram determinantes, inclusive, para a construção de uma memória coletiva sobre tais localidades, visto que: (...) é recorrente a explicação de que tais municípios foram ocupados a partir da metade do século XX, obedecendo à causa do êxodo rural ocorrido no Brasil naquelas décadas. O migrante que se estabeleceu na cidade – antes agricultor e depois operário – pouca ou nenhuma afinidade tinha com essas localidades. As vertiginosas intervenções urbanas ocorridas no período restringiam-se à abertura de loteamentos direcionados para a habitação popular, carentes de estruturas voltadas ao lazer, à promoção cultural e à interatividade pública. O Estado esteve ausente bem como a figura do urbanista. A formação urbana dessas cidades teria seguido um padrão de expansão espontânea, a partir da Capital. (VIEGAS, 2014, p. 108) Embora relevantes, por trazerem à luz inúmeros dados quantitativos sobre a formação de Regiões Metropolitanas do país, tais estudos relegam ao segundo plano a formação histórica dessas localidades. Usualmente, os índices são conduzidos para ratificar como os municípios tornaram-se parte de um conjunto metropolitano e não para alicerçar outras formas de apresentação dessas categorias urbanas. Nesses termos, restringem os temas relativos a RMPA a assuntos como pobreza urbana, desemprego e falta de habitações. Tais produções encontram a sua origem em publicações lançadas por órgãos oficiais, como o IPEA, durante as décadas de 1960 e 1970. Vale lembrar, a esse respeito, que a ocasião foi marcada por um boom sociológico acerca das regiões metropolitanas, recém-formadas e expostas a especulações e pesquisas 105 diversas. Tanto a Sociologia quanto a História eram caracterizadas por teorizações que levassem em conta, prioritariamente, dimensões sociais e econômicas. Nesse âmbito, o instituto publicou uma série de monografias dedicadas à temática das regiões metropolitanas produzidos por estudiosos partir de farto material estatístico. Em harmonia com a linha argumentativa aqui defendida, aferiu-se que apreciável parte das publicações ratificam que o planejamento metropolitano esteve acondicionado dentro do planejamento econômico nacional: a preocupação com o exame do desenvolvimento urbano brasileiro, refletida nas nossas diversas publicações que estudam este desenvolvimento, suas repercussões e suas condicionantes, é uma manifestação da importância cada vez maior das questões urbanas no crescimento econômico nacional.145 A obra “Aspectos fiscais das áreas metropolitanas”, por exemplo, foi publicada a partir de um convênio entre o IPEA e o INPES e destacou que as RM’s abrangem problemas pertinentes aos mais diversos campos. Ao empregar sua atenção nas as cidades de São Paulo e Rio Janeiro, o autor levou em conta, a despeito do anúncio introdutório em prol da interdisciplinaridade, exclusivamente em aspectos demográficos e econômicos. A classificação sugerida foi dividida em três categorias: cidades industriais, cidades mistas ou cidades residenciais146. Com efeito, assumiu-se que o valor econômico das áreas urbanas transcendia os interesses municipais, sendo o planejamento metropolitano matéria da segurança e do desenvolvimento nacional (MONTE-MÓR, 2007, p. 87). A essa obra somam-se outras147, das quais lança-se luz sobre a de Andrade e Lodder. Ao refletir sobre as cidades-médias e as áreas metropolitanas, os autores situam a sua interpretação a partir da ideia de “sistemas urbanos”, seriam mensurados por meio da concentração de complexos industriais e divididos em: polos naturais, polos planejados, polos de apoio, polos de indução migratória148. Conforme lê-se na publicação: 145 ANDRADE, Thompson; LODDER, Celsius. Sistema Urbano e cidades médias no Brasil. Rio de Janeiro: IPEA/INPES, 1979, p. 1. Biblioteca IPEA/Rio de Janeiro. 146 ARAÚJO, Aloísio Barbosa. Aspectos fiscais das áreas metropolitanas. Rio de Janeiro: IPEA/INPES, 1974, p. 7. Acervo Biblioteca IPEA, sede Rio de Janeiro. 147 Ver, por exemplo: BARAT, Josef (ed.) Política de desenvolvimento urbano: aspectos metropolitanos e locais. IPEA: série monográfica (22). Rio de Janeiro: IPEA/INPES, 1976. 148 TOLOSA, Hamilton. Planejamento Regional. Rio de Janeiro: IPEA, 1970. 106 o processo de urbanização do país foi afetado pela industrialização e por seus desdobramentos. Em termos das mudanças provocadas pela interação dos dois processos, podem-se apontar do lado urbano o surgimento de um sistema urbano hierarquizado em escala nacional e a emergência de uma nova metrópole nacional no topo da hierarquia, funcionalmente diferente da sua predecessora. Além destas consequências, podem ser mencionadas a expansão do sistema em direção as fronteiras, o caráter espacialmente concentrador do crescimento urbano e o aparecimento de novas formas urbanas – as aglomerações de duas ou mais cidades e as áreas metropolitanas. 149 Por fim, e não menos importante, foi a circulação de ideias por parte da literatura acadêmica internacional sobre o assunto. Se, no Brasil, as cidades metropolitanas eram referenciadas a partir de seu significado no contexto nacional, qual seja, destacando sua potencialidade industrial e/ou área de moradia eminentemente residencial, no exterior as cidades próximas às grandes metrópoles são chamadas de “cidades-secundárias” e“periféricas”, em acordo com seu papel previsto nos grandes projetos de planejamento. A metropolização, na Europa, ainda que vinculada ao crescimento populacional das capitais no século XIX, sofreu significativo mudança de orientação com a ocorrência dos dois conflitos mundiais, provocadores de rupturas morfológicas e condutores de um planejmento voltado “ao progresso e a ação”. Segundo Donatella Calabi: Realizar análises socioeconômicas e morfológicas e saber descrever seus resultados é uma obrigação categórica e uma tarefa inadiável no que se refere seja à distribuição regional de recursos, seja à distribuição ao levantamento das destruições (...) (2012, p. 287) Em publicação que versa sobre as bases para a formulação de uma política nacional de desenvolvimento urbano no Brasil, datado de 1965, o modelo inglês é referenciado como padrão, a partir do “esvaziamento metropolitano” implantado na Inglaterra após a II Guerra Mundial. Cita-se o Plano de criação de cidades novas feito para a Grande Londres em 1946 e o Board of Trade, organismo criado pela lei 149 ANDRADE, Thompson; LODDER, Celsius. Sistema Urbano e cidades médias no Brasil. Rio de Janeiro: IPEA/INPES, 1979. Biblioteca IPEA/Rio de Janeiro. 107 de distribuição industrial em 1945, para orientar a localização industrial.150 Diz-se que “os erros acumulados pelas cidades inglesas, norte-americanas que se tornarão verdadeiras aberrações da fase de industrialização naqueles países estão se repetindo no caso brasileiro”.151 Com efeito, confere-se destaque ao caso do curso de Planejamento Urbano e Regional do Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-Graduação da Universidade Federal do Rio de Janeiro (COPPE/UFRJ) que, em 1971, encontrou a sua origem em entendimentos entre o SERFHAU e a Universidade de Edimburgo, na Escócia, por intermédio da atuação de Harry Cole. O programa de pesquisa e treinamento realizado conjuntamente com a Universidade foi resultante do convênio com o Governo Britânico e a instalação, junto ao SERFHAU, de um escritório técnico da OEA, com atribuições de apoio à formulação de uma política de desenvolvimento urbano, treinamento teórico e projetos de desenvolvimento local”.152 Também o Federal Housing Administration, do governo norte-americano, é citado como exemplar quanto à política de “descongestionamento dos grandes centros urbanos” e a construção de habitações. Em proporção menor, é aludido o V Plano Francês, que propôs o desenvolvimento de oito metrópoles regionais para descentralizar atividades de Paris, em consonância à corrente que preconizava a regionalização como uma solução para a administração da questão territorial brasileira. Tais dados, ao mesmo tempo que inserem o fenômeno metropolitano brasileiro em um contexto ampliado, o singularizam, tendo em sta suas escalas e temporalidades próprias. Tal como a arquitetura modernista, o campo esteve sujeito a combate cerrado, marcado por associações e rupturas, onde buscou-se encontrar a posição da arquitetura (BENEVOLO, 2012, p. 720) e, também, do planejamento urbano no mundo pós-guerra. 150 BRASIL. BNH/EPEA Desenvolvimento Urbano no Brasil. Bases para a formulação de uma política nacional de desenvolvimento urbano e para a implantação de um Sistema Nacional para o Planejamento do Desenvolvimento Local Integrado. Brasília: BNH/EPEA, 1965, p. 9-11. 151 Idem, p. 12. 152 Nota WI 3 B4 – 87.50/38/71. Acervo AHMRE, Brasília. 3.2 O fenômeno metropolitano no Rio Grande do Sul 108 No Rio Grande do Sul, a fase consagrada de metropolização de Porto Alegre/RS é situada por pesquisadores como Célia Ferraz de Souza e Dóris Müller (2007) entre as décadas de 1940 e 1970. Entre essas décadas, a população da área quadriplicou, sendo o índice mais expressivo entre 1950 e 1960, quando a média anual de crescimento foi de 5, 9%. Segundo as autoras: (...) ficou claro que muitos dos problemas que se apresentavam não podiam mais ser resolvidos no âmbito da jurisdição municipal. (...) O uso do solo precisava ser disciplinado, os transportes e sua infraestrutura necessitavam de integração. Ao saneamento, apresentavam-se problemas comuns a região. Significativas parcelas da população moravam em municípios vizinhos, embora trabalhassem na cidade de Porto Alegre. Enfim, a cidade não funcionava mais em sua circunscrição administrativa (2007, p. 101) Se, em tempos recentes, o Rio Grande do Sul deteve baixos índices de crescimento regional, no decorrer dos decênios de 1950 e 1960 o Estado esteve alinhado com os expressivos índices de aumento populacional dos centros urbanos do país, sendo Porto Alegre referida como o “maior agrupamento humano entre São Paulo e Buenos Aires” (LANDÓ apud SOUZA, 2014, p. 232). Entre as consequências imediatas do processo, esteve a polarização da Capital como centro urbano e econômico do Estado, devido à sua base industrial e à sua capacidade de absorção de mão de obra, bem como a ascensão de políticas públicas voltados ao gerenciamento da questão metropolitana. Tão logo, a institucionalização do processo metropolitano da cidade de Porto Alegre ocorreu na década de 1970, em alinhamento com a esfera federal, embora sua estrutura técnica local fosse distintiva. Esse processo não foi marcado unicamente por políticas econômicas e critérios técnicos. A configuração espacial consagrada à área metropolitana encontra respaldo em processos ocupacionais e imigratórios que remetem ao século XIX. A demanda que se impõe, de imediato, é a que pergunta: o que ocorreu, no intervalo de século citado, para que cidades independentes, mesmo que eventualmente relacionadas, fossem reunidas sob a nomenclatura de “Região 109 Metropolitana de Porto Alegre”? Nesse sentido, busca-se iluminar, sequencialmente, a formação histórica, as formas de interpretação e, enfim, a institucionalização da RMPA. 3.2.1 A configuração territorial da área metropolitana de Porto Alegre A história da área hoje chamada de Região Metropolitana de Porto Alegre é marcada por processos imigratórios e cenários geográficos bastante específicos. Com a intenção de traçar um histórico sobre a RMPA, alguns autores citam a ocupação de cada cidade isoladamente, ainda no período colonial. Tal posicionamento é recusado, considerando-se a historicidade da região a partir do momento em que as práticas urbanas efetivamente incidiram na configuração tornou-se a RMPA, ou seja, quando os Municípios cotados passaram a fazer sentido um em relação ao outro. Mesmo assim, reconhece-se variáveis como colonização portuguesa e alemã enquanto marcos estruturais e totalizantes sobre o território cortejado, tendo em vista o seu impacto não somente nas formas urbanas das cidades como sobre as práticas socioeconômicas e nos vínculos culturais ali dinamizados. Nesses termos, identifica-se como marco o ano de 1874, quando foi inaugurada uma linha férrea entre Porto Alegre e São Leopoldo, tão logo estendida até aquela que é hoje a cidade de Novo Hamburgo, em 1876. A administração da linha férrea era feita pela empresa Porto Alegre and New Hamburg Brazilian Railway Company Limited. A referida Companhia permaneceu no comando até 1905, quando as linhas foram assumidas pela empresa belga Compagnie Auxiliaire des Chemins de Fer au Brésil, que foi encampada definitivamente e transformada em Viação Ferroviária do Rio Grande do Sul (V.F.R.G.S.), em 1920. Não à toa, os nomes das estações correspondem a alguns dos mais conhecidos Municípios hoje componentes da RMPA, como: “Capão das Canôas”, “Sapucahya”, “São Leopoldo, “Rio dos Sinos” e, finalmente, “Hamburger Berg”. A ferrovia servia, sobretudo, como rota de escoamento dos produtos da Capital e do Vale do Rio dos Sinos para o interior do Estado. Ela foi complementada pela construção da estrada de rodagem, em caminho paralelo, em 1909. 110 Na segunda metade do século XIX, a Capital dos gaúchos almejava estar conectada3 a outros centros urbanos e com o interland (MONTEIRO, 1995, p. 32). Porto Alegre, tal qual cidades como São Paulo, Rio de Janeiro e Belo Horizonte passou a ser pensada a partir da reverberação de tipologias urbanísticas de origem europeia. É notório a circulação de ideias e planos ligados aos modelos de cidadesjardim e cidade-industrial, que se fizeram notar no traçado das ruas, na construção de edificações públicas e na execução de obras voltadas ao lazer e ao entretenimento. A cidade procurava, enfim, deixar para trás o seu passado colonial materializado em pequenos becos, ladeiras e construções em madeira. Entre as características desse processo, pode-se citar, para além das implicações territoriais, o surgimento de uma outra relação com o tempo – apreendido de forma mais acelerada – e com o espaço, que adquiriu outras formas e funções. Surge não só uma nova paisagem urbana, mas, também, uma sociabilidade ímpar, voltada ao convívio na urbe. Um dos fatores mais notáveis foi a invenção da luz elétrica e, com ela, a “descoberta da noite” (CONSTANTINO, 1997). Era a emergência da modernidade que, ao mesmo tempo que estimulava o modo de vida essencialmente urbano a partir de aspectos materiais e simbólicos, gerava antídotos ao cotidiano considerado frenético na cidade grande. Um dos meios de distinção era, justamente, o deslocamento temporário para localidades afastadas do centro da Capital. De acordo com a pesquisa de Schossler (2010) as práticas de veraneio no Rio Grande do Sul estiveram estritamente relacionadas, em momento anterior à popularização das praias de mar, aos retiros temporários realizados em parques de turismo, nos arrabaldes de Porto Alegre. Neste contexto, destacam-se os balneários tanto da Zona Sul153, junto ao Rio Guaíba e aqueles localizados junto ao distrito de Gravataí, conhecido como Capão das Canoas, na direção Norte. Em pesquisa anterior (VIEGAS, 2011), averiguou-se que a sociabilidade foi essencial para que as estações não se configurassem tão-só como postos de passagem, mas, além disso, como locais investimentos permanentes, tal como residências, casas comerciais, hotéis, entidades de ensino e loteamentos. 153 Machado, Janete da Rocha. O veraneio de antigamente: Ipanema, Tristeza e os contornos de um tempo passado na zona sul de Porto Alegre (1900 - 1960). Dissertação de Mestrado: Programa de Pós-Graduação em História, PUCRS, 2014. 111 A iluminação dos usos sociais daquele que seria o território futuro da RMPA na virada do século XIX para o XX é passo fundamental em direção à diversificação dos históricos relacionados ao tema, usualmente focados em aspectos negativos concernentes a falta de infraestrutura que caracterizaria a região nas décadas seguintes. Destaca-se que tanto a linha férrea entre Porto Alegre e Hamburg Berg quanto a estrada de rodagem que seguia o mesmo trajeto foram, portanto, catalisadores, em tempos diferentes, da configuração territorial que viria a ser tornar RMPA Os dados e estatísticas divulgados sobre os índices de continuidade urbana pelos estudos especializados sobre a Região indicam o eixo norte, a partir da Capital, sempre foi preponderante154. Tal fator explica, parcialmente, o motivo pelo qual a metropolização de Porto Alegre não avançou no sentido leste, em direção à cidade de Viamão, por exemplo. O elemento transporte, no entanto, não pode ser interpretado como motivo exclusivo ao desenvolvimento da área (VILLAÇA, 1998, p. 104) sabendo-se que outras cidades brasileiras que contavam com linhas férreas no século XIX não observaram crescimento populacional semelhante ao ocorrido na grande Porto Alegre na segunda metade do século XX. Datam dessa época outras transformações urbanas sobre a dinâmica da região que passou a desenvolver-se, ao mesmo tempo, a partir da zona Leste. A área da cidade tem os seus limites aumentados em aproximadamente 15%, radiais em direção a cidades futuramente cotadas como da área metropolitana são construídas, tais como Gravataí e Viamão, além de perimetrais. A tendência em direção à zona norte é reforçada com a BR-116 (1938) e a Avenida Farrapos (1940) e com a ocorrência da cheia de 1941, que promoveu o deslocamento de indústrias antes localizadas na área central para localidades como o Passo D’Areia. Nesses termos, concorda-se com Alonso (2008, p. 7), quem diz: Embora não seja possível perceber a existência do fenômeno metropolitano nos anos 1940, é crível afirmar, entretanto, que alguns movimentos essenciais à metropolização já se faziam sentir, como o aumento da concentração territorial das atividades industriais e dos serviços e também da população urbana. 154 Ver “Continuidade do espaço urbano”. IN: SMOV. Delimitação da Área Metropolitana de Porto Alegre, 1968, p. 15. 112 A década de 1950 emerge como um período de ascensão da dita “modernidade urbana”, materializada através de obras viárias e arquitetônicas na Capital. Trata-se de um momento no qual a urbanização era divulgada com afinco, configurando-se o que Monteiro (2007) referiu como um “novo padrão de visualidade urbana”, propagada por jornais e revistas publicitárias. Ou seja, parte da construção dessa “nova urbanização” era a circularidade social por ela mobilizada. O projeto de verticalização e modernização de Porto Alegre possuiu, contudo, um reverso, atinente à periferização da urbe. Diferentemente do final do século XX, mas os enclaves e becos localizavam-se junto à área central da Capital, conforme bem demonstrou Sandra Pesavento (2001), a nova geografia da exclusão foi traçada pela ocupação de áreas afastadas e, mais do que isso, pelas condições dessa ocupação. Monteiro registra o paralelismo entre esses fenômenos na Capital: Em Porto Alegre, em 1959, uma lei municipal definiu os nomes e os limites de 58 bairros, enquanto na periferia 40 vilas de casas autoconstruídas não paravam de crescer, como a Vila Caiu do Céu. O problema da moradia gerou a criação do Departamento da Casa Popular (futuro DEMHAB), pois os recém-construídos conjuntos habitacionais como a Vila IAPI e a Vila dos Comerciários eram dirigidos apenas a uma elite de trabalhadores que pertenciam aos Institutos de Previdência. (2007, p. 162) O processo de periferização é correlato ao de metropolização, sendo que resguardam semelhanças entre si, tais como a ocupação de áreas distantes do centro da cidade e, porventura, as más condições ou a inexistência de equipamentos urbanos. Mas o elemento chave foi o direcionamento dessa ocupação na malha citadina, novamente marcada pela expansão da cidade no sentido norte, corroborando um processo de média duração iniciado no século XX e perpetuado nas décadas de 1930 e 1940 com as intervenções urbanísticas direcionadas ao chamado 4º distrito. O lançamento das rodovias RS-030 e RS-020 estimularam a ocupação de cidades como Cachoeirinha e Alvorada na década de 1950, como um contrabalanço. A configuração metropolitana de Porto Alegre valeu-se, certamente, da expansão específica pelos motivos mencionados, sem contar a impossibilidade natural da cidade de se expandir na direção sul, visto a existência do Rio e de inúmeros morros. Mas esses fatores históricos só fazem sentido quando associados 113 a ocupações decorrentes de processos estruturais, como as migrações do campo para a cidade e a industrialização como uma política estatal. Tratam-se de dois elementos que, associados, serão determinantes para a formação da área metropolitana a partir da década de 1950. O setor industrial, que havia perdido sua posição junto a produção nacional, buscava atrair novos investimentos e oferta uma localidade para essa demanda: as cidades próximas da Capital. Enquanto isso, a população da cidade apresenta impactantes índices de crescimento, sendo que Porto Alegre era referenciada como a quarta área metropolitana mais populosa do Brasil, perdendo para São Paulo, Rio de Janeiro e Recife. Ocorre que, duas das alternativas de ordenação da problemática colocada foram determinantes para que a incipiente área metropolitana de Porto Alegre fosse configurada nos termos em que Carrion definiu com um “padrão periférico de moradia” (1989). O primeiro delas, foi a promulgação da 1954 da Lei nº. 1.233 em Porto Alegre, que impôs exigências tais como esgoto pluvial, rede elétrica, iluminação pública, reservas para a área verde, entre outros requisitos para a implementação de loteamentos, elevando o valor dos terrenos e lotes. O segundo foi a isenção de impostos, em paralelo, por parte de diversos governos Municipais de cidades próximas a Porto Alegre, para a instalação de indústrias em seus territórios. São ícones, nesse quesito, a instalação da Refinaria Alberto Pasqualini, em Canoas, e do polo petroquímico, em Triunfo, para citar os casos mais impactantes. A facilidade se estendeu à ação de imobiliárias, que vendiam milhares de terrenos em locais desprovidos de infraestrutura urbana e saneamento básico. Isso quer dizer que o modelo urbano adotado na Capital foi comprometedor para os Municípios que formariam a RMPA, visto que as os critérios assumidos não privilegiaram aspectos sociais, notadamente o setor habitacional, demanda mais evidente do período. Às vésperas da década de 1970, as características próprias de um espaço metropolitano ficaram definitivamente estabelecidas em Porto Alegre (marca de 1 milhão de habitantes, conurbação territorial, fluxo de mobilidade). Boa parte das cidades incluídas no projeto original da RMPA haviam sido emancipadas de seus Municípios de origem, dado que endossa o crescimento populacional e econômico da região. Carrion sintetiza pontualmente o processo: 114 Até 1940, apenas seis municípios compunham o território que delimita a atual RMPA — Porto Alegre, Viamão, Gravataí, Guaíba, São Leopoldo e Novo Hamburgo. Desmembramento s sucessivos, a partir de novos núcleos que se criaram ao longo da ferrovia e da estrada (BR-116) que unem Porto Alegre e Novo Hamburgo, deram origem aos Municípios de Canoas (1939), Esteio (1954), Sapiranga (1954), Estância Velha (1959), Campo Bom (1959) e Sapucaia do Sul (1961). Em 1965, ainda foram criados os Municípios de Alvorada e Cachoeirinha, desmembrados, respectivamente, de Viamão e Gravataí. (1989, p.228) Considerando-se os dados mencionados, identifica-se duas fases, demarcadas tanto temporal quanto territorialmente, associadas à configuração do que foi oficializado como originalmente a Região Metropolitana de Porto Alegre: I) eixo norte-sul: segunda metade do século XIX, relativa ao escoamento comercial e a sociabilidade; II) eixo Leste-Oeste: a partir da década de 1940, relacionado ao êxodo rural e à industrialização. Enquanto tendência permanente, depreende-se que a imagem da RMPA surgiu atrelada a ideia de um “problema urbano”, cujos maiores símbolos foram os seus Municípios, pejorativamente encarados como cidadesdormitório apêndices à metrópole. Em outras palavras, a área metropolitana de Porto Alegre emergiu como um grande reduto de indústrias, a partir das diretrizes estatais e, em direção oposta, como um núcleo de moradias para a população de baixa renda, em acordo com o fenômeno social das migrações rurais. Sua configuração territorial foi marcada por processos históricos ligados à fenômenos sociais, imposições naturais, instrumentos públicos e demandas privadas. As tentativas de interpretação e regulação dessas variáveis foram balizadas pelo desempenho de diferentes agentes, instituições e vertentes de pensamento. 3.2.2 Entre o planejamento integrado e o planejamento regional: interpretações sobre a metropolização Ao admitir as regiões metropolitanas como um fenômeno em escala nacional e, de certa forma, global155, a então nova categoria de classificação urbana passou a ser referida em um primeiro momento indireta e depois, diretamente, em uma ampla 155 Aqui entende-se que a atualmente chamada “urbanização planetária” encontra na metropolização a sua origem recente em nível mundial. Para uma discussão sobre, ver: BRENNER, Neil. (ed.) Implosions/Explosions: Towards a Study of Planetary Urbanization. Berlin: Jovis, 2013. 115 de rede de circulação de saberes, nem sempre coesos entre si. À exemplo da base diversificada sobre a qual o planejamento urbano estava assentado no Brasil, o fenômeno metropolitano não foi alvo de um único eixo de elaboração teórico, tampouco de práticas profissionais oriundas de um grupo exclusivo. As duas vertentes que mais encontraram respaldo, tendo em vista critérios como publicações acadêmicas e seminários, foram as seguintes: i) planejamento (ou desenvolvimento) regional; ii) planejamento urbano local integrado. De acordo com a primeira, a grosso modo, a unidade de planejamento aplicada em relação às concentrações urbanas brasileiras era a de “microrregião homogênea”. Já a segunda valia-se do termo específico “áreas metropolitanas”.156 Conforme demonstrou-se em capítulo anterior, tais proposições foram assentadas a partir de organogramas acadêmicos e institucionais próprios, embora eventualmente interligados. Na condição dos dois principais campos técnicosacadêmicos a se reportarem à questão urbana no Brasil, estiveram debruçadas, igualmente, sobre o fenômeno metropolitano. A política de desenvolvimento regional ficou à cargo do MINIPLAN e do EPEA e a política de planejamento integrado local sob responsabilidade do SERFHAU. Steinberger, ao analisar o capítulo relativo ao Desenvolvimento Urbano junto ao Plano Decenal publicado pela IPEA em 1967, indica que ambas as vertentes encontravam respaldo dentro do discurso estatal: Uma primeira que tratava dos aspectos significativos do processo de urbanização onde era feita uma caracterização da problemática urbana. Uma segunda, que concebeu a formulação de uma política de desenvolvimento urbano segundo uma ótica regional, prevendo a definição de regiões-programa e polos de desenvolvimento, com vistas a compatibilizar o desenvolvimento urbano e regional. Finalmente, a terceira parte tratava do Planejamento Local e preconizava a implantação de um Sistema Nacional de Planejamento Local Integrado. (grifo meu) (STEINBERGER, 1976, p.63-4) Interessante é reparar, de imediato, na relação entre o fortalecimento de determinados campos profissionais com a interpretação por eles formulada sobre o fenômeno metropolitano. É notável que a concepção dos geógrafos, pontuada nas 156 BRASIL. BNH/EPEA Desenvolvimento Urbano no Brasil. Bases para a formulação de uma Política Nacional De Desenvolvimento Urbano e para a implantação de um Sistema Nacional para o Planejamento do Desenvolvimento Local Integrado. Brasília: BNH/EPEA, 1965, p. 29. 116 teorias de regionalização, foi valorizada nos órgãos por eles gerenciados (IBGE) na administração pública. No mesmo sentido, o planejamento urbano integrado, preconizado pelos arquitetos-urbanistas, esteve sustentado nas repartições a eles delegadas dentro da estrutura estatal (SERFHAU)157. Infere-se, nesses termos, que foi desta fusão de interpretações os planos de desenvolvimento metropolitanos decorreram. Tratando-se de Porto Alegre, há um conjunto de trabalhos lançados no âmbito local, entre o final da década de 1950 e 1960, indicativos da emergência do fenômeno metropolitano junto na agenda técnica e acadêmica na Capital. Tais pesquisas foram compiladas por Alonso (2008), para quem o estudo mais completo sobre o fenômeno metropolitana foi feito junto a Secretaria Municipal de Obras e Viação da Prefeitura Porto Alegre/SMOV, em 1967. Segundo o autor, neste documento: o diagnóstico do fenômeno não só aponta as características fundamentais da metropolização, como faz uma primeira delimitação territorial da área metropolitana e propõe a criação de uma entidade supra municipal para tratar dos problemas comuns e do planejamento integrado. (2008, p. 17). Em 1968, Danilo Landó, Luis Miranda e Gervásio Neves, respectivamente arquiteto-urbanista, economista e geógrafo publicaram um trabalho desenvolvido na Secretaria de Obras Públicas do Governo do Estado do Rio Grande do Sul, a SOP. Considera-se, nesta tese, esse o estudo contundente sobre a RMPA, visto que foi confecionado por técnicos que participariam do PDM a partir de 1971. Além disso, valeu-se de metodologia específica para a delimitação da área que foi oficializada como RMPA, sendo abalizado nos seguintes critérios: a continuidade dos espaços urbanizados, os fluxos de transportes e as funções exercidas por cada um dos ditos centros urbanos periféricos158. 157 Um dos principais promotores da metropolização a partir de critérios do planejamento integrado foi Harry Cole. Ver: COLE, Harry. Desenvolvimento Metropolitano Integrado no Brasil. IN: Áreas metropolitanas e desenvolvimento integrado no Brasil. Rio de Janeiro: MINTER, 1967. P. 11-26. Microfilme. Acervo IAI Berlin. 158 LANDÓ, Francisco Danilo Menezes; MIRANDA, Luiz e NEVES, Gervásio. Delimitação da Área Metropolitana de Porto Alegre. Secretaria de Obras Públicas do Rio Grande do Sul. Porto Alegre: 1968, p. 11. 117 Na publicação, lê-se que o estudo compartilhado era “o primeiro passo do que será futuramente o Plano Diretor da Grande Porto Alegre”159. Chama a atenção o não emprego da nomenclatura de “Região Metropolitana” e a menção à elaboração de um Plano Diretor – a despeito do Plano de Desenvolvimento que acabou sendo posteriormente concretizado –. Vale sopesar que esses estudos, promovidos dentro das duas mais importantes repartições públicas conexas ao urbanismo no Rio Grande do Sul à época, a SOP e a SMOV, estiveram respaldados por outras publicações que também reconheceram a emergência do fenômeno metropolitano em Porto Alegre desde o início da década de 1960, ainda que não tenham formulado proposições metodológicas sobre o tema. Medeiros, por exemplo, explicitamente advertiu em 1964 que “a expansão de Porto Alegre e de outras cidades está originando uma conurbação, do que resultará uma área metropolitana” (MEDEIROS [1967] apud ALONSO, 2008, p. 12). Sequencialmente, outro texto que pode ser compreendido como elementar foi aquele escrito por Danilo Landó, intitulado “planejamento metropolitano”. O artigo é singular pois uniu lexicalmente as instâncias do planejamento e da metropolização. Célia Ferraz de Souza, que se deteve a analisar os Anais do evento ao qual o artigo foi publicado, informou que: “Landó se mostrava a favor de uma política que assegurasse o desenvolvimento da área em toda a sua plenitude, através de um programa de obras e serviços e de instrumento legal capaz de obter os fins desejados” (SOUZA, 2014, p. 229). Em outras palavras, o arquiteto urbanista encarava a institucionalização da questão metropolitana enquanto prerrogativa para o planejamento da região. É relevante registrar que, a despeito disso, quando da criação oficial da RMPA, em 1973 e fundação da Fundação Estadual de Planejamento Metropolitano e Regional/METROPLAN, em 1975, o PDM já estava pronto, indicando as outras articulações e estratégias que foram mobilizadas para atingir os fins mencionados por Landó, sendo uma delas a cooperação internacional. A chave de sua exposição foi a tentativa de diferenciar a perspectiva e planejamento metropolitano das abordagens assentadas sobre o conceito de 159 Idem, p. 4 118 planejamento, conquanto para ele existisse um elo entre “todas as classes de planejamento urbano, regional ou nacional” (SOUZA, 2014, p. 230). Disse Landó: O planejamento metropolitano é, de um lado, a aplicação à extensões espaciais maiores dos métodos correntemente empregados ao planejamento urbano e, por outro lado, o planejamento metropolitano é instrumento de política econômica e social e o meio de aplicar estas políticas a determinados espaços físicos. ([1971] apud SOUZA 2014, p. 230) Retem-se da afirmação a ideia de que o planejamento metropolitano, diferentemente do planejamento urbano, possui caráter intrinsecamente vinculado ao conceito de desenvolvimento mais do que ao de ordenamento territorial. Também não seria um planejamento regional pois a região não era concebida dentro de um projeto homogêneo no Estado e sim como sua principal provedora econômica e núcleo habitacional. Apesar de tais distinções, constam entre as recomendações finais do evento a “constituição de polos (...) destacando o centro urbano como parâmetro fundamental do processo de desenvolvimento” (idem, p. 231) e de um Plano Estadual de Desenvolvimento Urbano (desconsiderando-se a realização, paralela, do Plano de Desenvolvimento Metropolitano a partir do grupo misto teuto-alemão). Não se encara tal indicação como contraditória à concepção de planejamento metropolitano proclamada por Landó, mas, antes, como um sintoma da profusão de interpretações que se reportam ao fenômeno urbano e metropolitano no período. Aos trabalhos citados, consagrados pela historiografia que se reporta ao assunto160, pode-se agregar os estudos promovidos por Paulo Assis Ribeiro, que se detêm ao fenômeno da metropolização. Ao referir o que chamou de “Grande Região Sul”, são incorporados dados estatísticos, populacionais e territoriais relativos às “grandes concentrações urbanas”, conferindo destaque às cidades de Porto Alegre e Canoas e Pelotas. O Rio Grande do Sul é listado como o segundo Estado com maiores taxas de urbanização da região delimitada (47%), perdendo apenas para São Paulo (64%). O fenômeno metropolitano é reconhecido de forma pioneira, visto que deveria-se “garantir o eficiente funcionamento de um tipo de unidade 160 Além de Alonso (2008), também Verri (2014), que citam os autores mencionados em suas revisões. 119 administrativa criado no mundo moderno: as grandes aglomerações urbanas que constituem as chamadas ‘áreas metropolitanas’”161. Ao buscar referenciar o fenômeno metropolitano a partir da Região Sul em sua totalidade, os estudos de Assis Ribeiro fornecem uma significativa porta de acesso a outra vertente que será referenciada. Ela foi reunida, com variações, sob o que o espectro do que foi chamado de planejamento ou desenvolvimento regional. Essa abordagem da questão urbana no Brasil proveio da área da Geografia e ganhou notoriedade, sobretudo, a partir da metade do século XX. Estruturada desde meados da década de 1930 por instituições tais como o Conselho Nacional de Geografia/CNG e o IBGE, por sua vez amparados por periódicos próprios, o campo geográfico formulou interpretações específicas sobre o fenômeno urbano e metropolitano no Brasil. No Rio Grande do Sul, a vertente divulgada pelo Instituto Gaúcho de Reforma Agrária/IGRA, através de sua Divisão de Geografia e Cartografia162. De acordo com essa perspectiva, os núcleos urbanos eram funcionalizados em igualdade a outras regiões do país, tais como áreas rurais, florestais, industriais, etc. Ela foi divulgada desde o final dos anos de 1950 por profissionais como Michel Rochefort. O geógrafo francês, cuja atuação no Brasil foi notável, primeiramente junto ao IBGE e, posteriormente, junto ao SERFHAU e a CNPU, foi o responsável pela difusão da chamada “metodologia das redes urbanas”. Em conformidade com o ponto de vista proferido, a organização do território se daria pela fixação de regiões homogêneas, definidas a partir de classificações tipológicas baseadas em questionários e cartogramas. É associada à chamada “geografia aplicada”, cuja ascensão esteve ligada ao: (...) contexto nacional-desenvolvimentista, de intervenção estatal na economia e confiança no planejamento, quando a questão urbana e o debate teórico sobre as mudanças na definição e na delimitação regional do Brasil começavam a se tornar tópicos de grande centralidade no IBGE. (BOMFIM, 2015, p. 366) Em sua obra “O problema da regionalização do Brasil”, Rochefort propõe uma divisão do território nacional em: regiões vazias; regiões de equilíbrio tradicional com 161 Relatório. n.º 57, Cx. 367, p.. 78-79. Projeto Memórias Reveladas. Acervo Paulo Assis Ribeiro. AN/RJ. 162 Nesse sentido, consultar: RIO GRANDE DO SUL. Instituto Gaúcho De Reforma Agrária. Divisão De Geografia e Cartografia. Regiões Polarizadas e Homogêneas. Porto Alegre: 1967. 120 fraca densidade demográfica; regiões de equilíbrio tradicional com densidade demográfica forte ou média e regiões de crescimento. É válido creditar a menção feita pelo autor a Região Sul que, segundo ele, era de difícil classificação dentro das categorias sugeridas.163 A teoria da regionalização está profundamente imbricada com aquela que previa polos de desenvolvimento, elaborado pelo também geógrafo de origem francesa François Perroux. Enquanto a regionalização era ordenada para classificar o país em zonas setoriais, os polos de desenvolvimento serviriam para induzir potencialidades constatadas nos projetos164. Nesses termos, as práticas de planejamento dentro daquela percepção não foram somente técnicas, visto que cada área foi funcionalizada de acordo com suas potencialidades naturais e comerciais. Tal acepção essencialmente oriunda do campo técnico foi incorporada, por exemplo, em publicações oriundas do campo político tal como o Programa Estratégico de Desenvolvimento, datado de 1967, no qual se lê que “a identificação de polos de desenvolvimento de cada região é importante para evitar dispersão de aplicações em conformidade com a orientação do programa estratégico”.165 O documento aponta, ainda, a falta de integração como um obstáculo ao desenvolvimento nacional e daí “a necessidade de concepção do planejamento integrado, que deverá abranger quatro aspectos básicos: o econômico, o social, o físico territorial e o institucional”166. Clarifica a intersecção entre as diversas interpretações relacionadas ao fenômeno metropolitano, antecipando a estratégia adotada em planos de desenvolvimento. A partir de faceta correlata, Medeiros, em 1959, estudou de modo pioneiro o processo de urbanização do Rio Grande do Sul, dividindo o Estado em doze regiões - que denominou de “constelações urbanas”, indicando os centros de polarização e o volume de população de cada uma. Ao analisar a zona de Porto Alegre, destacou o papel das migrações rurais urbanas e afirmou que: 163 ROCHEFORT, Michel. O problema da regionalização do Brasil. MINIPLAN/IPEA. Rio de Janeiro, 1967. 164 Para mais detalhes sobre os polos de desenvolvimento, consultar: TOLOSA, Hamilton. Planejamento Regional. Rio de Janeiro: IPEA, 1970 e BRASIL. Pesquisa sobre polos de desenvolvimento e regiões homogêneas no Brasil. MINIPLAN – EPEA. S/d. Biblioteca IPEA/Rio de Janeiro. 165 MINISTÉRIO DO PLANEJAMENTO E COORDENAÇÃO GERAL. Diretrizes de Governo. Programa Estratégico de Desenvolvimento. Brasília, 1967, p. 143. Acervo IAI Berlin. 166 Idem, p. 144. 121 (...) está perfeitamente à vista o fato, já esboçado, da conurbação na área de Porto Alegre e adjacências. Provavelmente a Capital envolverá nesta conurbação seis cidades vizinhas – Canoas, Esteio, São Leopoldo, Novo Hamburgo, Gravataí e Viamão (...) a ordenação das cidades não será eficiente e mesmo não será possível, se não for parte de um planejamento regional. O tratamento do processo de urbanização implica em planejamento regional. Há, portanto, necessidade de que se intensifiquem tais estudos. Num planejamento, regional não se improvisa” (MEDEIROS [1959] apud ALONSO, 2008). O primeiro trabalho a mencionar o termo metropolização em Porto Alegre, inclusive, foi elaborado dentro da abordagem da regionalização. É datado de 1961, de autoria dos geógrafos Geiger e Davidovich167. Eles não só reconheceram elementos de conurbação a partir de aspectos formais e econômicos bem como delimitaram a área metropolitana de Porto Alegre dentro de uma hierarquia regional do Estado do Rio Grande do Sul, condizente com uma das propostas sobre o fenômeno metropolitano, concernente a delimitação de polos. Neves e Abrantes, igualmente definiram as regiões polarizadas e homogêneas do Estado e destacaram a área de influência imediata de Porto Alegre estabelecida pelo “(...) crescimento e restrições do espaço da capital, quer sob o ponto de vista físico, isto é, do sítio, quer sob o ponto de vista econômico, (...) que têm como constituintes uma importante rede urbana, praticamente conurbada. ”168 Boudeville, em 1963, discorreu sobre o crescimento polarizado no Rio Grande do Sul para distinguir uma área metropolitana típica (a Grande Porto Alegre). Cabe esclarecer que Boudeville, a exemplo de outros autores, trabalhou com a ideia de que Porto Alegre era um dos polos de desenvolvimento do país ([1963] apud ALONSON, 2008, p. 12). Nesse sentido, o desenvolvimento de Porto Alegre foi estudado de forma relacional aos outros polos de ordem mais baixa no contexto do Estado, como Pelotas, Caxias do Sul, Santa Maria, Uruguaiana, etc. Mas a Capital era, também, uma referência nacional: Hamilton Tolosa, por exemplo, em sua obra “Planejamento Regional”, publicada pelo IPEA em 1970, citou Porto Alegre e Belo 167 DAVIDOVICH, Fany; GEIGER, Pedro. Aspectos gerais do fato urbano no Brasil. IN: Revista Brasileira de Geografia. IBGE. Abril/Junho ,1961, p. 263-362. 168 NEVES, Gervásio Rodrigo e ABRANTES, Vânia Amoretty. Regiões polarizadas e homogêneas. IN: Boletim Geográfico, V. 26 (198). IBGE. RJ, p. 27-41. Maio/Junho, 1967. 122 Horizonte como metrópoles secundárias após São Paulo e Rio de Janeiro, considerando a “macrorregião centro sul” como desenvolvida169. À exemplo do que foi percebido em relação aos órgãos de escala federal, que elaboraram diferentes sobre projeções cartográficas sobre o território nacional, as concepções reunidas em torno do planejamento integrado e do desenvolvimento regional compuseram, outrossim, suas interpretações específicas sobre a RMPA. A projeção da área metropolitana que provém da área da arquitetura e do urbanismo (Fig.3), publicado em 1967 junto ao estudo de Landó, Miranda e Neves, propõe que a RMPA seja delimitada a partir de critérios socioeconômicos e prevalece-se da expansão “natural” no sentido norte para definir os seus marcos espaciais. Já o mapa preparado com base nos critérios das microrregiões homogêneas, classifica a RMPA em acordo com discernimentos geográficos (Fig.4). Sobressai-se por ser mais “indutora” e propor a inclusão de Municípios que, à rigor, não mantinham uma troca de fluxos justificável com a Capital. O mapa é datado de 1979, tão embora sua origem tenha relação com o IBGE, quando o instituto realizou um projeto de delimitação da RMPA, em 1967. Pode-se incluir casos em que as duas linhas são cruzadas (Fig. 5). Publicada junto à obra Regionalização170, em meio a outros mapas temáticos, o documento interpreta a RMPA tanto dentro de um sistema de hierarquia urbana (ou seja, nega a ideia de homogeneidade) quanto lida com a ideia de polos-regionais. Essa conjunção de pespectivas é perceptível, entre outros casos, dentro da ossatura institucional e da agenda de planejamento do Rio Grande do Sul à época. A chamada Secretaria de Obras Públicas/SOP teve sua nomenclatura modificada em 1973 para Secretaria de Desenvolvimento Regional e Obras Públicas, um ano após ter sido lançado o Plano Estadual de Desenvolvimento Urbano e Políticas para o Desenvolvimento do Estado. Há referência que tenha funcionado dentro da Secretaria um Departamento de Assuntos Metropolitanos (DEAME)171. 169 TOLOSA, Hamilton. Planejamento Regional. Rio de Janeiro: IPEA, 1970. 170 RIO GRANDE DO SUL. Secretaria do Desenvolvimento Regional e Obras Públicas. Proposição De Organização Territorial Do Estado Para Fins De Programação Regional E Urbana. Porto Alegre: 1974. 171 RIO GRANDE DO SUL. Cartilha da Região Metropolitana de Porto Alegre. Secretaria de Obras Públicas e Saneamento: 1982, p. 13. Não é precisada a data ou qualquer referência legislativa sobre o Departamento. Fig. 03 Área Metropolitana de Porto Alegre, 1967 123 IN: SOP. Delimitação da Área Metropolitana de Porto Alegre, 1968. Acervo Biblioteca do PROPUR Fig. 04 Micro-Regiões Homogêneas do Rio Grande do Sul, 1979 124 Acervo Arquivo Histórico do Rio Grande do Sul / AHRS 125 Fig. 05 Mapa do Rio Grande do Sul segundo proposição de hierarquia urbana, 1974 IN: SOP. REGIONALIZAÇÃO. Proposição De Organização Territorial do Estado para Fins de Programação Regional e Urbana. Porto Alegre: 1974. Acervo IAI Berlin. 126 A consideração desse conjunto de estudos é crucial para a percepção das diferentes abordagens conferidas ao fenômeno metropolitano que, se não se contrapõe, também não são consensuais. Além de serem desenhadas a partir de diferentes perspectivas teóricas, tais enfoques desvelam disputas em torno da legitimidade da interpretação do fenômeno metropolitano, manifestadas na criação de uma série de órgãos e organismos profissionais. 3.2.3 A institucionalização da RMPA Em consonância com outras regiões do país, a institucionalização da RMPA ocorreu em 1973, em meio a pressões e clamor entre os profissionais envolvidos. Ainda em 1971, por ocasião da V Semana Social do Rio Grande do Sul, o arquiteto Militão de Morais Ricardo argumentou em prol do “controle da expansão da área metropolitana para evitar a especulação e a defasagem dos serviços dos municípios que a integram” (SOUZA, 2014, p. 229). A região foi oficializada contando com uma população de aproximadamente 1,5 milhões de habitantes, que correspondia a 23% da população do Estado, distribuída em 14 municípios que perfaziam 3.740,9 km² de área. A RMPA, em sua designação original, envolvia treze Municípios, além da Capital: Canoas, Esteio, Sapucaia do Sul, São Leopoldo, Novo Hamburgo, Sapiranga, Campo Bom, Estância Velha, Gravataí, Guaíba, Cachoerinha, Alvorada e Viamão. A matriz “original” é possível de ser visualizada até os dias atuais e é chamada de “macha urbana”, em meio aos 32 Municípios que a RMPA perfaz. (Fig. 6). Em momento anterior, em 1969, a sua institucionalização, a RMPA já havia sido promulgada pela legislação estadual, a partir de delimitação que corresponde ao final do ano de 1967. À exemplo do caso nacional, cuja lei de institucionalização foi elaborada tendo como precedentes os estudos de um grupo de juristas e urbanistas, a organização da RMPA ficou a cargo de uma Comissão designada pelo Governo Estadual172. Essa Comissão era formada por Danilo Landó, Gervásio Neves e Luiz Miranda. 172 Portaria n. 742-A de 17 de novembro de 1967. Fig. 06 Região Metropolitana de Porto Alegre, 2014 127 Fonte: Observatório das Metrópoles (elaboração geógrafa Julia Ribes Fagundes). IN: HEIDRICH; MAMMARELLA (2014). 128 A própria constituição da Comissão é indicativa da tendência interdisciplinar em voga: Danilo Landó é arquiteto e urbanista; Gervásio Neves, geógrafo; Luiz Miranda, economista. A existência do grupo traz à tona o tópico das disputas acerca do novo campo de atuação profissional no Rio Grande do Sul e no Brasil, ligado ao planejamento – e não mais somente arquitetura e urbanismo ou engenharia –. Com efeito, Danilo Landó diferencia a perspectiva adotada nesse estudo daquela preconizada pouco tempo antes. Contou o arquiteto: O IBGE teve aqui e queria delimitar as regiões metropolitanas e eu discordei: vocês estão fazendo um estudo e eu tenho uma outra visão. Então o governo do estado nomeou uma Comissão que eu era o presidente, o outro era o Gervásio [Neves], e o Militão de Morais. Dois da prefeitura e um do Estado.173 Segundo Landó, o modelo que veio a ser adotado legalmente para a institucionalização da RMPA foi aquele sugerido pela Comissão e não pelo IBGE “que desejava incluir Municípios como a Barra do Ribeiro”.174 Nessa direção, tais atos e decretos podem ser avaliados como pistas de um arcabouço técnico, acadêmico e institucional que está para muito além do esteio legislativo. A biografia profissional dos profissionais citados leva à imediata consideração de algumas entidades no processo de institucionalização da RMPA, as quais somar-se-ão outras. São elas: a a SOP; o IGRA; a Secretaria de Obras e Viação do Rio Grande do Sul, a SMOV e, enfim, a METROPLAN, entidade-fim criada para gerenciar temas metropolitanos. Na esfera acadêmica, emerge a UFRGS, prioritariamente a partir dos PROPUR, mas também representada pelos Departamentos de Geografia, Economia, Informática e Administração. É importante registrar a SOP, criada durante a República Velha no Rio Grande do Sul, foi detentora de diversas nomenclaturas no decorrer do tempo. À época da confecção do PDM, era chamada de Secretaria de Desenvolvimento Regional e Obras Públicas/SDP175. Outrossim, a Secretaria detinha seções de gerenciamento da questão urbana de Porto Alegre, como a Unidade de Pesquisa e Normação e a Unidade de Assistência Técnica aos Programas de Desenvolvimento. 173 Entrevista com Danilo Landó. Duração 3h22 min. Local: Porto Alegre. Data: 23/12/2015. 174 Idem. 175 Lei n.º 21195 de 1971. 129 Vale destacar, além disso, entidades executivas e produções que compuseram a tônica para que a Região Metropolitana de Porto Alegre se impusesse como pioneira no contexto nacional. Ainda na década de 1970, surgem a Associação Metropolitana de Municípios/AMEM (1967), assim como o Conselho Metropolitano dos Municípios/CMM (1970) e, finalmente, o Grupo Executivo da Região Metropolitana/GERM (1970). Sabe-se da existência, igualmente, da Associação dos Municípios do Vale do Rio dos Sinos/AMVRS e do Conselho Representativo da RMPA. Tais associações, analisadas conjuntamente, são reveladoras das arquiteturas institucionais voltadas à elaboração do que seria oficializada como a RMPA em 1973. A AMEM foi criada em 1967 e noticiou-se que nunca funcionou efetivamente176, embora a associação tenha apoiado projetos de renome, como a da construção de via bloqueada entre Porto Alegre e a Vila Scharlau. Sua fundação é atribuída a Célio Marques Fernandes, que havia sido Prefeito da Capital entre 1964 e 1969. A associação serviu de base para a articulação do CMM, em 1970. Seus membros eram os 14 prefeitos das cidades cotadas como sendo pertencentes a RMPA, além de um representante da União, através da SUDESUL e do Governo Estadual. De caráter notadamente ativo, suas reuniões e discussões eram comumente noticiadas na imprensa. Já a AMVRS foi criada em 1967 com o objetivo de promover o desenvolvimento integrado, nos setores social, econômico e de infraestrutura da região do Vale do Rio dos Sinos. Sua existência é interessante de ser percebida de forma relacional com a AMEM: as associações indicam uma articulação institucional em torno daquelas cidades que eram entendidas como polos de concentração e com potencialidade de transformarem-se em “centros metropolitanos”. O diferencial das cidades-membros da AMEM e da AMVRS ficava por conta de três municípios, indicando a conurbação territorial e administrativa. Sapiranga, Campo Bom e Estância Velha eram cidades compreendidas como locais de expressão dentro do Vale do Rio dos Sinos, mas não no núcleo associado à Capital. A AMVRS não era a única a representar os interesses relacionado ao planejamento da região: órgãos técnicos e acadêmicos ligados a UNISINOS também foram representativos nesse quesito. Em 1970, foi criado o CEDOPE – Centro de 176 Zero Hora. Ideia da Grande Porto Alegre começou aqui. 12/11/1971. 130 Documentação e Pesquisa da Universidade do Vale do Rio dos Sinos –, importante núcleo agregador de dados sobre população, renda, trabalho e cooperativismo na região, sob o prisma da sociologia urbana177. Tais iniciativas induzem a reflexão de que a Região do Vale do Rio dos Sinos não era encarada apenas como um mero polo regional associado a Capital e, dentro da concepção urbanística da época, possuía potencialidade própria enquanto esfera de planejamento independente, o que será levado em conta pelos projetos desenvolvidos pelo convênio Brasil-Alemanha. Célia Ferraz de Souza comenta que esse “trabalho associativo de municípios integrantes de uma mesma microrregião” era bastante comum, sendo que já existiam mais de 40 associações de municípios na Região Sul do país (SOUZA, 2014, p. 223). Tão logo, em 1976, foi criada a Associação de Municípios do Rio Grande do Sul (FAMURS). As entidades citadas representam que a base técnica estava assentada no Rio Grande do Sul quando da oficialização da RMPA via legislação federal e desvelam especificidades do processo à nível regional. Elas não se reportavam só ao fenômeno metropolitano, mas ao gerenciamento da questão urbana como um todo, tendo em vista a existência, por exemplo, do Conselhos Municipal de Porto Alegre, autorizado em 1971178. Além disso, a atuação de associações do gênero até a atualidade179 demonstra sua representatividade junto à governança metropolitana ao longo do tempo, hoje diversificada a partir de consórcios públicos, comitês de gerenciamento e conselhos deliberativos180. O Conselho Representativo da RMPA é outro indicativo da mobilização provocada por conta do planejamento da RMPA. A despeito do CMM, que era formado por Prefeitos, a ideia era que esta Comissão, que foi chamada de “Conselho da Grande Porto Alegre”181, fosse formada exclusivamente por vereadores. Foi articulada quando da realização, respectivamente em maio e em setembro de 1971, do I e do II Encontro das Câmaras da Região Metropolitana, a partir da iniciativa dos Presidentes das Câmaras dos Municípios integrantes da RMPA. 177 Projeto Memórias Reveladas. Ref.: G0149573. 10/08/1987. Acervo SNI/APA. Acervo AN/BSB. 178 Lei N.º 3607 de 1971. 179 Pode-se citar a Associação dos Municípios da Grande Porto Alegre (GRANPAL), Associação dos Municípios da Região Carbonífera (ASMURC), AMVRS, Associação dos Municípios do Vale do Paranhana (AMPARA). 180 Pode-se citar o Conselho Deliberativo Metropolitano e do Gabinete de Governança Metropolitana, instituídos em 2011, bem como o Consórcio Pró-Sinos, criado em 2007. 181 Diário de Notícias. Conselho da Grande Porto Alegre reúne-se no dia 18. 13/11/1971. 131 No projeto da criação do Conselho, estavam listadas entre as finalidades “o estudo dos problemas legislativos comuns aos municípios da Região Metropolitana” e “fomentar e robustecer o relacionamento entre legislativos e executivos no encaminhamento dos problemas” “opinar, quando solicitado, sobre os Planos de Desenvolvimento Local”. Apenas 20% dos vereadores comparecem ao Encontro, a despeito da presença dos técnicos do GERM e de autoridades conectadas ao SERFHAU, motivo pelo qual o título da matéria foi: “vereadores não estão interessados na Grande Porto Alegre”. Vale registrar que, além desse Conselho Representativo da RMPA, havia a Comissão Especial da Grande Porto Alegre, formada por membros da Assembleia de Deputados do Rio Grande do Sul182. Um dos órgãos de maior relevância no processo de institucionalização da RMPA foi o GERM, criado com respaldo da legislação federal referentes às RM’S – que previa o surgimento de entidades executivas. Ao órgão foi delegada a tarefa de elaboração do PDM, à exemplo do Grupo Executivo do Grande São Paulo/GREGAN, que data de 1967. Diferente das Comissões, que se restringiram a debates, o GERM articulou os Municípios da RMPA, o que é deduzível através da contribuição anual exigida de cada cidade para apoio à implementação da RMPA: 5% do PIB. Outrossim, o GERM operava para além do poder municipal, a partir de um convênio entre os Prefeitos dos Municípios da RMPA, a SOP e a SUDESUL. Seus objetivos eram: a) realizar estudos e projetos, contratados global ou parcialmente, que se relacionem com o desenvolvimento integrado da Região Metropolitana, ou sejam de interesse comum dos municípios integrantes; b) diligenciar junto a todas as esferas de poder público no sentido de coordenação dos projetos, obras e serviços que se realizarem na Região, sempre que tais projetos, obras e serviços possam ser integrados no plano de desenvolvimento. c) a captação, e administração de recursos financeiros oriundos de fontes orçamentárias dos próprios municípios integrantes, do Estado, ou da União, ou provenientes de agentes financeiros públicos ou privados, nacionais ou estrangeiros.183 182 O Conselho foi formado pelos seguintes políticos: Martins Santini, Nelson Marchezan, Oscar Westendorff, Americo Leal, Aluizio Paraguassu, Carlos Giacomazzi, Elton Fensterseifer e Celso Testa. 183 De acordo com matéria divulgada em Zero Hora. Ideia da Grande Porto Alegre começou aqui. 12/11/1971. 132 A funcionalização de tarefas entre os órgãos gerenciadores caracterizou a institucionalização do RMPA. Assim sendo, algumas entidades eram responsáveis pelo planejamento e pela elaboração de diretrizes e outras direcionarem o financiamento e a implementação de obras. Em 1973 foi criado o Fundo de Investimentos Urbano do Rio Grande do Sul (FUNDURBANO-RS), utilizado até 1998 para o financiamento de diversas regiões do Estado e, desde então, voltado exclusivamente para obras em localidades rurais. Em seguida, em 1974, foram instalados os Conselhos Deliberativos do Governo Federal para as Regiões Metropolitanas. Tendo por base tais instituições, Porto Alegre foi a sede do I Encontro Regional de Áreas Metropolitanas/Sul, a partir da promoção do SERFHAU. Contou com uma palestra por parte do GERM da experiência local para representantes de todo o Brasil. O objetivo era a institucionalização das RM’S, que “existem de fato e não de direito”184. Dada sua relevância, contou com a participação de membros da SUDESUL, do SERFHAU, do GERM, além de professores da UFRGS, técnicos do DNOS, IBGE e, enfim, alemães da Deutsche Projekt Union/DpU que “estavam trabalhando para o GERM”. O Encontro era o primeiro de uma série de três previstos: o segundo seria em Belo Horizonte/MG – contemplando as áreas de São Paulo e Rio de Janeiro; o terceiro, em Recife/PE, congregando as regiões metropolitanas de Fortaleza, Belém e Salvador. Tais eventos precederam o evento de âmbito nacional, que ocorreria em Brasília, em março de 1972. A proporção de alcance do tema, visto a sua proeminência social, fez com que, até mesmo, escolas dedicassem “aulas especiais sobre a Grande Porto Alegre”, como aconteceu em grupo de São Leopoldo185. Em meio aos debates, cada Estado interessado em estabelecer uma área metropolitana em seu território deveria enviar um projeto fundamentado ao Governo federal. A proposta do Rio Grande do Sul foi elaborada pelo GERM e colocada à apreciação do CMM no final de 1972. A cópia do anteprojeto foi divulgada no jornal Zero Hora, em novembro de 1972186. Fato destacável foi a participação de acadêmicos do Curso de PósGraduação em Administração Pública, da Faculdade de Ciências Econômicas da 184 Correio do Povo. Institucionalização das Regiões Metropolitanas terão três novos encontros. 08/12/1971. 185 Idem. 186 Folha da Tarde. GERM tem projeto que regulamenta a Região Metropolitana. 24/11/1972. 133 UFRGS. O grupo foi convidado a fornecer sugestões para o anteprojeto que o Rio Grande do Sul enviou ao Congresso. 187 Sua participação foi proporcionada por Danilo Landó que era professor na disciplina Planejamento Governamental no referido curso e foi o responsável pela participação dos acadêmicos junto a uma reunião do CMM, em 1972. Uma breve análise da proposta sugere que ela visava remediar aquele que era um dos principais pontos de polêmica quanto à criação de uma entidade metropolitana: a retirada da autonomia municipal. Danilo Landó que, ao lado de outros profissionais, participou ativamente do processo, relatou que, tal como no contexto nacional, a institucionalização da RMPA trouxe à tona preocupações. De acordo com o arquiteto-urbanista: Eu propus aqui no Estado de criar que os municípios tivessem uma legislação própria. Aí teve uma polêmica, que eu queria tirar a autonomia. Eu sempre fui municipalista. Mas também achei que tinha que ter um órgão supra municipal que coordenasse as ações técnicas. Eu não queria um quarto poder, eu queria um poder técnico.188 Ao passo que a autonomia municipal foi considerada um tópico de debate, lêse em publicação decorrente da V Semana Social do Rio Grande do Sul, ocorrida em 1971, aspiração para que as entidades de gerenciamento da questão metropolitana fossem centralizadas, conforme segue: os problemas gravíssimos decorrentes do desenvolvimento desordenado da área metropolitana de Porto Alegre (como também de muitas outras áreas metropolitanas no país) estão a exigir um instrumento legal que ainda não existe, para garantir que diversos programas obedeçam a um único programa global. (SOUZA, 2014, p. 233) Tendo como prerrogativas tais demandas e o aparato legislativo de 1973, entra em cena aquele que se tornou o mais importante órgão relativo ao gerenciamento da RMPA, a chamada Fundação Estadual de Planejamento Metropolitano e Regional/METROPLAN. A existência da entidade foi possibilitada 187 Folha da Tarde. Projeto cria subprefeitura para área metropolitana. 30/11/1972. 188 Entrevista com Danilo Landó. Duração 3h22 min. Local: Porto Alegre. Data: 23/12/2015. 134 em 1973, quando da institucionalização da Regiões Metropolitanas, sendo articulada em 1974 e, enfim, oficializada no ano seguinte. Entre os objetivos da entidade, estavam o “assessoramento para a realização dos planos diretores, municipais, na anuência prévia para registros de loteamentos ou desmembramentos, na assistência técnica e implantação de pequenas obras de infraestrutura em municípios não integrantes da Região Metropolitana de Porto Alegre” (2013, p. 130). A METROPLAN era uma entidade pública, mas de direito privado. Esse modelo de regimento foi pensando, segundo Landó, a partir da assistência jurídica prestada pelo advogado Couto e Silva. O órgão trata, essencialmente, de tarefas de planejamento e não de execução. Ao lado da Fundação de Economia e Estatística, a METROPLAM promoveu uma série de publicações oficiais sobre a RMPA189. Tão logo foi fundada, passou a editar as chamadas “Coletâneas de Estudos Metropolitanos” que periodicamente divulgavam, através de artigos escritos por técnicos e acadêmicos, aspectos relacionadas a região. A Fundação, no mesmo sentido, publicou sucessivas obras de análise sobre a Região Metropolitana, como a que foi intitulada de “A Região Metropolitana de Porto Alegre e a Fundação Metropolitana de Planejamento” (1981). A METROPLAN abrigou muitos técnicos antes relacionados a SOP e a SMOV, bem como participantes do PDM. As Secretarias continuaram a atuar em paralelo a entidade, sendo suas competências distintas. Sua existência é de relevante de ser identificada ao lado de outras empresas de Estados, como a Companhia de Desenvolvimento da Região Metropolitana de Salvador, o Instituto de Cooperação Técnica Intermunicipal de Manaus/ICOTI, Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano de Curitiba/IPPUC, a Empresa Paulista de Planejamento Metropolitano/EMPLASA, Superintendência de Desenvolvimento da RMBH/ PLAMBEL em Belo Horizonte, entre outros. A ideia de um sistema de planejamento, tal como o de São Paulo, era reivindicada a Porto Alegre. Sobre a cidade, o Diretor do GERGRAN/SP, o economista João Carlos Pimenta, declarou que como problema maior a “a 189 Nesses termos, são exemplos, entre tantos outros: METROPLAN. Região Metropolitana de Porto Alegre: informações e análise. Porto Alegre: FEE, 1988. NEVES, Gervásio Miranda et. al. Atlas social da Região Metropolitana de Porto Alegre. FEE: 2003. 135 discrepância entre a escala dimensional das atividades exercidas na área e os sistemas de apoio organizados para o atendimento de suas necessidades”.190 A institucionalização do fenômeno metropolitano ocorreu em meio ao lançamento de dois Planos Diretores da cidade de Porto Alegre: o de 1959 e o de 1979. A legislação urbana, conforme bem colocou Rolnik (1997, 13): (...) age como marco delimitador de fronteiras de poder. A lei organiza, classifica e coleciona os territórios urbanos (...). Funciona, portanto, como um referente fortíssimo na cidade, mesmo quando não é capaz de determinar sua forma final”. Busca-se entender, então, em que medida esses documentos incorporaram o fenômeno metropolitano em suas propostas. O Plano de 1959 incorporou a questão metropolitana de forma indireta, ao ter sido elaborado dentro da lógica do zoneamento, diferenciando áreas residenciais, industriais, centros políticos, financeiros e comerciais. O de 1979, concebido a partir da lógica do PDM, não à toa, foi nominado Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano/PDDU. O documento buscou congregar as diretrizes formuladas à nível nacional sobre o desenvolvimento urbano e diferencia-se do anterior e do próprio PDM, ao introduzir representantes da comunidade indicados por associações de moradores. A preparação do Plano contou com a assessoria institucional das recémcriadas METROPLAN e Fundação de Economia e Estatística Siegfried Emanuel Heuser do Rio Grande do Sul/FEE. De acordo com Cruz: O PDDU buscou criar um sistema centralizado de planejamento do desenvolvimento urbano e de coordenação dos órgãos municipais visando superar a visão de projetos isolados do todo (com fragmentação da ação governamental e uma burocracia atrofiada), organizar a ação de um conjunto de órgãos em torno de um projeto de cidade e potencializar a utilização de orçamentos do Município. (2012, p. 109) Chama-se a atenção para o fato de que o primeiro Plano não ter levado em conta a metropolização; já o de 1979 possuiu traços retroativos. No interim entre 1971 e 1973, o PDM foi formulado, marcando a diferenciação entre o plano (diretor) da cidade de Porto Alegre do plano (de desenvolvimento) da área metropolitana da 190 Correio do Povo. Balanço do Planejamento da Grande Porto Alegre. 24/03/1972. 136 cidade, clarificando a esfera autônoma atrelada à metropolização entre a partir da década de 1970 por parte do poder público. 3.3 Porto Alegre: um caso exemplar Situar o pioneirismo de Porto Alegre no campo do planejamento urbano metropolitano é lugar comum na historiografia (SOUZA; ALMEIDA, 2014; ALONSO, 2008; SALENGUE, MARQUES, 1993). O primeiro ponto é relativizar essa colocação, visto que outras capitais, como São Paulo e Salvador, contavam com um corpo técnico acadêmico bastante fortalecido e substratos institucionalizados no campo do urbanismo desde a década de 1940. Em contrapartida, o passo seguinte é procurar agregar informações que auxiliem na compreensão da formação do campo do planejamento urbano na Capital191, não como eminentemente pioneiro no contexto nacional, mas como um caso exemplar, no sentido atribuído por Donatella Calabi.192 Medidas como o lançamento da Revista Expediente Urbano conferiram distinção a Porto Alegre ainda na década de 1940. Conforme Monteiro, o Anteprojeto do Plano Diretor de 1944 elaborado por Edvaldo Pereira Paiva e inspirado no trabalho de Prestes Maia, em São Paulo, “projetou grandes obras viárias, como a canalização do Arroio Dilúvio contra enchentes, aterros na orla do Guaíba, ajardinamentos, ampliação de serviços públicos e zoneamento urbana, com a especialização das áreas urbanas por atividade” (2006, p. 84). Também o chamado Plano Gladosch193 deteve importância singular. Ao plano, que detém mais valor pela circulação de ideias que promoveu do que sua execução que, efetivamente, nunca aconteceu, seguiu-se outras medidas contundentes para o fortalecimento do campo do urbanismo na cidade e no Estado. Mas a tradição da cidade com a experiência de planos da cidade remonta ao início do século XX. Conforme Salengue e Marques: “(...) faz parte de uma trajetória de planejamento que se iniciou em Porto Alegre em 1914 e que, através de numerosos estudos, 191 Não é a intenção, aqui, fazer uma revisão exaustiva da formação do planejamento urbano em Porto Alegre. Para isso, consultar NYGAARD (2005) além de SOUZA e MÜLLER (2007) e PANIZZI e ROVATTI (1993). 192 Casos exemplares, conforme colocado por Calabi (2012, p. 167-168) são aqueles que condensam questões urbanísticas e se mostram como lugares de verificação de instrumentos de seu tempo. 193 Refere-se aqui a Arnaldo Gladosch, arquiteto e engenheiro brasileiro formado na Universidade de Dresden/Alemanha. 137 pesquisas, pré-planos e projetos realizados com determinação e espírito científico por profissionais de urbanismo, arquitetura e engenharia, em diferentes épocas, foi se constituindo, ao longo do tempo, um acervo de realizações e instrumentos de natureza juríficoadministrativa que hoje integra a cultura técnica e prática políticaadministrativa do Município, e por via de consequência, do Estado e demais municípios” (1993, p. 155) É passível de ser mencionado, nessa linha, a atuação de dois Conselhos voltados à resolução de problemas ligados a urbanização, um de 1939 e de 1955. O primeiro era formado por representantes do empresariado e do meio acadêmico, como industriais, comerciantes, médicos e engenheiros; já o segundo por entidades governamentais, como o Instituto de Arquitetos do Brasil/IAB, funcionários da SOP e do Departamento Estadual de Estatística, iluminando a mobilização de setores em torno do tema e a crescente institucionalização antes da década de 1960. Na década de 1960, é proeminente o trabalho da SOP no interior do Estado, que deteve papel decisivo na atribuição do Rio Grande do Sul como pioneira na institucionalização do planejamento urbano no contexto nacional. Tal pioneirismo é fruto da base acadêmica e, também, sustentado pela existência das secretarias junto ao Município de Porto Alegre e ao Estado, considerando as redes de colaboração técnicas firmadas. Em estudo elaborado pelo IBAM, divulgou-se que em 1965 a Região Sul contava com 24,6% de órgãos de urbanismo, contra 11,3% do Sudeste, 7,5% do Nordeste, 7,2% do Centro-Oeste e 6,3% do Norte. O destaque era o Estado do Rio Grande do Sul, que como o Paraná, já possuía organismos estaduais específicos de planejamento local. Quanto às Leis de Zoneamento, o Sul figurava empatado com o Sudeste (41%). Tratando-se do Planos Diretores, a Região destacava-se em nível desproporcional à frente das demais, perfazendo 28% em relação 16,2% da segunda colocada, a região Sudeste.194 Tais dados corroboram a perspectiva defendida por Fernanda Verri (2014) quem demonstrou a forma como planejamento urbano integrado, quando implantado no Rio Grande do Sul, valeu-se de um substrato existente, a partir das ações do SERFHAU. 194 BRASIL. BNH/EPEA Desenvolvimento Urbano no Brasil. Bases para a formulação de uma política nacional de desenvolvimento urbano e para a implantação de um Sistema Nacional para o Planejamento do Desenvolvimento Local Integrado. Brasília: BNH/EPEA, 1965, p. 29. 3.3.1 A experiência do Instituto Brasileiro de Planejamento 138 No rastro dessas prerrogativas lança-se luz sobre a criação, na década de 1970, do Instituto Brasileiro de Planejamento. O IBP foi fundado em 28 de maio de 1974 pelo arquiteto urbanista Francisco Danilo Landó. O membro-fundador, que ocupou cargos na esfera pública e privada na área do planejamento urbano e administração, se tornou o primeiro presidente da entidade, que sucessivamente agregou nomes conhecidos do meio acadêmico regional, tais como o de Gervásio Neves e Seno Cornely. A motivação de criação do Instituto esteve, segundo Landó, na pouca representatividade que outras entidades brasileiras atinentes ao planejamento possuíam junto ao contexto latino-americano. Conforme o arquiteto-urbanista: Existia a Sociedade Interamericana De Planejamento, a SIAP, cuja sede era em São Paulo e o Presidente Heitor Ferreira de Souza. Houve um congresso em Porto Rico e nesse congresso fui representante do Estado do Rio Grande do Sul. Reparei que a SBP (Sociedade Brasileira de Planejamento) não se fez representar, só tinha paulistas e não se faziam representar, não tem Brasil. Aí resolvi criar o Instituto Nacional de Planejamento, o IBP, que passou a ser o representante brasileiro na SIAP.195 Ao ser citado ao lado de outras instituições específicas voltados a congregarem profissionais do planejamento, a experiência do IBP é indicativa de movimentos realizados em prol de certa institucionalização em torno da categoria. Embora pioneiro, o Instituto era um órgão que atuava sem vínculos ou respaldos. À mesma época existiam, afinal, a citada Sociedade Brasileira de Planejamento/SBP, fundada em 1968, e o Instituto de Planejamento Regional e Urbano/IPRU, formado em 1974, sem contar entidades internacionais representativas da mesma linha, sendo uma delas a referida SIAP. Nessa direção, o planejamento afirmou-se como uma categoria diferenciada perante o urbanismo, a geografia e a economia, ainda que interferisse e se valesse de prerrogativas dessas áreas. No estatuto do Instituto, elaborado em agosto do mesmo ano de seu lançamento, o IBP foi declarado como uma “sociedade de 195 Entrevista com Danilo Landó. Duração 3h22 min. Local: Porto Alegre. Data: 23/12/2015. 139 caráter técnico-educativo, cultural e profissional, sem fins lucrativos, de duração indeterminada, com sede e foro em Porto Alegre, abrangendo todo o território do país”196. Entre as finalidades, estavam: divulgar o conceito de planejamento como processo contínuo e integrado em seus aspectos social, econômico, físico e institucional, nos diferentes níveis nacional, regional e local; congregar os profissionais e instituições que atuam em atividades de planejamento, promovendo o intercâmbio de opiniões, estudos e experiências; fomentar as relações entre os indivíduos e as instituições interessadas em planejamento; propugnar pela maior compreensão e mais estreita colaboração entre os profissionais que se dedicam ao Planejamento, no sentido de que possam dar uma contribuição efetiva ao desenvolvimento do país; articular-se com organismos e associações nacionais e internacionais de Planejamento, quer por filiação, quer por intercambio, estreitando vínculos com outros países; promover congressos, seminários e outras reuniões em caráter regional, nacional e internacional; estimular o estudo, o ensino e a aplicação do planejamento, propugnando pelo seu contínuo aperfeiçoamento, bem como caracterizando a necessidade de relação entre a prática profissional e a universidade; exercer outras atividades necessárias à consecução de seus fins. 197 Tendo em vista tais preceitos, a instituição é representativa para elucidar de que forma as práticas urbanísticas em vigor estavam para muito além do campo acadêmico ao qual costumavam dialogar. O planejamento era uma tônica estatal e perpassava diversas áreas do conhecimento, tais como a Economia, a Administração e a Sociologia. Para o Conselho Diretor do IBP, por exemplo, o estatuto previa a escolha de especialistas provenientes de setores como: social, econômico, físico e institucional. O Instituto era composto de uma Assembleia Geral, um Conselho Diretor e Conselho Fiscal. Em novembro de 1974, contava com aproximadamente 400 sócios198, ampliados para cerca de 1.000, em novembro de 1976.199 De acordo com o estatuto, os sócios eram divididos nas seguintes categorias: a) efetivos; b) institucionais; c) beneméritos; d) honorários. 196 IBP. Estatuto, 1964. Acervo pessoal de Danilo Landó. 197 IBP. Estatuto, 1964. Acervo pessoal de Danilo Landó. 198 Documento n. 537/30/APA/1974. Confidencial. Projeto Memórias Reveladas. AN/BSB. 199 Informação n. 378/119/APA/1976. Confidencial. Projeto Memórias Reveladas. SNI- Agência Porto Alegre. AN/BSB. 140 Poderiam ser membros do IBP, além de pessoas físicas, entidades de direito público ou privado, desde que relacionadas à área do Planejamento, brasileiros ou estrangeiros, mediante pagamento de anuidade. Figuram entre os membros efetivos nomes como Adão Raupp, Carlos Veríssimo de Almeida Amaral, Ernani Medaglia Tavares, Gervásio Neves, João Antonio Dib, Jorge Englert, Jorge Magalhães Francisconi, Manoel Braga Gastal, Mario Bernadino Ramos, Otavio Badui Germano, Roque Maldaner, Seno Antonio Cornely, Sergio Valmor Bertolo200. Pondera-se a valorização do campo acadêmico em detrimento do campo técnico (os sócios deveriam ser portadores de diplomas de graduação e não somente atuarem na área). No que tange às instituições relacionadas, destaca-se a filiação de representantes de entidades de todo o Brasil, como a Coordenação da Região Metropolitana de Curitiba, a Empresa Municipal de Urbanização (São Paulo), a Comissão de Desenvolvimento do Estado do Amazonas, a Secretaria de Estado dos Negócios Metropolitanos (São Paulo) e o Consórcio Rodoviário Intermunicipal da Bahia S/A. O IBP contava com uma biblioteca e, constantemente, promovia atividades, como congressos, seminários e projetos coletivos. Entre as atividades de maior impacto, pode-se citar a ocorrência dos “Seminários de Planificación en los Países del Cono Sur”, tendo sido efetuado o primeiro em Porto Alegre, em maio de 1975 e o segundo em Curitiba, dois anos após. Os encontros foram patrocinados pelo próprio IBP, pela SIAP e pelos órgãos públicos do Rio Grande do Sul e do Paraná. Dentro do mesmo propósito, era responsável por publicações tais como um boletim mensal e a Revista Brasileira de Planejamento, com tiragem quadrimensal, cuja tiragem era de 2.000 exemplares. A Revista começou a ser editada em abril de 1976 e tinha como responsável pelo projeto a Cooperativa dos Jornalistas de Porto Alegre. Nessa direção, a entidade prezava pela sua estrita cooperação entre profissionais e instituições diversas competentes à propagação conceitual e empírica do planejamento. Mas o meio institucional no qual o IBP estava inserido não é um indicativo exclusivo das conexões técnicas da instituição e da dimensão da propagação de saberes. Ao declarar em algumas de suas publicações o vínculo com o expressivo Centro Brasileiro de Planejamento de Análise e Planejamento, o CEBRAP, a 200 Idem. 141 instituição porto-alegrense tornou-se alvo de atenção do SNI, conforme documento emitido pelo órgão.201 Landó chegou a ser convocado pela Agência de Porto Alegre para declarar as finalidades do IBP202 e o local oficial de sua sede (no caso, no escritório do GERM), situado junto a SOP. O CEPRAB se nominava como uma entidade privada, especializada em pesquisas e assistência técnica das Ciências Sociais e tinha objetivos correlatos aos do IBP, sendo que elaborava relatórios mensais sobre tópicos relacionados à Economia, Administração, Sociologia, Estatística. O foco era, prioritariamente, o meio universitário, contando que determinados exemplares eram enviados à França, aos Estados Unidos e a Argentina. Mas a entidade era não grata pelo sistema, sendo o corpo de colaboradores considerados “subversivos” que reunia. Apareciam entre os nomes, os sociólogos Fernando Henrique Cardoso, Octávio Ianni e Juarez Brandão Lopes; os economistas Paul Singer e Pedro Pádis; os cientistas políticos Francisco Correa Weffort, Carlos Estevam Martins, Osvaldo Gusmão e o demógrafo e sociólogo Candido Procópio Ferreira de Camargo; além do filósofo José Arthur Giannoti e da estatística Elza Berquio. Diante das conexões pouco promissoras aos olhos do regime, a direção do IBP remeteu documentação ao chefe do SNI reafirmando seus objetivos dentro do âmbito eminentemente técnico, em uma clara tentativa de destituir a instituição de quaisquer ligações que pudessem ser interpretadas como suspeitas. Nesse documento, o IBP não se auto declarava mais associado ao CEPRAP, mas, ao invés disso, a Sociedad Interamericana de Planificación203, órgão filiado a ONU, cuja sede era em Bogotá, Colômbia. Nos termos colocados, compreende-se o IBP como um componente relevante a ser agregado ao conjunto de iniciativas atribuídas à formação diferenciada que o campo do planejamento urbano adquiriu na cidade de Porto Alegre. Tem-se conhecimento que foram efetivados “programas de docência” do SIAP relacionados com o curso de “Planificación y Administración de Áreas Metropolitanas”, em Porto Alegre, no ano de 1976. Durante o transcorrer da década atividades correlatas foram 201 Informação n. 624/19/APA/1974. SNI – Agência Porto Alegre. Confidencial. Projeto Memórias Reveladas. SNI- Agência Porto Alegre. AN/BSB. 202 Informação n.º 537/30/APA/1974. SNI – Agência Porto Alegre. Confidencial. Projeto Memórias Reveladas. SNI- Agência Porto Alegre. AN/BSB. 203 Informação nº. 378/119/APA/1976. Confidencial. Projeto Memórias Reveladas. SNI- Agência Porto Alegre. AN/BSB. 142 desenvolvidas em outras cidades da América Latina e Central, evidenciando novamente a circulação de saberes sobre o tema: Durante 1977, lo continuó con los cursos “El Papel de las Ciudades Pequeñas y Medianas en el Desarrollo Urbano-Regional”, efectuado con el Centro de Investigaciones Urbanísticas de la Universidad Autónoma de Nuevo León, México, y realizado en Monterrey en mayo de 1977, y el curso “Metodologías y Técnicas de Investigación Urbano-Regional”, realizado en Ciudad de Guatemala en noviembre de 1977, con la Facultad de Ingeniería de la Universidad de San Carlos de Guatemala y la Asociación Guatemalteca de Planificación (AGP).204 Em histórico disponível sobre as atividades do SIAP, o IBP é citado quanto a seis cursos latino-americanos sobre “Planificación y Administración de Áreas Metropolitanas”. Informou-se que esses cursos, com sede permanente no Brasil, eram relativos ao IBP e contavam com a participação de 120 professores brasileiros e de países vizinhos205. Nessa direção, reflete-se sobre de que forma o IBP contribuiu para a inserção da cidade de Porto Alegre na rota de fluxos que discutiam o desenvolvimento urbano à nível global a partir da metade do século XX. 204 CAMACHO, Luis Eduardo. Sociedad Interamericana de Planificación, SIAP 50 años Vida institucional y programática. Revista Bitácora Urbano Territorial [en linea] 2007, 11 (janeirodezembro), p. 282. Disponível em: http://www.redalyc.org/articulo.oa?id=74811117 205 Idem, p. 283. 4 COOPERAÇÃO TÉCNICA E PLANEJAMENTO EM PERSPECTIVA TRANSNACIONAL: O CASO ENTRE O BRASIL E A REPÚBLICA FEDERAL DA ALEMANHA Tratando-se das relações entre o Brasil e a Alemanha Federal206 no período pós-guerra quanto à temática cooperação internacional, o ato que tradicionalmente ocupa posição de destaque é o “Acordo de Cooperação Científica e Tecnológica”, de 1969207. Conhecido devida à polêmica causada em decorrência de um dos seus ajustes complementares, referente ao desenvolvimento de energia nuclear no Brasil, o projeto foi alvo de discussão no meio político-diplomático entre Brasil, Alemanha e Estados Unidos e ganhou ampla repercussão midiática na época. Nesses termos, mobilizou debates no âmbito público e está representado em diversas publicações oficiais208 que endossam a sua fama. A historiografia é condizente e é notável a imediata associação com o Acordo em C&T209 tratando-se da relação entre os países na segunda metade do século XX, a despeito de outros convênios a serem tidos em conta. Na contramão dessa percepção unilateral, Jacob faz questão de enfatizar a complementariedade entre os Acordos de Cooperação Técnica e Cooperação em Ciência & Tecnologia, destacando o mérito do primeiro para a implementação do segundo. Conforme o autor: (...) a pesquisa básica constituiu o ponto inicial na formação de pessoal e de infraestrutura científica para a realização de projetos aplicados, além de ter servido como fundamento para a assinatura e a implementação de novos convênios. (2003, p. 64) 206 A escolha se justifica não só pelo vulto desses acordos dentro do recorte temporal proposto no presente trabalho, mas, também, pelo grau de complementariedade que esses contratos mantêm entre si. Registra-se, em tempo, os acordos realizados com a República Democrática Alemã, entre 1945 e 1990, que Jacob afirma terem ocorridos mais em nível de concessão de créditos (2003, p. 57). 207 Decreto nº 65.160 - de 15 de setembro de 1969. 208 Já ciente da predominância do projeto nuclear sobre outros desenvolvidos no Brasil na primeira década após a assinatura do acordo de cooperação científica e tecnológica, ainda em 1979, foi lançada uma publicação comemorativa aos dez anos do acordo de cooperação tecnológica, a partir de uma iniciativa conjunta do Ministério das Relações Exteriores do Brasil e do Ministério Federal de Pesquisa e Tecnologia da República Federal da Alemanha. A justificativa era apresentar projetos que até aquele momento haviam despertado pouco interesse do grande público. Os editores se referiam a todos aqueles para além do projeto nuclear, mas que também faziam parte do convênio, tais como: pesquisa espacial; pesquisa aeronáutica; oceanografia; documentação científica; processamento eletrônico de dados. Chama a atenção a prioridade dos convênios às ciências naturais e exatas: em prol da matemática, informática, física, química e tecnologia. Para mais detalhes, consultar: 209 São exemplos: MIROW, Kurt Rudolf. Loucura Nuclear: os enganos do acordo Brasil-Alemanha. Rio de Janeiro: Ed. Civilização Brasileira, 1979; SOARES, Guido F.S. As salvaguardas dos acordos nucleares: Brasil-EUA e Brasil-Alemanha Federal. São Paulo: Bushatsky, 1977. 144 Previsto inicialmente para ter a vigência de dois anos, o Acordo de Cooperação Técnica de 1963 poderia ser automaticamente renovado (o que ocorreu até 1996, quando foi substituído por novo texto), com possibilidade de ser cancelado seis meses antes de sua expiração por uma das partes, o que não afetaria os programas em execução. O documento relativo ao ato informa que as atividades técnicas seriam firmadas através de convênios complementares que deveriam propor projetos individuais, fiscalizados periodicamente210. Dentro dessa previsão, forneceu respaldo para inúmeros atos211. No texto sobre a cooperação está escrito que “os programas e os projetos específicos se integrem no planejamento regional, ou global, do Brasil”212. Considera-se fundamental, portanto, uma breve problematização sobre as relações entre os dois países a partir de perspectiva histórica. Nessa direção, é cabível perguntar: qual era o “planejamento regional” e o “planejamento global” naquela ocasião? Sob quais circunstâncias o Acordo foi gerado e mantido? Quais os seus principais desdobramentos a nível nacional? Quais foram os pressupostos que mobilizou? Quais capitais e noções de cooperação técnica envolvidas? Qual o seu sentido junto à política externa alemã e brasileira? Com base nesses guias, apresenta-se o capítulo a seguir. 4.1 Relações Brasil-Alemanha Alemanha e Brasil mantêm um largo histórico de aproximação desde o século XIX, que perpassam todas as configurações político-administrativas que 210 Segundo Jacob (2003, p. 62), uma comissão mista teuto-brasileira se reunia a cada dois anos: a partir da 20ª reunião, em 1991, decidiu-se que os encontros seriam efetivados de dois em dois anos. A medida foi acertada, não por acaso, logo após a unificação da Alemanha e a estabilização política decorrente do fim da Guerra Fria. 211 Os convênios que antecederam o acordo para o planejamento da RMPA foram: 1) Convênio complementar para instalação de uma escola técnica em São Bernardo do Campo/SP; 2) Convênio complementar para a promoção da colonização agrícola, em Cururipe/AL; 3) Convênio complementar para a promoção da pesquisa em Medicina tropical, junto a Universidade do Recife e do Instituto de Medicina Tropical, em Recife/PE; 4) Convênio complementar para o envio de voluntários alemães ao Brasil para atuação nos setores da agricultura, serviços sanitários, construção de habitação populares e assistência social. 5) Convênio complementar para a promoção para a promoção de pesquisas geológicas, hidrológicas e cartográficas, no Nordeste do Brasil. 212 BRASIL. Ministério das Relações Exteriores/MRE. Departamento Consular e Jurídico. Divisão de Atos Internacionais. Ato Internacional n° 517, de 30 de novembro de 1963. Departamento de Comunicações e Documentação: Divisão de Divulgação Documental: 1977. 145 ambas nações assumiram desde então213. Ela está sustentada por laços socioculturais, promovidos pelos sucessivos movimentos imigratórios e por intensas trocas econômicas. Nesses termos, as relações internacionais entre esses países configuraram-se tanto a partir do que foi chamado de eixo da “sentimentalidade” quanto da “instrumentalidade” (PINO, 2004, p. 69), pois estiveram mobilizadas por junções estratégicas e por um notável vínculo. Trata-se, portanto, de uma conexão múltipla e historicamente estruturada, o que coloca a Alemanha, depois de Portugal, como o principal país europeu a possuir ligações com o Brasil, fato que é mensurado pela bibliografia que se dedica ao assunto em ambos os países214. Esse conjunto de elementos teve um peso para a assinatura dos diversos atos bilaterais ao longo do século XX215 entre Alemanha e Brasil. Stefan Rinke comenta que as relações germano-brasileiras estiveram pontuadas por espaços consagrados, porém: (...) sob a superfície do poder, residem dimensões de contato e de interações, por exemplo, entre estabelecimentos comerciais, em culturas especializadas, e na vida cotidiana de imigrantes, que conferiram solidez à relação entre os dois países distantes. (RINKE, 2014, p. 6) Tendo em vista o substrato compartilhado, destaca-se que o primeiro banco alemão no exterior foi fundado no Brasil, em 1873. O Banco Alemão-Brasileiro foi seguido do Banco Brasileiro para a Alemanha em 1887, cuja sede foi transferida de Hamburgo para o Rio de Janeiro em 1924. Antes disso, ainda em 1911, o Deutsche Bank e o Dresdner Bank abriram filiais no país, tal como o Banco Alemão Transatlântico e o Banco Germânico para a América do Sul, o que alicerça o fato de a Alemanha ser o segundo país comprador e fornecedor do Brasil em 1913216. O 213 Considerando como marco o século XIX até o marco temporal contemplado nesta Tese, a periodização política dos países, a grosso modo, é a que se segue. Brasil: Período Imperial; República Velha; Estado Novo; Segunda República; Ditadura Militar. Alemanha: Império Alemão, República de Weimer, Terceiro Reich, divisão entre RFA e RDA pós-1949. 214 BADER, Wolfgand (org.). Deutsch-brasilianische Kulturbeziehungen. Bibliotheca IberoAmericana. Frankfurt am Main: Vervuet Verlag, 2010. 215 Para ter acesso aos Acordos entre Brasil e Alemanha ver: http://www.brasil.diplo.de/Vertretung/brasilien/pt/07__Aussenpolitik/Bilaterale__Vertraege/Bilaterale__ Vertraege.html. Consulta em setembro de 2015. 216 Câmara Teuto-Brasileira de Comércio e Indústria em São Paulo: 50 anos. DeutschBrasilianische Industrie und Handelskammer in São Paulo. São Paulo: Câmara, 1973, p. 29. Acervo IAI Berlin. 146 fluxo entre os países, embora aquecido, não era harmônico. Fazia parte, da chamada Weltpolitik (política mundial) ou pangermanismo, caracterizada pelo expansionismo mais agressivo “naquelas regiões do mundo onde os alemães se estabeleceram”, conforme pertinentemente chamou a atenção Rinke (idem, p. 14). Tal situação foi interrompida com a Primeira Guerra Mundial, especialmente porque o conflito paralisou os intercâmbios navais, dos quais dependia essencialmente o comércio intercontinental à época. Pondera-se, no entanto, ao usar o termo ruptura pois “apesar dos assédios e da inimizade oficial, essas relações persistiram e sobreviveram ao desafio da primeira guerra europeia para a qual nações latino-americanas acabaram sendo arrastadas” (RINKE, 2014, p. 7). A asseveração tanto faz sentido que, em 1937, a Alemanha era novamente um parceiro estratégico do Brasil, a despeito das complicações causadas pelo Tratado de Versalhes, pela inserção (e retirada) do Brasil da Liga das Nações e pela Crise de 1929. A Alemanha voltou a ser o fornecedor basilar do país e, também, o segundo maior comprador, perdendo a posição apenas para os EUA. A perpetuação de negociações de sucesso foi garantida, entre outras medidas, graças ao substrato político do período Vargas (1930-1945), famoso pelo alinhamento econômico com os EUA, mas, igualmente, por sua vinculação política com governos fascistas europeus. Tal conexão – ainda que oscilante e complexa, na medida em que o governo se afastava de Alemanha, por um lado, e se vinculava, por outro – fez com que os avanços fossem além da área comercial e avançasse em relação aos campos tecnológico, acadêmico e técnico. É saliente, por exemplo, a presença da Alemanha no setor da aviação brasileira. Cláudia Musa Fay destaca o caráter estratégico do domínio que “serviu como objeto de disputa pelos países, como a Alemanha, a França e os Estados Unidos, detentores dessa tecnologia e, assim, por seu intermédio, poderiam expandir seu domínio para o resto do mundo” (FAY, 2012). De fato, no entre guerras, o Sindicato Condor Ltda., subsidiário da Lufthansa, era responsável pelo tráfego aéreo no Brasil217, por sua vez fortemente marcado pela atuação alemã, registrando-se a nacionalidade do próprio fundador da VARIG, Ernst Otto Meyer. A eclosão da Segunda Guerra surge como um verdadeiro divisor de águas na história entre os países, tradicionalmente interpretada entre antes e depois do 217 Idem, p. 32. 147 evento. O conflito marca a própria divisão política da Alemanha em República Federal (RFA) e República Democrática (RDA), o que modificou decisivamente as relações diplomáticas. O Brasil, associado ao chamado “bloco capitalista” na política mundial do Pós-Guerra, só reconheceu, em um primeiro momento a existência da RFA. Mas, ainda que em 1942 o Brasil tenha se posicionado na Segunda Guerra Mundial contra a Alemanha e o chamado “perigo alemão” (GERTZ, 2005, p. 146) tenha se fortalecido com a campanha de nacionalização promovida por Vargas, é razoável afirmar que os vínculos entre os países haviam avançado para além do setor comercial. Datam dessa época a fundação do Serviço de Intercâmbio Acadêmico Alemão (DAAD), do Instituto Ibero Americano de Pesquisa, além de início dos intercâmbios acadêmicos entre os dois países. Uma delas foi relativa às missões “médico-diplomáticas”, pioneiras no que diz respeito a circulação de conhecimentos em esfera transnacional entre Brasil e Alemanha. O ano de 1951 marca a retomada das relações diplomáticas, com a abertura da embaixada alemã no Rio de Janeiro, seguida da reativação do consulado de São Paulo, em abril de 1952. Na mesma direção, ocorreu em 1950 a primeira missão comercial alemã no Brasil, chefiada pelo diplomata Vollrath Freiherr von Maltzan. O grupo estrangeiro visitou as cidades do Rio de Janeiro, São Paulo e Porto Alegre, onde foi recebido por Alberto Bins, além de outros empresários gaúchos. Em agosto do mesmo ano, Carl Arnold, governador da Renânia do Norte-Vestefália (NordrheinWestfalen), veio ao país para coletar informações sobre as possibilidades comerciais do Brasil. Depreende-se desse quadro duas informações: a preponderância que empresas do Estado da Renânia do Norte-Vestefália tiveram no Brasil durante as décadas seguintes e a potencialidade de negociação do setor empresarial teutobrasileiro do Rio Grande do Sul218 para a manutenção das relações entre Brasil e Alemanha. Já em 1952, a partir do chamado “Modelo Renano” de economia social de mercado, ao qual é atribuído Wirtschaftswunder ou o milagre alemão no pós-Guerra, a RFA realizou os primeiros investimentos no exterior, sendo o Brasil um dos principais parceiros. Entre julho e agosto daquele ano, a bandeira alemã se fez 218 É sustentado por nomes como Ernst Meyer, Max Ertel, A.J. Renner e Gerdau, Pedro Adams Filho, João Wallig, Adolfo Oderich e Abramo Eberle. 148 novamente presente nos portos brasileiros. A retomada aconteceu também nos ares: em 1956 os voos da Lufthansa foram reativados, após anos de suspensão. Segundo Fulbrook: O fenômeno da Alemanha Ocidental é bastante conhecido. Começando antes mesmo da reforma monetária em 1948 e devido a um impulso psicológico e material pelo programa de Assistência do Plano Marshalll, a economia alemã decolou e atingiu de crescimento taxas extraordinárias nos anos 1950. (2016, p. 235) Tão logo, em setembro em 1953, foi assinada uma declaração de governo conjunta, no qual o lado alemão afirmou estar disposto a estimular a transferência de capital para o Brasil, sendo que os investimentos poderiam ser feitos através de aportes sem cobertura cambial ou financiamentos de até 5 anos219. Tal medida é interpretada em cruzamento com o fato de Vargas ter sido hostilizado por seus opositores, em 1952, ao condenar o fluxo de capital estrangeiro no país, em uma atitude considerada como uma continuidade do período entre guerras, saber: “o protecionismo, o nacionalismo econômico e as práticas de comércio bilaterais” (MARTINS, 2010, p. 236). O governo alemão encontrou bom respaldo para investimentos durante o governo Juscelino Kubistchek, notório pela política aberta em relação aos créditos estrangeiros. De fato, tanto o Brasil quanto a Alemanha sofreram com o processo de “americanização”220. A Volkswagen e a Mercedes-Benz inauguraram projetos no país, somando-se a Mannesmann, que se valeu do impulso petrolífero. Foi nessa época que se alinhavou a ideia da organização daquela que seria a primeira Comissão Mista Teuto-Brasileira, com sede no Rio de Janeiro. Precursora de Comissões posteriormente formadas para arguir os projetos de cooperação técnica e ciência, esse grupo responsabilizou-se por analisar a adequação dos investimentos no Brasil. Em 1955, foi assinado o acordo multilateral de comércio com a Alemanha, a Inglaterra e os Países Baixos, conhecido como “Clube de Haia”, ao qual em um 219 Câmara Teuto-Brasileira de Comércio e Indústria em São Paulo: 50 anos. DeutschBrasilianische Industrie und Handelskammer in São Paulo. São Paulo: Câmara, 1973, p. 45. Acervo IAI Berlin. 220 Nesse sentido consultar o estudo de MAASE, Kaspar. “From Nightmare to Model? Why German Broadcasting Became Americanized.” In: STEPHAN, Alexander. Americanization and Antiamericanism: the German encounter whit American culture after 1945. Berghahn Books: Oxford, 2005. 149 segundo momento aderiram outros países. O Correio de Manhã noticiou que “os investimentos alemães no Brasil são a prova da confiança no nosso progresso” em matéria que destacou as facilidades promovidas por uma série de acordos221: mesmo que, por vários motivos de ordem interior e exterior, o Brasil não pudesse enveredar, mui rapidamente, pelo caminho da liberalização do comércio, as medidas tomadas nesse sentindo confirmam o propósito de dar-lhe ampla realização.222 As administrações de Jânio Quadros (1960-1961) e João Goulart (19611964) foram marcadas por um comportamento prudente, senão refratário, por parte da RFA em relação ao Brasil, a despeito de opiniões como a de Jacob, quem disse: o governo parlamentar de centro-esquerda, com o Deputado Tancredo Neves, do PSD, como Primeiro-Ministro e Goulart na Presidência da República não modificou as diretrizes da chamada política externa independente nem alterou o relacionamento do Brasil com a RFA, onde a mudança na correlação de forças, internamente, começava, naquela mesma época, a abalar o poder de Adenauer. (2003, p. 161) A desconfiança sobre as orientações políticas do Brasil foi embasada em fatos como a visita oficial do vice-presidente Goulart a China e com trocas diplomáticas com a U.R.S.S. O Plano Trienal, lançado ao lado das chamadas “Reformas de Base” e ponto articulador da “Política Externa Independente” foi uma tentativa de ruptura no modelo de desenvolvimento ensejado no país. Os EUA, não titubearam e passaram a conceder os créditos da Aliança para o Progresso – previstos para o desenvolvimento social da América Latina – somente àquelas Estados Brasileiros cujos governos eram hostis à Goulart. O elemento geopolítico é ainda mais radicalizado quando se pondera a construção do muro de Berlim, em agosto de 1961. Houve uma ampliação das relações internacionais do Brasil quanto aos países do Leste Europeu, como a Iugoslávia, a Bulgária, a Romênia, a Hungria, a Tchecoslováquia e a Polônia. João Dantas, embaixador nominado por Jânio visitou, 221 São exemplos: Acordo sobre Comércio e Pagamentos Complementar ao Convênio de Pagamentos entre o Banco do Brasil S/A e o Bank Deutscher Laender de 17 de agosto de 1950; Ajuste Comercial de 17 de agosto de 1950; Ajuste Comercial e do Convênio de Pagamentos de 1950; Protocolo Adicional de Ajuste Comercial ao Convênio de Pagamentos de 17 de agosto de 1950. 222 Correio da Manhã. Investimentos alemães no Brasil são prova da confiança no nosso progresso. 15/01/1957. Acervo Biblioteca Nacional on-line. 150 inclusive, a Berlim Oriental, embora não oficialmente (LIPCKAU, 1995, p. 58). A despeito desse fato e das trocas comerciais anteriores com a RDA223, o país era o único país da Europa socialista não reconhecido pelo Brasil à época. A hipótese colocada por Blumenhagen Jr. é a de que a RDA, nesse caso, deve ser encarada em contraponto a RFA e não como membro do bloco. Diz o autor: as relações do Brasil com a Alemanha Oriental devem ser vistas de forma particular, mesmo em se tratando de um país da Cortina de Ferro, primeiramente porque, dividida em dois Estados, a Alemanha foi um dos principais fronts da Guerra Fria e, não menos importante, o fato de que o Brasil buscava nesse mesmo período uma parceria especial e diferenciada com a Alemanha Ocidental - a RFA era vista como a grande janela de oportunidade que se abria para a política externa brasileira naquele contexto. (2015, p. 6) Mas dentro da lógica da Guerra Fria, ao mesmo tempo em que a instabilidade política mediava investimentos, era um fator de motivação para a atuação em determinadas regiões, visando assegurar a hegemonia. Essa foi a tática da RFA, cuja recuperação econômica dependia, essencialmente, da expansão comercial e econômica. A Alemanha exigia, afinal, garantias por parte do governo brasileiro, como o pagamento efetivo de indenizações e a transferência de 10% do capital investido no Brasil. Em 1961 os investimentos da RFA superaram os EUA, parceiro histórico do Brasil desde 1948, ocasião em que o presidente Dutra assinou o acordo bilateral com o país acerca do uso de minérios. Um relatório informou que “dentro das promessas, em geral, feitas em 1961, a ajuda financeira alemã, bem como a cooperação ao desenvolvimento do Brasil”, atinge o valor apreciável de DM 948 milhões, o equivalente de U$ 237 milhões, distribuídos entre áreas como: consolidação de dívidas comerciais, participação de bancos alemães em créditos, participação a longo prazo para projetos de desenvolvimento destinados em grande parte ao Nordeste brasileiro, facilidades de crédito para a exportação alemã, além de “assistência técnica, a título donativo de US$ 1,25 milhão ou 9 DM milhões” sob a 223 Em de maio 1961 foi assinado o protocolo de conversações, instrumento até então inédito na diplomacia brasileira, que previa uma ampliação do volume negociado com a RDA até 1966 para, no mínimo, U$200 milhões assim como a criação de um porto livre em Rostock. Mas não sem polêmica: em 7 de junho de 1961 o chanceler Afonso Arinos de Melo Franco foi ao Senado dizer que não considerava válido o acordo com o governo. O senado, no entanto, aprovou e a RFA, que estranhou e o assunto, logo foi aliviado pela renúncia de Jânio. (LIPCKAU, 1995, p. 55) 151 forma de “instalação de escolas profissionais, aperfeiçoamento das instalações dos portos e de pesca já existentes, devendo ser doado para tanto os equipamentos e o ensino técnico necessário.”. Lê-se, no mesmo documento, que: estão sendo enviados esforços consideráveis por parte alemã para treinar elementos jovens, proporcionando-lhes ensinamentos a respeito dos países em desenvolvimento e preparando-os para estarem em condições de assumirem cargos de responsabilidade. 224 Os investimentos foram distribuídos no ramo industrial, sobretudo na área automobilística, na construção de máquinas e aparelhos e nas indústrias química, siderúrgica e metalúrgica. Mesmo sobrepujando a potência norte-americana, as investidas econômicas da Alemanha no início da década de 1960 no Brasil diminuíram, se comparados a outros períodos da história nacional225. A origem dessa mudança de orientação que marca diferenças entre as décadas de 1950 e 1960 começou em julho de 1961. Na ocasião, a RFA comprometeu-se a oferecer ao Banco do Brasil $100 milhões, através de um consórcio entre bancos da Europa, que seria seguido de um Acordo de Consolidação com o Brasil e mais DM 200 milhões do Fundo de Auxílio ao Desenvolvimento, firmado em setembro daquele ano. Segundo consta, o governo brasileiro não elaborou nenhum projeto sistemático para a aplicação dos recursos do Fundo de Auxílio ao Desenvolvimento tendo encaminhado ao governo de Bonn “projetos reduzidos, tipicamente de assistência técnica, ao maior dos quais um financiamento de DM 3 milhões correspondia” (BANDEIRA, 1994, p. 167). A divisão geopolítica mundial se impôs, novamente, como elementar, visto que: Na verdade, o retraimento da RFA na concessão do auxílio oficial à América Latina, a contrastar com o tratamento dispensado a Índia, Paquistão, Irã e aos países árabes, explicava-se pelo seu natural receio de interferir na órbita dos EUA (idem, p. 166). 224 Câmara Teuto-Brasileira de Comércio e Indústria em São Paulo: 50 anos. DeutschBrasilianische Industrie und Handelskammer in São Paulo. São Paulo: Câmara, 1973, p. 112. Acervo IAI Berlin. 225 Na década de 1950, por exemplo, os investimentos alemães no Brasil foram maiores do que em qualquer outro lugar do mundo. 152 Outro ponto prejudicial, na visão dos alemães, foi a chamada Lei da Remessa de Lucros, que fez com que o Brasil não cumprisse o acordo com o FMI sobre o pagamento de sua dívida externa. O Ministro Federal dos Negócios Estrangeiros da Alemanha, Gerhard Schöder, manifestou preocupação com a “precária situação do governo Goulart” e o crescimento demográfico brasileiro que, conforme ele, chegaria aos 105 milhões em 1973, em contraste com a baixa taxas de desenvolvimento econômico. O quadro o motivou a citar a América Latina enquanto alvo de investimento prioritário por parte das Europa e dos EUA em um congresso realizado no México em 1963 (BANDEIRA, p. 175). Tratou-se de um momento político fluído pois, ao passo que investimentos eram utilizados para assegurar a manutenção do poder na região, a ajuda financeira a um país cujas orientações políticas estavam sendo colocadas em suspeito gerava instabilidade nas relações diplomáticas. O Relatório da Câmara Teuto-Brasileira de Comércio e Indústria de São Paulo informa que, em 1961, a RFA além de prestar auxílio através de órgãos internacionais, destinou diretamente em torno de DM 5,5 bilhões para países da África, da Ásia, da Europa e da América Latina. No último continente, três foram os países beneficiados: Chile, com 117 milhões; Bolívia, com 28 milhões; Brasil, com 200 milhões. Ainda que o Brasil, dentro da esfera continental, fosse a nação beneficiada, o auxílio era tido como pífio, se comparado aos investimentos em relação a países de outras regiões do globo. O Ministro das Relações Exteriores do Governo Goulart, Francisco Clementino de San Tiago Dantas, em visita a Bonn em maio de 1962, condenou o regime preferencial dos países membros da Comunidade Econômica Europeia a países africanos (idem, p. 165). A Alemanha, por sua parte, alegava que: (...) se deve compreender-se que a RFA também conta com suas próprias dificuldades, não podendo dar-se ao luxo de dispor generosamente demais dos fundos provenientes, dos contribuintes dos impostos, sem pôr em perigo o seu próprio balanço de pagamentos e, com isso, sua economia226 O quadro complexifica-se ao ponderar-se as rupturas políticas impactantes que ambos países experimentaram no período abordado. O Brasil, primeiramente com a tentativa de Golpe em 1961, detido pela chamada Campanha da Legalidade, 226 Câmara Teuto-Brasileira de Comércio e Indústria em São Paulo. Relatório da Diretoria: Geschaeftsbericht. 1958-1962. 1963: p. 110. Acervo IAI Berlin. 153 que acabou confirmando-se em março de 1964. A Ditadura Militar, mesmo que configurada como um regime progressivo, autoritário e total, possuiu diferenças entre as administrações contempladas sob sua égide. O país teria um incremento financeiro mais notável de sua história, o chamado “milagre econômico”, seguido de profunda crise. A repressão e a censura seriam contemporâneas à projetos nacionais de alto escalação técnico e tecnológico. Por parte da Alemanha, houve a radicalização do processo de divisão nacional, endurecido com a construção do Berliner Mauer, em 1961. Em 1963, o chanceler Konrad Adenauer deixa o poder, após 14 anos no comando da RFA (1949-1963) e uma trajetória associada ao “milagre alemão” de recuperação no PósGuerra227. Não muito tempo após, novos marcos foram assentados, com a ascensão do social-democrata Willy Brandt ao poder em 1969, a emergência da Ostpolitik228, o fim da Doutrina Hallstein229 e a assinatura do Tratado Básico, através do qual as duas Alemanhas se reconheceram mutuamente e, tão logo, integradas como membros da ONU. Mesmo que a Alemanha Ocidental e o Brasil, a grosso modo, representassem o bloco capitalista na disputa geopolítica mundial e estivessem sob o processo de americanização desde o final da Segunda Guerra230, qualquer explicação de média duração sobre a relação entre esses países durante as décadas de 1960 e 1970 ocorreria em simplificações. Sem embargo, atentando para a biografia de alguns dos envolvidos, desvela-se questões elementares. Em novembro de 1963, o governo Goulart enviou a Bonn uma delegação, cuja chefia ficou à cargo de Egydio Michaelsen, Ministro de Estado da Indústria e Comércio, mas notavelmente conhecido por exercer funções políticas e bancárias231 no Rio Grande do Sul e percebido como “amigo dos alemães”. Com efeito, o grupo de industriais alemães teve papel preponderante sobre os demais na solidificação da 227 Para detalhes consultar: RINKE, Stefan. Der noch unerschlossene Erdteil: die Bundesrepublik in der Adenauer-Zeit und Lateinamerika im globalen Kontext. In: Conze, Eckart (Hg.). Die Herausforderung des Globalen in der Ära Adenauer. Bonn: Bouvier. p.61-78, 2010. 228 Em alemão: politica do leste. Medidas adotadas por Brandt voltadas a aproximação entre as duas Alemanhas e com o Leste Europeu. 229 A Doutrina Hallstein era relativa à política externa da RFA entre 1955 e 1969. Determinava que a RFA tinha o direito de representar a Alemanha internacionalmente e condicionava que os seus aliados não mantivessem relações diplomáticas com a RDA. 230 Nesse sentido consultar: MAASE, Kaspar. “From Nightmare to Model? Why German Broadcasting Became Americanized” In: STEPHAN, Alexander. Americanization and Anti-americanism: the German encounter whit American culture after 1945. Berghahn Books: Oxford, 2005. 231 Michaelsen foi Diretor do Banco Agrícola-Mercantil S.A durante a década de 1950. 154 economia gaúcha e brasileira, sendo a identidade étnica um fator determinante em organização classista (FAY et. al. 2010). Também instituições não estatais cumpriram papel primordial nesta dinâmica relacional. Caso exemplar foi o da Câmara de Indústria e Comércio Brasil-Alemanha, cuja esfera de ações pode ser vislumbrada através de uma análise dos boletins publicados pela instituição232. Eles abrangem dados sobre os fluxos financeiros entre os dois países, missões diplomáticas, propagandas de empreendimento alemães no Brasil e, de maneira especial, ofertas sobre as possibilidades de investimentos no país. Os eventos promovidos pela instituição promoviam intercâmbios e envolviam dirigentes dos setores público e privado, incluindo Ministros alemães e brasileiros. Fundada na década de 1920, ganhou ao longo dos anos sedes nas cidades de São Paulo, Rio de Janeiro e Porto Alegre. Segundo a publicação: a Câmara fazia recomendações sobre o mercado brasileiro e convidada empresários alemães a participarem de palestras. A maioria das firmas brasileiras apreciou o interesse alemão e mostrou disposição para a cooperação233 O presidente da Câmara de Comércio e Indústria Brasil-Alemanha de São Paulo, o banqueiro João Baptista Leopoldo Figueiredo, tornou-se, outrossim, líder do Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais/IPES. Durante o governo de Jânio Quadros, Figueiredo foi convocado para ser o presidente do Banco do Brasil, acumulando os dois cargos. Ou seja: quando da assinatura do Acordo, em 1963, o Presidente da Câmara era, concomitaneamente, o chefe de uma das maiores instituições financeiras do país. Nos termos colocados, o Acordo de Cooperação Técnica com a RFA esteve envolto em detalhes tais como: a) ter sido assinado ainda no Governo Goulart, sob égide de chamada Política Externa Independente; b) implementado no decorrer da Ditadura Militar; c) e, finalmente, perpetuado através de ajustes acordados em 232 As publicações podem ser divididas nas seguintes categorias e períodos-limite: 1) Relatório anual (Câmara Teuto Brasileira de Comercio e Indústria no Rio de Janeiro):1967-1968. 2) Boletim semanal (Câmaras Teuto Brasileiras de Comercio e Industria no Rio de Janeiro, São Paulo e Porto Alegre): 1967-1974. 3) Boletim quinzenal (Câmara Teuto Brasileira de São Paulo: 1963 – 1967. Acervo IAI Berlin. 233 Câmara Teuto-Brasileira de Comércio e Indústria em São Paulo: 50 anos. DeutschBrasilianische industrie und Handelskammer in São Paulo. São Paulo: Câmara, 1973, p. 43. Acervo IAI Berlin. 155 diferentes administrações do regime e, portanto, sujeito a distintas orientações da política interna e externa do Brasil, bem como à inserção do país no contexto internacional. 4.2 Planejamento, desenvolvimento e cooperação após a Segunda Guerra Mundial Ao reportar-se ao tema “cooperação técnica”, deve-se ponderar a ampla definição que tal nomenclatura comporta, sendo sua flexibilidade léxica justificada pelas diversas áreas que a citam quanto a sua própria historicidade e exequibilidade ao longo do tempo. A expressão é comumente empregada de forma relacional quanto às noções de planejamento e desenvolvimento, de maneira que a abordagem de um dos tópicos implica na recorrência a outro. Embora existam vertentes que associem cooperação técnica ao momento anterior ao considerado, fundamentadas no trabalho assistencialista promovido por ocasião das duas grandes guerras, adota-se aqui elementos “fixos” de referência. São eles: um quadro temporal (a segunda metade do século XX) e contextual (uma “ordem político-econômica”) específicos. Foi nessa época que se delineou oficialmente e em esfera transnacional – ou seja, por parte dos Estados e entidades técnicas – essa prática de cooperação que, nesse sentido, também foi uma situação política. 4.2.1 Fronteiras conceituais e geográficas: do assistencialismo à cooperação Antes da Segunda Guerra Mundial, o papel estatal relacionado ao ato de planejar estava associado a uma lógica da intervenção nacional, tanto por parte dos EUA quanto por parte dos regimes fascistas. Nas décadas que sucederam o conflito, a “cooperação” tornou-se uma ferramenta tanto conceitual quanto operacionalizável em escala internacional. Enquanto principais fatores motivacionais, estavam a estabilização da ordem econômica mundial a partir de uma política de alianças e a reconstrução da Europa pós-Guerra, que envolveram a instituição de tratados como 156 a OTAN e o Pacto de Varsóvia. Conflito, planejamento e cooperação, dentro dessa perspectiva, eram associados, nos termos colocados por Arthur Stein (1993). O espaço urbano europeu deveria ser recuperado não só com vistas a reconstruir os parques industriais afetados e os mercados de consumo. O sistema viário, por sua vez, serviria a um dos mercados internacionais mais promissores após a Segunda Guerra, o setor automobilístico. Difundiram-se princípios, práticas de consumo e sociabilidades que contribuíram para a urbanização do território e para aquilo que o geógrafo Milton Santos chamou de “urbanização da sociedade” (2013, p. 9). Ao lembrar tais quesitos, pondera-se com base em autores como Lebfebvre (1972), que a disseminação do urbano em escala mundial deve ser compreendida como uma expressão das relações sociais na mesma proporção que incide sobre elas. Em um boletim econômico elaborado pela ONU em 1961, previu-se que, em 1975, cerca de 54% da população da América Latina estaria vivendo em núcleos urbanos. Faz-se mister sopesar que o padrão de urbanização do continente possuiu especificidades desenhadas em relação padrões econômicos e sociais reproduzidos a partir de variáveis históricas como a colonização, a escravidão e a industrialização tardia, configurando o que Singer chamou de “urbanização, marginalidade e dependência” (1987), atendendo como critério o pertencimento ao mundo capitalista. Já Castells (1992) caracteriza esse quadro como consequência do desequilíbrio na rede urbana, a segregação e a polarização espacial, a urbanização anômala, a ausência de relação entre industrialização (empregos) e a urbanização (concentração populacional nas cidades). Nessa direção, a cooperação foi pretensamente direcionada à amenização dos desequilíbrios sociais e políticos assumidos dentro dessa “ordem” políticoeconômica internacional. As práticas de assistência e/ou coligação diplomática passam a ser intuídos como antídotos aos “males do subdesenvolvimento”, como o planejamento, a industrialização, a técnica e a ciência. Cintra e Andrade colocam que na América Latina o planejamento foi instituído, justamente, por meio de entidades internacionais, como a CEPAL, o Banco Mundial e outras (1978, p. 15). Referenciando o contexto global, Schmidt afirmou que: (...) uma forma especial de solidariedade surgiu entre os países subdesenvolvidos. Durante as reuniões iniciadas por eles 157 (Conferência de Bandung, Conferência de Solidariedade no Cairo, Accra Conferência, Conferência de Tânger, etc.) eles trocaram suas experiências e se influenciaram lados. Uma política externa em relação a esses países, seguindo o exemplo das épocas anteriores, desenvolvidas individualmente pelos países do Ocidente de forma isolada a partir de agora já não podia prosseguir. (...) A forma de cooperação tinha mudado. (2003, p. 483) [tradução livre] A dita “ordem internacional” foi construída a partir de decorrências políticas e discursivas. Conforme bem colocou Valente, tais menções fizeram parte: de um processo de expansão e consolidação de novas formas de intervenção mundialmente, com arcabouço conceitual e institucional do aparelho de Estado para atuar no exterior, estabelecendo fundamentos discursivos e de atuação prática com base na lógica do desenvolvimento. (2010, p. 26) Variáveis como o nível de industrialização, grau de detenção de capital, qualidade de vida da população, potencialidade bélica, índice de Desenvolvimento Humano, entre outros critérios, foram adotados para definir o que é um país desenvolvido e outro subdesenvolvido. Esses elementos influíram no que seria definido como “Terceiro Mundo” expressão abordada publicamente pela primeira vez em 1955, durante a Conferência de Bandung, na Indonésia, em referência à situação de países asiáticos e africanos face à divisão geopolítica mundial e a descolonização. A grosso modo, delineou-se um quadro que definiu o globo em países do Norte desenvolvido (EUA e Europa) e Sul subdesenvolvido (América Latina e África), resguardadas exceções. O desenvolvimento era encarado em sentido evolutivo e linear (a ser atingido mediante o cumprimento de alguns requisitos) e mobilizava atividades, publicações e ações políticas. Vislumbra-se o alcance desse tipo de nomenclatura quando se considera o seu emprego por países fora do eixo capitalista, como era o caso da Alemanha Oriental. Em boletim datado de 1970, dedicado a abordar os 25 anos da existência do regime, as relações da RDA com “países em desenvolvimento”, incluindo o Brasil, foram alvo de destaque.234 234 RDA. Boletim Informativo Econômico Industrial: representação comercial da RDA, 1970, p. 8-9. Distribuição gratuita. Acervo AN/Rio de Janeiro. 158 Ruben Oliven destaca o caráter etnocêntrico dessas categorias, visto que usualmente a assistência técnica ao desenvolvimento é dirigida da Europa e dos EUA em relação a Ásia, África e a América Latina. Tal percepção pressupõe: a história como uma sucessão de estágios pelos quais todas as sociedades podem, mais cedo ou mais tarde, passar e postula que atributos e fatores culturais são responsáveis pelos atrasos e avanços na posição de sociedades neste continuum. (2010, p. 26) A historicidade quanto ao uso de termos como cooperação, assistência e desenvolvimento reproduzem o sentido conceitual através do qual foram utilizados ao transcorrer de décadas é reveladora. O termo foi empregado pela ONU em 1948, que definiu a assistência técnica como: a transferência não comercial de técnicas e conhecimentos, através da execução de projetos em conjunto, envolvendo peritos, treinamento de pessoal, material bibliográfico, equipamentos, estudos e pesquisas entre atores de nível desigual de desenvolvimento (prestador e receptor). Ao passo que a ideia de transferência está ligada à prática de assistência, a de cooperação fazia mais sentido no contexto global de alinhamento em blocos político-econômicos. Em 1959, a própria ONU substituiu o emprego oficial de uma terminologia pela outra235. A noção ganhou prestígio institucional em 1974, quando foram lançadas as propostas de Cooperação Técnica entre Países em Desenvolvimento/CTPD ou "cooperação horizontal”, em contraponto à Cooperação Norte - Sul. Dentro do mesmo pressuposto, era recorrente o emprego da expressão países em desenvolvimento em detrimento à ideia estanque de subdesenvolvimento. O pressuposto de não pedir assistência, mas de cooperar, causava um maior impacto social, pois conferia ao país receptor o papel de protagonista. Observação que é estendida à esfera técnica: produzir um conhecimento comum assegurava um status diferenciado à nação recipitória, mais do que a assistência financeira, que explicitava os desiquilíbrios existentes na ordem internacional. A ideia de interdependência não exclui, entretanto, o conceito de assimetria (VALENTE, 2010, p. 49). A despeito dos esforços para que os acordos 235 Resolução 1383, de 1959. 159 internacionais em prol de desenvolvimento passassem a estar envoltos em uma aura de cooperação e diplomacia, a concepção assistencialista provoca reverberações até hoje, o que é confirmado pela Agência Brasileira de Cooperação/ABC: Não obstante a orientação e as políticas de cooperação internacional terem evoluído consideravelmente nas últimas décadas, ampliando seus temas de interesse e ao mesmo tempo especializando-se, o conceito inicial de "ajuda para o desenvolvimento” ou "ajuda para a autonomia” permanece vivo até os dias atuais.236 Na condição de potência ocidental emergente no mundo Pós-Guerra, os EUA lançaram o seu Programa de Assistência Técnica para os países do Sul, em 1949. A iniciativa fazia parte da própria Doutrina Truman, que em seu ponto IV preconizava a assinatura de tratados de assistência técnica à América Latina. A iniciativa foi precedida pelo Plano Marshall e sucedida pela chamada “Década do Desenvolvimento” e o projeto da Aliança pelo Progresso, organizada no governo Kennedy. Nesses termos, proliferaram-se organismos nacionais quanto supranacionais para a promoção do desenvolvimento que passou a ser objetivado, entre outros meios, pela prática da assistência. Inclui-se aí o Fundo Monetário Internacional/FMI e a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico/OCDE. Sua representante mais famosa é a ONU que, em 1949, estabeleceu o Programa Expandido de Assistência Técnica. A proposta foi incrementada em 1958, com a criação do Fundo Especial das Nações Unidas. Da união de ambos, institucionalizou-se, o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento/PNUD, em 1965. Tais empreendimentos estiveram circunscritos à lógica da chamada Assistência Oficial para o Desenvolvimento/AOD, que teve como eixos as assistências técnica e financeira. A primeira possuia o diferencial de prezar pelo “aumento da auto-confiança por meio do país receptor por meio da transferência de know-how e habilidade e por meio do aumento de capacidades locais para a administração de recursos naturais” (MIRANDA, 2008, 178). Tal característica não 236 Retido de texto disponível on-line: http://www.abc.gov.br/cooperacaotecnica/historico. Consulta em outubro de 2015. 160 desassocia, contudo, a assistência técnica das intencionalidades políticas. Conforme Heide-Irene Schmidt (2003, p. 476): mesmo no período da Guerra Fria a política de ajuda externa foi dupla. Assim como foi observado, o Plano Marshall foi não apenas uma estratégia para aproveitar Europa para a luta contra o comunismo, mas também como um meio de reconstruir a Europa como um pilar importante do novo mundo econômico. Ambas as cadeias podem ser vistas na política de desenvolvimento para a Terceira Mundo. (tradução livre) A criação dessas instituições permite inferir que a ajuda ao desenvolvimento e o início dos projetos de assistência técnica tiveram uma origem comum: primeiro, voltada à reconstrução da própria Europa; em um segundo momento, como um meio de coligação da política de alianças global. A assistência técnica e a ajuda ao desenvolvimento durante a Guerra Fria tiveram, portanto, um papel duplo: retroativo em relação ao conflito, mas, também, com vistas ao planejamento do chamado Terceiro Mundo e sua integração como peça-chave no fortalecimento do bloco capitalista. Apesar de a primeira onda de ajuda externa destinava-se a evitar que o ex-colônias de cair na órbita comunista na sua busca de "independente" formas de desenvolvimento, havia um desejo genuíno de criar um desenvolvimento a longo prazo estratégia que iria proporcionar uma solução para os problemas de atraso e a integrar os países recém-independentes (NICs) na economia global do Mundo livre. (Idem, p. 487) Miranda (2008) apresenta uma interpretação interessante, abalizada na ideia de poder brando (cooptação e influência ideológica) elaborado por Joseph Nye em contraposição ao poder forte (intervenção militar e domínio político), acerca da fluidez de interesses envolvidos nos projetos de assistência técnica. Diz o autor que a despeito de: (...) soar como uma preocupação meramente altruísta por parte dos países doadores, que incentivam a autogestão dos membros de países mais pobres, deve-se salientar que a política de cooperação para o desenvolvimento baseia-se, sobretudo, na crença de que melhorando as condições de vida de regiões pobres poder-se-ia reduzir as migrações para os países desenvolvidos, bem como o terrorismo e a destruição ambiental, que afetam todas as partes do globo. (MIRANDA, 2008, p. 187) 161 Os projetos promovidos a partir da AOD, afinal, foram estruturados em desequilíbrios assumidos, ou seja, de que existiam países mais desenvolvidos do que outros. No mesmo sentido, tal posicionamento percebia o desenvolvimento como um elemento atingível por meio de metas objetivas, como a transferência de tecnologia e o treinamento de técnicos, desconsiderando elementos históricos e culturais. À luz dessas breves problematizações iniciais, contempla-se os casos da RFA e do Brasil isoladamente e, logo após, de forma relacional. 4.2.2 A RFA: cooperação técnica e financeira para países em desenvolvimento Em cooperação com os outros países do mundo livre é a intenção da República Federal apoiar os países em desenvolvimento nos seus esforços para construir um som político, econômico e da ordem social para aumentar os padrões de vida e para integrar estes países para o mundo econômico.237 A declaração acima foi assumida pela RFA, em 1961, em resposta às constantes pressões por parte dos Estados Unidos. Em 1958, o país resolveu organizar um lobby de capitais ocidentais em prol do desenvolvimento, chamado International Development Association/IDA (Associação Internacional de Desenvolvimento), entidade que, junto com Internacional Bank for Reconstruction and Development/IBRD (Banco Internacional para Reconstrução e Desenvolvimento) compõe, até a atualidade, o Banco Mundial. Nessa esteira, os norte-americanos lideraram a criação do Grupo de Assistência ao Desenvolvimento (DAG) no âmbito da Organização de Cooperação Económica Europeia/OECE, com a intenção de que os países europeus, principalmente a Alemanha, participasse da promoção da ajuda internacional ao desenvolvimento. Ainda que defasada pelos efeitos da guerra, a RFA detinha capital técnico, acadêmico e industrial. Um em contexto marcado pelas associações políticas e 237 Conforme memorando do AA, BMZ e BMW: questões básicas da Política de Desenvolvimento e Financiamento para o Desenvolvimento (Grundsatzfragen der Entwicklungspolitik und Finanzierung der Entwicklungshilfe). Ref. PAA B58/388. 30/12/1961. Acervo AA Berlin. 162 diplomáticas, uma das estratégicas de recuperação do país foi, justamente, os usos de sua política externa em direções multilaterais. Tal ação foi marcada tanto para fazer frente a RDA quanto como um ponto essencial de equilíbrios da ordem econômica internacional. Foi assim que a Alemanha “passou de destinatário a doador de assistência ao desenvolvimnto” (HERNANDEZ; ROEHRKASTEN, 2011, p. 158). Além disso, havia certa imposição moral ao país, designado com a “força motriz por trás da recuperação europeia” e que, nessa condição, deveria assumir responsabilidades para além de suas fronteiras (e, não menos, para destituir a nação de uma imagem negativa associada à guerra). A RFA encontrava-se sob pressão, igualmente, sobre qual rumo iria tomar, junto aos chamados “atlantiker”, defensores da colaboração multilateral entre membros da OTAN, ou aos “gaullisten”, favoráveis ao bilateralismo franco-alemão. Conforme Heide-Irene Schmidt, em artigo especializado, na visão de Washington havia muitos incentivos para a Alemanha tornar-se particularmente ativa no domínio da ajuda ao desenvolvimento em sentido multilateral, pois: (I) a RFA tinha recuperado sua força econômica por meio de assistência econômica externa - portanto, tinha uma obrigação moral de participar na oferta de assistência externa para o Terceiro Mundo; (II) enquanto o Reino Unido e a França amarram a sua ajuda aos seus antigos impérios, a Alemanha poderia orientar a sua ajuda onde era mais necessário; (III) o estado insatisfatório do rearmamento alemão deveria ser compensado pelo aumento do nível de assistência externa; (IV) um nível substancial de ajuda externa seria reciclar o superávit câmbio alemão para o benefício do sistema monetário internacional e da liquidez dos países como os Estados Unidos e o Reino Unido, duramente pressionado. (2003, p.482, tradução livre) Em relatório de 1957, o governo da RFA manifestou que prestaria auxílio financeiro aos países em desenvolvimento, seguindo os acordos multilaterais que já havia travado com a ONU e o IBRD desde o início da década. Um ano antes, em 1956, o Parlamento havia aprovisionado DM 50 milhões para ações em países desenvolvimentos ((HERNANDEZ; ROEHRKASTEN, 2011, p. 158). Em novembro de 1960, o gabinete alemão decidiu criar uma política de desenvolvimento integral para programas de assistência e substancialmente aumentar o orçamento de ajuda externa, autorizando DM 4,5 bilhões para serem gastos até o final de 1962. 163 Segundo Horst Dumke (1997, p. 6) o ato inaugural em relação às políticas para o desenvolvimento da RFA foi representado pela Lei do Orçamento Efetivo Total, aprovada em 24 de julho 1956, quando a tarefa de "medidas de promoção para países subdesenvolvidos” foi assumida. Consta que, naquele momento, o compromisso ficou sob responsabilidade do Ministério das Relações Exteriores – e não por qualquer entidade econômica nacional – porque a ajuda ao desenvolvimento era encarada do ponto de vista político e não financeiro, situação essa que foi modificada não muito tempo depois. A partir da década de 1960 a política externa do país para o desenvolvimento é institucionalizada. Em 1961, foi criado o Bundesministerium für wirtschaftliche Zusammenarbeit/BMZ (Ministério Alemão para a Cooperação Econômica), primeira instituição do gênero na Europa. Em associação com os existentes Auswärtiges Amt/AA (Ministério das Relações Exteriores) e o Bundesministerium für Wirtschaft/BMW (Ministério da Economia), o órgão passou a coordenar ele próprio – ou, indiretamente, através de entidades submetidas – as ações internacionais quanto à assistência técnica e financeira da RFA. A institucionalização pública do tema também foi alcançada por meio da criação do Ausschuss für Entwicklungslander/AfE (Comissão Interministerial para Países em Desenvolvimento) e incluiu, até mesmo, uma rede de “observadores de países” (Landerbeobachter). Tais técnicos eram recrutados, por exemplo, na América Latina e habilitados a agregar sugestões para desenvolvimento por meio de relatórios de campo. Já em 1962, 60% dos empréstimos do Banco Mundial haviam sido levantados no mercado alemão (SCHMIDT, 2003, p. 480). Não muito tempo após, dentro do programa geral de ajuda ao desenvolvimento da UNESCO, a RFA era citada em quarto lugar no que se refere à assistência técnica no mundo238. Informação que está evidente em dados compartilhados em relatório da Câmara de Comércio e Indústria em São Paulo, de 1963, que informa que “no intervalo de 5 anos, entre 1956-1961, o governo alemão gastou DM 500 milhões em assistência técnica, somente nos termos dos programas de ajuda multi e bilaterais”239. Uma década 238 Câmara Teuto-Brasileira de Comércio e Indústria em São Paulo. Relatório da Diretoria: Geschaeftsbericht. 1958-1962. 1963: p. 113. 239 Idem. 164 após, o Ministro da Economia da RFA, Ludwig Erhard, manifestou opinião em tom crítico sobre tamanha troca de fluxos, pois, em suas palavras: os acordos bilaterais existentes costumam sempre balizar o volume negociado pelo valor mínimo, ou seja, pela capacidade de compra ou de venda do parceiro mais fraco (...), o que não conduz ao grau desejado de mútuo desenvolvimento das respectivas economias. (...) A longo prazo, a relação bilateral nos prende a um pensamento protecionista e a um egoísmo nacionalista. 240 A geração dessa estrutura interministerial congregou, à rigor, uma série de medidas pontuais direcionadas ao fortalecimento da política externa alemã no ramo do desenvolvimento, representada por um universo de instituições que se locupletaram, tais como a Agência Alemã de Desenvolvimento para países em desenvolvimento (Deutscher Förderungsgesellschaft für Entwicklungslände/DFE), que data de 1957, a Fundação Alemã para o Desenvolvimento Internacional (Deutsche Stiftung für Internationale Entwicklung/DSE), fundada em 1959; o Serviço Alemão de Desenvolvimento (Deutscher Entwicklungsdienst/DED), de 1963, bem como a Carl Duisberg Stifung, implementada em 1949 com vistas a treinar profissionais alemães para missões de desenvolvimento no exterior. Entidades relacionadas surgiram, ainda, em ramos ligados à Igreja, como a Gesellschaft für Christlich-Demokratische Bildungsarbeit/GDB (Sociedade para Educação e Trabalho Cristã-Democrática), estabelecida em 1955 e transformada, em 1964, no KonradAdenauer Institut/KAS. Josef Theling, em artigo dedicado a última instituição questiona “¿Cuáles son los motivos, principios, valores, métodos e instrumentos que alientan a una fundación política alemana como la KAS en la realización de sus programas y proyectos?” (2011, p. 13), pergunta que pode ser estendida a todas as entidades aqui citadas. O autor atribui à Lei Fundamental, instituída na Alemanha em 1949 para organizar um regime jurídico ao país após o colapso do III Reich, o formato específico das instituições alemãs dedicadas ao desenvolvimento. Diante da tentativa fracassada da República de Weimar (1919-1933) e das drásticas consequências da Segunda Guerra Mundial (1939-1945) e, notoriamente, 240 Câmara Teuto-Brasileira de Comércio e Indústria em São Paulo: 50 anos.DeutschBrasilianische Industrie und Handelskammer in São Paulo. São Paulo: Câmara, 1973, p. 47. Acervo IAI Berlin. 165 das proporções atingidas pelo regime nazista, tornou-se imperativo a organização de um sistema democrático seguro e que não fosse regulado unicamente por partidos políticos. Segundo Theling: Es innegable que el bienestar surgió con la implementación de la Economía Social de Mercado como modelo económico que al mismo tiempo afianzó la democracia. Sin embargo, eso por sí sólo no es suficiente. Los partidos políticos pronto acordaron que era necesario crear un sistema compreensivo de formación política. (...) Se buscó entonces una alternativa que finalmente se encontró en la figura de las fundaciones políticas, que si bien podían ser afines a los partidos, sobre todo en el orden intelectual, político y programático, tenían como (...) las actividades de formación política, investigación científica, fomento de jóvenes talentos y cooperación internacional. (2011, p. 16) Por certo, tais entidades e sociedades, muitas delas mistas (públicas e privadas), estiveram apoiadas por instituições financeiras. A RFA criou, também, o Fundo para a Assistência Técnica e o Fundo de Desenvolvimento Internacional. Dentre as instituições bancárias, destaca-se ainda o Kreditanstalt für Wiederaufbau/KfW (Instituto de Crédito para Reconstrução). O KfW, como é conhecido, foi formado em 1948 e obteve licença para atuar no ramo da cooperação internacional a partir de 1961. O seu estatuto jurídico é de uma agência pública e por isso não está autorizado a competir com os bancos comerciais. Possui várias entidades subsidiárias, entre elas a Deutsche Investitionsund Entwicklungsgesellschaft/DEG GmbH, especialmente voltada para países em desenvolvimento. A origem do campo de atuação do banco mescla a cooperação técnica com a cooperação financeira, conforme atestado pelo histórico disponibilizado pelo grupo, no qual está escrito que: os anos sessenta foram um tempo de um novo começo para a Alemanha e para o KfW. Embora ainda jovem, a RFA está começando a flexionar seus músculos econômicos. A comunidade internacional espera, portanto, que ela assumisse a responsabilidade por aumento da ajuda ao desenvolvimento. Isto requeria uma "Organização de execução” e quem melhor do que um parceiro KfW, dada a sua riqueza de experiência com empréstimos estrangeiros? 241 241 Disponível em: https://www.kfw.kfw.de/KfW-Group/About-KfW/Identit%C3%A4t/Geschichte-derKfW/Themenfelder/Finanzielle-Zusammenarbeit/. Acesso em janeiro de 2016. Tradução livre. 166 Não se afastando do momento político em curso, o KfW declarou que: “a influência da Guerra Fria é palpável. Algumas decisões de projeto eram baseadas em imperativos políticos, por exemplo”242. De fato, um dos critérios para receber verbas por parte da RFA em prol do desenvolvimento e/ou cooperação técnica, era não manter relações diplomáticas com a RDA243. Não sem sentido, em 1968 quando Erhard Eppler assumiu o comando do BMZ, uma "despolitização” da ajuda externa foi reivindicada. Para ele, a política da RFA era subordinada à doutrina Hallstein e deveria inaugurar uma nova etapa da política externa alemã em relação à cooperação financeira e técnica. Sua ação mais evidente, dentro do novo propósito, foi a criação no início da década de 1970 de uma entidade que seria, ao mesmo tempo, vinculada ao BMZ e independente em termos de perícias técnicas. Entrava em cena a instituição de assistência/cooperação técnica mais famosa da história da Alemanha. Trata-se da Deutsche Gesellschaft für Technische Zusammenarbeit (Agência Alemã de Cooperação Técnica) conhecida durante décadas pela sigla GTZ, conquanto, desde 2011, sua nomenclatura seja Gesellschaft für Internationale Zusammenarbeit/GIZ (Agência Alemã de Cooperação Internacional). A agência foi fundada oficialmente em 1975 é fruto da fusão de instituições já existentes relativas à área da cooperação e o desenvolvimento internacional na Alemanha. São elas: a Deutsche Fördergesellschaft für Entwicklungsländer/GAWI (Corporação Alemã para Assistência Técnica a Países em Desenvolvimento) e o BfE (Agência Federal para Ajuda ao Desenvolvimento). Genericamente, trata-se uma de uma empresa pública de direitos privados que atuou, desde o seu princípio, como a entidade executora de projetos promovidos pelo governo da Alemanha, notadamente no exterior. O principal acionista da GTZ sempre foi o governo alemão, representado na figura do Ministério Alemão para a Cooperação Econômica. Mas a entidade atua, também, em esquema privado no mercado internacional, tão embora seu vínculo com a esfera pública não desapareça: o BMZ precisa aprovar em quais projetos particulares o GTZ pode participar e os lucros recebidos devem ser convertidos ao governo. 242 Idem. 243 Identifica-se aí uma hipótese para o curioso fato de o Brasil ter trocado embaixadas com muitos países do Leste Europeu durante a década de 1960 com exceção da RDA, só reconhecida mandatoriamente em 1972 com o fim da Doutrina Hallstein, a despeito de trocas comerciais mantidas desde 1967. 167 Tendo em vista sua inserção contextual, questiona-se em que medida a GTZ foi um instrumento da política externa alemã para a reestruturação do país após a Segunda Guerra Mundial. A agência dependia do governo tanto administrativa quanto financeiramente e, na condição de entidade executora de projetos públicos internacionais do BMZ, não só forneceu as diretrizes e corpo técnico para a realização de empreendimentos quanto do mesmo modo se empenhou na promoção discursiva de seus empreendimentos sociais, por meio de diversos tipos de publicações. Assim, qualquer consideração sobre a empresa deve incluir uma leitura crítica sobre a sua própria autorepresentação. A atuação da GTZ está profundamente conexa à cooperação internacional enquanto uma “política de Estados Nacionais formulada para uma determinada forma de atuação em territórios estrangeiros, que garante a este Estado a projeção internacional de uma imagem, preferencialmente positiva” (VALENTE, 2010, p, 28). No Brasil, a GTZ esteve associada a projetos sociais diversos, configurando um período de valorização de incrementos tecnológicos até assumir, finalmente, uma identidade colada a projetos cujo foco é o meio ambiente. Tal diversificação temática reflete, também, a expansão da instituição em termos regionais no país. Atualmente, a GTZ está setorialmente mais presente em localidades que abrangem à floresta amazônica, após investimentos nas regiões Sul e Nordeste (décadas de 1960 e 1970) e Sudeste (década de 1980). Renata Valente define a identidade múltipla da agência, explicando que: O ponto central que caracteriza a GTZ como agência pública é a sua atuação em setores de governo mediante programas, mantendo-se legalmente, no entanto, como uma organização de direito privado, uma empresa de grande porte que vende serviços de administração, planejamento e execução de projetos para o governo alemão e para governos de Estados estrangeiros (...) (idem, p. 137) A GTZ passou a ser um elemento crucial de atuação do governo alemão no Brasil, em uma era de forte incremento dos investimentos da RFA no país. Não à toa, até o tempo presente, o escritório da agência em Brasília atua “conexa à embaixada da Alemanha, que é a instância jurídica representativa da GTZ no Brasil, e cria, juntamente com o escritório do KfW, um quadro institucional representativo dos interesses do BMZ neste país” (idem, p. 138). 168 4.2.3 O Brasil: cooperação internacional para o desenvolvimento nacional Ainda que se reconheça elementos-chave que perpassaram a estruturação do regime militar no Brasil – como o autoritarismo, planejamento e desenvolvimentismo – ocorre que as políticas externa e interna do país não foram pautadas somente por coerências e continuidades. Tais noções foram manejadas em diferentes orientações e intensidades, concordando que “o poder emana de vários centros – nem todos transparentes - especialmente em um Estado autoritário” (SOUTO, 2013, p. 15). As políticas de orientação administrativa e de planejamento do Estado brasileiro, mesmo que permanentes no período em tela, não foram sempre guiadas por concepções semelhantes244. No mesmo sentido, o desenvolvimentismo não é imutável e, conforme bem asseverou Cervo (2002), assumiu formas entre o desenvolvimentismo associado e o nacional desenvolvimentismo, condensadas em diferentes administrações, para citar o assunto em termos básicos. De acordo com Hermet, o modelo possui uma inspiração keynesiana e comprta variações: orientadas à industrialização de substituição de exportações, outras mais restritivas e adstritas, para maior complicação, às variantes de uma corrente cosmopolita favorável aos investimentos estrangeiros e de uma corrente nacionalista que privilegiava o papel do Estado forte (2002, p. 22) Admitindo-se isso, intenciona-se refletir sobre os usos e fins da cooperação internacional em relação ao planejamento urbano no Brasil. Afinal: qual o sentido da cooperação internacional dentro de um projeto de desenvolvimentista, usualmente interpretado a partir de preceitos nacionalistas e intervencionistas? Qual o sentido dado ao planejamento urbano dentro desse projeto? Antes de abordar a questão da cooperação em si, é necessário meditar sobre qual fim ela estaria direcionada: a superação do subdesenvolvimento. Tal 244 Para detalhes sobre o debate consultar Desenvolvimento: o Debate Pioneiro de 1944-1945 e A Controvérsia do Planejamento na Economia Brasileira (publicado originalmente em 1977), ambos disponíveis em www.ipea.gov.br. 169 abordagem implica a mobilização da própria noção de desenvolvimento. Para restringir a discussão ao tópico que interessa a esta tese, registra-se que, no período pós-guerra, a categoria desenvolvimento virou lema de políticas de transformação econômica e social alimentadas tanto pelos adversários da Guerra Fria quanto por governos não alinhados a eles. Aqui, atem-se à forma que a categoria assumiu no Brasil e na América Latina como um todo, onde o conceito de desenvolvimento foi encarado como uma política estrutural do Estado. Tais ressonâncias, que encaravam a industrialização como imperativa, não pressupõe uma transferência direta, mas, tampouco, independência frente ao contexto mundial. Para Oliven, o binômio desenvolvimento/subdesenvolvimento, mobilizado para fins de cooperação, trato-se de um mito utilizado para encobrir, em suas palavras, “as reais causas” de uma situação política: Esta teoria, que durante longo tempo gozou de considerável prestígio entre a comunidade de cientistas sociais, principalmente norteamericanos, se constitui num interessante exemplo de uma ideologia cujo propósito é o de justificar o estado de desenvolvimento das sociedades mais adiantadas e o de subdesenvolvimento das sociedades mais atrasadas (...) (2010, p. 24) Tendo em conta tais problematizações, questiona-se como esse quadro foi assentado diante das práticas de planejamento urbano, com vistas a situar o estudo de caso arrazoado em um contexto global de manutenção dos problemas urbanos. Para isso, vale-se prioritariamente de trocas travadas entre a Alemanha e Brasil, incluindo-se episódios com outros países, ainda que não de forma exaustiva. Fundamental é, de imediato, diferenciar o histórico processo de troca de fluxos internacionais desempenhado no Brasil desde idos do século XIX, daquele referenciado nesta tese. Como bem colocou Feldman (2004, s/p) em relação ao campo do urbanismo: “globalizado desde sempre: congressos internacionais e revistas fizeram circular as ideias desde o início, e os urbanistas brasileiros sempre estiveram integrados nesse circuito”. Ou seja, mesmo que o vasto conjunto de ações realizadas no Brasil a partir de modelos ou por agentes estrangeiros não sejam desprezadas, eles não são inseridos no esquema de cooperação internacional presentemente delineado, regulado por instrumentos específicos, como os atos entre Estados. 170 Os usos da cooperação internacional como uma via de superação do subdesenvolvimento no Brasil tomaram forma, em perspectiva de longo prazo, com a estruturação do Estado burocrático em 1930. Embora o projeto de nacionalização tenha sido um mote da administração varguista, a cooperação internacional foi assegurada como um meio de aperfeiçoamento dos incipientes setores técnico e científico nacionais, outra legenda perseguida. Mas foi a partir da segunda metade do século XX, em alinhamento com a conjuntura mundial, que o Brasil institucionalizou as primeiras práticas de cooperação internacional. Em 1950, durante o governo Vargas, foi criada no Brasil a Comissão Nacional de Assistência Técnica/CNAT, junto ao Ministério das Relações Exteriores, sobretudo para obter auxílio técnico de organizações como a OEA. Em 1956, surgiu o Conselho de Desenvolvimento e, também, a Comissão de Simplificação Burocrática/COSB, que passou a atuar junto ao DASP. A COSB foi seguida da Comissão de Estudos e Projetos Administrativos/CEPA, incumbida de assessorar a Presidência da República nas demandas relacionadas com os projetos de Reforma Administrativa. Justificativa semelhante embasou as iniciativas para assistência internacional, visto que: entre os fatores genéricos que identificam o Brasil ao subdesenvolvimento, assim como outras nações que recebem assistência externa, estão as demoras tecnológicas, deficiências da infraestrutura, incluindo know-how; deficiências institucionais e necessidade de importações de bens e serviços. 245 De fato, lê-se que: “só em 1964 foram criadas agências especializadas para a avaliação de necessidades setoriais e distribuição de recursos nacionais para apoio de projetos parcialmente financiados por agências externas”.246 Ambas medidas partem do pressuposto da fragilidade inconstitucional dos órgãos de Estado, de forma que o projeto visa a capacitação dos órgãos públicos, a fim de que estes possam implementar por seus próprios meios, de forma mais eficiente e com maior impacto e sustentabilidade, políticas e programas públicos. (VALENTE, 2010, p. 64). 245 MINIPLAN. Programa Nacional de Cooperação Nacional Técnica. Apresentado ao Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento. 1972-1976. 1973, p. 41. Acervo IAI Berlin. 246 Idem, p. 42-43. 171 Nessa direção, em 1959 foi criado o Escritório do Governo Brasileiro para a Coordenação do Programa de Assistência Técnica/CPAT247, vinculado ao CNAT. Em publicação relativa ao programa de desenvolvimento do governo voltado à cooperação, indica-se entre os mutuários e as agências internacionais com as quais o Brasil travava relações em período anterior a 1964 o AID, o BID, o EXIBANK, o IRBD, o KfW, além de “organismos ligados a ONU e, notadamente, a Aliança para o Progresso. 248 A administração de Jango, diante desse quadro, marcou uma ruptura em direção a uma fase de multilateralismo tratando-se de política exterior, dentro da tentativa de quebra de vínculo exclusivo com os EUA. A política externa foi desfocalizada do âmbito meramente hemisférico, caminhando em direção a uma multilaterização, o que incluiu o Europa Ocidental – na condição de provedora – e países da América Latina – aliados no bloco multilateral de países em desenvolvimento –. Em 1961, a Câmara Teuto-Brasileira de Comércio e Indústria publicou em seu boletim uma relação dos compromissos oficialmente assumidos pelos países latinoamericanos frente à cooperação recebida por conta da Alemanha, a saber: o respeito ao princípio de autodeterminação dos povos; a aceleração do progresso econômico e social, com o fim de elevar o padrão de vida ao nível mantido pelos países industrializados; o fomento da construção de moradias (casas populares) nas cidades, bem como nas zonas rurais e urbanas; reforma agrária; melhoria da higiene e da saúde pública; aceleração da integração econômica na América Latina. 249 O irromper do Golpe deflagrou uma ruptura imediata com a Política Externa Independente preconizada. A administração de Castelo Branco (1964-1967) caracterizou-se pelo bilateralismo em relação ao EUA: foi, nesses termos, hemisférica. O país era o seu segundo maior parceiro comercial e, não por acaso, criou-se um Conselho de Cooperação Técnica exclusivamente vinculado a Aliança para o Progresso, o CONTAP.250 247 Decreto nº 45.660, de 30 de março de 1959, revisto pelo Decreto nº 50.420, de 7 de abril de 1961. 248 Ibidem, p. 33. 249 Câmara Teuto-Brasileira de Comércio e Indústria em São Paulo. Relatório da Diretoria: Geschaeftsbericht. 1958-1962. 1963: p. 97. Acervo IAI Berlin. 250 Decreto nº 56.979, de 1 º de outubro de 1965. 172 Assim como os alemães, os norte-americanos possuem a sua agência internacional promotora do desenvolvimento, a United States Agency for International Development/USAID. Fundada em 1961, em continuidade aos projetos desenvolvidos desde 1954 pela Administração Internacional em Cooperação, os programas da agência envolviam “empréstimos financeiros, doação de equipamentos, concessões de bolsas de estudo e custeio da vinda de técnicos para prestar assessoria aos países periféricos” (NOGUEIRA, 1999, p. 48). Tratando-se de um poderoso meio de ação da política externa dos EUA, as práticas da entidade foram proeminentes no que tange ao apoio prestado à ditadura militar no Brasil. Conforme explicou Rodrigo de Sá Motta (2014, p.236): O objetivo era injetar recursos financeiros e técnicos para a América Latina com o objectivo de estimular a modernização na esperança de que isso enfraqueceria o apelo à revolução. Do ponto de vista das teorias da modernização, a revolução comunista representava uma ameaça maior nas áreas atrasadas em que desigualdade e pobreza extremas serviu para estimular o questionamento radical da ordem políticia e social. Ainda que os projetos na área da educação sejam os mais relevantes, a USAID atuou (e permanece atuando) em outras áreas no Brasil como o treinamento da polícia, o meio-ambiente e, enfim, o planejamento urbano. Através de um convênio com a SUDENE, por exemplo, a agência elaborou o planejamento de cidades do Nordeste251, incluindo um bairro operário do Rio Grande do Norte, à época da administração de Aluízio Alves (1961-1966)252. A USAID, tal como a GTZ, editou obras sobre o planejamento urbano no Brasil.253 Segundo Melo (1993), a fundação da EBAP – Escola Brasileira de Administração Pública da FGV está relacionada à instituição tendo sido criada por meio de um acordo de cooperação técnica com a USAID, que envolveu o treinamento de técnicos brasileiros em administração pública, a vinda de especialistas americanos e o intercâmbio de docentes na conceituada Universidade Southern Califórnia. Um dos convênios mais expressivos é destacado por Sarah 251 CEPUR. Roteiro interessando ao planejamento físico urbano, sistemático, das cidades do Nordeste do Brasil. Trabalho de cooperação: USAID/SUDENE/Faculdade de Arquitetura/ CEPUR. 252 DANTAS, Ana Caroline De Carvalho Lopes. Sanitarismo e Planejamento Urbano: a Trajetória das Propostas Urbanísticas para Natal entre 1935 E 1969. Dissertação Apresentada Ao Programa De Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, 2003. 253 MC LEAN, Mary; HOWARD, Meinhinick. O Planejamento Urbano. Rio De Janeiro: USAID, 1965. 173 Feldman e se refere ao Plano Urbanístico Básico de São Paulo (PUB) promovido a partir de contrato entre o FINEP (Financiadora de Estudos e Projetos S.A.), a USAID e o SERFHAU. A autora frisa que, em carta assinada pelo Prefeito de São Paulo “a realizações de consórcios de firmas brasileiras e estrangeiras é considerada desejável” (FELDMAN, 2005, p. 233). De fato, a USAID foi a primeira a destinar parte dos recursos a serem aplicados no setor habitacional, além do Banco Interamericano de Desenvolvimento, através do FINEP254. À exemplo da Alemanha, os EUA não agiam somente por meio de entidades públicas voltadas ao desenvolvimento: é digno de nota que o XVIII Congresso promovido pela União Geográfica Nacional, ocorreu no Rio de Janeiro em 1956 com verbas do “Centro Cultural Brasil-Israel, da Fundação Rockfeller, além da Standart Oil” de acordo com Bomfim (2015, p. 366). Iniciativas como essas possuem respaldo histórico: a missão norte-americana ABBINK, de 1948, prometeu ao Brasil “ensinamento do know-how, assistência técnica e científica, em geral, bem como ajudas especiais às populações necessitadas do Nordeste brasileiro” (BANDEIRA, p. 105). O alinhamento com o governo norte-americano durante o governo castelista, não inverteu tratado. Esse foi o caso da Alemanha, apreciando-se o jogo movido por blocos econômicos e a representatividade da RFA. Problematizando a perspectiva de certa “imposição” por parte dos governos estrangeiros, vale destacar que não só era do interesse dessas agências de desenvolvimento e das instituições particulares a consumação de trabalhos no Brasil, mas das entidades nacionais em recebê-las. Estava previsto que por intermédio de agências financeiras e diversos organismos de desenvolvimento regional integrado o recebimento de auxílios internacionais mediante convênios, sendo o mais expressivo deles a chamada a “Comissão Mista Brasil-Uruguai para o Desenvolvimento da Lagoa Mirim”, que contou com a ajuda do ONU e foi excepcional, inclusive, por perfazer uma cooperação entre dois países da América do Sul. 255 Com efeito, as instituições unidas ao planejamento urbano no país passaram a reivindicar o apoio estrangeiro. Em correspondência sobre o programa de 254 BRASIL. BNH/EPEA Desenvolvimento Urbano no Brasil. Bases para a formulação de uma Política Nacional De Desenvolvimento Urbano e para a implantação de um Sistema Nacional para o Planejamento do Desenvolvimento Local Integrado. Brasília: BNH/EPEA, 1965, p. 28. 255 MINISTÉRIO DO INTEROR. Jurisdição e Competência. Rio de Janeiro: Rio Gráfica e Editora, 1967, p. 29. 174 aperfeiçoamento das técnicas relativas à administração municipal brasileira, datada de 16 de janeiro de 1970, o IBAM solicitou a cooperação técnica por parte da RFA. Conforme reproduzido: o Itamaraty muito agradeceria à Embaixada da República Federal da Alemanha o obséquio de um pronunciamento sobre a possibilidade de atender o pedido (...) visto ser o IBAM uma instituição de nível técnico elevado, que poderá utilizar adequadamente, e com proveito, a assistência em pauta.256 À época, já no decorrer da administração de Artur da Costa e Silva (19671969) o campo da política externa foi marcado pelo deslocamento do conflito LesteOeste ao Centro-Periferia (Norte-Sul). Isso significou a mudança da pauta orientadora da atitude externa do Brasil, da política-segurança para a econômicadesenvolvimento, incrementando pelas atividades de cooperação: Considerando que o desenvolvimento é o principal problema latinoamericano, propõe a substituição dos conceitos de segurança coletiva e soberania limitada, pelos de segurança e soberanias nacionais. O conceito de segurança e o de desenvolvimento passara a associar-se estritamente (CERVO e BUENO, 2003, p. 364). A política interna é reavaliada, visto que Costa e Silva é cotado como um nacional-desenvolvimentista, em oposição ao governo castelista, associado ao liberalismo dos EUA. A diplomacia esforçou-se para atrair tecnologia e capital estrangeiro com o objetivo de prover, prioritariamente, o projeto nacional de desenvolvimento. Segundo Visentini: Integração regional passou a ser vista como um projeto intergovernamental (...) no plano mundial, o desenvolvimento era concebido via cooperação terceiro-mundista, com a aliança dos pobres contra os ricos, num quadro de confrontação com as nações industrializadas e solidariedade militante” (2004, p. 86) No ínterim entre 1969 e 1974, o Brasil foi governado por Emílio Garrastazu Médici e experenciou o endurecimento do aparato repressivo através de uma série de medidas que tornaram o período popularmente conhecido como os “anos de 256 Nota-verbal à Embaixada da RFA. Assunto: Cooperação técnica da RFA. IBAM. DCT/12/550.0 (81A). Acervo AHMRE BSB. 175 chumbo”. Adversamente à situação política conservadora no país, a Alemanha observou a ascensão ao poder do primeiro representante do histórico Partido SocialDemocrata, o SPD (Sozialdemokratische Partei Deutschlands), o chanceler Willy Brandt (1969-1974), após anos de domínio do CDU (Christlich Demokratische Union Deutschlands), promovendo o que ficou conhecido como a Grande Coalizão. Sua linha de atuação foi simpática à cooperação com o chamado Terceiro Mundo, notadamente para com a América Latina257. Ocorreu que, para além do elemento ligado ao que autores chamaram de “terrorismo de Estado”, o governo Médici é, também, famoso pelos incrementos econômicos e técnicos que buscou promover. A relativa estabilidade das finanças públicas e do balanço de pagamentos, as reformas institucionais e a reestruturação do setor financeiro propiciados desde a instituição do Programa de Ação Econômica do Governo (PAEG), formulado ainda no triênio 1964-1966, são apontamos como algumas justificativas ao “milagre econômico brasileiro”. O governo Médici promoveu a hipervalorização dos técnicos, cujo exemplos maiores serão Delfim Neto, no Ministério da Fazenda, e João Paulo dos Reis Velloso, no Ministério do Planejamento. O próprio Presidente detinha o diferencial de ter sido, até então, o único administrador militar que não era um político de carreira – e sim um general de quatro estrelas –, com carreira dentro das Forças Armadas. Não por acaso, o governo estabeleceu um novo marco executivo quanto à cooperação internacional258, através da extinção da CNAT e a delegação ao MINIPLAN das responsabilidades quanto à execução da política interna de cooperação técnica. Ao MRE coube a formulação da política externa de cooperação, incluindo “a negociação dos seus instrumentos básicos e o encaminhamento das solicitações aos organismos internacionais públicos e as agências de governos estrangeiros”.259 Balizado por esse novo incentivo, em março de 1970, o SERFHAU pediu apoio a RFA alegando que estava elaborando planos integrados para “439 municipalidades brasileiras que comportam 50% da população do país, objetivando 257 Em momento posterior a sua administração como chanceler da RFA, entre 1977 e 1980, Willy Brandt chefiou a Comissão independente para questões de desenvolvimento internacional (Comissão Norte-Sul), a partir de nomeação feita pelo Banco Mundial. 258 O Decreto-Lei n. 65.476, de 21 de outubro de 1969 estruturou o “Sistema Interministerial de Cooperação Técnica”. 259 Idem. 176 harmonizar os investimentos e orientar a atuação administrativa em cada área. 260 O que foi confirmado pelo programa estatal, que anunciou as boas relações entre as nações desde momentos anteriores Graças às ações do MRE foi possível institucionalizar a aprovação de projetos, pelo BNDE, destinados a financiamento pelo Protocolo Financeiro Brasil-RFA, assinado em fins de 1963. E uma comissão “interministerial reviu e elaborou um inventário de projetos para encaminhamento ao KfW. 261 O auxílio requerido consistia na possibilidade de contar com um especialista dotado de experiência em planejamento de para “participar, junto à Superintendência do SERFHAU, da análise dos planos de execução e sugerir aperfeiçoamentos metodológicos ou normativos”262. Como contraponto, o governo brasileiro se propôs a pagar as despesas dos profissionais dentro do país. Não deixa de ser curiosa a solicitação da presença de estranegiros, visto que o SERFHAU e o IBAM alegavam contar com experts na área e promover o seu treinamento; além disso, esse tipo de ação contrariava as resoluções da própria política nacional de cooperação técnica, que preconizava a valorização da mão de obra nacional. Enquanto justificativa, pode-se refletir a partir da declaração de Hélio Beltrão, Ministro do Planejamento, que acusou a histórica centralização administrativa brasileira de ser “a maior responsável pelo baixo rendimento e descrédito da administração pública” 263 e “a causa principal do nosso subdesenvolvimento político e administrativo, que na realidade é o elemento condicionador e estrangulador do desenvolvimento econômico e social”. 264 A esse respeito, foi oferecido um programa de Pós-graduação em “Administração Municipal e de Serviços Urbanos” à cargo da Zentrastelle für Oeffentliche Verwaltung (Centro para a Administração Pública) do Deutscher Förderungsgesellschaft für Entwicklungslände/DFE, realizado no período de 12 de abril até 20 de dezembro de 1970 em diversas regiões da Alemanha. Foram selecionados quinze profissionais brasileiros, sob condição de que tivessem relação 260 Serviço Público Federal. Processo nº. 296960. Acervo MINTER/AN BSB. 261 BRASIL. Programa Estratégico de Desenvolvimento - Diretrizes de Governo, 1967, p. 34. 262 Serviço Público Federal. Processo nº. 296960. Acervo MINTER/AN BSB. 263 MINISTÉRIO DO PLANEJAMENTO E COORDENAÇÃO GERAL. Reforma Administrativa em Marcha: atividades em 1967 e 1968. Brasil: Escritório da Reforma Administrativa, 1969. Acervo IAI Berlin. 264 Idem. 177 com o poder público265. Outro caso foi uma oferta expedida pelo governo alemão que, “dentro do seu programa de convites”, selecionou seis peritos para participar de um estágio subordinado ao tema “arquitetos de instalações para desportes em escolas e universidades” a ser efetuado entre 4 e 29 de maio de 1971266. Medidas como essa eram correlatas a eventos no campo econômico. A maior exposição industrial alemã concretizada no exterior aconteceu no coração de São Paulo, no Ibirapuera, de 24 de março a 4 de abril de 1971. Segundo Lipckau: o número de firmas alemães interessadas no Brasil não parava de crescer. A cooperação entre os dois países ia de vento em popa. A Câmera de Industria e Comercio tinha que receber e assessorar um número cada vez maior de grupos de visitantes dos mais diversos setores, de federações e de associações e informa-los sobre as possibilidades de investimentos no Brasil. (1995, P. 65) O tecnicismo foi aplicado no fortalecimento do Comunidade de Informações e Segurança que, sob a égide da idoneidade burocrática, constituiu um dos mais complexos órgãos de inteligência e repressão das ditaduras na América Latina. A independência conferida aos órgãos em nome da técnica revelou disparidades entre algumas entidades, das quais destaca-se o MRE – partidário de uma visão terceiromundista e de projetos de assistência – e o Ministério da Fazenda, que valorizava a projeção do Brasil no mercado internacional. Maria Regina Soares de Lima e Gerson Moura afirmaram que o Brasil não queria “perder os dividendos de um país em desenvolvimento e espera o tratamento de um país industrializado”, quadro que foi referenciado por Lafer como uma dupla inserção (1975, p. 213). A união da internacionalização econômica com a valorização do tecnicismo burocrata pode ser observada, por exemplo, no Plano de Metas e Bases (19701973) para a Ação do Governo, que previa “consolidar autêntica soberania, em relação à colaboração externa, no campo da cooperação econômica e técnica e de transferência de tecnologia”267. Prerrogativas como essa fizeram com que a fase Médici ficasse conhecida como a “era do interesse nacional” da política externa militar. Conforme atestado na documentação proveniente dos Ministérios do Interior 265 III B2 – 87.20/36/70 550. (81a). Nota-verbal ao MRE. Assunto: Bolsas da RFA. IBAM. 06/02/1970. Acervo AHMRE BSB. 266 IV 2-87/59/71/550.0 (81a). Nota- Verbal ao MRE. S/ assunto. 26 de janeiro de 1971. Acervo AHMRE BSB. 267 BRASIL. Metas e bases para a ação de governo. Presidência da Republica. IBGE: 1970, p. 9-16. Acervo IAI Berlin. 178 e do Planejamento, um dos meios mais recorrentes de afirmação desses interesses foi o intercâmbio para o exterior. Tais práticas eram favorecidas pelo Acordo com a RFA, mas não restrita ao país. São numerosos os processos sobre o envio de funcionários ao exterior para outras localidades, além da Alemanha. Em 1973, por exemplo, solicitou-se auxílio para que o Coordenador de Operações de Natureza Social do BNH frequentasse o Colóquio “Os esforços de integração na Europa e na América Latina”, efetivado na Bélgica268. No mesmo ano, membros do BNH afastaram-se do país para direcionaram-se à Inglaterra, onde ocorreria um Seminário Internacional sobre Cidades Novas, organizada pela ONU269. Em nível latino-americano, tomou-se conhecimento a partir de um relatório do SERFHAU, da relação com a OEA que, através de reuniões, sugeria o treinamento em “Planejamento Urbano e Local” por meio de “uma missão curta de assistência técnica do ‘Projeto Interamericano de Adiestramento em Planificácion Urbana y Regional/PIAPUR’” que incluiria entre as suas atividades um Seminário no Brasil, a ser promovido pelo SERFHAU/OEA, em fevereiro de 1973270. Atividades como essa indicam que não somente o debate sobre o fenômeno urbano gozava de um lugar privilegiado perante instituições de desenvolvimento em nível internacional, como o Brasil estava inserido nesse círculo de forma privilegiada, visto que a ONU se encarregaria de financiar a viagem dos técnicos interessados271. Tal característica explica, em parte, o imediato aproveitamento dos benefícios advindos do fim da Doutrina Hallstein, admitida em 1969. A RDA que era reconhecida por 19 estados – a maioria do bloco soviético – passou a manter relações diplomáticas com outros países, inclusive com o Brasil. Tal medida não afetou as relações com a RFA que, inclusive, não haviam sido estremecidas nem mesmo com o sequestro do embaixador alemão Ehrenfried Anton Theodor Ludwig Von Holleben, em junho de 1970272. Diversos outros Acordos de Cooperação Técnica foram firmados no período: com os Países Baixos (1969), a Itália (1972), o Japão (1970), sem contar países da 268 Processo n.º 127, de 18 de janeiro de 1973. Acervo MINTER/AN BSB. 269 Processo n.º 364, de 08 de março de 1974. Acervo MINTER/AN BSB. 270 Processo n.º 395, de 16/03/1973, referentes às atividades do SERFHAU. Acervo MINTER/AN BSB. 271 Idem. 272 O sequestro foi sequencial aos do cônsul japonês Nobuo Okushi e do embaixador norte-americano Charles Elbrick, elaborados com vistas a negociar a libertação de presos políticos brasileiros. 179 América Central e da África. No momento imediatamente anterior a assinatura do ajuste com a RFA, durante os anos de 1970 e 1971, sucedem-se fatos como: a visita uma missão técnica do Centro de Birlinghoven ao Brasil para manter contato com os órgãos interessados em cooperação no campo da computação eletrônica; a participação do Brasil na Feira Internacional de Berlim. Isso significa que, ainda que o Brasil tenha estabelecido relações hemisféricas e não multilaterais, elas foram canalizadas aos interesses do projeto nacional, fator que motivou autores como Souto (2013) e Visentini (2004) a caracterizem a política externa de Médici como a chamada “diplomacia de interesse nacional”. Ou seja, aquela que contemplava, ao mesmo tempo, o nacionaldesenvolvimentismo e o desenvolvimentismo associado, caso esse fosse interessante ao projeto Brasil Potência. Nessa direção, o Brasil lançou o seu Programa Nacional de Cooperação de Técnica e habilitou-se institucionalmente273, através da atuação da Secretaria de Cooperação Econômica e Técnica Internacional/SUBIN e da Divisão de Cooperação Técnica/DCT, do MRE.As primeiras linhas do documento fornecem pistas sobre a noção de cooperação técnica priorizada no Brasil: Desde 1964, vive o Brasil um período de profundas transformações no campo econômico-social. Instrumentos econômicos poderosos principalmente de natureza fiscal e financeira - têm sido utilizados para operar a modernização institucional do País (...) em consonância com esse espirito de transformação, para si tem orientado a cooperação técnica internacional para o atendimento das necessidades especificas do nosso processo de desenvolvimento econômico e social (...)274 Dentro desse quadro, a Alemanha detinha posicionamento de destaque e ganhou uma publicação exclusiva dedicada às solicitações brasileiras de cooperação, referente ao quadro entre 1973 e 1975. A edição compõe, junto com o Programa Nacional de Ciência e Tecnologia e outros apresentados a AOE “um 273 O Decreto-Lei n. 65.476, de 21 de outubro de 1969 estruturou o “Sistema Interministerial de Cooperação Técnica”. 274 Idem, p. 21. 180 conjunto de documentos básicos que, de forma integrada, refletira as necessidades de cooperação técnica conforme as diretrizes brasileiras na matéria”275. Parte do mesmo esquema de nacional-desenvolvimentismo foi a recusa do terceiro-mundismo no ceio das relações internacionais da época. Durante a administração Médici ocorre, essencialmente, o fortalecimento da ideia de “cooperação” (pressupondo igualdade) em prol da “assistência” (indicativa de desequilíbrio). O chanceler Mário Gibson Barboza chegou a alegar que a divisão econômica do mundo era uma “concepção ilusória” e um “mito da subhistória” e chamar de “falácia paternalista a crença de que o desenvolvimento poderia ser alcançado por laços especiais que ligam desenvolvidos aos países em desenvolvimento” (2004, p. 138). Em termos globais, a crítica se fundamentou em um processo de diversificação do núcleo dominante mundial, devido ao desenvolvimento econômico e a projeção internacional de novos centros capitalistas, como a Europa Ocidental e o Japão e, não diferente, do insucesso da “década de desenvolvimento” proposta por John Kennedy, Presidente dos EUA (1961-1963). No plano nacional tal recusa esteve fundamentada no fortalecimento do desenvolvimentismo nacionalista. De acordo com Visentini: Solidariedade terceiro-mundista foi abandonada, bem como o discurso politizado (que deu lugar ao pragmatismo), a estratégica multilateral cedeu terreno ao bilateralismo e à via solitária, e as áreas de atrito com os EUA receberam maior atenção (...). (2004, p. 137) Ora, se não há Terceiro Mundo, as estratégicas não seriam de receber apoio, mas de estabelecer acordos pretensamente nivelados. Não se fala mais em assistência, mas em cooperação. Ocorre que, contraditoriamente, um dos três grandes objetivos do I PND era colocar o Brasil, no espaço de uma geração na categoria das nações desenvolvidas, compreendendo como desenvolvimento o incremento financeiro do país. Na mesma época já estava sendo articulada a cooperação nuclear, sendo que a Comissão Nacional de Energia Nuclear promoveu um curso em associação com os alemães, representados pelo Centro de Pesquisa 275 MINIPLAN. Programa Nacional de Cooperação Nacional Técnica. Apresentado ao Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento. 1972-1976. 1973. Acervo IAI Berlin. 181 Nuclear da cidade de Jülich. Datam dessa ocasião as primeiras reuniões da Comissão Mista responsável por arguir os projetos desenvolvidos no Brasil. À despeito da aspiração ao ideal de uma cooperação em termos igualitários, a assistência econômica não havia deixado a agenda da política externa nacional: em abril de 1971, Walter Scheel, Ministro dos Negócios Estrangeiros alemão (Presidente do país entre 1974 e 1979), desembarcou no Brasil com vistas a tratar do Protocolo sobre Cooperação Financeira. No mesmo mês, um grupo chefiado por Gerhard Kienbaum, Presidente da Comissão de Economia do Bundestag (19691972), esteve diversos estados do país. E, finalmente, em 1972, o KfW buscou tratar da assistência financeira ao Brasil. (VISENTINI, 2004, p. 165). A adoção de uma estratégia simultânea entre o multi e o bilateralismo e valorização tanto técnica quanto econômica irá se consolidar, enfim, durante o Governo Geisel (1974-1979). A exacerbação do conceito de “pragmatismo” nas relações internacionais brasileiras encontro o seu auge, consolidando a troca de eixo do elemento segurança para o de desenvolvimento (PINHEIRO, 2004, p.3). Em 1975, o embaixador brasileiro Azeredo da Silveira visitou o Reino unido, a França e a Itália com o objetivo a obter mecanismos de cooperação via bilateral. O caso mais elucidativo, dentro da perspectiva multilateralista, envolveu justamente a RFA: a assinatura com a assinatura do Acordo Nuclear276, em 1975, custou o rompimento com o Acordo Militar travado em 1952 com os EUA: Geisel, mesmo diante de tal situação, não hesitou em privilegiar o quesito econômico ao político, que supostamente traria vantagens com a produção de energia nuclear. No mesmo sentido, deu prosseguimento com a relação com a RDA, e em abril de 1977 ocorreu a segunda reunião diplomática com o país que, tão logo, atingiu o posto de terceiro parceiro comercial do Brasil entre os países do Leste. Por um lado, o ideal de cooperação ganhava força com base em argumentos tal como a implementação de cursos de Pós-Graduação nas Universidades de São Paulo, Federal do Rio de Janeiro e Federal de Minas Gerais, ministrados por alemães e brasileiros, em relação à tecnologia nuclear. Sob outro ponto de vista, sabe-se que embora o Acordo integrasse instituições como SENAI, Eletrobrás, Petrobrás, BNH, que asseguravam um know-how para atuarem no exterior, o 276 Prerrogativas ao Acordo de 1975: Acordo de 1969 e Acordo do Brasil com a EURATON/Comissão Europeia de Energia Atômica, de 1961, além do Protocolo de Cooperação Industrial; Subordinado a Agencia Internacional de Energia Atômica. 182 “modelo de implementação favorecia as multinacionais encarregadas de venderem conhecimentos técnicos nucleares e convencionais – a Hoechst e a Bayer” (VISENTINI, 2004, p. 220). A segunda metade da década de 1970 foi marcada por trocas intensas com a RFA, ainda que não totalmente coesas e igualitárias. A partir de 1975 ocorreram os Encontros Econômicos Teuto-Brasileiros, promovidos pela VARIG. Depois de vários eventos ocorridos em cidades alemãs, a sexta teve como sede a cidade de Porto Alegre, em 1981 (LIPCKAU, 1995, p. 86). A despeito de parcerias como a citada, de 1977, os investimentos em assistência técnica eram encarados como complementares às ações econômicas. O presidente da Câmara Helmut Vervuert, no encontro econômico promovido pela VARIG em Dusselforf, em 1977, disse: a transferência de tecnologia e de know-how é de fundamental importância para uma maior integração entre as duas economias complementares. É necessário que o governo brasileiro desburocratize a autorização de acordos sobre patentes e assistência técnica, inclusive na relação subsidiária-matriz” (LIPCKAU, 1995, p. 86) Em 1980, a XI Reunião da Comissão Mista Teuto-Alemã, responsável por arguir os projetos travados entre RFA e Brasil, concretizada em Bonn, registrou o progresso alcançado, inclusive com a transferência de tecnologia e nos vários empreendimentos conjuntos no setor industrial. Nesse sentido, conforme buscou-se reconstruir, as práticas de cooperação promovidas pelo regime militar sinalizam momentos em visava-se obter vantagens financeiras e, em outros, em que atendia ao chamado Brasil Potência, buscando desenvolver suas competências nacionais. 4.3 O Acordo Básico de Cooperação Técnica entre o Brasil e a República Federal da Alemanha Entre as linhas mantidas pelos militares no que diz respeito ao desenvolvimentismo, está a intercionalização econômica e a capacitação técnica e tecnológica do país. A meta encontrou no estabelecimento de atos internacionais um instrumento conciliatório entre o ideal de inserção internacional no bloco capitalista paralela com a manutenção de um Estado nacional forte. As relações BrasilAlemanha se fortaleceram segundo prerrogativas diferentes a cada administração, 183 configurando uma continuidade no que diz respeito ao quesito técnico. Nos termos compartilhados, a assistência e a cooperação técnica surgem não só como alternativas de investimento, mas, também, como elementos de estabilização de trocas comerciais diplomáticas. 4.3.1 Em torno do Acordo: negociações Em 1961, duas missões extraordinárias por parte do Brasil foram organizadas com o objetivo de obter ajuda financeira para operacionalizar um acordo de cooperação ao desenvolvimento: uma foi chefiada por Walter Moreira Salles, cujo destino foi os EUA; a outra, por Roberto de Oliveira Campos, direcionada a Europa. No ano seguinte, em 1962, a RFA enviou missão diplomática especial ao Brasil, sob comando do Embaixador Hans Ulrich Granow. De fato, sabe-se por exemplo que, desde 1960, havia planos para a constituição de uma comissão mista de cooperação econômica Brasil-Alemanha no plano governamental por parte da embaixada brasileira em Bonn. Segundo Lipckau, tal articulação aumentou em 1962 e: devido às diferenças existentes nas estruturas econômicas dos dois países, a delegação brasileira seria constituída preponderantemente por representantes do governo e a delegação alemã teria maioria de representantes da iniciativa privada (1995, p. 69) As conversações estavam previstas para iniciar no início de 1964, mas, antes disso, a RFA afirmou que o Acordo seria cumprido desde que o governo brasileiro assegurasse uma declaração de medidas. E quais seriam elas? Ao retomar o tópico relativo à conexão entre cooperação técnica e econômica no mundo pós-Guerra, intermediado por agentes oriundos do setor empresarial, revela-se que os trâmites sobre a assinatura ao Acordo envolveram uma disputa de caráter financeiro em torno da atuação de empresas alemãs no país, como as de transporte. Sobre questões como essa, Gerard Jacob (2003, p. 58) comenta que: Com maior razão existem sérios problemas para a realização de pesquisa conjunta entre organismos de dois países em áreas de aplicação prática, pois nesse caso entram em jogo forçosamente os interesses comerciais de empresas de nacionalidades diferentes. 184 Consta que o maior impasse acerca do Acordo de Cooperação Técnica não foi a preocupação com a orientação político-econômica do Brasil e/ou o fato de o país estar sob a égide dos Estados Unidos do ponto de vista da disputa geopolítica, em consenso com os detalhes mencionados na seção anterior. Um dos tópicos da negociação indicou que, para a conclusão do Acordo Básico de Assistência Técnica e a formação de uma Comissão Mista Brasil-Alemanha deveria-se permitir que “às empresas da RFA escolherem, livremente, navios de qualquer bandeira para a exportação de mercadorias financiadas pelo Fundo de Auxílio ao Desenvolvimento e destinados ao Brasil” (1994, p. 167-168). O ato visava a favorecer os fretes da empresa Hamburg-Südamerikanische Dampfschiffahrts-Gesellschaft, mundialmente conhecida como Hamburg-Süd. A medida era consonante com legislação da RFA que versava sobre a impossibilidade de prestar assistência técnica ou conceder capital àqueles países que discriminassem navios com a bandeira alemã. Bandeira ressalva que o Itamaraty não aceitou tal cláusula pois essa interferia, diretamente, na soberania nacional, representava Companhia de Navegação Lloyd Brasileiro, que reunia diversas empresas de navegação brasileiras desde o início do período republicano. Além disso, sendo a RFA parte da Comunidade Econômica Europeia/CEE, sua inclusão no transporte marítimo acarretaria na participação de outros países membros da Comunidade. Uma visita não oficial do Ministro Federal para a Cooperação Econômica da RFA, Walter Scheel, em 1962, cooperou para que as negociações fossem retomadas e, enfim, o Brasil pudesse se dispor doas valores prometidos pelo Fundo de Desenvolvimento Internacional. Um acordo foi oficializado em 20 de novembro 1963, através do Protocolo sobre a Regulamentação dos Transportes Marítimos277, fato que por si só não estancou as preocupações da RFA em relação ao Brasil, sabendo os alemães do contexto de instabilidade política que o país enfrentava. A busca esteve pautada por uma solução quanto as garantias jurídicas e financeiras que a RFA teria em conceder créditos ao Brasil. 277 Disponível em: http://dai-mre.serpro.gov.br/atos-internacionais/bilaterais/1963/b_32/. Acesso em março de 2015. 185 Outro ponto determinante foi a assinatura do Protocolo de Cooperação Financeira278, sequencialmente, 30 de novembro de 1963, mediante o qual a RFA destinou ao Brasil, finalmente, os DM 200 milhões prometidos à época da Missão Roberto Campos, em 1961. as negociações então progrediram, substancialmente, a tal ponto que as autoridades de Bonn, a contrariar, pela primeira vez, seus rígidos princípios sobre ajuda financeira, aceitaram a reivindicação, entre outras apresentadas pelo Ministro Michaelsen, no sentido de que os Fundos de Auxílio ao Desenvolvimento também financiassem fornecimento da indústria brasileira (1994, p. 180) Em maio de 1964, imediatamente após o Golpe, pela primeira vez um Presidente alemão visitou o Brasil. Heinrich Lübke confirmou que investimentos acordados anteriormente não seriam banidos, incluindo aqueles ligados ao Acordo de Cooperação Técnica de 1963. À título de comparação, vale registrar o caso francês: De Gaulle colocou sub em dúvida sua visita ao Brasil em diversos momentos no mesmo ano e só veio ao país em outubro, após algumas negociações, não escondendo seu posicionamento contrário ao golpe militar. A atitude de Lübke antecipou as boas relações que seriam travadas entre Brasil e RFA durante o regime, cujos pontos altos foram os inúmeros ajustes ao Acordo de Cooperação Técnica, o Acordo sobre Ciência e Tecnologia, em 1969, o Acordo Nuclear, de 1975 e, finalmente, a visita do Presidente o Geisel à RFA em 1978, tida como a maior missão econômico-empresarial feita à Europa até a ocasião. O fato da permissão para a atuação de uma empresa estrangeira particular ter sido determinante para a liberação das verbas do Fundo de Desenvolvimento Internacional é um dado derradeiro para que qualquer olhar sobre o Acordo de Cooperação Técnica, firmado meses após tais episódios, seja ponderado pela relativização tanto da ideia de assistencialismo quanto da de cooperação. É plausível estabelecer uma análise crítica quanto à própria Agência Brasileira de Cooperação, de que os acordos seriam de “caráter não comercial, de técnicas e 278 Disponível em: http://dai-mre.serpro.gov.br/atos-internacionais/bilaterais/1963/b_36/. Acesso em março de 2015. 186 conhecimentos, mediante a execução de projetos a serem desenvolvidos em conjunto”279 (ABC, 2014). Em abril de 1967, Costa e Silva recebeu Herman Goergen, enviado especial do Departamento de Imprensa e Informação alemão e Presidente da Sociedade Teuto-Brasileira. Na ocasião, o presidente brasileiro afirmou que no seu Programa de Prosperidade um dos objetivos primordiais era o incremento das relações econômicas e culturais entre o Brasil e a RFA. Em outubro 1968, Willy Brandt, então Ministro das Relações Exteriores (e futuro chanceler da Alemanha, entre 1969 e 1974) visitou o Brasil para negociar pontos que dificultavam o programa de investimentos alemães no país. Missões técnicas ocorreram nas cidades do Rio de Janeiro, São Paulo, Belo Horizonte e Brasília na companhia do Ministro da Pesquisa Científica da RFA, Gerhard Stoltenberg (2004, P. 118). O Brasil, em coerência com sua estratégia multilaterialista, manifestou apoio à reunificação alemã e buscou que o Presidente norte-americano Richard Nixon (1969-1974) elaborasse uma política mais concreta em relação a América Latina. Sequencialmente, foi assinado o Acordo de Cooperação Financeira Brasil-RFA: as trocas diplomáticas ganham um respaldo empírico com a concessão pelo KfW de empréstimos de até DM 54 milhões, dos quais 14 milhões seriam destinados a Vale do Rio Doce. Financiamentos como o citado acima faziam parte da política de desenvolvimento e assistência que motivava a participação do Brasil em organizações integradas por países em desenvolvimento, como o Grupo dos 77280. Costa e Silva buscou auxílios dentro daquela que, para ele “era uma das grandes fontes de tensão internacional, a divisão do Norte-Sul do mundo” (VISENTINI, 2004, p. 90), o que foi parcialmente recusado por seu sucessor, o general Emílio Médici. É inegável, portanto, que o ato teve significativo valor geopolítico e representou uma aliança no âmbito latino-americano em prol do bloco capitalista – no caso representado pela RFA. Por outro lado, alguns elementos não permitem o valimento do Acordo de Cooperação Técnica como uma mera continuidade de relações político-econômicas já alicerçadas. 279 ABC. Histórico. Disponível on-line em: http://www.abc.gov.br/SobreAbc/Historico. Acesso em maio de 2015. 280 Grupo de países em desenvolvimento, ligado a ONU, fundado em 1964 e ativo até a atualidade. O objetivo principal é promover os interesses económicos coletivos de seus membros. Originalmente, era formado por 77 países, o que explica a sua nomenclatura. 187 4.3.2 Detalhes do Acordo: prerrogativas Na administração pública brasileira, os chamados Acordos Básicos de Cooperação Técnica são definidos pelas linhas gerais de atribuições e responsabilidades de cada um dos Estados e organismos internacionais participantes do acordo. As instituições da administração que devem executar as atividades, conforme designadas pelos respectivos governos, e os objetivos das relações diplomáticas entre os países envolvidos (VALENTE, 2010, p. 63). Desta forma: projetos locais da cooperação técnica internacional se caracterizam como “campos de batalha de saberes” (battlefields of knowledge), porque se trata de encontros muitas vezes conflituosos de diversos tipos de saberes dos vários atores sociais envolvidos no contexto de políticas de desenvolvimento e suas ações concretas” (LONG & LONG apud SCHRÖDER, 2011, p. 2). Posto essas problematizações, deduz-se que, ainda que a análise do Acordo de Cooperação Técnica entre Brasil e RFA à luz do contexto político global do período seja fundamental, a sua existência não pode ser reduzida a ele. Chama a atenção, de imediato, o fato de o Brasil ter mobilizado o Ministro da Indústria e do Comércio – e não das Relações Exteriores –, tal como fez o governo alemão. O dado permite a reflexão de que o Acordo, originalmente, foi incorporado como um tópico mais concernente à dimensão econômica do que à esfera política, o que é confirmado na introdução do ato entre os países, onde está informado que a cooperação não seria simplesmente técnica, mas, também, financeira281. Por parte do Brasil, tratava-se mais de assegurar investimentos. Já da parte alemã, a indicação do Ministério das Relações Exteriores sinaliza o recém adquirido patamar que as políticas de desenvolvimento haviam assumido no país com vistas à 281 BRASIL. Ministério das Relações Exteriores/MRE. Departamento Consular e Jurídico. Divisão de Atos Internacionais. Ato Internacional n° 517, de 30 de novembro de 1963. Departamento de Comunicações e Documentação: Divisão de Divulgação Documental: 1977. Disponível em: http://daimre.serpro.gov.br/atos-internacionais/bilaterais/1963/b_33/. Acesso em novembro de 2014. 188 manutenção de um acordo em uma área estratégica, ainda que não excluída a possibilidade de obtenção de benefícios comerciais. Uma seleção de pontos do Acordo para problematização indica que o investimento do ato como uma parceria entre iguais tanto encontra ressonâncias quanto dissonâncias. O Acordo de Cooperação Técnica expõe em seu primeiro artigo que ambas as partes teriam a responsabilidade de prestarem “colaboração e assistência, com base na autoajuda e na participação solidária em assuntos técnicos de interesse, para acelerar o progresso e o bem-estar social dos dois países”282. Consta, no entanto, que era obrigação do Estado brasileiro prover “terrenos, edifícios, instalações, seus custos e de manutenção e instalação, bens e serviços necessários à realização de projetos específicos”283. Além da isenção fiscal para a introdução no país de máquinas ou, eventualmente, outros materiais fornecidos pelo governo alemão. Em contrapartida, a Alemanha deveria prover o aparelhamento de centros de formação profissional no Brasil. A colaboração estrangeira serviria, sobretudo, para aprimorar a metodologia de execução de projetos. À exemplo da capacitação institucional, delegava-se à cooperação técnica a preparação de recursos humanos. No artigo número 2, lê-se que a cooperação poderia envolver o intercâmbio de informações, cientistas e peritos, além da execução simultânea de tarefas e a utilização de equipamentos e instalações284. O princípio foi confirmado em 1973 quando as diretrizes sobre cooperação técnica informaram se deveria “dar maior ênfase à transferência de ‘know-how’ e tecnologia moderna não existentes no País, minimizando, consequentemente, a participação do componente equipamento”285. Pressupunha-se que havia a necessidade de uma organização institucional pública por parte do Brasil. O que é elucidado no discurso retido através do histórico disponibilizado pela ABC: Considerando-se que as carências de instituições adequadamente capacitadas constituíam o principal empecilho para o desenvolvimento, a cooperação internacional deveria, portanto, conceder prioridade à capacitação institucional ("institution building”). A existência de instituições nacionais capacitadas tecnicamente (em administração pública, em planejamento, em ciência e tecnologia, em 282 Idem, p.3. 283 Idem, p. 4. 284 Ibidem, p. 3. 285 MINIPLAN. Programa Nacional de Cooperação Nacional Técnica. Apresentado ao Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento. 1972-1976. 1973, p. 23. Acervo IAI Berlin. 189 gestão de programas governamentais, etc.) foi trabalhada como condição essencial para que os esforços empreendidos tivessem continuidade posteriormente e para que os países recipiendários adquirissem a desejada autonomia. 286 Esse é o ponto de equilíbrio entre a assistência e a cooperação, consideradose a “oportunidade concedida a vários jovens alemães recém doutorados de virem ao Brasil dentro de projetos conjuntos (...)” (JACOB, 2003, p. 70). O governo do Brasil deveria fornecer visto oficial gratuito aos professores, técnicos e peritos alemães envolvidos nos projetos, além de prover moradia para os profissionais e suas famílias, assistência médica e tratamento hospitalar, ajuda para gastos de locomoção, entre outras vantagens. Em contrapartida, ocorria o treinamento de profissionais brasileiros no exterior que, mediante seleção, estariam aptos a cumprir cursos de aperfeiçoamento e especialização na Alemanha. O posicionamento dúbio do Brasil à época quanto aos objetivos da promoção técnica, em termos de cooperação ou assistência, se estendeu a outros momentos. A situação esteve refletida nos princípios de cooperação técnica do Brasil, que ora declarou que a cooperação técnica internacional deveria produzir “um efeito catalítico” ou seja, concorrer “para que recursos já existentes no País sejam melhor orientados e dinamizados para o atendimento das necessidades de que é objeto a própria cooperação” e, outrora, que “a entidade nacional beneficiada vá apresentar capacidade técnica e financeira para dar uma contrapartida à cooperação técnica externa recebida”. 287 A dubiedade igualmente é perceptível quanto ao Acordo de Ciência e Tecnologia, de 1969. Ainda que tenha sido negociado pelo MRE, Gerard Jacob, que participou do processo, indica que o limiar entre cooperação e assistência era muito frágil, posto que: Nem sempre os projetos se desenvolveram como colaboração de igual para igual; vários casos ocorreram em que inicialmente não existia no Brasil grupo de pesquisa, ou mesmo pesquisador, com experiência ou nível suficientes para uma real colaboração. O trabalho "conjunto" resultou, ocasionalmente, em assistência técnica frustrada, isto é, os pesquisadores alemães resolveram um problema específico, ou realizaram uma pesquisa no Brasil, com pouca ou até 286 ABC. Histórico. Disponível on-line em: http://www.abc.gov.br/SobreAbc/Historico. Acesso em maio de 2015. 287 MINIPLAN. Programa Nacional de Cooperação Nacional Técnica. Apresentado ao Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento. 1972-1976. 1973, p. 17. Acervo IAI Berlin. 190 nenhuma participação brasileira. Terminado o projeto, essencialmente alemão, nada de significativo restou no Brasil: não se criou, como seria desejável, um grupo de pesquisa brasileiro. (2003, p. 60) Sob ponto de vista de país doador, a Alemanha define a cooperação técnica como uma política que visa capacitar os indivíduos e as organizações dos países parceiros para melhoramento das suas condições de vida sob sua própria responsabilidade e mediamente seus próprios esforços. Segundo Jacob: os Estados não adotam políticas destinadas a dar, capacitar, treinar, buscando a efetiva igualdade entre nações, mas sim garantir outras formas de fortalecimento de seu próprio poder, seja ele simbólico, econômico ou político. (2003, p. 65) A despeito disso, ainda em 1985, ao mencionar as relações entre Brasil e Alemanha, o Senador Gabriel Hermes declarava que “todos os povos têm direito à esperança” e “a ideia de cooperação e de progresso” deveria prevalecer tendo em conta “a extraordinária contribuição econômica e cultural alemã à sociedade brasileira”288, concretizada, de acordo com o político, através da imigração. Disse Gabriel: (...) nós, brasileiros, não temos queixas ou ressentimentos, pelo tratamento que até agora nos foi propiciado, nos campos político, econômico e tecnológico, pela Alemanha. Temos de algum modo caminhado juntos nas últimas décadas, no exercício inteligente e honesto de uma complementariedade econômica que nos está facultando – ao Brasil e à Alemanha – acelerar em escalas diferentes.289 A impressão do Senador seria uma exceção, caso a noção de assistencialismo não se perpetuasse até os dias atuais, o que é confirmado pela própria ABC: Não obstante a orientação e as políticas de cooperação internacional terem evoluído consideravelmente nas últimas décadas, ampliando seus temas de interesse e ao mesmo tempo especializando-se, o 288 HERMES, Gabriel. Brasil-Alemanha: aspectos antigos e novos da relação bilateral. BrasilienDeutschland: alte und neue aspekte ihrer beziehungen. Brasília: Senado Federal: 1985, p. 7. 289 Idem. 191 conceito inicial de "ajuda para o desenvolvimento” ou "ajuda para a autonomia” permanece vivo até os dias atuais.290 O que pode ser observado em relação a Alemanha é que o Brasil, solicitava dinheiro ao mesmo tempo desejava fazer acordos em termos igualitários. A prova de que não havia equidade era de que, paralelamente à cooperação haviam inúmeros acordos financeiros, com interferência direta nos atos técnicos. De acordo com esse pressuposto, a assistência foi substituída por um modelo de cooperação no qual a parte menos desenvolvida se equivaleria à outra através do uso de seu território e dos seus recursos naturais. No que pese as finalidades da assistência financeira ao desenvolvimento, o capitão da economia alemã declarou: “devem eles [países em desenvolvimento] ficar capacitados de aproveitar, racionalmente, as riquezas naturais e de seu solo e tornar mais ativas as possibilidades produtivas de sua população”. Em uma compilação de documentos sobre a atuação da GTZ no Brasil, a entidade ressalta que seu papel é a implementação de políticas de desenvolvimento, tão embora o tópico assistencialista seja uma constante. Afinal “deve ser prestado apoio externo sempre que os esforços locais não conseguem encontrar soluções para problemas”, conforme exposto em publicação ligada à instituição291. Ao mencionar o chamado “milagre” da economia brasileira do início da década de 1970, a GTZ pondera sobre a dualidade desse desenvolvimento e declara que a cooperação, em umas situações, é totalmente unilateral. Esse foi o caso da transferência de tecnologias, da assistência à agricultura e de projetos relacionados à ecologia. ‘ Rainer Willingshofer, colaborador do BMZ, em matéria intitulada “Brasil: colaboração na política de desenvolvimento em um país em ”, respondeu à pergunta sobre o motivo da RFA auxiliar economias emergentes, explicando que “parte do rápido desenvolvimento nesses países é resultado da importação de desenvolvimento países desenvolvidos(...)”292. O técnico ponderou que havia um 290 ABC. Histórico. Disponível on-line em: http://www.abc.gov.br/SobreAbc/Historico. Acesso em maio de 2015. 291 GTZ. Dokumentation über die deutsche technische Zusammenarbeit mit Brasilien Erschienen. Eschborn: Deutsche Ges. für Technische Zusammenarbeit, 1981, p. 45. Acervo IAI Berlin. 292 GTZ. Aspectos do trabalho da GTZ: documentação sobre a cooperação técnica com o Brasil. Echbonn: GTZ, 1982, p. 3. 192 abismo “entre o desenvolvimento externamente transferido e de património próprio” e um bom motivo para o auxílio é “garantir que esta lacuna não abra ainda mais”293. Em harmonia com as modificações quanto à noção de desenvolvimento da década de 1970, o capital simbólico e técnico passou a ser tão valorizado quanto o financeiro, segundo indicou um relatório de 1972 “em muitas ocasiões ficou provado que a promoção econômica particular não se pode tornar uma verdadeira e eficaz ajuda ao desenvolvimento, se não for acompanhada por essa assistência técnica competente”294. Nesses termos, a assistência técnica visava medidas como: delegação de peritos, ações de ajuda aos institutos de pesquisas, escolas agrícolas, combate è erosão, incremente de produtividade, onde for possível, irrigação, combate às pragas da lavoura, introdução de modernos métodos e técnicas de lavoura, equipamento e instalação de postos volantes de ensino e assistência diversa, elevação do nível de treinamento em todos esses setores, concessão de bolsas de estudo (programa de praticantes). 295 O mesmo relatório informou que, em relação ao Brasil, “revestir-se-ão de importância particular todos os esforços visando a transição da monocultura para a policultura, o que deveria contribuir para o fortalecimento da sua economia”296, ressaltando mais uma vez o padrão de industrialização desejado pelas sucessivas administrações nacionais-desenvolvimentistas. Tendo como base as problemáticas levantadas acima, interroga-se em que medida o projeto bilateral desenvolvido em Porto Alegre esteve envolto na projeção tanto global quanto local do tema. Para explorar esse e outros objetivos, apresentase o próximo capítulo. 293 Idem. 294 Câmara Teuto-Brasileira de Comércio e Indústria em São Paulo: 50 anos. DeutschBrasilianische Industrie und Handelskammer in São Paulo. São Paulo: Câmara, 1973, p. 113. Acervo IAI Berlin. 295 Idem. 296 Ibidem, p. 114. 5 ENTRE ESCALAS E ESPAÇOS: O PLANEJAMENTO DA REGIÃO METROPOLITANA DE PORTO ALEGRE Em acordo com as diretrizes do SERFHAU, que declarou receber “assistência técnica de diversos governos estrangeiros, principalmente nos setores de pesquisa, treinamento e informação”297, firmou-se o quinto ajuste complementar ao Acordo de Cooperação técnica entre Brasil e Alemanha em 5 de fevereiro de 1971298. As negociações remontam aos anos imediatamente anteriores: em agosto de 1970, o Itamaraty cumprimentava a Embaixada da Alemanha em referência à troca de notas datada de 10 de dezembro de 1969, declarando que modificações sobre o projeto de planejamento da RMPA haviam sido realizados299, fazendo relação às discussões de outubro de 1968300. Tais contatos estiveram muito longe de estarem restritos às trocas entre as embaixadas dos países envolvidos. Aos eventos oficiais, somaram-se as trajetórias particulares dos agentes, não menos importantes na condução das transações. Com efeito, as transações entre os governos estão materializadas através de correspondências, viagens de representantes de ambos os países e eventos diplomáticos. As pistas basilares para a montagem desse verdadeiro quebra-cabeças procedem, em realidade, dos depoimentos dos técnicos envolvidos no projeto. O arquiteto urbanista Danilo Landó, que se tornou o Diretor Técnico por parte do Brasil no convênio bilateral, revela que as negociações foram iniciadas durante a administração de Célio Marques Fernandes (1964-1969), Prefeito nomeado de Porto Alere. De acordo com Landó, o líder, tendo conhecimento do Acordo de Cooperação Técnica de 1963, conjecturou a possibilidade da elaboração de um ajuste complementar relativo a ações na Capital do Rio Grande do Sul301. Tal informação é confirmada no artigo intitulado “Planejamento Regional nos Países em Desenvolvimento: relato sobre um Projeto Teuto-Brasileiro para a Região Metropolitana De Porto Alegre”, escrito por Rainer Ernst e Wilhelm Schaeder, 297 SERFHAU. Programações Executadas 67/70. Ministério do Interior: SERFHAU, 1971. Acervo IAI Berlin. 298 Nota-verbal WI 3 B4 – 87.50/38/71. Acervo AHMRE, Brasília. 299 Nota-verbal DCT 206/550.0 (81ª) de 03/08/1970. Acervo AHMRE, Brasília. 300 Nota-verbal DCT 206/509/500.0 (81ª) 22.10.1968. Acervo AHMRE, Brasília. 301 Entrevista com Danilo Landó. Duração 3h 22 min. Local: Porto Alegre. Data: 23/12/2015. 194 publicado em 1973 na Revista Baumwelt302. A Revista, notória na Alemanha dentro do contexto de divulgação do planejamento urbano e regional, foi a responsável pela edição de um dossiê especial cujo tema de chamada foi “Planejamento Urbano no Terceiro Mundo”. No texto, os técnicos esclareceram que os contatos remontam ao ano de 1970, quando o governo brasileiro se dirigiu ao governo alemão solicitando assistência para o planejamento da RMPA. Um indício destoante surge a partir da afirmação de que, paralelamente, uma empresa de consultoria da RFA se ofereceu ao governo de seu país para participar do projeto caso fosse efetivado, visto que “desde 1967 vinha executando diversos serviços de consultoria de economia de água no sul do Brasil”.303 Em cruzamento com outras fontes304, logo tomou-se conhecimento de que a empresa se tratava da Agrar und Hydrotechnik/AHT, que havia realizado um estudo hidrológico na região do Vale do Rio dos Sinos e no Vale do Rio Caí305. Esses dados preliminares são primordiais para o entendimento de que as origens convênio bilateral para o planejamento da RMPA esteve investido por interesses conciliatórios e envolveu uma gama de agentes e instituições significativamente maior daquela inicialmente cogitada, restrita aos recursos humanos que trabalharam no projeto. Nesses termos, as questões que pautam este capítulo, contempladas nas quatro partes que o formam, são as seguintes: por que a escolha pelo Vale do Rio dos Sinos? Como estabeleceram-se os contatos entre as equipes brasileiras e alemãs? A quais instituições esses profissionais estão ligados? Qual o entendimento de planejamento urbano estava sendo promovido? E, enfim, a quais interesses a atuação de instituições alemães na América Latina poderiam estar atendendo? E, finalmente, a partir de quais elementos a cooperação se aproximou da percepção de planejamento do terceiro mundo em voga? E em que medida se afasta? Com base nessas peguntas-guia, apresenta-se o capítulo final desta tese. 302 ERNST, Rainer; SCHAEDER, WILHELM F. Regionalplannung in Entwicklungsländern – bericht über den Grossraum Porto Alegre. STADTBAUWELT 48. 64 Jahrgang. Deutschland. Dez – 1973. 303 Idem. 304 Auswärtiges Amt. Brasilien. KH und TH Projekte. Zwischenarchiv 103616. Ref. 300/444/445.25-36 BRA. Acervo AA Berlin. 305 Embora tenha-se conhecimento sobre a cooperação técnica alemã no Vale do Rio Caí, essa não está documentada e publicada tal como as atividades do Vale do Rio dos Sinos. 195 5.1 O projeto no Vale do Rio dos Sinos: estudos pioneiros sobre o planejamento da RMPA O projeto relativo ao planejamento do Vale do Rio dos Sinos, cumprido a partir da cooperação entre os governos da RFA e do Brasil foi iniciado em 1967. A proposta está registrada como sendo o sétimo convênio complementar ao Acordo de Cooperação firmado em 1963306. Sua negociação é vislumbrada através de intensa troca de correspondências entre embaixadas e autoridades políticas, como em uma carta endereçada ao Prefeito de Porto Alegre Telmo Thompson Flores (1969-1975), na qual afirmou-se a satisfação da RFA em contribuir com o “ordenamento espacial de Porto Alegre”.307 As publicações relacionadas assumem um papel central junto ao corpus documental de análise da presente tese, pois indicam a existência de uma articulação técnica e política em prol do do planejamento da RMPA que antecede à oficialização do ajuste complementar entre Brasil e Alemanha, em 1971. Os conjuntos documentais308 foram lançados, simultaneamente, nas línguas portuguesa e alemã, entre os anos 1969 e 1970. São eles: 1) Plano Diretor Hidrológico 2) Plano de Proteção Contra as Cheias 3) Estudo Socioeconômico 4) Plano de Viabilidade Econômica Os estudos envolveram instituições de ambos os países envolvidos, seja de natureza pública ou privada. Como ponto de partida, expõe-se a Agrar und Hydrotechnik GmbH, empresa responsável pela elaboração dos quatro estudos componentes do projeto, designada pelo Ministério da Indústria da RFA para executar o projeto no Vale do Rio dos Sinos. Tal procedimento era recorrente no que 306 O convênio se refere ao envio de um Grupo Alemão para o Planejamento Básico Hidráulico do Vale Do Rio Dos Sinos, em acordo com a Faculdade de Ciências Econômicas de São Leopoldo. Foi firmado em 25/01/1967. Vale destacar que “convênios” se diferenciavam de “ajustes”, sendo esse último modelo que regulou o planejamento da RMPA na esfera cooperacional. 307 Carta. Ref. I A-7 – T 2032 – BRA – 34/69. 16/09/1969. Archiv-number 17443. Acervo Bundesarchiv Koblenz. 308 Todos os tomos do Projeto foram consultados no acervo institucional da Agrar und Hydrotechnik Ingeniuer/AHT, cuja sede fica na cidade de Essen/Alemanha. 196 concerne ao modo de operação do governo federal alemão que, a partir de seus ministérios, costumava responsabilizar instituições técnicas para a preparação de projetos em escala transnacional. Atualmente, a chamada de AHT GROUP AG associa, após diversas renomeações ao longo de sua trajetória309, uma série de empresas cuja desempenho é de alcance global, tão embora a sede permaneça na cidade de Essen, no Estado de Nordrhein-Westfalen. As origens da AHT remontam ao ano de 1960, quando foi fundada como um grupo de consultoria voltado à realização de serviços de engenharia. Ainda que as áreas de atuação do grupo estejam hoje estendidas à agricultura, ao meio ambiente, à governança, à administração e à economia, há forte identificação entre serviços e pareceres recentes com aqueles desenvolvidos ao longo de suas cinco décadas de existência. Isso porque a empresa fornece serviços técnicos especializados para instituições locais e nacionais, companhias privadas e organizações internacionais, tais como bancos de desenvolvimento, agências e comissões de cooperação técnica310. Embora dois dos estudos em pauta sejam de natureza eminentemente técnica (Plano Diretor Hidrológico; Plano de Proteção contra as cheias), as quatro obras resultantes do projeto são passíveis de correlações. As publicações estão respaldadas por uma noção conjunta de planejamento, voltada ao “desenvolvimento econômico e social do vale do Rio dos Sinos” por meio da apresentação de “sugestões para os setores da agropecuária, estrutura e planejamento diretor, indústria e infraestrutura”.311 Em outras palavras, não se tratou somente de promover o desenvolvimento em suas múltiplas esferas (populacional, territorial, econômica), mas de planejá-lo a partir de premissas específicas e integradas. Sem embargo, a associação de temas técnicos e socialmente aplicáveis foi umas das tônicas do que se convencionou chamar de planejamento urbano integrado, um dos modelos adotados por parte do 309 De acordo com o histórico obtido em uma das sedes da empresa, em 1994 a então conhecida Agrar und Hydrotechnik GmbH foi renomeada como AHT Internacional GmbH. Uma década depois, no ano de 2003, passou a ser chamada de AHT GROUP AG, nomenclatura utilizada até hoje. 310 Segundo informações públicas divulgadas pelo grupo, tais companhias tem “a capacidade técnica e organizacional, bem como a base financeira necessária para elaborar projetos amplos e complexos” especialmente nas seguintes áreas: Abastecimento de Água, Saneamento e Gestão de Resíduos; Governação Ambiental e Gestão de Recursos Hídricos e Irrigação (AHT, 2015), dado que evidencia uma continuidade quanto aos serviços prestados até a atualidade. 311 BfE. Regionalplanung Grossraum Porto Alegre: Bericht der vormission. DpU GmbH in Zusammenarbeit mit Deutsche EisenBahn Consulting GmbH. Essen: AHT, 1969, p. 2. Acervo AHT Bibliothek. 197 Estado brasileiro na condução da problemática urbana na década de 1960. De acordo com essa perspectiva, o planejamento era uma tentativa de orientar dinâmicas relativas à urbanização e, especificamente, a configuração que processos socioeconômicos poderiam assumir em territórios projetados. Conforme Célia Ferraz de Souza (2014, p. 208): A nova corrente propunha a integração de políticas de todos os setores, inclusive o econômico, abrangendo o campo financeiro, comercial e industrial, até o social, passando pela educação, saúde, habitação, cultura, transporte e outros. Enfim, o alcance do planejamento urbano passa a considerar diversos aspectos antes não levados em conta, permitindo a realização de diagnósticos muito mais amplos. Nesses termos, os estudos foram criados respectivamente para exibir diagnósticos e evidenciar as vantagens decorrentes da proteção das áreas inundáveis descritas nos projetos técnicos. Ao passo que o Plano Diretor Hidrológico estava fundamentado em critérios geográficos – a bacia do Rio dos Sinos –, o Plano Socioeconômico foi estruturado tendo como base os 21 municípios que compunham a AMVRS. A dissociação de critérios entre um plano e outro foi atrelada à necessidade do uso de dados estatísticos, disponibilizados por órgãos brasileiros de pesquisa, como a FGV e o IBGE. É reveladora, além disso, do paralelismo entre os dois polos metropolitanos – Porto Alegre e São Leopoldo – evidenciada tanto na publicação estrangeira quanto naquelas promovidas sob esteio dos órgãos públicos regionais. O Projeto estrangeiro incorporou, possivelmente, em estudos precedentes sobre o Vale do Rio dos Sinos e a área metropolitana de Porto Alegre em formação. Menciona-se, nessa direção, o estudo de Edvaldo Pereira Paiva que, em 1943, referiu a Capital e sua “região circundante” destacando a “Região Colonial, corresponde à parte da extensão ocupada pela bacia dos rios que formam o estuário do Guaíba (PAIVA [1943] apud ALONSO, 2008, p.10), ou seja, o Vale do Rio dos Sinos. A região foi alvo de atenção do Padre Balduíno Rambo, conceituado ambientalista que, em 1956, publicou um artigo na imprensa local posicionando-se contra à venda do horto florestal da cidade de São Leopoldo. Segundo Alonso, no 198 texto de Rambo, a noção de metropolização se fez presente através de elementos como: as ideias de várias cidades formando um eixo, com áreas em expansão que tendem a se unir (conurbação), milhares de empregos industriais e de serviços, população que ultrapassaria a casa do milhão em pouco tempo, atingindo alguns milhões em médio prazo. É inegável que esse autor percebeu o fenômeno metropolitano (...) (2008, p. 11) Mas foi o estudo dos arquitetos Paiva, Fayet, Veronese e Moojen Marques312, datado de 1958, que reconheceu duas zonas de influência (Porto Alegre e São Leopoldo) e mencionou os loteamentos entre esses centros como um espaço urbano cuja continuidade tinha diso direcionada pelas vias de acesso ferroviárias e rodoviárias. Tal estudo, em realidade, foi a origem do Plano Diretor de Porto Alegre, instituído pela Lei n.2046 de 1959. A partir dessa simbiose de produções prévias, diferenças sobressaem-se: o projeto alemão para o Vale destaca a potencialidade da região de forma complementar – mas não dependente – de Porto Alegre. Tal como reproduzido: A área do estudo, com vistas ao seu desenvolvimento futuro, não pode ser examinada isoladamente, mas sim somente relacionada com a capital estadual Porto Alegre, em cuja área imediata de irradiação situa-se a zona industrial da área do estudo. Ambas reunidas atualmente formam uma área industrial aglomerada, na qual se baseia todo o desenvolvimento decisivo para o Rio Grande do Sul. 313 Já as publicações contemporâneas ao projeto da Agrar und Technik, apresentam disparidades e alinhamentos quanto ao papel do Vale do Rio dos Sinos. No estudo da SOP, são reconhecidas duas grandes unidades: a) Porto Alegre: Canoas, Esteio, Alvorada, Cachoeirinha, Viamão, Gravataí e Guaíba. b) São Leopoldo-Novo Hamburgo: Estância Velha, Campo Bom e Sapiranga.314 Porto Alegre é destacada como um núcleo dominante, tendo em vista que “possui maior 312 Refere-se a Edvaldo Pereira Paiva, Roberto Felix Veroneze, Carlos M. Fayet e Moacyr Moojen Marques, à época todos ligados a SOP. 313 BfE. Regionalplanung Grossraum Porto Alegre: Bericht der vormission. DpU GmbH in Zusammenarbeit mit Deutsche EisenBahn Consulting GmBh. Essen: AHT, 1969, p. 4. Acervo AHT Bibliothek. 314 SECRATARIA DE OBRAS DO RIO GRANDE DO SUL. Delimitação da área Metropolitana de Porto Alegre. Departamento de Planejamento Regional e Urbano, 1968, p. 17. 199 capacidade de ser organizadora de espaço”315. Novo Hamburgo e São Leopoldo são cotados como pequenos “campos de força”316, interpretados nesses moldes devido às baixas taxas de crescimento em termos populacionais, bem como descontinuidades quanto ao nível de urbanização. Tal posicionamento ratifica que o crescimento populacional detinha um peso substancial na consideração do que seria elaborado como a área metropolitana. Por outro lado, evidencia a minimização de fatores históricos relacionados à região do Vale, cujo desenvolvimento foi exclusivamente atrelado à ligação com a Capital através da rodovia federal. Novo Hamburgo e São Leopoldo, no Norte, que cresceram pelas facilidades de transporte com Porto Alegre – abertura do mercado consumidor e as facilidades do equipamento de serviços, evoluírem de núcleos rurais para centros comerciais, artesanais e industriais. (...) é evidente que, essa abertura do comércio exterior possibilita a expansão dessas duas cidades, que agem como subpolos típicos. Pouco a pouco inicia-se um processo de conurbação favorecida pela linha de circulação mais dinâmica do Rio Grande do Sul, a BR116.317 Trarou-se de um ponto de vista diferente daquele que foi divulgada no plano alemão, que descreveu que os municípios da AMEM e os da AVDRS formavam uma concentração generalizada, mesmo com cidades núcleos exercendo mais poder umas sobre as outras. Tendo por base o passado industrial da área do estudo (ligado à imigração alemã), existe já há várias décadas um núcleo industrial na indústria da produção e da transformação do couro, cuja base natural de matérias primas é representada pela pecuária local. Essa indústria ocupa atualmente (1965) na AMVRS 54% dos empregados industriais, e é responsável por 39% do movimento industrial da região. 318 Assim, vislumbra-se diferentes formas de interpretação acerca da centralidade que deveria ser adotada na RMPA, visto que São Leopoldo e Novo Hamburgo também detinham potencialidade econômica e a função de cidades- 315 Idem, p. 14. 316 Ibidem. 317 Ibidem, p. 15. 318 Rio dos Sinos: wasserwirthschaftliche Planung. Teil I. Sozio-Ökonomische Studie. Aufgestellt im Auftrag der Bundesrepublik Deutschland. AHT GmbH. Essen: 1969, p. 12. 200 núcleo perante municípios vizinhos e um histórico de ocupação territorial e populacional diferenciado dentro da área metropolitana de Porto Alegre. Tal concepção foi levada à cabo em ocasiões tal como a que o Prefeito de Novo Hamburgo, Osvaldo Schuri, sugeriu o candidato Gilberto Mossman, secretário da FENAC, para o cargo da CMM, visando a valorizando do Vale no contexto de institucionalização da RMPA Posteriormente, Novo Hamburgo foi escolhida como a sede do projeto URBIN (1978), cuja elaboração pretendia criar “Cidades Novas” na RMPA e um Núcleo Urbano-Industrial a partir de um acordo com a UFRGS. Além do mais, a cidade destacou-se por ter sido o que ficou conhecido como um “municípioescola” no contexto de difusão das práticas em Planejamento Urbano Local Integrado no Rio Grande do Sul. É o que atesta uma moção encaminhada ao Ministério do Interior319, que situou Novo Hamburgo junto aos Centros Regionais de Treinamento em Administração Municipal (CERTAM’s). Distinções no que diz respeito à estrutura, à expansão da continuidade e às funções de cada cidade deveriam ser aplicados no caso de um processo de institucionalização metropolitana. Destarte, o projeto alemão é mais profundo quantitativo e qualitativamente, pois é fartamente embasado com dados e estatísticas, pontua problemas e sugere diretrizes. Ao sustentar o seu caráter total, desde o domínio técnico e socioeconômico, o estudo sistematizou dados sobre etnia, faixa etária e renda familiar da população do Vale e diagnosticou questões relativas ao transporte e aos meios de produção na região. O arcabouço de informações induziu às propostas de zoneamento dos territórios dentro de uma percepção sistêmica, condutora da criação de uma região metropolitana. No projeto da AHT, lê-se que: O sistema de proteção contra as cheias possibilita, - conforme mencionado nos capítulos precedentes, com detalhada descrição das premissas econômicas e institucionais, - que seja atingida elevada geração de valores industriais e agropastoris, nessa região. Em sua maioria essas premissas ainda devem ser criadas no âmbito do planejamento da Região Metropolitana (grifo meu)320 De acordo com a lógica adotada, há plena associação entre a institucionalização da metropolização e o da industrialização da região. O critério 319 Processo n.º 72 de 8 de janeiro de 1973. Acervo Ministério do Planejamento/AN BSB. 320 Rio dos Sinos: wasserwirthschaftliche Planung. Teil I. Sozio-Ökonomische Studie. Aufgestellt im Auftrag der Bundesrepublik Deutschland. AHT GmbH. Essen: 1969, p. 38. 201 está em conformidade da Constituição Federal de 1967, que em seu artigo 157 definiu previamente uma região metropolitana a partir de uma “comunidade socioeconômica, visando a realização de serviços de interesse comum”321, a despeito de vínculos políticos intermunicipais e/ou históricos. De acordo com o plano: A zona industrial está localizada na área de irradiação econômica de Porto Alegre e nela constatam-se as atividades demográficas e econômicas de toda região metropolitana. Por essa razão esses municípios da zona industrial deverão, juntamente com Porto Alegre e alguns outros municípios, constituir a área da Grande Porto Alegre. (Grifo meu)322 Nesses termos, entendeu-se que o projeto como um todo não foi preparado com vistas a suprir danos sociais historicamente causados pelas enchentes na região. Antes disso, serviu ao projeto nacional que associava a criação das zonas industriais às áreas metropolitanas, harmonizando “os propósitos desenvolvimentistas das autoridades e órgãos governamentais brasileiros com as possibilidades reais”323, conforme anunciado no próprio documento. Em outra passagem, registrou-se que: A proximidade de Porto Alegre, centro administrativo, de consumo e de comunicações, parece tornar viável uma ainda maior implantação industrial. Para tal, constitui-se em apreciável vantagem o abundante suprimento de água industrial, uma vez que o Rio dos Sinos em seu curso inferior, mesmo nos períodos de estiagem, are senta volume suficiente de água, em vista do represamento causado pelo Rio Guaíba. 324 Isso implica em admitir que, mesmo que o "Plano Diretor Hidrológico" tenha sido formulado com o intuito de prevenir enchentes, sua meta final era evidenciar a rentabilidade econômica que o aproveitamento técnico e racional da água disponível na região causaria. Prova dessa concepção é o entendimento de que o “Estudo Socioeconômico” citado deveria preceder e guiar a execução do projeto de 321 BRASIL. Constituição de 1967. Artigo 157, parágrafo 10. 322 Rio dos Sinos: wasserwirthschaftliche Planung. Teil I. Sozio-Ökonomische Studie. Aufgestellt im Auftrag der Bundesrepublik Deutschland. AHT GmbH. Essen: 1969, p. 41. 323 BfE. Regionalplanung Grossraum Porto Alegre: Bericht der vormission. DpU GmbH in Zusammenarbeit mit Deutsche EisenBahn Consulting GmbH. Essen: AHT, 1969, p. 2. Acervo AHT Bibliothek. 324 Idem, p. 18. 202 manutenção das águas na região, tendo em conta “uma sequência lógica, desde o aspecto regional até a verificação de viabilidade econômica”325 a ser respeitada. O modelo de planejamento proposto estava alinhado com as políticas de desenvolvimento urbano preconizadas pelo governo federal brasileiro, que informavam que o “elo entre os planos de desenvolvimento locais integrado e o planejamento nacional seria feito através da definição de regiões-programas e dos polos de desenvolvimento”326. Tal informação não só indica a incorporação de referenciais das teorias sobre regionalização ao lado das de planejamento integrado local, mas, também, a presença do ideal de industrialização, visto que os critérios de definição quando ao desenvolvimento urbano eram os seguintes: potencial econômico de cada área; compatibilidade econômica da região homogênea com as metas setoriais; conhecimento da rede terciária urbana brasileira327. No mesmo sentido, atendia ao Plano Nacional de Desenvolvimento/PND que informou, através de seu quadro de investimentos, que o desenvolvimento industrial era a prioridade do governo ditatorial ao lado da educação.328 Nesse sentido, tratou-se de planejar territorialmente onde e como esse modelo de desenvolvimento estatal seria implantado. A futura RMPA era anunciada pelos alemães como uma das novas áreas de agrupamento demográfico do Brasil, sendo extraordinária para o incremento econômico do Estado do Rio Grande do Sul. A preocupação com o tópico industrialização relacionou, até mesmo, as potencialidades apresentadas pela zona rural, percebendo que “o aumento de produtividade no setor agrícola terá importância decisiva para um harmonioso processo de industrialização”329, cuja efetividade dependia de uma série de reformas. 325 Rio dos Sinos: wasserwirthschaftliche Planung. Teil I. Sozio-Ökonomische Studie. Aufgestellt im Auftrag der Bundesrepublik Deutschland. AHT GmbH. Essen: 1969, p. 4. 326 BRASIL. BNH/EPEA. Desenvolvimento Urbano no Brasil. Bases para a formulação de uma política nacional de desenvolvimento urbano e para a implantação de um Sistema Nacional para o Planejamento do Desenvolvimento Local Integrado. Brasília: BNH/EPEA, 1965, p. 21-22. 327 Idem. 328 QUADRO II. PROGRAMA DE INVESTIMENTOS 1972/1974. Cr$ milhões 30.400 para o desenvolvimento industrial: 31.200 para educação, 24.400 para energia, 20.100 para transportes. Habitação 17.5000. IN: PDN, Revolução Social e Humana: Exposição do Ministro do Planejamento e Coordenação Geral João Paulo dos Reis Velloso em 13 de outubro de 1971. p. 11. 329 Rio dos Sinos: wasserwirthschaftliche Planung. Teil I. Sozio-Ökonomische Studie. Aufgestellt im Auftrag der Bundesrepublik Deutschland. AHT GmbH. Essen: 1969, p. 18. 203 Por outro lado, é notável a pouca atenção dedicada à dimensão da habitação: seja para fins agrários ou industriais, as duas zonas nas quais os projetos fornecem detalhes foram apreciadas a partir de suas funções econômicas – e não sociais. A menção à funcionalização da região em termos residenciais é secundária e delegada para as autoridades políticas, não sendo contemplada pelo projeto técnico: Com o crescente povoamento da área, expandiram-se as áreas residenciais; especialmente a parcela populacional de menores recursos econômicos estabeleceu-se ao longo de vias existentes nas zonas baixas planas. (...) A necessidade de prever áreas residenciais nos pôlderes somente iria existir, caso as administrações municipais - que não subestimam o transporte profissional de operários, já pelos problemas de tráfego decorrentes do mesmo - forem obrigadas a manter tal solução.330 Em consonância com a tese defendida por Adriana Eckert (2013) houve a confecção de diversos planos urbanísticos destinados a área chamada de Várzea do Gravataí (confluência do Guaíba com o Rio Gravataí, na zona norte da Capital) no sentido de transformação daquela área em uma zona industrial, já a partir da década de 1930. Em estudo anterior (VIEGAS, 2011), enfatizou-se, no mesmo sentido, um projeto para a cidade de Canoas que sugeria a remoção dos dois principais “bairrosdormitórios” da cidade, atingidos por enchentes, cujas áreas seriam reaproveitadas para a instalação de indústrias. A industrialização foi, portanto, um ponto de convergência entre os campos técnico-urbanístico e político-estatal, visto que o havia a tradição de um pensamento construído em prol da industrialização da área, bem como de sua funcionalização em termos de habitação (ALMEIDA; MOG, 2013). Casos notáveis foram os os Municípios de Canoas e Novo Hamburgo, consagrados historicamente por perseguirem a alcunha de cidade-industrial, sendo que o primeiro desejava ser o maior reduto industrial do Rio Grande do Sul e segundo intitulava-se como a “Manchester brasileira” (SELBACH, 1999). A reverberação de tópicos urbanísticos se fez presente, também, em trechos nos quais o higienismo é reparado como uma meta a ser atingida. A perspectiva de domínio total por parte dos planejadores, desconsiderando o quesito social enquanto 330 Idem, p. 35. 204 uma variável ativa, é explícita em extratos nos quais o zoneamento foi sugerido sem qualquer advertência sobre a demanda habitacional: (...) as instalações industriais estão penetrando nas ali existentes áreas residenciais; essa tendência não é desejável, o que vem a exigir um urgente planejamento ordenador do espaço físico. Parece racional prever no zoneamento de uso dos pôlderes, áreas industriais para as unidades de produção, que, de qualquer forma, penetram na região do curso inferior do Rio dos Sinos, de maneira a ser evitada a interpenetração de áreas industriais e residenciais, prejudicial sob ponto de vista da higiene urbana.331 A análise da documentação trocada entre os dirigentes do Brasil e da Alemanha a partir de 1970 indica que, após finalização do estudo técnico elaborado pela AHT, travaram-se contatos para mensurar como o projeto era passível de ser aproveitado para a execução de obras por parte do poder público. Em carta endereçada ao Cônsul-Geral da RFA, datada de 1º de julho de 1970, o Governador do Rio Grande do Sul (1966-1971), Walter Peracchi Barcellos solicitou apoio financeiro para a construção dos diques sugeridos, com base no estudo da AHT. A correspondência, transcrita abaixo, informa: (...) o grupo de peritos alemães da Agrar und Hydro GmbH elaborou um projeto para o desenvolvimento global do Vale dos Sinos e chegou à conclusão de que um dique de proteção para evitar inundações de Canoas deve ser construído para Novo Hamburgo, em complemento do dique existente de Porto Alegre até Canoas. É uma construção de fundamental importância econômica para as mais ricas áreas da indústria de nosso Estado (...).332 A carta, extraída de um conjunto documental mais amplo333, revela detalhes financeiros que envolveram a operação e informa que a ajuda financeira para a realização da obra por parte da RFA, estimada em DM 74 milhões ou U$ 20.041.000, seria a etapa final de um projeto coordenado pela SOP. Em relatório 331 Rio dos Sinos: wasserwirthschaftliche Planung. Teil I. Sozio-Ökonomische Studie. Aufgestellt im Auftrag der Bundesrepublik Deutschland. AHT GmbH. Essen: 1969, p. 23. 332 Nota WI 3 B4 – 87.50/38/71. Acervo AHMRE, Brasília. 333 Existe um fundo que contêm somente a documentação financeira relativa ao projeto no Vale do Rio dos Sinos. Archivnumber 25190. Bestandssignatur B213. Acervo Bundesachiv Koblenz. 205 enviado para a Agência Nacional para Ajuda ao Desenvolvimento334, em 23 de julho do mesmo ano, a embaixada alemã no Rio de Janeiro informou que um pedido oficial do MRE brasileiro sobre a assistência capital de concessão ainda não havia sido emitido. Posteriormente, noticiou-se que em outubro de 1970 foi embarcada uma remessa que incluía 51 caixas com livros científicos cuja finalidade era auxiliar no projeto do Vale do Rio dos Sinos. 335 Já em 1971, o Ministério da Economia alemão fez referência a dois projetos brasileiros a serem financiados pela RFA: a) medidas de controle de inundações no Rio dos Sinos; b) guindastes para 6 portos brasileiros. Tais projetos haviam sido pauta recente de uma delegação enviada pelo governo do Brasil, chefiada pelo secretário de Estado Costa, do Departamento de Política de Comércio Itamaraty para uma conversa sobre a assistência capital. Tão embora o valor total de tais investimentos fosse maior, a autorização orçamental para 1971 por parte da Alemanha foi de DM 40 milhões. Tais correspondências revelam os bastidores da negociação que resultaram no quinto ajuste complementar ao Acordo de Cooperação Técnica travado entre os países, assinado em 1971, que versa sobre o planejamento da RMPA. Além disso, reafirmam o planejamento urbano em função de critérios econômicos e geração de zonas industriais. O relatório datado de agosto de 1970, organizado pelo BfE, informa que: Verificou-se que existem possibilidades técnicas para criar 6 pôlderes de proteção contra inundações no Vale do Rio. No entanto, no que diz respeito útil económico, tendo em conta a complexidade dos custos de construção podem ser apenas os pôlderes I e II. (...) para os pôlderes IV e V, que sejam apresentadas mais de razões de planeamento sociais e espaciais em termos de potenciais usos potenciais econômicos, os trabalhos de construção deve centrar-se essencialmente. 336 Em 1972, as negociações avançaram e houve a previsão da materialização de quatro dos seis pôlderes previstos pelo projeto da AHT, tendo em conta o “planejamento global” da região, previsto também em documentação relativa ao 334 Documentação relativa a KfW Frankfurt am Main. Archivnumber 25257. Ref. IB/5 – T 2032 BRAS – 103/71. Acervo Bundesarchiv Koblenz. 335 Nota-verbal WI III B4 87.43/615/70 de 01 de dezembro De 1970. Acervo AHMRE, Brasília. 336 Relatório. Ref. B/5 – 2032 – 103. Technische Hilfe für Brasilien. Bonn, 12.2.1971. Acervo Bundesarchiv Koblenz. 206 MINTER.337 No ano de 1976, o projeto de proteção contra os diques no Vale do Rio dos Sinos é citado, bem como as obras em Canoas e Porto Alegre, do Programa Especial de Controle de Enchentes e Recuperação de Vales338. A singularidade do projeto ode ser reparada no fato de projeto ser o único citado em toda a Região Sul, em meio a predominante realização de obras no Norte e no Nordeste no Brasil. O critério social quanto à proteção das áreas atingidas pelas cheias foi parcialmente reconhecido em 1974, quando a recuperação de uma área residencial localizada em São Leopoldo foi colocada em pauta, visto que “a realocação não é possível por causa das condições geográficas particulares na Grande Porto Alegre. Essas pessoas, quase todos os trabalhadores, seriam removidas para muito longe de seus postos de trabalho”339. A KfW concluiu que: O impacto socioeconômico do projeto será positivo devido aos efeitos distributivos associados, a esperada melhoria na situação de saúde e nas condições de vida e a prevenção de danos ambientais, proteção da planície de inundação a ser feita por meio de barreiras ou próximo ao centro da cidade por uma muralha de proteção contra inundações.340 A correspondência informa que o lado brasileiro não possuía verba para o financiamento das obras. Questiona-se a posição de Verri (2014, p. 263) que afirma que o planejamento do Vale do Rio do Sinos foi majoritariamente financiado pela SOP, a despeito da colaboração alemã. Sabe-se, afinal, que foi concedido um empréstimo no valor de DM 10 milhões (a ser ampliado) pelo KfW para o Estado do Rio Grande do Sul e o DNOS foi o promotor da obra, o que é confirmado nos relatórios tanto da SOP341 quanto da KfW. Conforme está escrito no último: (...) o Governo da República Federal da Alemanha se comprometeram a longo prazo, a assistência capital de projeto no valor de 119 milhões de marcos alemães. O Governo da República Federativa do Brasil tem a intenção de promover o desenvolvimento 337 REIS, Maurício Rangel. Ação do Ministério do Interior. Conferência pronunciada na Escola Superior de Guerra. Brasília: IBGE, 1976, p. 70-71. Acervo IAI Berlin. 338 Idem, p. 74. 339 Relatório. Technische Hilfe für Brasilien. Bonn, 12.2.1971. Ref. B/5 – 2032 – 103. Acervo Bundesarchiv Koblenz. 340 Idem. 341 Secretaria do Desenvolvimento Regional e Obras Públicas. Relatório de atividades 1971-1974, p. 11. Acervo SOP Porto Alegre. Segundo o documento, O investimento brasileiro foi de 6.750.000,00 cruzeiros. 207 económico e social do seu país através de medidas de proteção contra as cheias no Rio dos Sinos. 342 O Instituto de pesquisas Hidráulicas/IPH, ligado a UFRGS e declarado como o maior centro de formação e pesquisa em hidrologia do Brasil, solicitou auxílio técnico da RFA em 1970343. Posto isso, amplia-se o espectro de análise para registrar que a atuação de empresas alemãs não esteve restrita a Agrar und Hydrotechnik. A busca por registros cartográficos da região do Vale do Rio dos Sinos resultou na descoberta de mapas elaborados pela Deutsche Projekt Union GmbH. A chamada DpU foi uma peça-chave na primeira fase de implantação da RMPA. Embora técnicos envolvidos no projeto declarem que a DpU foi extinta, há registros de que a empresa está ativa sob a nomenclatura de Deutsche Projekt Union Planer – Ingenieure, indicando sua relação permanente com grandes projetos de engenharia civil. A sede da firma localiza-se em Essen, sendo uma empresa coirmã da AHT. Mas, diferente da Agrar und Hydrotechnik, a DpU era uma entidade de direitos privados de cunho público, configurando-se como a “empresa oficial” de execução de obras do governo alemão em países estrangeiros. Ela foi substituída, em meados da década de 1970, pela GTZ. Desta forma, o que era um montante expressivo de mapas e plantas de cunho técnico (obras das casas de bomba e modelo dos pôlderes)344, inicialmente cotados somente em termos quantitativos, se tornaram profícuos quanto aos indícios que revelaram à pesquisa. Rainer Ernst, profissional envolvido no projeto, comenta sobre essa relação declarando que: foi através de um fato estranho, pois uma companhia [a Dpu] ligada a uma grande empresa de ferro na Alemanha estava no centro de negócios internacionais e eram envolvidos no projeto do Rio dos Sinos, no regulamento do rio. Eles chegaram no momento que se percebia a necessidade de criar alguns diques entre Porto Alegre e região, para a proteção do terreno. Teve uma consequência de infraestrutura devido a expansão urbanística de Porto Alegre, então surgiu esta ideia para regular isso com o planejamento, 342 Relatório. Technische Hilfe für Brasilien. Bonn, 12.2.1971. Ref. B/5 – 2032 – 103. Acervo Bundesarchiv Koblenz. 343 Nota DCT/DEOc/10/550.0 (81a). 08/01/1970. Acervo AHMRE, Brasília. 344 Mapas e plantas referentes ao Vale do Rio dos Sinos. Referências: BR AN, RIO 04.0.MAP.2597; BR AN, RIO 04.0.MAP.2032; BR AN, RIO 04.0.MAP.2031. Setor de Cartografia. AN/Rio de Janeiro. 208 paralelamente com a ideia de criar regiões metropolitanas em todo o Brasil.345 A menção quanto a acentuada interdependência de fatores hidrológicos, técnicos e socioeconômicos, presente no projeto da AHT, provém da concepção global de planejamento em voga na época. Inferência essa que é sustentada pela descoberta de publicações editadas na Alemanha acerca do projeto desenvolvido no Vale do Rio dos Sinos. A primeira obra é intitulada “Regionale Entwicklungsplanung in Südbrasilien: Am Beispiel des Rio dos Sinos-Gebietes” (Planeamento do desenvolvimento regional no Sul do Brasil: o exemplo de-área do Rio dos Sinos)346. Foi lançada durante a ocorrêcia do projeto, em 1972, através da editora Schöningh, sediada na cidade de Paderborn. O autor é Hans-Winfried Lauffs, conhecido por seu trabalho no setor da corporação internacional ao longo de décadas347. Uma edição da famosa Revista alemã Der Spiegel, datada de fevereiro de 1970, cita o pesquisador a partir de sua atuação junto ao Vale do Rio Reno (Ruhrgebiet), na Alemanha. Há uma menção à perspectiva relacional entre projetos desenvolvidos em ambos países e ao aspecto do zoneamento, de acordo com a exposição da Revista: Hans, que escreveu sua tese de doutorado sobre as intervenções estruturais na selva brasileira, e agora atua como um alto-falante no assentamento Ruhrkohlenbezirk, em 1969 trouxe o padrão de trabalho ‘complexo industrial de Ruhr’ fora, qualquer pessoa interessada as instruções detalhadas sobre a terra livre, hidrovias e estradas, ligações ferroviárias, gás e abastecimento de água à esquerda. Em uma série mapa em grande escala Lauffs sentiu todo o espaço comercial utilizados e não utilizados em qualquer lugar. 348 Outra publicação foi assinada por Reinhold Lücker e Arno Dicker. Chama-se, em tradução livre, “O desenvolvimento rural na borda da área de compactação do Vale do Rio dos Sinos, Rio Grande do Sul”. Compõe uma coletânea de estudos dedicada à América Latina, organizada pelo Instituto Latino-Americano de Geografia 345 Entrevista com Rainer Ernst. Duração: 2h 20 min. Local: Berlin. Data: 03/07/2015. 346 LAUFFS, Hans-Winfried. Regionale Entwicklungsplanung in Südbrasilien: Am Beispiel des Rio dos Sinos-Gebietes. Paderborn: Schöningh, 1972. Acervo Staatsbibliothek zu Berlin. 347 Outra obra de autoria do autor é chamada “Politische Planung im Ruhrgebiet. Analyse der staatlichen Planungen und Massnahmen zu der Strukturverbesserung”, em co-autoria com Zühlke, Werner: von Göttingen: Otto Schwarz, de 1976. 348 Der Spiegel, 20.2.1970. Disponível em: http://www.spiegel.de/spiegel/print/d-45202805.html. Acesso em 22 de outubro de 2015. 209 de Pesquisa, da Universidade de Tübingen349. Gerd Kohlhepp, que prefaciou a obra, afirma que os trabalhos compreendidos a partir do prisma das diferenciações regionais serviam às “conclusões sobre as condições políticas e socioeconômicas, além de seus contextos espaciais naturais”350, deixando clara a tônica do projeto. O tema do artigo é a relação entre o desenvolvimento rural e a expansão industrial a partir de um estudo de caso no Vale do Rio dos Sinos, especificadamente na cidade de Dois Irmãos. O texto é de importância sumária, pois situa a referida cidade junto a um grupo de análise focada em locais como a Amazônia, o oeste paranaense, o Distrito Federal, além do Rio de Janeiro. O enfoque transversal entre essas localidades distintas é o “desenvolvimento regional no terceiro mundo”. Nesses termos, o substrato teórico preconizado vai tanto ao encontro da ideia de planejamento integrado quanto da regionalização, pois levou em conta a dimensão do território a partir de prerrogativas relacionais. A América Latina é situada como um locus privilegiado de pesquisa, tendo em vista uma compreensão de diferenças regionais em escala global: Esta compreensão da diferenciação regional aprofundou modelos como "a América Latina como um continente cultural" ou "identidade latino-americana" e leva a análise do impacto espacial do comportamento em pessoas de diferentes dimensões espaciais ou escala.351 O artigo inclui farto material estatístico, além de ter sido construído com base em dois estudos sobre trabalhadores rurais, expondo os lados qualitativo e quantitativo da pesquisa. Apresentou um “conceito de desenvolvimento rural” para a Prefeitura de Dois Irmãos/RS que inclui, entre as sugestões pautadas, a ideia de otimizar o uso da produção agrícola mantendo a estrutura familiar, valendo-se de sistemas operacionais ecologicamente adaptados. Tendo em conta o contexto das migrações que cercavam a RMPA, indicam a “integração de funções agrícolas, industriais e de serviços, a fim de evitar a fuga de cérebros”.352 349 DICKER, Arno; LÜCKER, Reinhold. Entwicklung am Rande des Rio dos Sinos-Tals. Tübinger Beiträge zur geographischen Lateinamerika-Forschung. Geograph. Inst. d. Univ., 1987. Acervo Staatsbibliothek zu Berlin. 350 Idem, p. 6. 351 Idem, p.8. 352 Ibidem. 210 O estudo delineia, portanto, tópicos cruciais a serem arrazoados na elaboração conceitual da RMPA, tais como a consideração ao meio ambiente e ao uso de novas tecnologias. Enquanto diferencial, está a sugestão do desenvolvimento rural em integração com a crescente industrialização da área, respeitando substratos históricos relativos à colonização, muitas vezes mencionados no artigo. Reforçando a relação existente entre os campos acadêmico e técnico evidenciada em outros projetos mencionados na presente Tese, os autores ponderam que o município não é financeiramente e tecnicamente independente e “necessita de fundos federais” e que “seria um bom ponto para projetos no âmbito da Cooperação Técnica”353, deixando claro a inserção do projeto no contexto de relações entre Brasil e Alemanha. Essas duas obras são indicativas da dimensão de circulação de saberes acerca dos projetos técnicos realizados no exterior, principalmente no que tange à amplitude e complexidade que um acordo dessa natureza mobilizava. As práticas de empresas como a AHT e a DpU não podem estar dissociadas do conjunto de saberes que sustentavam as ações das empresas, bem como da ossatura institucional na qual estão envolvidas. As empresas estrangeiras não atuaram sem a colaboração de inúmeras entidades nacionais e transnacionais. Foram localizadas bancos, associações e autarquias públicas, comissões científicas, conselhos profissionais, departamentos técnicos especializados, institutos de pesquisa e universidades, conforme indica o apêndice 3 dessa tese. Organizados com a mesma profundidade exigida para um estudo regional, tais publicações colocaram a região do Vale do Rio dos Sinos em patamar semelhante ao da Capital Porto Alegre. Isso porque pressupõem um substrato administrativo para o planejamento da região, a inseriram em um processo de urbanização no qual algumas de suas cidades possuíam papel decisivo e, sobretudo, perceberam a metropolização enquanto processo histórico e, ao mesmo tempo, ordenável. Os quatro estudos lançados pela Agrar und Hydrotechnik tiveram significativo ao serem executados pelo governo federal ao longo da década de 1970. Agregam diferenciais, ao colocarem em discussão a dupla centralidade da RMPA e 353 Ibidem. 211 evidenciarem que o planejamento da região esteva envolvido em uma rede transnacional de debate, para além do grupo técnico local. O projeto, destarte, impõs o seu valor ao antecipar um estudo regional fundamentado em dados e estatísticas, em momento anterior ao lançamento do PDM. Mas os vínculos entre os projetos foram além disso e envolveram, também, o compartilhamento de concepções e saberes de planejamento, instituições e profissionais. 5.2 A 1ª FASE (1971-1973): a elaboração do Plano de Desenvolvimento Metropolitano Contando com a presença e atuação de empresas alemãs nos Vale do Rio dos Sinos e do Rio Caí desde idos de 1967 e, baseando-se nos crescentes investimos da RFA no Brasil foi firmado, em 1971, o quinto ajuste complementar ao Acordo de Cooperação de Técnica. Mais oportuno do que pontuar preferências dentro do esquema de planejamento prognosticado, é a tentativa de compreender o significado dessas intenções no contexto em questão. Nessa direção, intenciona-se desvelar agentes, instituições e as práticas decorridas do desenvolvimento do projeto que, após o período preliminar, foi marcado por fases que, a grosso modo, são distinguidas entre a elaboração (1971-1973) e as tentativas de implementação de sugestões oriundas projeto (1978). 5.2.1 “Os alemães estão chegando”: a missão preliminar No final de março de 1971, o jornal Zero Hora anunciou que o “conde é do GERM”354, referindo-se a Michael Raczynsky, técnico alemão que se encontrava na Capital com vistas a conhecer algumas das cidades da incipiente área metropolitana, em companhia de Danilo Landó e Militão de Morais Ricardo. O chamado “conde” era o representante na América Latina dos assuntos da DpU. Em matéria subsequente, informou-se que a vinda do grupo de peritos poderia ser 354 Zero Hora. “O conde é do GERM”. 23/10/1970. 212 antecipada e que Raczynsky “manifestava otimismo quanto à busca de soluções integradas”355. Em 22 de abril os alemães que haviam chegado e “foram logo ver a cidade”356. Eram Rolf Ramm e Georg Gonsior, respectivamente, engenheiro e arquiteto, diretores da DpU. Entre as atividades, incluiu-se uma reunião com Raczynsky com o diplomata Christian Zinsser, então cônsul geral da Alemanha em Porto Alegre (1969-1972) assim como um compromisso de trabalho na sede do GERM e, também, na SOP, onde visitaram o Secretário da instituição, engenheiro Jorge Englert357. Ao grupo somou-se Eberhard Fladung, técnico em transportes que chegou ao Brasil em 28 de abril do mesmo mês358 e Hans Jurgen Karpe, economista. As visitas foram mútuas: em reunião datada de março de 1971, o presidente do CMM, engenheiro Umberto Pergher, relatou os entendimentos que manteve com autoridades germânicas, em sua recente viagem à Alemanha Ocidental359. Tais “entendimentos”, contudo, não foram facilmente alcançáveis. Danilo Landó, que afirmou ter integrado a equipe que foi a Bonn para negociar o ajuste para a cidade de Porto Alegre, relatou que: (...) Nós fomos negociar a composição do grupo que deveria vir ao Brasil. Eles montaram equipes e quando chegou na coordenação, queriam um alemão. Eu disse não: - brasileiro. Eu não abria mão. O governo contratou uma empresa de Essen [a DpU]. O presidente de empresa alemã, que depois foi reitor da universidade, disse: vamos fazer uma experiência de uma cooperação binacional, com iguais poderes (mas é claro que eu teria muito mais, afinal, nós viríamos para o Brasil).360 Iniciou-se uma estratégia de cooperação cotada como única em seu tempo, através da qual foi instituída uma direção bilateral, estendida a toda a equipe de trabalho de planejamento da RMPA, dividida em setores nos quais responsabilizouse, simultaneamente, um estrangeiro e um brasileiro. Com exceção de Hans Karpe – que se tornaria chefe da equipe alemã em temporada parcial do projeto – a 355 Zero Hora. Técnicos alemães que vêm para o GERM têm chegada antecipada. 30/03/1971. 356 Folha da Tarde. Técnicos alemães chegaram e foram logo ver a cidade. 22/04/1971. 357 Zero Hora. Mais dois alemães para o nosso projeto. 12/04/1971. 358 Folha da Tarde. Radiografia de técnicos mostra deficiência da GPA. 29/04/1971. 359 Zero Hora. Ex-Secretário Pergher vai chefiar o projeto da Grande Porto Alegre. 22/04/1971. 360 Entrevista com Danilo Landó. Duração 3h22 min. Local: Porto Alegre. Data: 23/12/2015. 213 permanência dos profissionais citados, todavia, não se estendeu para além de 6 semanas em Porto Alegre. Isso porque sua responsabilidade era bastante precisa: elaborar um relatório, por determinação do Bundesstelle für Entwicklungshilfe/Bfe, para, em junho de 1971, retornarem a Alemanha e apresentar os dados coletados. As empresas envolvidas foram a DpU, por parte da Alemanha, e o GERM que, inclusive, foi criado em função do Acordo. A árdua tarefa de cotejar uma região totalmente desconhecida foi facilitada, nesse primeiro momento, graças ao auxílio dos seguintes profissionais brasileiros: Isaac Zilbermann, Paul Nygaard e Roberto Py da Silveira, além de Danilo Landó, Militão de Morais e Umberto Pergher. O objetivo do grupo era prover: sugestões com elevadas possibilidades de realização para fomentar o desenvolvimento da região nos setores de administração, estrutura espacial e tráfego, a fim de evitar perturbações funcionais da Região Metropolitana por ocasião de um desenvolvimento rápido e desordenado da região-cidade.361 Esse período ficou conhecido como “missão preliminar” e é referenciado tanto por técnicos alemães362 quanto brasileiros. A partir do relatório, o processo de trabalho fixou-se em um calendário de tarefas estruturado em fases temáticas (missão preliminar, orientação objetivos e recursos, orientação estratégica e implementação)363 que, por sua vez, compreendia objetivos específicos: de julho a dezembro de 1971: coleta de dados segundo matemáticos; janeiro a março de 1972: avaliação de informações através de computadores eletrônicos; abril a setembro de 1972: elaboração de estudos; março de 1973: publicação dos resultados. Nesse quesito, observa-se que o projeto esteva em consonância com as diretrizes previstas pelo SERFHAU. Os Termos de Referência organizados pela entidade sugeriam que fossem efetivados estudos preliminares em acordo com o contexto de cada Município, aos quais seriam seguidos de duas fases. Verri explica que: a primeira objetivava o conhecimento do local de intervenção e sua realidade e poderia ser realizada por um escritório privado. Já a 361 Folha da Tarde. Radiografia de técnicos mostra deficiência da GPA. 29/04/1971. 362 O termo foi precisamente adotado no artigo publicado na Revista Baumwelt. ERNST, Rainer; SCHAEDER, WILHELM F. Regionalplannung in Entwicklungsländern – bericht über den Grossraum Porto Alegre. STADTBAUWELT 48. 64 Jahrgang. Deutschland. Dez – 1973. 363 Idem. 214 segunda, correspondia ao momento em que seriam postos em prática os estudos e programas propostos na primeira etapa e deveria ser realizado por equipes da própria administração local. (2014, p. 113) Além de objetivos técnicos a serem cumpridos, o grupo responsável pela missão preliminar assumiu para si a tarefa de: fomentar o desdobramento de uma administração de planejamento que esteja em condições de consignar os interesse se da grande maioria da população, de confrontar efetivamente os interesses de alguns empreendimentos particulares com os interesses da área estatal, fazer cálculos com a escassez geral de mão-de-obra, recursos financeiros e materiais, tendo conhecimento de que a escassez ou a abundância destes recursos nas diversas unidades espaciais são grandezas variáveis sob condições históricas.364 Nesses termos, foi composta uma equipe teuto-brasileira multidisciplinar para elaborar o planejamento da RMPA no intervalo de até 24 meses. Estabeleramse grupos setoriais que reconheceram problemas ligados à economia utilização do solo, tráfego, infra-estrutura, educação, saúde e agricultura365. Destes, selecionou-se aqueles de caráter essencialmente “metropolitano”, ou seja, de interesse de todos os Municípios envolvidos. Reuniu-se, enfim, quatorze “áreas-problema”, por sua vez gerenciadas por oito “grupos-programa”: transporte coletivo, mão-de-obra, poder aquisitivo, recreação, produtividade, abastecimento, distribuição espacial, habitação, educação e informação, saúde pública, estrutura econômica regional, poluição e administração pública O governo do Brasil, além do seu grupo de trabalho, se encarregaria de fornecer um intérprete. Deveriam ser contratos, igualmente, “três secretárias bilíngues, quatro desenhistas técnicos e outros auxiliares”366. À parte os recursos humanos na área administrativa, caberia ao Brasil prover os profissionais envolvidos no projeto com escritórios e equipamentos técnicos, o que incluia, até mesmo, uma aeronave e um barco a motor, caso fosse necessário. 364 Idem. 365 Folha da Tarde. GERM tem projeto que regulamenta áreas metropolitanas. 24/11/1972. 366 Nota-verbal WI III B4-87.50/626, de 1 de dezembro de 1971. Acervo AHMRE/Brasília. 215 A publicação final do PDM, apresentada em 1973 como principal resultado do cumprimento da primeira fase do projeto, lista o nome de 22 peritos estrangeiros, sendo a maioria alemães367, e 37 técnicos brasileiros, entre colaborares, coordenadores e estudantes, cujas filiações profissionais são expostas a seguir. 5.2.2 Agentes e instituições A elucidação do papel de agentes e de instituições é importante não só na medida em que desvelam dados inéditos sobre o planejamento da RMPA como pelas possibilidades que abrem sobre a performance que desempenharam na interposição dos campos político e acadêmico, considerados em perspectiva relacional. Tão logo, informa-se que as equipes reunidas durante a missão preliminar foram reforçadas com a inclusão de novos profissionais. Declarou-se na ocasião que a RFA iria “pedir às firmas de lá para mandar os melhores técnicos que possuem”, tão embora tenha reconhecido que “os brasileiros estão bem preparados, e só não fazem mais porque lhes faltam recursos financeiros".368 Da parte brasileira, o desenvolvimento técnico do trabalho foi supervisionado, na primeira fase, por um grupo eleito pelo CMM e pelo GERM, tendo sido indicado como Diretor-Técnico Danilo Landó, arquiteto e urbanista formado pela UFRGS369, assim como a maioria dos técnicos brasileiros envolvidos. Contando com uma trajetória internacional anterior ao projeto do PDM, Landó realizou Mestrado na prestigiada Southern University California/EUA, no início da década de 1960. O profissional construiu ampla carreira junto ao serviço público, tendo ocupado cargos de liderança em praticamente todas as entidades e secretarias que atuou, tal como na SOP, no GERM, na METROPLAN, na CEDRO e na PLANURB. Além disso, foi professor universitário na UFRGS e na UFSM e criou escritórios de consultoria em planejamento urbano ao lado de outros profissionais do Rio Grande do Sul na década de 1970. 367 O grupo contava com László Czinki, de origem húngara e, também, Rosalind Rutt, inglesa. Outra curiosidade é o fato de que a equipe alemã contratou brasileiros, como Marlene Ettrich. 368 Idem. 369 Além de ter sido dirigido o projeto por parte do Brasil, a biografia de Landó é aqui destacada pois o profissional foi um dos principais depoentes desta Tese. Trata-se, portanto, de um condicionante metodológico da pesquisa, não se descreditando a atuação de outros técnicos, cujo contato não foi possível. O mesmo princípio é válido para os técnicos alemães, cujo profissional entrevistado foi Rainer Ernst. 216 Sua figura está associada à institucionalização do planejamento urbano no Estado e no Brasil, tendo sido o responsável por inúmeras iniciativas na área, inclusive em nível internacional, à exemplo da cooperação com a RFA e da fundação do IBP. Na obra “Nos limites da História: arquiteto Danilo Landó, um homem de visão”, que se trata de uma seleção dos principais estudos e projetos do arquiteto-urbanista, Carlos Ferrugem declarou que “Landó teve e tem ativa participação em entidades de profissionais nacionais e internacionais na sua luta pela valorização profissional”, o que está detalhado ao longo do livro370. Já a parte alemã envolveu, nessa temporada, a DpU, o BfE e universidades técnicas localizadas no oeste do país. O grupo alemão que ganharia notoriedade chegou à Capital em agosto de 1971. Seis novos colaboradores foram enviados a Porto Alegre. A troca de correspondência entre embaixadas revela alguns nomes, como o de Gotz von Borries e Ursula von Borries371, assim como o de Dieter Saack e Renate Sack372, respectivamente técnicos envolvidos no projeto em Porto Alegre e suas esposas, que solicitavam vistos oficiais para permanência no Brasil. O apoio irrestrito à permanência das famílias dos estrangeiros em Porto Alegre não era somete um procedimento casual tratando-se do desenvolvimento de um projeto de longo prazo no exterior mas um componente muito valorizado dentro da cultura alemã. É o que revelou Roberto Py da Silveira que, após concluir sua participação junto a elaboração do PDM, foi convidado para trabalhar junto a AHT, em Essen. Além de sua notável qualificação profissional373, que que era marcada pela internacionalização antes mesmo do Acordo com a RFA, um ponto favorável a sua permanência na Alemanha era, segundo o próprio relatou, o fato de sua esposa possuir ascendência alemã o que, na ótica dos estrangeiros, facilitaria a adaptação de ambos caso convite fosse aceito. Py relatou que: “para eles, o aparato familiar era um ponto imprescindível”374. 370 Consultar, especialmente, a seção “formação profissional” (FERRUGEM, 2011, p. 200). 371 Nota-verbal WIII B4-87.50/S/M/71,1 de outubro, 1971. Acervo AHMRE/Brasília. 372 Nota- verbal WIII 34-83.50/ D9/71, 8 de novembro de 1971. Acervo AHMRE/Brasília. 373 Roberto Py, atual Presidente do CAU/RS, formou-se na UFRGS em 1960 e realizou especialização no Instituto Politécnico Milão, em 1961, e novamente na UFRGS, em 1968. Atuou como professor universitário, em diversas repartições públicas e, também, em escritório particular. Para maiores detalhes, consultar o Apêncide número 1. 374 Entrevista realizada com Roberto Py da Silveira. Duração: 1h 26 min. Local: Porto Alegre. Data: 23/02/2016. 217 Como consequência dessa prerrogativa, registra-se os casos de Volker Peter Rönick375, bem como Gerhard Naschold e sua esposa Astrid Naschold.376 Os profissionais alemães envolvidos na primeira fase do projeto eram majoritariamente representantes da já citada empresa DpU. Tendo sido contratada pelo BfE para a realização do projeto em Porto Alegre, em decorrência de sua atuação consistente na região a partir do projeto Hidrológico no Vale do Rio dos Sinos, coube aos seus dirigentes a seleção dos profissionais. Em sua maioria, não atuavam exclusivamente na firma, mas também no meio universitário. Este foi o caso de Rainer Ernst, arquiteto-urbanista alemão que, ao lado de sua esposa Ingrid Lucia Elisabeth Ernst, obtive carteira especial em 30 de novembro de 1971 para permanecer no Brasil, juntamente Anna Elsa Barbara Karpe e com Hans Karpe377, que se tornaria o chefe alemão do grupo bilateral arranjado. Rainer é um arquiteto-urbanista berlinense com notória carreira tanto na Alemanha quanto no exterior. Formado pela Universidade de Stuttgart em 1968, tão logo adquiriu experiência internacional, no Canadá, característica que marcou toda a sua carreira, considerando-se a sua atuação no Oriente Médio e na África Ocidental. Ernst participou ativamente da reunificação da cidade de Berlim, tendo sido fundador e diretor do Habitat Forum, uma organização sem fins lucrativos voltada ao intercâmbio internacional de experiências no âmbito do desenvolvimento urbano378. No Brasil, além da experiência em Porto Alegre na década de 1970, possui estreitos vínculos com a cidade de Salvador, para onde realizou importantes contribuições na área do urbanismo379. Quando recrutado para o projeto, Rainer atuava na TU Dortmund e, posteriormente, lecionou na Universität der Künste Berlin (Faculdade de Artes de Berlin). De fato, consta que os agentes eram selecionados junto a universidades e mantinham vinculados com empresas de consultoria e/ou aplicação. Conforme o próprio Rainer: Assim chegou no verão de 1971 uma delegação do Brasil visitando esta universidade [TU Dortmund], este departamento. O Sr. Landó, 375 Nota-verbal WIII B4 – 87.50/619/71, 21 de dezembro de 1971. Acervo AHMRE/Brasília. 376 Nota-verbal WIII B4 – 87/679/71, s/d. Acervo AHMRE/Brasília. 377 Nota-verbal WIII B4 - 87-50/618/71 30 de novembro. Acervo AHMRE/Brasília. 378 Há uma entrevista realizada com Rainer Ernst publicada na edição 149 da Revista AU/Arquitetura e Urbanismo (Brasil), de agosto de 2006. Disponível em: http://au.pini.com.br/arquiteturaurbanismo/149/artigo26762-1.aspx. Acesso em março de 2015. 379 Para mais informações, consultar o site do próprio arquiteto: http://www.rainerwernst.de/. 218 que depois se tornou diretor, procurou pessoas em especial que tivessem conhecimento na área, pois ele queria importar uma tecnologia, a mais moderna possível. E e assim chegou essa pergunta para mim, se eu teria interesse em participar deste projeto. Eu era muito jovem, 28 anos.380 Sobre a composição bilateral da equipe e motivação para a realização do PDM, Rainer Ernst contou que: (...) devido a expansão urbanística de Porto Alegre surgiu esta ideia para regular isso com o planejamento, paralelamente com a ideia de criar regiões metropolitanas em todo o Brasil. E então foi assim criado acidentalmente este projeto interdisciplinar, pois estas sete pessoas da Alemanha não tinham experiência nenhuma, não se conheciam nem tinham trabalhado juntos. Estes alemães pesquisavam visitando essas regiões de um a dois meses, e a parte brasileira era composta de umas 50 pessoas. Assim, foi necessário organizar em diferentes grupos de trabalho.381 Destaca-se que, entre os profissionais alemães recrutados para o planejamento da RMPA, três já haviam atuado no Vale do Rio dos Sinos e Caí: Hans Karpe, Gerhard Naschold, Folker Rödnick e Goetz von Gorries. Os técnicos listados separadamente nos quadros números 1 e 2, apêndices a esta tese, compuseram grupos de trabalho temáticos de caráter misto, em concordância com as negociações da equipe brasileira em Bonn. Quadro 1 – Composição bilateral das equipes Militão Ricardo (Coordenador) Danilo Landó (Diretor Técnico) Eng. Umberto Pergher (Dir. Financeiro) Agricultura: Engenheiros agrônomos Gotz Von Borries e Júlio Cesar Volpi Cartografia: Eng. Geógrafo João Cesar Onófrio Centro de Processamento de Dados: Wilhelm F. Schraeder e estudantes Barbara Rosenberg, Carlos Alberto Heuter e Oscar Daudt Neto Planejamento do Espaço Físico: Arquitetos Paul Nygaard e Rainer Ernst 380 Entrevista com Rainer Ernst. Duração: 2h 20 min. Local: Berlin. Data: 03/07/2015. 381 Entrevista com Rainer Ernst. Duração: 2h 20 min. Local: Berlin. Data: 03/07/2015. 219 Infra-Estrutura Técnica e Meio Ambiente: Engenheiros Gerhard Naschold e Isaac Zilbermann Infra-Estrutura Social: Eva Terezinha Garcia de Magalhães e Maya Burger; Geógrafo Volker Ronick e estudantes José Antonio Rodrigues e Paulo Hamester; Econômico-financeiro: Economista Ítalo Danilo Fraquelli e Waldemar Wirsig e estudante Alcides Humberto C. Richter e Dirceu Pedro Schaffer; Tráfego: Engenheiro Dieter Sack, Arq. Roberto Py Gomes da Silveira e estudante Jane Medaglia A prática de contratar profissionais vinculadas a universidades por grandes firmas de engenharia era comum na Alemanha. Tratavam-se de empresas privadas contratadas e/ou associadas ao governo, visto que “os projetos de planejamento regional nos países em desenvolvimento oferecem, sem dúvida um bom quadro para uma política de venda a longo prazo”382. Rainer é autor, ao lado do engenheiro em computação Wilhelm Schraeder, do artigo na Revista Baumwelt, no qual explicaram que: Existem empresas que produzem e vendem equipamentos (instalações) de infraestrutura, especialmente da infraestrutura técnica (...). Tendo em vista que nos países em desenvolvimento não existem as instalações produtoras correspondentes, estas empresas promovem o planejamento e o co-financiamento de instalações da infraestrutura, por meio da ajuda técnica e de capital da RFA.383 No rastro dos centros de ensino referenciais na área de planejamento na Alemanha Ocidental, surgem instituições como a já citada Technische Universität Dortmund (Universidade de Dortmund) e a Karsruhe Universitat (Universidade de Karlsruhe). Tais universidades abrigavam prestigiosos departamentos relacionados ao planejamento urbano e estiveram envolvidas no projeto de planejamento da RMPA, assim como tantos outros em escala global. A TU Dortmund está localizada em cidade homônima no oeste da Alemanha e foi pioneira, na década de 1960, na criação da faculdade de planejamento do espaço que abriga 14 departamentos e um instituto dedicado à área384. O departamento foi fundado em 1969, tão logo seguido do Instituto de Planejamento 382 ERNST, Rainer; SCHAEDER, WILHELM F. Regionalplannung in Entwicklungsländern – bericht über den Grossraum Porto Alegre. STADTBAUWELT 48. 64 Jahrgang. Deutschland. Dez – 1973. 383 Idem. 384 Fonte: http://www.raumplanung.tu-dortmund.de/rp/fakultaet1.html Acesso em outubro de 2015. 220 Espacial, seu órgão central, criado em 1974385. Atualmente, a instituição se declara a maior escola de urbanistas e planejadores da Europa “a julgar pelo número de alunos e a variedade dos temas”. Foi de lá que partiram alguns dos técnicos alemães mais engajados no projeto de planejamento da área metropolitana de Porto Alegre, como Wilhem Schraeder e, também, onde Hans Karpe constituiu sua carreira como chefe de departamento. Papel semelhante foi exercido pela KIT, considerada a a primeira universidade tecnológica da Alemanha e local de abrigo do importante centro de planejamento urbano. Foi o departamento de Karlsruhe o responsável pela tarefa de avaliar para o BfE o impacto do PDM. Karlsruhe foi o local de origem de Hans Karpe, um dos nomes mais expressivos dentro do projeto do PDM, tendo em conta a sua atuação no projeto do Rio dos Sinos e o cargo de liderança na elaboração do PDM. A cidade, outrossim, foi o destino de Isaac Zilberman, um dos técnicos brasileiros que estudou na Alemanha por conta do convênio com aquele país. O engenheiro realizou estágio junto ao Institut fur Siedlungswasserwirtschaft, sob orientação de Hermann Hahnn, entre 1973 e 1974. O tópico do seu estudo não se distanciava das matérias do PDM e estavam relacionadas às constantes cheias do Rio Gravataí. A problemática assolava, constantemente, a cidade de Canoas, Município ao qual parte da extensa carreira do técnico esteve vinculada. De acordo com Isaac, o modelo adotado no Brasil foi proveniente daquele utilizado junto ao Rio Neckar, um dos principais afluentes do Rio Reno, na Alemanha. Ele revela detalhes sobre a questão, relevante sob o ponto de vista de troca de conhecimentos e práticas entre os países envolvidos: Aplicaram o modelo do Rio Neckar ao Gravataí com todas as adaptações. Olhando após, não reconhece. À época os computadores eram de cartão, rodavam na central e no dia seguinte te devolviam. Mexia-se em alguma variável e assim por diante. (...) Lá na Alemanha eles não tinham conhecimento da barragem hídrica. O Jacuí subia e a água do rio formava uma barragem para o Gravataí, que ficava preso até chegar em uma altura e inundava, pois a água voltava. La eles não conheciam e, aqui, só no Rio de Janeiro se conseguiu decodificar. Hoje é comum, mas na época foi uma descoberta (...)386 385 Fonte: http://www.irpud.raumplanung.tu-dortmund.de/irpud/de/tasks/. Acesso em outubro de 2015. 386 Entrevista realizada com Isaac Zilberman. Duração: 1h 38 min. Local: Porto Alegre. Data: 03/12/2015. 221 Na mesma direção, é válido registrar a partir do indício fornecido por Verri (2014, p. 222), que a insituição do Sistema de Desenvolvimento Regional e Urbano/SISDRU, contou com a consultoria da Systemplan, empresa da cidade de Heidelberg387, o que é confirmado por documentos produzidos sob guarda da KIT, referentes à análise de novos conceitos de urbanismo e ordenamento do território nos países em desenvolvimento.388 No relatório da SOP, além da Systemplan, são citadas a Universidade de Paris, o SERFHAU, o IBG e o INPE389. Tal como os profissionais alemães, os técnicos brasileiros envolvidos no projeto de planejamento da RMPA eram provenientes do meio acadêmico. A equipe estava centralizada junto a UFRGS, onde atuavam na condição de professores, colaboradores e alunos vinculados ao Programa de Pós-Graduação em Planejamento Urbano e Regional/PROPUR. Também a PUCRS participou, em escala mais reduzida. A universidade foi representada por dois engenheirosprofessores: Enio José Verçoza, Diretor da Escola Politécnica, e Fernando Gonzaléz. 390 O PROPUR desempenhou papel pioneiro no contexto de institucionalização do planejamento urbano no Brasil. Foi criado em 1970, envolto na programa nacional de promoção de Mestrados e Doutorados do Ministério da Educação e da Cultura. O Programa uniu-se aos programas correlatas que existam na Universidade Federal da Bahia/UFBA e na Universidade de São Paulo/USP. Segundo Francisconi (2002, p. 75): O nascimento do PROPUR reunia o pensamento dos antigos professores do curso de Urbanismo – formados no urbanismo francês – com aqueles mais recentemente chegados do exterior, alguns com formação de urban planner saxônio. Ao lado havia professores de outras faculdades do campus e outros chegados de outras universidades brasileiras. 387 Não foram localizados documentos que vinculem o PDM a Universidade de Heidelberg, não excluindo-se, no entanto, esta possibilidade por completo. 388 SYSTEMPLAN. Systemanalyse neuer Stadtbaukonzepte. Ashcnitt II. Heidelberg: Institut für Umweltforschung und Entwicklungsplannung. Nov. 1973; SYSTEMPLAN. RegioalPlannung in Entwicklungsländern. Anforderungen am einem neuen Typ von Projekten der Technischen Hilfe – dargestellt im Rahmen einer Wirkungsbeobachtung der Regionalplannung für den Grossraum Porto Alegre/Brasilien. Heidelberg: dec. 1974. 389 Secretaria do Desenvolvimento Regional e Obras Públicas. Relatório de atividades de 1973, p. 9. Acervo Arquivo SOP, Porto Alegre, p. Acervo SOP Porto Alegre. 390 Folha da Tarde. PUC e o GERM. 28/04/2015. 222 O Programa reuniu, em sua origem, professores da Faculdade de Arquitetura da UFRGS, por sua vez criada em 1952 a partir da junção dos cursos de Arquitetura, vinculado a Faculdade de Belas Artes, e do de Engenharia, ligado a Escola homônima. As linhas de compromisso iam ao encontro da promoção do planejamento urbano no Brasil como o planejamento do desenvolvimentismo. O mesmo autor destacou entre os objetivos do PROPUR: i) criar um saber nacional para melhorar as condições de vida das metrópoles e das cidades; ii) produzir novas metodologias que incluíssem a questão ambiental; iii) promover o desenvolvimento e melhorar a qualidade de vida; iv) reduzir as disparidades sociais e regionais (FRANCISCONI, 2002, p.75). Sendo a única entidade acadêmica da região sul vinculada ao planejamento, o PROPUR agrupou técnicos vinculados aos órgãos públicos locais e ao campo acadêmico, ratificando o processo de profissionalização de arquitetos, geógrafos e engenheiros, que ganhava novos contornos no Brasil. Reconhecendo tais dados, foi possível descobrir uma complexa rede institucional montada em prol da execução do PDM, passível de ser aprofundada a partir de informações compartilhadas pelos profissionais estrangeiros envolvidos no projeto. O depoimento de Jan Taaks, economista formado na Universidade de Bonn que participou da elaboração do PDM, evidencia o cruzamento entre a esfera pública (acordos de cooperação técnica), privada (empresas de execução) e técnica (universidades). Ele conta que: alguns dos especialistas foram recrutados por DpU das universidades, alguns eram membros do pessoal da DpU ou Agrarund Hydrotechnik (AHT) com experiência em suas respectivas áreas de especialização.391 Mais uma vez, vem à tona um ponto de discussão que perpassa diversas seções da presente Tese: as supostas vantagens econômicas da execução de obras em países estrangeiros, a despeito da prerrogativa inserida junto ao Programa Nacional de Cooperação Técnica do Brasil, que informava que a prática deveria: 391 Entrevista realizada com Jan Taaks, por e-mail. Local: Alemanha (Berlim/Essen). Data: 11/07/2015. 223 ser dirigida, principalmente, para a criação ou fortalecimento de instituições nacionais, a fim de permitir, por um lado, a multiplicação dos benefícios recebidos através da ação dessas instituições, e, por outro, a dispensa gradativa dessa cooperação no setor contemplado.392 Estando o acordo envolvido em meio a interesses privados, é natural inferir que práticas condicionadas a sua existência atendessem a demandas de empresas particulares alemãs, como no caso do oferecimento de um trem “que anda em campo magnético”393, a ser implementado na Região Metropolitana, o chamado Transurban. A novidade havia sido oferecida por Herman Görgen, Presidente da Sociedade Teuto-Brasileiro e do Centro América Latina, de Bonn, em reunião com Jorge Englert. Sobre o assunto, Jacob asseverou que: no que diz respeito a interesses de empresas, certamente a cooperação entre dois países apresenta dificuldades peculiares; mesmo na interação Universidade-Empresa em um só país existem problemas de sigilo: a Universidade, especialmente a pública- deve colocar os resultados da pesquisa nela realizada a serviço do bem comum, não favorecendo determinadas empresas privadas. (2003, p. 58) Nessa direção, o limiar entre a cooperação técnica e a concessão de facilidades para a atuação de empresas e/ou disponibilidade de produtos de origem alemã no Brasil era tênue. Ernst e Wilhelm destacaram que “as empresas alemãs de consultoria também desenvolvem um interesse comercial próprio (distribuição equilibrada da capacidade de pessoal, aumento das transações) ”394. Em depoimento obtido em 2015, Rainer ressaltou que não se envolveu em outros projetos da DpU devido às suas motivações intelectuais. Sobre essa empresa, Ernst diz que: (...) era um órgão de planejamento de uma empresa de ferro aqui da Alemanha. Foi muito estranho isso, ficou demonstrado o interesse dessa grande companhia por grandes tarefas de infraestrutura no Rio dos Sinos. (...). Nesta época toda a discussão de cooperação foi um grande balão de discussão pública (...).395 392 MINIPLAN. Programa Nacional de Cooperação Nacional Técnica. Apresentado ao Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento. 1972-1976. 1973, p. 17. Acervo IAI Berlin. 393 Correio do Povo. Alemão oferece trem que anda em campo magnético. 09/05/1973. 394 Entrevista com Rainer Ernst. Duração: 2h 20 min. Local: Berlin. Data: 03/07/2015. 395 Idem. 224 Seu conceito de planejamento, notório por estar vinculado a uma concepção social do espaço, que o tornou conhecido em décadas subsequentes na Alemanha e em nível internacional, foi por ele nomeado de “filosofia de trialética”: pensar, atuar e sentir396. Nessa direção, Rainer justifica que, à despeito de convites posteriores feitos pela DpU, não desejou vincular o seu nome ao tipo de projeto desenvolvido pela empresa. Segundo ele: A discussão sobre o planejamento regional e o planejamento integrado foi muito atual na Alemanha e eles pensavam em entrar neste campo, uma nova área de ação, mas eu queria entender de onde vinha este projeto, o sentido disto. Essas empresas se interessavam pela novidade em si, inclusive fizeram a mim, só a mim, convites e propostas de trabalho, muito bem remuneradas, praticamente o dobro do que eu ganhava como professor, mas a consequência seria entrar em um campo sem definição, como o planejamento na África por exemplo.397 Em outro momento, o arquiteto minimizou as possíveis vantagens econômicas dessas empresas na região em prol da valorização do conhecimento técnico: O benefício econômico era muito pouco, isso para mim também foi uma surpresa. Eu pensava, nesta época, que esse interesse de fato seria bem mais forte, mas esses processos informacionais eram muito mais. O consulado e a embaixada tinham um interesse, eu novamente achei muito estranho, pensava por que nosso governo estava gastando tanto dinheiro (...)398 É sabido que a participação de empresas alemãs foi firmada através de contratos e não houve embates diplomáticos, sendo um projeto de cooperação técnica sem produção de tecnologias e produtos passíveis de disputa de patente. De qualquer sorte, uma interrogação se impõe: por que departamento universitários recém estruturados e empresas de engenharia priorizaram a realização de estudos em um país latino americano? O interesse, afinal, foi identificado na própria origem do projeto e foi determinante para a sua aprovação. Conforme Landó, que participou das negociações: 396 O arquiteto possui diversas publicações, das quais ressalta-se aqui: ERNST, Rainer. StadtRaum Strategie. [Hrsg. Kunsthochschule Berlin-Weißensee]. Edition StadtKultur. Berlin: REGIOVERLAG, 2006. 397 Entrevista com Rainer Ernst. Duração: 2h 20 min. Local: Berlin. Data: 03/07/2015. 398 Idem. 225 Conseguimos montar em cinco dias o projeto com o pessoal da DpU, mas trancava por causa da liderança. Daí veio o presidente da empresa [a DpU]. O negócio dele era fazer o contrato com o governo. Eu disse para: se nós não fecharmos o acordo vocês perdem o contrato. 399 Nessa direção, uma das justificativas está na percepção de planejamento vigente, que priorizava ações internacionais, especialmente em países considerados de “terceiro mundo”. Dentro desse âmbito, a Embaixada da República Federal da Alemanha informou que a GAWI proporcionou, de 28 de julho de 1970 a 20 de agosto de 1970, um Seminário Internacional sôbre "Planejamento Integrado de Projetos de Irrigação" em Berlim, exclusivamente para participantes latinoamericanos.400 Como justificativa, lê-se que: No decorrer do Seminário será comprovado, através da palestra entre especialistas latino-americanos, alemães e internacionais, por um lado, até que ponto as experiências adquiridas podem contribuir para uma melhora do grau de eficiência dos projetos de irrigação existentes, e por outro, tentar elaborar uma base objetiva para o planejamento de futuros empreendimentos na América Latina (grifo meu)401 Não menos importante, está o caminho indicado por investigação que extrapola o campo do planejamento urbano. Uma hipótese pode ser delineada com base na proeminência de instituições do Estado da Renânia do Norte-Vestfália na participação no projeto de cooperação técnica. Com exceção da KIT, localizada no Estado de Bade-Vurtemberga (Baden-Württemberg), a maior parte das instituições vinculadas ao Acordo de Cooperação Técnica são provenientes daquele Estado, incluindo o Bureau Internacional do Centro de Pesquisas Atômicas Jülich, a Bayer e o Centro de Birlinghoven, essas três últimas atuantes no Acordo Nuclear com o Brasil. Ao ponderar o contexto econômico por volta da década de 1960, é digno de referência o fato dessa região da Alemanha ter sofrido com a chamada crise do aço e do ferro à época, associada à recessão de 1966-1967 (FULBROOK, 2016, p.235). 399 Entrevista com Danilo Landó. Duração 3h22 min. Local: Porto Alegre. Data: 23/12/2015. 400 Nota-verbal WI III B2 - 87/ 210/70 de 21 de maio de 1970. Acervo AHMRE/Brasília. 401 Idem. 226 Vale registrar, nesse momento, os depoimentos de Roberto Py e Rainer Ernst, que frisaram que a DpU era ligada a Ferrer, um grande complexo ferro na Alemanha em seus depoimentos. Nesses termos, uma hipótese que justifica o projeto, entre outras, é a que argui os investimentos em nível internacional dessas empresas em busca de sua recuperação comercial. Os indícios prosseguem e o caso de TU Dortmund é exemplar: a própria criação da universidade, em 1968, foi um fator de impulso econômico a região do Reno. Essa era a área de atuação da DpU, por sua vez relacionada com a Agrar und Hidrotechnik, que executou o plano hidrológico no Vale do Rio dos Sinos. Outro elemento que reforça essa perspectiva é o fato da GTZ, que na segunda fase esteve envolvida no projeto, apresentou um capítulo exclusivo dedicado à exploração do aço e de ferro no Brasil, em um compêndio sobre as ações da entidade do Brasil402. É válido destacar que as ações da DpU e a AHT no Vale do Rio do Sinos foram proeminentes em momento anterior a um Decreto assinado pelo presidente brasileiro Costa e Silva, em 1969, que indicava que somente estavam aptas a contratação empresas estrangeiras na área de engenharia “nos casos em que não houver empresa nacional devidamente capacitada e qualificada para o desempenho dos serviços a contratar”403. Em outras palavras, o Decreto criou uma reserva de mercado para as empresas de engenharia nacionais que, a partir de vantagens como a citada, passaram a trabalhar em coordenação com as autarquias regionais. Segundo Campos: através da implantação de uma infraestrutura regional e realização de obras, havendo em geral preferência para empreiteiras locais, o que correspondia aos interesses organizados e alojados nos nessas instituições e às próprias diretrizes das políticas que norteavam a ação desses organismos, dado que elas intentavam fortalecer as empresas da região. (2012, p. 111) Os interesses não partiam unicamente da Alemanha: em depoimento sobre sua participação do projeto, o arquiteto Roberto Py da Silveira contou que um dos principais articuladores do Acordo, em 1963, foi Egydio Michaelsen, à época no 402 GTZ. Dokumentation über die deutsche technische Zusammenarbeit mit Brasilien Erschienen. Eschborn: Deutsche Ges. für Technische Zusammenarbeit, 1981, p. 45. Acervo IAI Berlin. 403 Decreto 64.345, de 10 de dezembro de 1969. 227 comando do Ministério da Indústria e Comércio. Egydio ocupava, naquele momento, um cargo político federal estratégico. Sua carreira, no entanto, foi proeminentemente ligada a São Sebastião do Caí, cidade onde nasceu e, também, foi Prefeito por quase uma década (1935-1944)404. Pode-se supor, tendo como substrato essas informações, que os primeiros frutos do Acordo tenham sido realizados junto ao Vale do Rio dos Sinos e ao Vale do Caí devido a essa rede de negócios e conexões405, que em determinados momentos favoreceram tanto ao Brasil quanto a Alemanha, se considerados a partir de suas instituições. A indução provável é a de que o governo alemão estaria investindo no Rio Grande do Sul devido ao seu histórico vínculo do Estado com a Alemanha. De fato, tal característica não deve ser desprezada – tanto pela tradição vinculada à colonização, quanto pela presença de empresas daquele país na região – mas, a título de problematização, é necessário sopesar outros os projetos mantidos pelos alemães no país. De acordo com a análise das correspondências entre embaixadas, foram desenvolvidos projetos em diversas regiões do Rio Grande do Sul por meio de ajustes complementares ao Acordo de Cooperação Técnica de 1963, direcionados a regiões de colonizações alemã tanto quanto a outras localidades. Conforme sistematizou-se abaixo: 1) NOVA PETRÓPOLIS: Cooperativa Agropecuária Petrópolis Ltda. Ajuste complementar de 16 de janeiro de 1969. 2) VALE DO RIO CAÍ/RS: Contenção das cheias no Vale do Rio dos Sinos e Caí. Ajuste complementar de 24 de outubro de 1969. 3) COLÔNIA NOVA BAGÉ/RS: Cooperativa Agrícola Mista Aceguá Ltda: Ajuste complementar de 2 de julho de 1969. 4) GUAÍBA/RS: Instituto de Pesquisas Veterinárias Desidério Finamor, Ajuste complementar de 10 de março de 1969. 404 Para mais informações sobre a biografia de Egydio Michaelsen, consultar: Dicionário Histórico Biográfico Brasileiro pós 1930. 2ª ed. Rio de Janeiro: Ed. FGV, 2001. Trechos disponíveis on-line: https://cpdoc.fgv.br/producao/dossies/Jango/biografias/egidio_michaelsen. Acesso em fevereiro de 2016. 405 Posteriormente, o engenheiro responsável pelo projeto no Vale do Caí, Hens Collings, participou de algumas reuniões com seus conterrâneos, por ocasião do planejamento da RMPA. 228 5) PORTO ALEGRE/RS: Comitê de Promoção Rural do Rio Grande do Sul. Ajuste complementar de 1 de março de 1970. 6) ENCANTADO/RS: Cooperativa Agrícola. Ajuste complementar de 21 de abril de 1970. A heterogeneidade de regiões contempladas se estende, quando são prestigiados alguns dos ajustes e convênios efetivados em escala nacional. Dentro desse prisma de reflexão, a cidade de Joinville/SC, famosa quanto ao seu vínculo com a Alemanha, é cotejada em meio a outras cuja origem não está diretamente relacionada com o país406. Com efeito informou-se através de nota que os funcionários da DpU chegaram ao Brasil em 5 de janeiro de 1972: Oskar Wahnschaft (Coordenador do grupo), Reinhard Helmeklau (Perito em Ciências), Gerhard van Disser (Engenheiro), Michael Raczynsky (Agrônomo), Achim Schrader (Educador), Rudolf Huber (Delegado da Associação Ibero-Americana) para cumprimento da missão chamada “Planejamento Regional do Nordeste”407. Por um lado, isso se deve à precária condição da região mas já foi dito que esse investimento foi feito visando conter o fortalecimento das Ligas Camponesas na área, entendidas como potencialmente revolucionárias (BANDEIRA, 1994, p. 167). Os pontos de vista arrazoados endossam que o projeto de planejamento da RMPA, apesar de estar vinculado a trajetórias individuais de agentes envolvidos de notável atuação nas repartições públicas locais, esteve fundamentalmente conectado à ação de entidades e empresas multinacionais, cuja esfera dialoga com o contexto global em voga. 406 Pode-se citar os seguintes convênios completares, à título de exemplo: 1) Instalação de uma escola técnica industrial em São Bernardo do Campo, em São Paulo/SP, 1963; 2) Promoção de colonização agrícola (Cooperativa Colonizadora Pindorama, em Cururipe/Alagoas, 1964; 3) Promoção de medicina tropical (Instituto De Medicina Tropical Da Universidade De Recife); 4) Promoção de pesquisas geológicas, hidrológicas e cartográficas (Missão Geológica) em áreas diversas do Brasil, indicadas pela SUDENE. 407 Nota-verbal WIII B4-87/682/71.s/d. Acervo AHMRE/Brasília. 229 5.2.3 A publicação do Plano de Desenvolvimento Metropolitano: circulação de ideias e saberes Uma vez cumprida a elaboração do PDM, delegou-se à Universidade de Karlsruhe a tarefa de avaliar para a BfE o projeto. Complementando as produções organizadas pela RFA por conta do planejamento da RMPA, foi lançada, então, uma publicação408 preparada junto ao histórico Departamento de Arquitetura da Forschungszentrum Karlsruhe (Centro de Pesquisa de Karlsruhe) 409, hoje Institut für Technologie/KIT410 (Instituto de Tecnologia de Karlsruhe). Não muito tempo antes, em dezembro de 1973, a Revista Baumwelt havia editado o artigo de Ernst e Schaeder. Tais documentos agregam perspectivas elementares sobre o planejamento da RMPA, ao lançarem luz sobre versões confecionadas por parte do grupo alemão quanto à participação no projeto brasileiro. A Baumwelt reporta-se ao meio acadêmico; já o relatório encaminhado ao BfE presta contas aos investimentos feitos pelo poder público. A primeira citada dialoga com a comunidade científica e tem por base depoimentos dos participantes do projeto, o que permitiu uma liberdade narrativa e de conteúdo ampliada. A segunda é uma realização oficial, de caráter avaliativo, dirigida ao governo alemão em modelo de parecer. Por parte do Brasil, o projeto foi concluído a partir relatórios e, notadamente, pelo lançamento dos produtos finais da tarefa desempenhada. Em março de 1973 os primeiros resultados do trabalho em conjunto da equipe mista teuto-brasileira foram publicados: 1) Plano Básico de Planejamento da Região Metropolitana de Porto Alegre/PDM, composto por três volumes; 2) Termos de Referência, para os Municípios da RMPA lançarem seus respectivos Planos Diretores. O confronto entre produções de diferentes naturezas e provenientes dos dois países envolvidos no planejamento é analiticamente pertinente pela digressão que estabelece quanto aos próprios objetivos do projeto e pelo sentido que a 408 Institut für Regionalwissenschaft der Universität Karlruhe. Stellungagme zum Projekt: Regionalplannug Porto Alegre/Brasilien: ausgearbeitet von der Projektgruppe “Porto Alegre”. Karlsruhe, 1974. Acervo KIT/Karlsruhe Archiv. 409 Para mais informações sobre consultar: http://www.arch.kit.edu/english/fakultaet/332.php. Acesso em outubro de 2015. A Faculdade possui um arquivo especializado. Informações podem ser obtidas através do endereço: http://www.saai.kit.edu 410 Fonte: http://www.arch.kit.edu/institute/iesl.php Acesso em outubro de 2015. 230 proposta adquiriu no contexto de cooperação internacional travado entre Brasil e Alemanha. O relatório ao BfE é relevante pois agrega um olhar retrospectivo por parte dos alemães ao projeto de Porto Alegre. Uma de suas partes é exclusivamente dedicada à fase de execução do projeto, um dos pontos de maior preocupação por parte do grupo de Karlsruhe. Logo na apresentação, o “Planejamento Regional Porto Alegre" é referenciado como o primeiro de seu tipo a promover “os rumos da assistência técnica do governo federal alemão”411. A publicação é dividida nas seguintes seções: 1) Requisitos para o planejamento; 2) Necessidade de um sistema de planejamento integrado e global; 3) Análise e avaliação dos resultados e recomendações;) A análise dos resultados de planejamento em termos do caráter do programa 5) Metas (BRD, Brasil, GERM); 6) Avaliação crítica. Entre os profissionais envolvidos, somente o nome de Waldemar Wirsig, economista que trabalhou na elaboração do PDM e citado nas trocas de correspondências entre os governos, é reconhecido412. O planejamento proclamado não se tratava simplesmente de ordenar o território, mas de prover a região de recursos sociais e econômicos induzido por meio da interferência urbanística: o ato de planejar deveria considerar diversos elementos que, integrados, conduzissem a um padrão de desenvolvimento específico. Ou seja: o elemento urbano não era notado como uma categoria extra, mas, antes, como o meio econômico e social materializado via “metas de ação econômica, social, tecnológica, institucional e administrativa”. O posicionamento eminentemente pragmático e concernente a um objetivo-fim, nesse caso, o desenvolvimento regional, está expresso em outros trechos, tal como o reproduzido a seguir: Ordenamento do território é uma intervenção deliberada, com base em um conhecimento racional mínimo das condições socioeconômicas para uma região e suas leis, (...) o "ordenamento do território" determina as prioridades, escolhendo o tipo de desenvolvimento da região (...) e propõe soluções para tensões e 411 Institut für Regionalwissenschaft der Universität Karlruhe. Stellungagme zum Projekt: Regionalplannug Porto Alegre/Brasilien: ausgearbeitet von der Projektgruppe “Porto Alegre”. Karlsruhe, 1974, p. 6. Acervo KIT/Karlsruhe Archiv. 412 Os outros técnicos eram os seguintes: Peter Bratzel, Jorge A. Catoggio, Manlio Gioscio, Bernd Haussmann. 231 conflitos que interferem com a realização dos objetivos préselecionados, retardar ou impedir.413 Posicionamento semelhante é possível de ser identificado no artigo da Revista Baumwelt, em trecho no qual os autores se empenham em diferenciar os tipos de planejamento plausíveis, entre os quais são citados: estudos regionais complementares; projetos de desenvolvimento regional integrado; planejamento setorial para uma região; planejamento global para uma região; planejamento regional no sentido restrito; planejamento regional supranacional; planejamento regional nacional, entre outras diferenciações. Segundo os profissionais, a categoria aplicada a Porto Alegre no caso do projeto de cooperação teuto-brasileira foi a de “planejamento global para uma região”, esclarecido conforme as palavras abaixo: o desenvolvimento econômico, como também no tocante as condições sociais, devem ser elaborados em programas que possuam um relacionamento mútuo significativos. Um dos pressupostos para o planejamento regional no sentido acima mencionado é que seja de envolvido um padrão de planejamento semelhante em nível nacional e nas regiões adjacentes.414 Em consonância, o relatório de Karlsruhe defendeu o ordenamento territorial direcionado a um tipo específico de desenvolvimento, informando que um plano nesses moldes: oferece a possibilidade de um quadro global para todos os setores, mesmo se o nível de detalhes for significativamente menor. Uma vantagem deste tipo de resultados, contra os do "plano setorial", é que ele permite a "integração" dos futuros planos setoriais, dando o enquadramento, que limita o âmbito de aplicação destes planos. 415 Um plano de desenvolvimento global, no entanto, mesmo que buscasse integrar diversos domínios, reconhecia disparidades e níveis de influência de determinados elementos sobre outros em uma região delimitada: 413 Institut für Regionalwissenschaft der Universität Karlruhe. Stellungagme zum Projekt: Regionalplannug Porto Alegre/Brasilien: ausgearbeitet von der Projektgruppe “Porto Alegre”. Karlsruhe, 1974, p. 13. Acervo KIT/Karlsruhe Archiv. 414 ERNST, Rainer; SCHAEDER, WILHELM F. Regionalplannung in Entwicklungsländern – bericht über den Grossraum Porto Alegre. STADTBAUWELT 48. 64 Jahrgang. Deutschland. Dez – 1973. 415 Institut für Regionalwissenschaft der Universität Karlruhe. Stellungagme zum Projekt: Regionalplannug Porto Alegre/Brasilien: ausgearbeitet von der Projektgruppe “Porto Alegre”. Karlsruhe, 1974, p. 8. Acervo KIT/Karlsruhe Archiv. 232 Desde que a demarcação da região foi determinada com o propósito de planos, por afinidade, em algumas características, são aceitos pelo menos características espacialmente dependentes. "Planejamento do desenvolvimento" é uma tarefa cuja complexidade permanece inalterado independentemente do objeto do plano. (...) O pressuposto básico é que alguns setores têm maior influência sobre o desenvolvimento da região. Este pressuposto justifica o planejamento parcial destes setores. 416 O ponto de partida para a preparação de um plano de desenvolvimento era a identificação de empecilhos a sua realização. Nesse sentido, sabe-se que foi concebido um catálogo de problemas “sob orientação de um expert em sistemas de objetivos da RFA, para desenvolver uma hierarquia de objetivos e medidas consistente entre si.”417 O documento apontou cinco programas de ação prioritários: localização industrial, habitação, recreação, transporte coletivo e poluição. A ideia de pontuar problemas, tal como em um diagnóstico, advém, parcialmente, da tradição urbanística uruguaia, a qual os técnicos sul rio-grandenses mantinham forte contato desde a década de 1940 e a qual os técnicos alemães não deixaram de referenciar em sua análise sobre a região. Dentro da perspectiva de circulação de ideias e saberes, esse tipo de concepção tem ligação com o comprehensive planning, de origem anglo-saxônica, desenvolvidos dentro de uma abordagem sistêmica dos setores que compõem a administração (SOUZA, 2014, p. 209) e, com destaque, com os quatro pontos promovidos no CIAM, em 1933, qual sejam: o habitar, o trabalhar, o recrear e o circular O relatório dialoga com o programa de Bases para Política Nacional de Desenvolvimento Urbano, de 1965, e evidencia as referências estrangeiras enfatizando que para o caso dos “países subdesenvolvidos”, é necessário ampliarse o conceito de comprehensive planning, qual seja, “não apenas contar com o poder público, mas, também, orientador o setor privado”. Isso seria feito através de um “reconhecimento de recursos naturais e humanos do conjunto da região onde o plano seria elaborado e considerar o arcaísmo das estruturas administrativas 416 Idem, p. 14. 417 Ibidem, p. 16. 233 locais”.418 Nesses termos, quatro domínios básicos careciam de prioridade na agenda: econômico, social, físico-territorial e institucional. Esse foi o modelo adotado no planejamento da RMPA que, após a publicação de Plano Básico viria a lançar, na segunda fase do projeto, os chamados “planos setoriais”. No relatório apresentado por Danilo Landó, foi registrado que os serviços de planejamento deveriam envolver-se dentro da seguinte estrutura: 1) preparação do plano básico, contendo todos os dados sobre os problemas da Região Metropolitana; 2) criação de planos específicos sobre os transportes e o abastecimento; 3) montagem de uma coordenação entre os diversos órgãos que trabalham com uma área e, finalmente, a criação de um Centro de Dados. O objetivo era coletar e manter informadas todas as entidades da área metropolitana sobre nós como dados físicos e sociais. 419 Como principal diferencial de projetos anteriores, estava o caráter integrado do PDM, sustentado a partir da noção de “metropolização”: Porto Alegre foi pensada para além de duas fronteiras, enquando locus de influência e expansão. Outra singulariedade foi o recorte temporal: o planejamento foi concebida a longo prazo, incluindo projeções da região para o ano 2000420. Três unidades foram cotadas: a área metropolitana como um grande município; cada município em sua particularidade e, enfim, a unidade censitária que serviu de base para a organização do projeto. Tal ângulo não deixa de revelar o corpo de profissionais envolvidos no projeto, formado por arquitetos e urbanistas, economistas, geógrafos e agrônomos. No domínio nacional, a divulgação do PDM foi feita, a curto prazo, por meio de reuniões com os prefeitos das cidades componentes do CMM e, sequencialmente, através de uma série de eventos especializados, que contaram com a participação dos técnicos estrangeiros. Durante o “Encontro Regional de Áreas Metropolitanas/Sul”, em 1971, por exemplo, os alemães participaram efetivamente, proferindo palestras ao lado dos brasileiros sobre temas como uso do solo, inter-relações, economia, tráfego, 418 BRASIL. BNH/EPEA. Desenvolvimento Urbano no Brasil. Bases para a formulação de uma política nacional de desenvolvimento urbano e para a implantação de um Sistema Nacional para o Planejamento do Desenvolvimento Local Integrado. Brasília: BNH/EPEA, 1965, p. 21. 419 Folha da Tarde. “Porto Alegre será atacada em várias frentes”. 31.03.1971. 420 Jornal do Comércio. Grande Porto Alegre no ano 2000 terá três milhões de habitantes. 19/05/1973. 234 agricultura, infraestrutura social e habitações”.421 Em março de 1972, um dos técnicos alemães, dentro do programa de seminários promovido internamente pelo GERM para discussão dos problemas da RMPA, apontou como grave problema à saúde pública as condições do mercado hortigranjeiro da Feira Livre de Porto Alegre. 422 Como um contraponto, Militão de Morais Ricardo foi a Alemanha em junho de 1971 exibir um relatório sobre as atividades do projeto em Porto Alegre. Na mesma ocasião, declarou manter contatos com os órgãos metropolitanos de Paris, Londres e Miami, dado que clarifica ainda mais as redes internacionais de influência almejadas.423 Já no final do mês de março de 1973 ocorreu, concomitante ao lançamento do PDM, o “Seminário para Explanação do Plano Básico da Região Metropolitana”, a partir do patrocínio da CMM. Neste evento, os técnicos Danilo Landó, diretor-técnico do GERM, e Maria da Graça Silveira, engenheira responsável pelo setor viário, efetuaram explanações. O técnico alemão Jan Taaks articulou palestra sobre a “hierarquia dos centros urbanos da RMPA”. Não muito tempo depois, uma exposição inteiramente dedicada à Grande Porto Alegre ocorreu na Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul424. A divulgação do lançamento do PDM contemplou, igualmente, o Vale do Rio dos Sinos: consta que os técnicos apresentaram o Plano Básico na FEEVALE, em setembro de 1973.425 O “Seminário de Prefeitos de Capitais” aconteceu entre os dias 05 e 09 de fevereiro de 1973, em Garanhuns, no Estado do Pernambuco. Na ocasião, Danilo Landó representou o GERM em conferência sobre o tema "Instrumentos de ação para a implantação do planejamento urbano"426. O evento foi paralelo ao “Seminário para interventores Municipais”, que ocorreu em Porto Alegre em 1968, e com o subsequente “Seminário para Prefeitos”, patrocinado pela SUDESUL junto as cidades de Porto Alegre, Florianópolis e Curitiba, em 1969. Tais eventos indicam a importância delegada à escala municipal, valorizada pela existência de instituições como o SENAM e o IBAM e que, nessa nova fase, buscava dialogar com outros níveis governamentais. 421 Folha da Tarde. Áreas Metropolitanas tiveram dois dias de debates. 9/12/1971. 422 Folha da Tarde. Grande Porto Alegre. 2/03/1072. 423 Zero Hora. “Relatório do GERM levado à Alemanha”. 29/06/1972. 424 Folha da Tarde. GERM mostrará seus trabalhos na Assembleia. 03/07/1973. 425 Diário de Notícias. Técnico do GERM explica Plano Básico na FEEVALE. 02/09/1973. 426 Zero Hora. 05/02/1973. 235 Os eventos não estiveram restritos ao âmbito local e se sucederam em diversas regiões do Brasil, endossando encontros que vinham sendo realizados desde a década de 1960 no país427. Em 1974, ocorreu o Encontro de Planejamento da Região Sul, patrocinado pela SUDESUL, em Porto Alegre. A reunião foi procedida por eventos como o Seminário Internacional de Desenvolvimento Urbano ( Rio de Janeir, 1973) com patrocínio do BNH e pelo Seminário de Política Urbana do Rio Grande do Sul (Porto alegre, Capital do Estado, 1972).. O projeto que resultou no PDM foi revelado, além disso, na Alemanha. Consta que um grupo de técnicos brasileiros participaram de um congresso exclusivamente organizado para expor os frutos do convênio bilateral. Roberto Py da Silveira contou que permaneceu na Alemanha por três meses antes da ocorrência do ato, afim de preparar a apresentação do Plano. Segundo o arquiteto, o evento foi de grande porte e contou com a presença de quatro Ministros alemães428. Mais do que registrar a existência desses eventos e a circulação de ideias que promoviam, é refletir sobre o seu significado. Atividades como as citadas indicam que não somente o debate sobre o fenômeno metropolitano gozava de um lugar privilegiado perante instituições de desenvolvimento em nível internacional, como o Brasil estava inserido nesse círculo de forma privilegiada. É passível de destaque, mediante as informações em tela, a projeção associada de temas representados enquanto binômios, tais como urbanismo/arquitetura, planejamento/desenvolvimento, regional/integrado. Com efeito, indicam sua ampla área de abrangência (desde a esfera local até a escala internacional) e a forte presença do Estado, patrocinador de muitos congressos por meio de suas autarquias, que atuava em parceria com universidades e entidades técnicas. Tem-se em conta, do mesmo modo, matérias de jornais que estampavam que a Região Metropolitana do ano 2000 estava programada, detalhando, inclusive, 427 Podem ser citados, entre outros: I Congresso Brasileiro de Urbanismo (Recife/PE 1962); Seminário de Planejamento Regional (Porto Alegre/RS, 1965); Seminário de Política Governamental em Urbanismo e Habitação (São Paulo/SP, 1967); Congresso Brasileiro de Arquitetos Planejadores (Curitiba/PR, 1966); Seminário Sobre Desenvolvimento Integrado Municipal (Santa Maria/RS, 1967); Seminário sobre Política Governamental em Urbanismo e Habitação, São Luís/MA, 1967); Congresso Brasileiro de Arquitetos, Porto Alegre/RS,1969; X Encontro Nacional de Urbanistas (Mar Del Plata, Argentina,1969). 428 Entrevista realizada com Roberto Py da Silveira. Duração: 1h 26 min. Local: Porto Alegre. Data: 23/02/2016. 236 a população estimada para cada cidade, ainda que sem um consenso429. Indícios como esse, associados ao discurso de alguns dos participantes do projeto, revela uma crença bastante notória quanto à funcionalidade do racionalismo aplicado ao planejamento urbano. Paul Nygaard, um dos técnicos participantes do PDM, por ocorrência do Curso de Planejamento Urbano e Local junto a COPPE/UFRJ, em 1972 e 1973, mencionou o planejamento como sendo: uma aplicação racional do conhecimento humano para o processo da tomada de decisão, tendo em vista a utilização ótima de recursos disponíveis a fim de se obter a maximização dos seus benefícios para a coletividade (...) em essência, o planejamento significa otimizar as relações entre os fins e os meios (que implica) no conhecimento científico da atividade de planejamento (para) atuar de maneira eficaz nas estruturas e processos decisórios (...)(2005, p. 103-104) Tal associação consagrou o racionalismo como uma técnica de trabalho, cujas origens remetem à década de 1930, momento em que o conhecimento especializado passou a ser encarado como idôneo e eficiente. Foi o caso de Danilo Landó que disse ter visto “o Brasil do futuro”. Observando as cidades européias, inteiramente planejadas, percebeu que cada uma delas como se fosse um organismo vivo. "E é isso que nós vamos fazer aqui. Corrigir os erros da Grande Porto Alegre e prepará-la não só para o seu crescimento ordenado mas, principalmente, para a sua população do ano 2000”430. A aura de inovação a qual os agentes priorizavam estar associados encontra raízes epistemológicas, contraditoriamente, em tradições políticas das quais procuravam se afastar. Ora, a organização territorial não é novidade na história nacional. A percepção recorrente de que uma sociedade poderia ser modificada por meio da organização de seu território – funcionalizando locais e setorizando serviços – é um indicativo de que o ideário do progresso, ainda estruturava projetos após a metade do século XX. Mas é necessário distinguir o ideário cientificista, presente no urbanismo desde o século XIX e representado por casos exemplares em projetos de cunho sanitaristas no início do século XX, daquele que é compreendido como uma reverberação, já no período da Ditadura Militar. Nessa época, a ciência e o 429 Zero Hora. Grande Porto Alegre terá 9 milhões de habitantes. 31/08/1972. 430 Idem. 237 progresso serão utilizados enquanto motes de um projeto estrutural de planejamento do Estado e não apenas como medidas compensatórias e reformistas, como outrora. Um diferencial do relatório de Karlsruhe foi sua composição ter sido fundamentada a partir de um cruzamento entre as escalas local, nacional e global. No parecer, a RMPA é citada como parte pertencente a projeto que se estende em todo o país e envolve desde movimentos de migração até a construção de estradas federais. São enfatizados os processos recentes sobre uso da terra e capacidade dos Municípios envolvidos em sua auto-gestão, bem como o desenvolvimento industrial, visto como parte de um padrão que envolveu a América Latina e outros “países em desenvolvimento”. por causa das crescentes dificuldades de importação durante a 2ª Guerra Mundial, países que são dependentes dessas importações tinham posto um processo de industrialização em movimento, como não havia outra maneira, suas populações e de acolhimento para lhe fornecer determinados bens industriais.431 Entre as principais conclusões quanto ao quadro urbano observado em âmbito local, são mencionadas as consequências decorrentes de uma economia de mercado não controlada e da ausência de planos diretores que regulassem as cidades da RMPA, que careciam de espaços verdes, equipamentos e espaços públicos, além de oferecerem locais desfavoráveis para residência. A precariedade em termos urbanos e sociais era colocada em discussão tal como a infraestrutura administrativa, visto que: Na área da infraestrutura técnica existem, especialmente, muitas responsabilidades sobrepostas. Esta concorrência pode ser observada em muitas das seguintes atividades: normativo, planejamento, execução, controle, pesquisa, coleta de dados, financiamento e investimentos. 432 A pergunta que se impõe diante dos documentos lançados é de onde provinham os dados utilizados para o planejamento. Rainer Ernst conta que se valia dos dados do IBGE para “para fazer mapas sobre a situação social da habitação 431 Institut für Regionalwissenschaft der Universität Karlruhe. Stellungagme zum Projekt: Regionalplannug Porto Alegre/Brasilien: ausgearbeitet von der Projektgruppe “Porto Alegre”. Karlsruhe, 1974, p. 22. Acervo KIT/Karlsruhe Archiv. 432 Idem, p. 26. 238 porque tinham dados sobre o abastecimento de água, etc.” e ele “queria juntar esses dados para localizar os lugares de baixa renda que faltavam estrutura”.433 À época, estava em funcionamento o Centro de Informações para o Desenvolvimento Urbano e Local/CIDUL, criado visando coletar, coordenar, padronizar e divulgar informações relativas ao desenvolvimento local, visto como “peça fundamental à circulação de informações entre os diversos níveis de governo (...)”.434 O emprego de dados estatísticos era crucial para condensar quantitativamente a situação socioeconômica da região e porque as pesquisas de campo não eram recorrentes no contexto em foco, excluindo-se o projeto de aerofotometria. Por outro lado, os órgãos de pesquisa só lidavam com dados oficiais, em um período em que a expansão espacial e populacional da RMPA ocorria, notoriamente, em áreas não regulares. Em outras palavras, a realidade não estava sendo computada até idos de 1982, ocasião em que foi publicado um relatório das vilas irregulares da RMPA.435 Quando da ocorrência da I Semana de Estatística do Rio Grande do Sul, em maio de 1972, o economista Ítalo Danilo Fraquelli denunciou que o “GERM procura e não encontra dados estatísticos”, alertando que os informantes não têm interesse em prestar informações corretas. A matéria jornalística indica que, após o evento, o economista “se fechou totalmente, fugindo de dar maiores informações sobre as experiências estatísticas colhidas pelo GERM”.436 A problemática ainda não havia sido encerrada em idos de 1973, quando a imprensa noticiou que a “Grande Porto Alegre precisa de um órgão de Estatística”.437 Não à toa, a FEE foi criada em novembro de 1973.438 O interesse e o investimento depositados no projeto de planejamento da RMPA estavam relacionados à concepção de que o planejamento territorial e urbano do Brasil seria o planejamento social de seu desenvolvimento. Isso está evidente no 433 Entrevista com Rainer Ernst. Duração: 2h 20 min. Local: Berlin. Data: 03/07/2015. 434 MINTER/SERFHAU. Programações executadas entre 1967 e 1970. Brasília: 1971, p. 23. Acervo IAI Berlin. 435 RIO GRANDE DO SUL. SECRETARIA DO INTERIOR, DESENVOLVIMENTO REGIONAL E OBRAS PÚBLICAS/SDO. Inventário das Vilas Irregulares na RMPA. Porto Alegre: METROPLAN, 1982. 436 Folha da Manhã. GERM fracassa porque anda às voltas com a falta de estatísticas. 26/05/1972. 437 Correio do Povo. 16/05/1973. 438 Lei 6.624 de 13 de novembro de 1973. 239 projeto nacional, que aborda as políticas de criação de zonas homogêneas de desenvolvimento econômico como “fatos físicos, sociais e, sobretudo, econômicos”439. Já o projeto alemão promovido pela KIT referenciada a RMPA partir de elementos tais como: aumento do crescimento econômico regional e elevação dos padrões de vida da população; criação de novos postos de trabalho; ampliação da estrutura de produção; qualificar os padrões de treinamento, a infra-estrutura de transporte e a alocação espacial440. A área metropolitana de Porto Alegre passou a ser tratada como um “polo regional” de desenvolvimento, entre outros (Rio Grande, Caxias do Sul, Passo Fundo, Estrela-Lageado), sendo essa a “única solução plausível para que os planos quanto a RMPA não fossem frustrados”.441 De acordo com Souza: Novos temas e termos: nova concepção de planejamento urbano, a metropolização, passando por polos de polarização, microrregiões, desenvolvimento urbano e, terminando, com as políticas urbanas que buscavam a melhoria de vida da população (2014, p. 211) Com base nesses pressupostos, dois anos após o ajuste ao acordo de cooperação técnica, em 1973, os encargos do ajuste complementar haviam sido cumpridos. Esse conjunto de informações evidencia a preocupação dos técnicos alemães e brasileiros quanto à efetividade que seria destinado ao PDM. Uma vez finalizada a primeira fase, o desafio foi o de que as recomendações compiladas pudessem ser operacionalizadas pelas autoridades competentes. Tão logo, os técnicos situam a elaboração e a execução como fases complementares em um programa de planejamento, afirmando que “uma distinção entre estes dois aspectos é impossível” e versando sobre a transformação de problemas detectados em metas e diretrizes. Eles reportam o planejamento da RMPA a partir da “fase de análise” (problemas detectados) e “fase de implementação” (programas relacionados e recursos), ainda que só tenham 439 MINISTÉRIO DE PLANEJAMENTO E COORDENAÇÃO GERAL. Plano decenal de Desenvolvimento Econômico e Social. Tomo VII. Vols. 1 a 6. (Desenvolvimento Regional e Urbano). Documento preliminar. Rio de Janeiro: IPEA, 1967, p.11. Acervo IPEA/RJ. 440 Institut für Regionalwissenschaft der Universität Karlruhe. Stellungagme zum Projekt: Regionalplannug Porto Alegre/Brasilien: ausgearbeitet von der Projektgruppe “Porto Alegre”. Karlsruhe, 1974, p. 6. Acervo KIT/Karlsruhe Archiv. 441 Folha da Tarde. GERM propõe polos regionais no Encontro de Prefeitos. 06/02/1973. 240 condições de versar sobre a primeira, considerando a data em que o parecer foi produzido442. 5.3 A 2ª FASE (1973-1978): a implantação do Plano de Desenvolvimento Metropolitano O que posso afirmar é que a Alemanha não se comprometeu mais do que participar dos estudos. Quanto a mim, sou apenas representante de uma empresa contraída pelo meu Governo para tomar parte nos trabalhos. Se, no futuro, a Alemanha quiser financiar a execução do que vier a ser projetado, melhor para todos nós.443 A declaração acima foi feita por Raczynsky, em 1971. O futuro, naquele tempo, ainda se configurava como um horizonte distante. Na ocasião, o encargo da Alemanha para com o Brasil era somente oferecer cooperação técnica com vistas ao planejamento da RMPA. Nessa direção, o depoimento sintetiza o tópico que centralizou as discussões após a publicação do PDM: quem iria executar as obras previstas? A imprensa mobilizou-se e costumamente alertava sobre os avanços quanto à possível extensão da cooperação alemã. De acordo com a declaração do Diretor do GERM, Murilo da Silva, em 1972: Embora o GERM durante os dois anos de colaboração técnica com os alemães tenha realizado um bom trabalho de planejamento para a região, começa, agora, a fase mais importante, que é a realização dos grandes projetos. 444 Conforme as palavras do representante do governo alemão, tratou-se da primeira vez em que a Alemanha preocupava-se não só em auxiliar no planejamento de um um projeto, mas, também, em executá-lo. Isso porque desejavam que, ao contrário de outros países, nos quais muitos de seus planos foram “engavetados”445, 442 Institut für Regionalwissenschaft der Universität Karlruhe. Stellungagme zum Projekt: Regionalplannug Porto Alegre/Brasilien: ausgearbeitet von der Projektgruppe “Porto Alegre”. Karlsruhe, 1974, p. 41/69. Acervo KIT/Karlsruhe Archiv. 443 Zero Hora. “Técnicos alemães que vem para o GERM tem chegada antecipada”. 30.03.1971. 444 Folha da Tarde “Alemães decidem dia 9 se continuarão ajudando as obras da Área Metropolitana”. 06/12/1972. 445 Folha da Tarde. Resultados do GERM podem ser utilizados em outros países.19/12/1973. 241 o destino final de seus investimentos fosse outro. Os contatos, de fato, não cessaram. A decisão positiva em prol da continuidade da cooperação, em fevereiro de 1973, não acarretou unicamente na manutenção de um contrato. Mais do que isso, inaugurou uma outra fase do projeto, que envolveu a substituição de técnicos e abriu espaço para a atuação de instituições em nível internacional, federal e regional. Não diferente, evidenciou novas pautas na agenda de ambos os países, como o fortalecimento da concepção geopolítica de planejamento, por parte da Alemanha, e da institucionalização das Regiões Metropolitanas, por parte do Brasil. 5.3.1 “Os alemães decidem ficar”: a renovação do projeto Era julho de 1971 quando foi divulgado que os “Municípios não tem verba para a Grande Porto Alegre”, em referência à contribuição acordada entre as 14 cidades à área metropolitana pertentecentes a AMEM. Segundo consta, cada Município deveria dispor de 5% de sua receita para auxiliar no desenvolvimento de obras de benecífio em comum para a região446. Trato que não foi fácil de cumprir, de acordo com o jogo de interesses em foco: pela falta de homogenidade no padrão econômico dos municípios, objetivos próprios e horizonte de alcance das obras executadas. Nesses termos, pouco fazia sentido para o Prefeito de cidades como Campo Bom ou Sapiranga honrar a contribuição financeira com a AMEM, quando pensava no caso de Canoas, cidade mais próxima da Capital, sede da Refinaria Alberto Pasqualini e, tão logo, acusada de ser beneficiária no caso da realização de obras e serviços de infra-estrutura na região. Cidades enquadradas como pertencentes a RMPA, porém distantes da rodovia, não compartilhavam objetivos como a funcionalização do transporte na região. A solução evidente seria a participação do governo regional e federal quanto ao financiamento de obras decorrentes do projeto, através de instituições, autarquias e da União. O estudo foi entregue sob ressalva de que “só terá valor na medida em que for implantado e, para isso, é necessário um total entrosamento da atuação 446 Correio do Povo. “GERM quer mais ajuda alemã nos projetos setoriais”, 21/01/1973. 242 conjunta de todos os órgãos que agem dentro da Região Metropolitana de Porte Alegre”.447 Sobre esse tópico não havia um consenso, sendo a responsabilidade sobre a operacionalização das regiões metropolitanas do país constantemente colocada em debate.448 Em reunião de julho de 1971, os Prefeitos das cidades de Guaíba, Porto Alegre e Sapiranga alegaram que, sendo a organização das regiões metropolitanas uma diretriz nacional, a SUDESUL, como representante da União deveria destinar verbas ao projeto. Diante de certa pressão, a superintendêcia se comprometeu a doar 400 mil cruzeiros, enquanto um ato simbólico449. Já em janeiro de 1973, o GERM recebeu apoio, por parte da SUDEUL, no valor de 200 mil cruzeiros450. A maior expectativa, contudo, era advinda de uma possível ajuda do governo da Alemanha, encarada como fundamental para o desenvolvimento de novos projetos451. O Prefeito Thompson Flores chegou a declarar que, caso a União não cooperasse financeiramente “nós vamos ficar aqui muito bonitinhos, com os projetos prontos e não teremos condições de execução porque nem o Estado nem o Município tem condições de execucação do programa”452. Na mesma ocasião, Hans Karpe dise que o governo alemão havia cooperado com os projetos apresentados, embora tivesse trazido um aviso: o BMZ queria que fossem preparados somente os planos que pudessem ser efetivados no prazo previsto. A tranquilidade poderia ser mantida pois “os quatro projetos com pedido de assistência técnica internacional estão praticamente aceitos pelo governo alemão para continuar a assistência”453. Eram eles: saneamento básico, transporte coletivo, recreação e turismo. O primeiro passo, antes de obter o financiamento, era a renovação do acordo entre países. Em setembro de 1972, foi encaminhado ao MRE um pedido por parte do GERM para a perpetuação do ato. No mesmo ano, o secretário da Embaixada da Alemanha, Cris Will, reuniu-se com representantes das instituições 447 Correio Do Povo. Municípios da área metropolitana receberam o plano básico do GERM. 22/03/1973. 448 Idem. 449 20/7/1971. 450 Folha da Tarde. Assinado convênio para a Grande Porto Alegre. 19/01/1973. 451 Correio do Povo. “GERM quer mais ajuda alemã nos projetos setoriais”, 21/01/1973. 452 Idem. 453 Ibidem. 243 brasileiras e com o seu conterrâneo, Hans Karpe, para avaliar o desenvolvimento de novos projetos em parceria com a SOP. 454 As discussões seguiram até o verão de 1973, quando Jurgen Lewerenz, representante alemão do BMZ e responsável pelos auxílios estrangeiros, visitou a cidade de Porto Alegre para, defitivamente, dar um parecer por parte da RFA455 quanto ao prosseguimento da parceria internacional. A negociação ocorreu por meio de uma reunião com o Secretário de Desenvolvimento e Obras Públicas do Estado, engenheiro Jorge Englert, diretores do GERM e o cônsul alemão na ocasião, Werner von Beyne. Em meio à expectativas, os principais jornais locais noticiaram que os “alemães continuarão a colaborar com o GERM” e “prosseguirão estudos da Região Metropolitana”.456 Para a segunda fase do projeto, o GERM almejava instrumentalizar-se cada vez mais. Entre as medidas objetivadas para o ano de 1974, estavam a criação de um Sistema de Planejamento para a Região Metropolitana, para o qual buscou-se formar e manter um corpo técnico: previu-se a inclusão de 58 homens/mês457, número significativo quando comparado aos dados iniciais do projeto, em meados de 1971. Intencionava-se manter o programa de treinamento internacional, proporcionando aperfeiçoamento para, no mínimo 6 técnicos, por meio de cursos ou estágios de curta duração458. Por conta da fase de implementação aprovado, o governo alemão produziu um relatório ressaltando pontos quanto à importância e o objetivo do projeto, fazendo referência a recente institucionalização da RMPA. Conforme o BfE, o planejamento deveria ser permanente. Já as decisões políticas permitiriam: (...) concentrar o desenvolvimento regional no caminho da coordenação das políticas setoriais. O resultado do projeto - um programa de desenvolvimento estratégico e a criação de um grupo de planejamento cuja função é a continuação do processo de planejamento - coincide com a regulamentação legislativa das funções e competências associações. Assim serão criadas as 454 Folha da Tarde. Auxílio da Alemanha. 30/10/1972. 455 Folha da Tarde “Alemães decidem dia 9 se continuarão ajudando as obras da Área Metropolitana”. 06/12/1972. 456 Folha da Tarde, 14/02/1973. 457 Nota 444/50/692/76 de 21 de janeiro de 1976. Ref.: B21325257-2. Acervo Bundesarchiv Koblenz. 458 Zero Hora. Conheça o Plano do GERM para a Área Metropolitana. 22.12.1973. 244 condições de execução do programa de desenvolvimento da Grande Porto Alegre.459 Em outra passagem, foi esclarecida a noção de implementação por parte da RFA, tal como sendo: (...) a institucionalização da estratégia de desenvolvimento desenvolvido e os vários programas de ação, bem como a proteção processual coordenada através de gerenciamento de medidas individuais com o objetivo de tomar um movimento equilibrado em um processo de crescimento ordenado do sistema metropolitano para a nova instituição metropolitana.460 As ambições eram significativas: além da manutenção da cooperação técnica, ansiava-se por auxílio financeiro. Dentro desse âmbito, o representante do Ministério da Cooperação Econômica da RFA, Lutz Baerh, esteve em Porto Alegre em dezembro de 1973, a fim de mensurar a viabilidade da implantação dos projetos sugeridos no PDM. Ele declarou que, em outras partes do mundo, os usos da ajuda alemã não haviam sido apropriados e que a RFA estava preocupada em planejar e, com proeminência, em executar obras, para servir de exemplo461 e evitar um "um desperdício técnico-financeiro".462 Para Baehr, o plano não deveria: "ficar apenas no planejamento inicialmente traçado” e “ter condições de ser adaptado às novas necessidades que visem trazer maiores benefícios à comunidade"463. Problemática que também era a prioridade dos representantes brasileiros que, diante da doação anual da Alemanha Federal para com os “países integrantes do Terceiro Mundo”464, comprometeram-se em utilizar o valor para o pagamento dos técnicos, ao investimento de alguns equipamentos utilizados e, em parte, no levantamento aerofotogramétrico. Tais medidas são indicativas do estreitamento de laços que seria mantido e aprofundado entre o Brasil e a Alemanha Federal em relação à cidade de Porto Alegre e ao Brasil, de uma forma geral. No que tange exclusivamente ao quesito 459 BfE. Implemetierung GrossraumPlannung Porto Alegre. [1975?]., p. 2. Ref.: B213 25/190. Acervo Bundesarchiv Koblenz 460 Idem, p. 3. 461 Para cumprir tal propósito, foi enviado ao Brasil o técnico alemão Gherard Stoeber, que aqui permaneceu por dois meses. 462 Zero Hora. Alemanha vem ver onde GERM aplica verbas. 19/12/1973 463 Correio do Povo. Técnico alemão examina a viabilidade do plano da Grande Porto Alegre. 22/12/1973 464 Idem. 245 metropolitano, em 1975, ocorreu na cidade de Gramado/RS o Seminário TeutoBrasileiro de Planejamento Metropolitano, a partir do patrocínio do governo da RFA e da SUDESUL. No mesmo ano, foi firmado o tão famoso quanto polêmico ato de produção de energia nuclear. A cooperação técnica mesclou-se fortemente à noção de cooperação financeira, mais uma vez colocando em cheque os múltiplos interesses em jogo na execeção de projetos em nível internacional. A continuidade de atividades relativas ao PDM de Porto Alegre tratava-se de perpetuar a atuação de instituições alemãs no Brasil, não determinada pelo acordo, mas favorecida por ele. Nesta época, a Alemanha já não era o único país estrangeiro interessado em coolaborar parcial ou integralmente com o planejamento da RMPA. O Japão ofertou serviços para a auxiliar no projeto de aerofotometria e quanto ao modelo de trem a ser implantado na ligação intermunicipal. Foi noticiado que: O diretor técnico do Grupo Executivo da Região Metropolitana, professor Danilo Landó, depois de confirmar ter recebido o oferecimento da empresa francesa Societé de L'aerotrain, revelou que, igualmente, a companhia Hi-tachi, do Japão, procurou o GERM para manifestar sua disposição de fornecer um serviço de trem elevado, do tipo Almeg, para a Região Metropolitana. O contato foi feito pelo representante da firma nipônica, sr. Takazuki Mabuche (...)465 Em julho de 1971, sabe-se que P. W. Bartlett, da Consultoria Britânica, e Roger Leggins, do Grupo Bank of London, ofereceram ao diretor técnico do GERM, Danilo Landó, a cooperação de firmas de consultoria aos projetos e estudos da Grande Porto Alegre. Os técnicos estavam visitando as principais capitais brasileiras ofertando os “os serviços de importantes empresas inglesas”466, cuja participação seria avaliada pelo GERM. Em julho de 1972, Karpe retornou da Alemanha e declarou que lá havia travado contato com diversas empresas interessadas na aplicação de novas tecnologias para o gerenciamento dos transportes e do saneamento na região. 467 Militão de Morais, represente do GERM, visitou capitais europeias com o objetivo de 465 Zero Hora. Japoneses também oferecem Aerotrem. 14/07/1972. 466 Folha da Tarde. Ingleses oferecem cooperação à Grande Porto Alegre. 20/07/1973. 467 Folha da Manhã, 22/07/1972. 246 conhecer o sistema de transportes, entre elas a Sociedade Francesa de Aerotrans.468 A renovação coincindiu com a institucionalização das regiões metropolitanas no Brasil, há tempos solicitada, visto que “os planejamentos ainda poderão ser elaborados sem a existência da lei, mas a sua execução é um problema bem mais complexo, onde os executores necessitam de algo legal em que se basear”469. O Diretor do GERM e ex-Secretário da SOP, engenheiro Umberto Pergher, declarou que “trabalha para equacionar os problemas da Grande Porto Alegre sem, no entanto, poder fazer muita coisa no sentido de execução, por falta de regulamentação da lei complementar”. Ele disse que é “imperioso seja completada, pela regulamentação, a estruturação do mecanismo legal de ação nas áreas metropolitanas, a fim de que, no caso da Grande Porto Alegre, possa ter ação efetiva o Conselho Metropolitano dos Municípios” e que a falta do arcabouço legal seria sentida na fase prevista da execução dos planos relativos a RMPA470. Em correspondência oficial ao Itamaraty em 1976, o governo da RFA informou que enviaria 58 peritos para auxiliar “na implementação do plano de desenvolvimento integrado da RMPA, que havia sido composto por um grupo misto teuto-brasileiro”471. O grupo seria constituído por um chefe, especializado em economia política e até doze especialistas nas seguintes áreas: planejamento administrativo, espacial e financeiro; organização do planejamento, destinação final do lixo e processamento eletrônico de dados. Além disso, previa-se a inclusão, mediante dificuldades, de outros técnicos. O documento corrobora a noção de que o planejamento da RMPA não se tratava de um plano urbanístico, mas, sim, de um plano global que requeria profissionais não exclusivamente vinculados à arquitetura e ao urbanismo. Segundo consta, a nova equipe auxiliaria o GERM (ainda citado como a principal entidade executiva, a despeito da recém-criada METROPLAN) e informaria, trimestralmente, o Governo do Estado sobre o andamento dos trabalhos. Um ponto de inflexão é o fato de que os técnicos brasileiros consultados não reconhecem essa fase do projeto a partir de seu elo com o governo alemão. Landó e Zilberman enfatizam que o projeto com a Alemanha foi encerado em 1973 e, partir 468 Zero Hora, 17/08/1972. Estudos decidem sobre Aerotrem. 469 Correio do Povo. Regiões Metropolitanas. 11/03/1972. 470 Idem. 471 DCT/DE-I/DAI/DPP/C/19/644(B46) (F36). Acervo AHMRE/Brasília. 247 de então, a METROPLAN assumiu as atividades referentes a RMPA. Roberto Py pondera, em outra direção que, embora a METROPLAN tenha assumido o controle, grande parte dos projetos vinculados a RMPA encontravam, de fato, a sua origem no projeto desenvolvido entre 1971 e 1973. O que é confirmado pela documentação proveniente dos arquivos alemães, que refere instituições e atividades aqui realizadas. 5.3.2 Agentes e instituições Se a primeira fase do projeto foi marcada pela atuação da DpU e do GERM, os anos entre 1973 e 1978 contarão com novas instituições e agentes. No âmbito federal, surge a CNPU e o Conselho Nacional de Desenvolvimento Metropolitano/CNDM. Na escala estadual, é criada a METROPLAN. Já em nível internacional, entra em cena a mencionada Agência Alemã para a Cooperação Técnica, mundialmente conhecida pela sigla GTZ. A continuidade fica por conta do campo acadêmico, que seguiu com as contribuições dos técnicos vinculados ao PROPUR e de universidades alemãs como a TU Dortmund472 e a KIT. O projeto de planejamento da RMPA foi um dos primeiros assumidos pela GTZ no país. As publicações são escassas pois, nesta época, a GTZ não possuía escritório no Brasil. Além do mais, a entidade descarta documentos de projetos ocorridos há mais de dez anos, após um período de permanência de cinco anos junto à instituição473. Conquanto não tenha sido calhada uma ruptura em relação ao trabalho que estava sendo desenvolvido, a equipe de peritos responsável pelo planejamento da RMPA foi modificada. Conforme o jornal Zero Hora, vieram a Porto Alegre “um técnico em sistema organizacional, Sr. Stöber Leipprand; um técnico em planejamento municipal, Sr. Pannitschka; um técnico em análise de sistemas, Sr. 472 Roberto Py da Silveira, em depoimento concedido (2016), afirma que a TU Dortmund foi substituída pela Bochum Universität, também situada no Vale do Reno, mas não foi encontrado, até o momento, documentação relativa a esse fato. 473 Segundo Dr. Jörg Linke, atual responsável pelos projetos da GTZ na América Latina. Informação obtida via e-mail em 01/08/2015. Cabe mencionar, ainda no mesmo sentido, que desde julho de 2015, a sede da biblioteca da GIZ, que ficava junto a instituição em Eschborn, foi desativada. 248 Von Dobschütz”.474 O relatório alemão acrescenta três nomes: Baggert, Hemberger, Wirsig e, enfim, Rainer Ernst (cuja previsão de retorno não se confirmou).475 Os técnicos envolvidos na primeira fase de elaboração do projeto, como Gerhard Naschold, Manfred Leupolt, Karl Schäfer, Gerhard Eggeling, Holger Platz, Udo Volz e dos dois líderes que a equipe alemã possuiu em Porto Alegre, Waldemar Wirsig e Hans Karpe, tornaram-se colabores do GTZ. Nessa condição, participaram de projetos em diversos países, notadamente na América Latina, na Ásia e na África, exemplificando como campo de atuação profissional relativo à cooperação internacional era promissor na Alemanha Federal na segunda metade do século XX. Uma das fundamentais contribuições da GTZ ao planejamento de RMPA foi o aprofundamento da internacionalização do projeto, estabelecida por uma rede de intercâmbio e eventos. Segundo Ernst: No convênio com a segunda fase foi criado em Dortmund um centro, falava-se no urbanismo no terceiro mundo. Nesta época foi criado o Instituto de Planejamento em Dortmund, mas eu era professor aqui em Berlim e este instituto tinha pelo GTZ a tarefa de organizar seminários com o pessoal de Porto Alegre e depois do CNDU em Dortmund. 476 A publicação do PDM não expõe a sigla da GTZ, fato contrastante com a densa documentação produzida pela empresa em relação a RMPA, citada, inclusive, em jornais locais477. Em 1975, a agência ajustou medidas sobre o projeto com o governador do Rio Grande do Sul (1975-1979), Sinval Guazzelli, que esteve na Alemanha para cuidar das negociações. Em uma correspondência, a GTZ comunicou que: (...) Kuhn [representante da GTZ] destacou a importância atribuída pelo governo federal para o projeto para o desenvolvimento econômico e social na Grande Porto Alegre e no Rio Grande do Sul, bem como um projeto modelo para planejamento futuro de seu tipo no Brasil. Ela deu uma visão geral das ações realizadas anteriormente (ver anexo II A 1-8). Então ela apontou para a importância da fase de implementação e o apoio necessário pelo 474 Zero Hora. Técnicos alemães continuarão ajudando região metropolitana de Porto Alegre. 06/03/1974. 475 BfE. Implemetierung GrossraumPlannung Porto Alegre. s/d., p. 13 Ref.: B213 25/190. Acervo Bundesarchiv Koblenz. 476 Entrevista com Rainer Ernst. Duração: 2h 20 min. Local: Berlin. Data: 03/07/2015. 477 Zero Hora. Prefeitos reúnem-se para falar com clareza. 23/07/1972. 249 Governo do Estado e outras instituições governamentais envolvidas no planejamento. 478 Enfatizando o caso brasileiro, ressalta-se que o grupo ligado ao PROPUR ocupava cargos junto aos órgãos voltados ao planejamento, como a SOP e a SMOV. Participaram da preparação do PDM e de parte dos planos elaborados pelo poder público, tendo em vista que eram dentro desses órgãos que principais projetos em planejamento urbano eram operacionalizados. Há, por um lado, a supervalorização dos agentes pela historiografia, que atribui aos técnicos a percepção e a criação dos órgãos institucionais relativos ao gerenciamento do fenômeno metropolitano que se impunha em um quadro maior de transformações urbanas que o Estado e o país estava sofrendo. Este é o caso na pesquisa de Alonso que declara os agentes como “policy makers” que “perceberam, desde logo, que era necessário definir um arcabouço institucional que permitisse a coordenação das intervenções políticas em múltiplos municípios ao mesmo tempo” (2008, p. 1). Em 1975, entra em cena a chamada METROPLAN, que foi um marco da institucionalização da RMPA, absorvendo tarefas antes delegadas ao CMM, a AMEM e ao GERM. A criação da Fundação é atribuída por parte dos técnicos brasileiros, com unanimidade, como o resultado capital do processo de planejamento da RMPA479. Conforme o boletim de atividades de 1973 da Secretaria do Desenvolvimento Regional e Obras Públicas, foi firmado um convênio de 21 milhões de cruzeiros com o BNH e criado o Fundo Urbano RS “para acelerar a execução dos projetos prioritários”.480 A METROPLAN tornou-se a entidade mais notável dentro da segunda fase do acordo e no contexto organizacional da RMPA junto ao poder público nas décadas seguintes, responsabilizando, desde então, pela publicação de informações 478 GTZ. Betr: Technische Hilfe für Brasilien – Grossraumplannung Porto Alegre.19.02.1975. Ref. B21325190. Acervo Bundesarchiv Koblenz. 479 Muitos dos profissionais brasileiros componentes da equipe brasileira do projeto do PDM vieram a ocupar cargos na instituição nos anos posteriores na condição de servidores públicos, tal como: Isaac Zilberman, Dirceu Pedro Schäffer, Luis Carlos de Oliveira Cunha, Nanci Begnini Giugno, Paulo Rudolfo Hamester, Cion Estivalet, Julio Cesar Volpi e Aldo Martins Fernandes. 480 Secretaria do Desenvolvimento Regional e Obras Públicas. Relatório de atividades de 1973, p. 9. Acervo Arquivo SOP, Porto Alegre. 250 sobre a Região Metropolitana481. Nesse ponto, houve um alinhamento entre os Estados brasileiro e alemão, ambos instrumentalizados nesta fase por entidades públicas e não mais por empresas aleatórias de consultoria privada. Além das instituições mencionadas, as associações profissionais cumpriam importante papel na articulação de diretrizes e circulação de saberes acerca do planejamento urbano. Ressalta-se a existência da Sociedade de Engenharia do Rio Grande do Sul, o Instituto dos Arquitetos do Brasil, bem como o Sindicato da Indústria de Construção Civil do Estado. É válido registrar, com a mesma intenção, da trajetória de alguns dos agentes políticos relacionados ao acordo de cooperação técnica e ao planejamento urbano. Euclides Triches, governador do Rio Grande do Sul entre 1971 e 1975 (ARENA) era engenheiro metalúrgico de formação e, nessa condição, havia realizado estágio junto a indústrias na Europa, com patrocínio do CNPq. Havia sido precedido no Governo do Estado pelo militar de formação Walter Peracchi Barcelos (1966-1971) e pelos também engenheiros Ildo Meneghetti (1963-1966) e Leonel Brizola (1959-1963). Também Thompson Flores, Prefeito de Porto Alegre quando da ocorrência de parte do acordo482 era engenheiro, condição determinante para que sua administração seja associada a um período de significativas mudanças urbanas na Capital, tal como a construção de diversos viadutos, a desativação dos bondes em prol do uso de veículos automotores e a construção do Muro da Avenida Mauá. Outro caso exemplar foi o de seu sucessor na Prefeitura, Guilherme Sociais Vilela, que comandou Porto Alegre entre 1975 e 1983. Vilela possui formação em Economia e foi professor da UFRGS, bem como ocupou outros importantes cargos públicos de natureza técnica, junto ao IPEA, ao Bando de Desenvolvimento Regional do Extremo Sul/BRDE e aos Ministérios do Planejamento e das Relações Exteriores. Tais dados confirmam a forte associação entre universidades e poder público na promoção do planejamento urbano nas décadas de 1960 e 1970 no Brasil. Direcionam a induções que tange à ocupação de cargos a partir de uma rede viciada, entre os representes do Governo do Estado, técnicos do PROPUR e 481 São exemplos: METROPLAN. A Região Metropolitana de Porto Alegre e a METROPLAN. Fundação Metropolitana de Planejamento. Porto Alegre, 1981. 482 Os Prefeitos de Porto Alegre cujos mandatos ocorreram durante a vigência do Acordo foram: Célio Marques Fernandes (1964-1969), Telmo Thompson Flores (1969-1975) e Guilherme Sociais Vilela (1975-1983). 251 funcionários das autarquias. É sabido, por exemplo, que embora Umberto Pergher tenha dado os primeiros passos em direção ao acordo de cooperação, foi na gestão de Jorge Englert frente a SOP (1971-1972) que o início do projeto de planejamento da RMPA foi desenvolvido483. Pergher, todavia, não se afastou do projeto, sendo eleito Presidente do GERM na mesma ocasião em que Englert assumiu o Conselho. Além de sua absorção e valorização no setor público, muitos arquitetos, engenheiros e urbanistas trabalhavam, paralelamente, em seus próprios escritórios de consultoria. De fato, “equipes multidisciplinares passam a se organizar, principalmente, nas instituições de urbanismo que atuam na assistência técnica aos municípios, criadas junto às universidades” (FELDMAN, 2012, p. 39-40). O Jornal Folha da Tarde informou que cinco firmas foram selecionadas a partir de um edital publicado no final de 1970484. Das dez que se apresentaram para elaborar o planejamento da RMPA, as selecionadas foram: SOCIOPLAN – Sociedade Civil de Planejamento; GPI – Grupo de planejamento integrado; HIDROSERVICE – Engenharia de Projetos Ltda.; SONDOTÉCNICA – Engenharia de Solos S.A..; MONTOR – Montreal Organização Industrial e Econômica S.A. Foi noticiado que o consórcio vencedor prepararia a contrapartida brasileira do acordo com os técnicos alemães, representado naquele momento pela DpU. A relação entre o poder público a as empresas de engenharia, tal como no contexto alemão, também foi notória no Brasil. A chamada “ditadura dos empreiteiros” (CAMPOS, 2012) esteve relacionada com as estratégicas advindas do novo aparato institucional instalado, que buscava atingir objetivos tais como o desenvolvimento da indústria de construção civil. O ramo tinha uma significativa relevância econômica, pois além de atenuar o desemprego de uma massa de trabalhadores não qualificados, contribuiria com o combate à inflação; e, segundo, garantia a estabilidade social através de políticas públicas voltadas ao combate do déficit habitacional (SOUZA, 2014, p. 208). Aquela que aqui foi chamada de segunda fase de ocorrência do PDM, considerando os resultados relacionados à cooperação com a RFA, foi marcada pela atuação de agentes e instituições acima destacadas e, além disso, pelo lançamento de outros resultados em termos de publicações. Eram os chamados Planos Setoriais. 483 Correio do Povo. “Eleito o novo conselho da Grande Porto Alegre”, 31.03.1971. 484 Zero hora. “Região Metropolitana: 5 anos da ideia ao projeto”. 27.12.1970 252 5.3.3 Tópicos e tendências: os planos setoriais, a informática e a ecologização Tão logo os resultados iniciais do PDM foram exibidos, incluindo o Plano Básico e os Termos de Referência, o arquiteto Militão de Morais declarou: “grande são as dificuldades de planejamento para uma região que possui 23% da população de todo o Estado, está geograficamente fechada por uma rede de rios (Jacuí, Gravataí e Sinos) e economicamente aberta por um alto índice de produção”.485 De fato, estava claro que, somente o plano global do PDM não satisfaria às necessidades da RMPA em termos de infraestrutura urbana. As prioridades imediatas da organização do planejamento da RMPA foram a contenção das constantes cheias e o tráfego inter-cidades, medidas que vão ao encontro das prerrogativas lançadas pelo projeto no Vale do Rio dos Sinos, em 1967. O transporte era o item avaliado como o mais grave e a implantação do metrô, que só foi efetivada na década seguinte, já era uma solução vislumbrada por Danilo Landó486, assim como uma rodovia alternativa à BR-116 havia sido pensada por Roberto Py. Face essa situação, foram elaborados planos específicos relativos às áreasproblema identificadas no decorrer do projeto. Se relacionavam aos seguintes componentes: indústria, poluição, recreação, habitação e transporte coletivo, por sua vez divididos em subprogramas. Possuíam o diferencial de deter um caráter eminentemente prático e vincularem-se a aspectos básicos entrelaçados à urbanização da RMPA. Os projetos setorais foram divididos em quatro propostas: i) o plano global de transportes coletivos (duração de 18 meses); ii) o saneamento e esgoto cloacal (duração de 18 meses; iii) a destinação de lixo e resíduos industriais a nível metropolitano (duração de 5 meses); iv) o estudo hidrológico do Rio Gravataí (duração de 5 meses). Neste quadro, dois elementos se impõe: a informática, enquanto um instrumento, e a ecologia, como uma questão agregada à agenda do planejamento urbano no Rio Grande do Sul. Essas esferas possuíam substratos de fomento nos 485 Jornal da Semana (Cachoerinha). Um Plano Diretor para a Grande Porto Alegre. 29/04/1973. 486 Zero Hora. Estudos da Grande Porto Alegre já são para valer. 02/02/1973. 253 âmbitos local e nacional, mas foi a publicação do PDM que marcou a sua inclusão em um plano metropolitano. O trabalho realizado por alguns agentes dentro do escopo ambiental foi um ponto articulador das trajetórias profissionais de agentes envolvidos no PDM. Este foi o caso de Clion Estivalet, Jorge Ossanai, Maria Celina Santos De Oliveira, Nanci Begnini Giugno e Isaac Zilberman, que tiveram suas carreiras entrelaçadas ao tópico ecologia nas décadas que sucederam o PDM487. Inicia-se refletindo sobre a preocupação delegada à ecologização. A despeito da discussão decorrente quanto à implementação das propostas lançadas com base nessa alçada, o tópico pode ser destacado dentro do quadro de intencionalidades que representou. O tema ganhou uma pasta específica dentro do projeto de planejamento da RMPA. Ela foi comandada por Naschold e Zilberman. O último relatou que foi “montado um programa com relação ao programa dos rios, arroios, esgoto e tratamento da água (...)” e que: os primeiros trabalhos em relação a vegetação junto ao curso da água, principal área de especializando do Naschold. Foi feita uma série de propostas junto as margens para segurar a terra e o lodo que terminavam no rio. 488 A questão ambiental foi mirada, também, a partir de quesitos tais como: treinamento de pessoal; controle de poluição ao nível metropolitano; montagem de um esquema de coleta de lixo; tratamento de esgoto; gerenciamento de reservas ambientais e, enfim, pesquisa de bacias hidrográficas, através do convênio com a CORSAN e o DMAE, além de legislação apropriada. As décadas de 1960 e 1970 marcaram a projeção e institucionalização da temática. Em nível nacional, o meio ambiente foi incluído dentro dos programas prioritários do MINTER em 1977489, sendo notadamente associado à politização da questão urbana no país. Em proporção global, esteve sustentada por eventos como uma conferência organizada pela ONU em Estocolmo, em 1972. No mesmo ano, ocorreu o primeiro encontro do chamado “Clube de Roma”, uma associação de 487 Consultar apêndice n.1 a esta tese. 488 Entrevista realizada com Isaac Zilberman. Duração: 1h 38 min. Local: Porto Alegre. Data: 03/12/2015. 489 MINISTÉRIO DO INTERIOR. Atuação do MINTER no ano de 1977. Coordenadoria de Comunicação Social. Brasília: Escopo Editora, 1978, p. 71. Acervo IAI Berlin. 254 intelectuais dedicada ao ambientalismo responsável por reportar um relatório intitulado Limits od Growth (em português, limites do desenvolvimento). O artigo intitulado “Elementos de climatologia aplicados ao planejamento metropolitano”, publicado na Revista Pernambucana de Desenvolvimento, é um indício da circularidade que o assunto progressivamente ganhou no Brasil em articulação com o planejamento metropolitano, tanto em sua dimensão técnica quanto estatal. Conforme lê-se em reprodução de trecho do artigo: o estudo, ou no caso, a pesquisa aplicada ao planejamento, sobre a estrutura e função da natureza, requer uma visão global do conjunto, evidentemente. E a operacionalização desse ponto de vista, conduzirá ao que já foi chamado “administração dos recursos naturais” ou “administração integrada dos recursos naturais.490 No Rio Grande do Sul, a causa era debatida em relação ao Vale do Rio dos Sinos, pelo Padre Balduíno Ramos desde idos da década de 1950 e, posteriormente, pelo conhecido ambientalista José Lutzemberger. Em 1972, um projeto autorizando a instituição da Fundação Zoobotânica do Rio Grande do Sul foi enviado pelo governador do Rio Grande do Sul (1971-1975), Euclides Triches à Assembleia Legislativa. A criação da Fundação Zoobotânica foi justificada pelo fato “do desenvolvimento regional envolver, em seu conceito, aspectos bem amplos, não só econômicos e sociais, como aqueles complementos de ambiente”.491 Complementarmente, a cidade de Porto Alegre observou, na década de 1970, a inauguração de ícones no sentido da valorização ambiental, como o Parque Marinha do Brasil e o Parque Maurício Sirotsky Sobrinho, além de ampliações no Parque Moinhos de Vento e no Parque Farroupilha. Tais medidas, atribuídas à gestão do Prefeito Guilherme Sociais Villela, foram consagradas com a criação da Secretaria Municipal do Meio Ambiente e da Lei do Impacto Ambiental, relativo ao controle da poluição do meio ambiente no Município. A ecologia surgiu como uma prioridade não só em associação às preocupações ambientais, mas, também, em entrelaçamento com outro item que tornaria alvo do planejamento urbano nas décadas seguintes: as áreas designadas ao turismo. Sendo a RMPA essencialmente voltado às áreas industriais e 490 CAVALCANTI, André de Oliveira; LIMA, Adilson R.Ferreira. Elementos de climatologia aplicados ao planejamento metropolitano: uma introdução. Revista Pernambucana de Desenvolvimento. Recife, CONDEPE: Ano 1, número 1. Jan-Jun 1974. Acervo IAI Berlin. 491 Jornal do Comércio. 27/10/1972. 255 residenciais e, tendo em vista a identidade operária atrelada a algumas cidades da região, o lazer era anunciado como uma nova dimensão assistencial através da qual “empregado e empregagor se benecifiam pois o primeiro ganha recreação e o segundo vê produtividade aumentar”492. O lazer e o turismo foram contemplados a partir da criação do Parque Estadual de Itapoã (atualmente, Itapuã), em 1973. A imprensa local noticiou a iniciativa a partir da manchete “Itapõa: o turismo com roteiro organizado”493. O Plano Piloto foi elaborado pelo GERM e preveu a criação de dois museus – um de ecologia e outro de história. O projeto atendia à preservação ambiental e a RMPA, acusada de ser carente de áreas verdes, ganharia “30 quilômetros de praia sem poluição”494. O Parque de Itapõa colocou a o Município de Viamão em evidência dentro da RMPA, cujas cidades mais atendidas usualmente eram aquelas ligadas ao eixo norte-sul, como Canoas e São Leopoldo. Mas foi o caso da Borregaard, fábrica de celulose de origem norueguesa que se estabeleceu na cidade de Guaíba/RS em 1972, que projetou o tema entre os focos de atenção da RMPA. A empresa foi alvo de protestos por conta dos danos ambientais que estaria causando na região495. Isaac Zilbermann, que estudou por conta do convênio entre Brasil e RFA na KIT tornou-se, posteriormente, um profissional renomado na área da engenharia ambiental. Ele compartilha suas impressões sobre o caso ressaltando que: O que trouxe o problema foi realmente a Borregaard porque tu sempre apresentas problemas quando tu tem uma área dolorida. (...).nós não podemos esquecer que o regime político era complicado, para dizer em palavras macias. Portanto, quando o regime dizia, não adianta tu discutir. A Borregaard foi vítima de ser válvula de escape do problema ambiental, que era maior. 496 Outro ponto contemplado a partir da ótica do ambientalismo no PDM foi a destinação do lixo. O tópico era pauta de preocupação nos jornais pois “ninguém 492 Zero Hora. Lazer: encontro começa hoje. 13/03/1974. 493 Zero Hora. 03/03/1975. 494 Zero Hora. Parque de Itapoã. 15/03/1975. 495 Zero Hora. Primeira denúncia vem dos técnicos do GERM em Seminário de Saneamento. 10/02/1972. 496 Entrevista realizada com Isaac Zilberman. Duração: 1h 38 min. Local: Porto Alegre. Data: 03/12/2015. 256 quer uma nova Borregaard no meio da cidade”497, referindo-se à construção de uma usina de lixo no bairro Partenon. Como consequência desses reclames, foi elaborado um plano específico dentro da RMPA498, publicado em 1978. Segundo noticiou-se no Correio de Povo, em agosto de 1973: Dentro de seis meses o Grupo Executivo da Região Metropolitana(GERM) definirá qual o melhor modo para a destinação final do lixo da Grande Porto Alegre. Já existe um grupo trabalhando nesse sentido, coordenado pelo arquiteto Danilo Landó, um dos diretores técnicos do GERM. Essa equipe técnica contará, também, com a colaboração da República Federal da Alemanha, que enviará um especialista no assunto para durante três meses para auxiliar o GERM (...). 499 Para além dos recursos técnicos desenvolvidos dentro do propósito do gerenciamento de impactos ambientais na RMPA, é possível afirmar que o tópico ambientalismo esteve envolto em contribuições da equipe alemã em termos teóricos. Vale lembrar a própria tradição cultural da Alemanha no que tange ao assunto500. O caráter histórico da ideia de floresta é constantemente renovado, tendo em conta dados que indicam, por exemplo, que a cidade de Berlim possui, atualmente, 1/3 de sua superfície coberta de áreas verdes. É crucial mencionar, outrossim, a importância que a matéria assumiu dentro da agenda de planejamento urbano nas décadas seguintes, sendo uma das principais áreas de ação de agências como a GTZ. Hans Karpe, um os líderes da primeira fase do projeto da RMPA, destacou-se por sua atuação profissional na área, tendo sido organizador de obra dedicada ao desenvolvimento urbano global associado ao clima e outras variáveis relativas ao meio ambiente. Karpe, inclusive, publicou artigos sobre o Brasil em 1990, a partir da colaboração da ONU.501 497 Correio do Povo. Grande Porto Alegre: Plano De Destinação do lixo ficará pronto em 180 dias. Agosto de 1973. 498 Grupo Executivo da Região Metropolitana. Plano de desenvolvimento metropolitano: projeto de destinação final dos resíduos sólidos na RMPA. Porto Alegre: CMM, GERM, 1974. 499 Correio do Povo. Grande Porto Alegre: Plano De Destinação do lixo ficará pronto em 180 dias. Agosto de 1973. 500 Consultar: Wilson, Jeffrey K. The German forest: Nature, identity, and the contestation of a national symbol, 1871 - 1914. Toronto: University of Toronto, 2012. 501 KARPE, Hans; TRINIDADE, Sergio C.(eds.). Climate and development: climate change and variability and the resulting social, economic and technological implications. Germany: United Nations, 1990. Acervo Acervo Staatsbibliothek zu Berlin. 257 Também o processamento de dados assumiu uma posição central dentro do projeto da RMPA, na condição de um instrumento de auxílio à projeção de planos e sistematização de dados. O tópico ganhou um departamento específico na confecção do PDM e é aqui interpretado não como uma questão, mas um instrumento próprio ao planejamento urbano dos anos de 1960 em diante. Nessa condição, a informática foi utilizada em diversos domínios do PDM. Os principais nomes ligados ao setor foram Wilhelm Schraeder, professor das universidades de Berlim e Dortmund e, posteriormente, Ian Masser, técnico inglês que, de acordo com Roberto Py foi agregado ao projeto para resolver os recorrentes problemas de metodologia. A aplicação de elementos da informática foi reconhecida como a principal contribuição dos alemães para o projeto de planejamento da RMPA, por parte dos depoentes estrangeiros e brasileiros. O caráter inédito desse recurso não estava restrita ao Brasil e indicava a circulação de saberes naquele perído no contexto europeu. Sobre o tema, o arquiteto-urbanista Rainer contou que: esta foi nossa tarefa, nós dois nos envolvemos muito na natureza desta questão, pois tínhamos um bom contato com os Estados Unidos e Inglaterra. Tínhamos acesso a programas de computadores nessa época ninguém possuía. Assim, éramos um dos poucos na Alemanha que tinham acesso a isso.502 A informatização, prevista no ajuste complementar, foi destaque de uma matéria jornalística no jornal Correio do Povo que anunciou em jullho de 1971 que a Região Metropolitana entraria “nos computadores”503. Diversos participantes do projeto de composição do PDM cultivaram carreira acadêmica no proeminente campo profissional, tais como: Carlos Alberto Heuser, que concluiu o seu curso de Doutorado em Informática na Universidade de Bonn, na Alemanha; Celso Bressan, engenheiro da computação, que atualmente vive no Canadá; Jacques Levin, programador; Livio Augusto Taufer e Marco Aurélio Mangan504. Um fator diferencial foi a padronização tanto da execução de planos a partir de uma plataforma comum, quanto a sua posterior publicação favorecida pelos 502 Entrevista com Rainer Ernst. Duração: 2h 20 min. Local: Berlin. Data: 03/07/2015. 503 Correio do Povo. Região Metropolitana entra no fim do ano nos computadores. 25/07/1971. 504 Para maiores detalhes sobre a trajetória profissional dos técnicos citados, ver o apêndice número 1 dessa Tese. 258 recursos computacionais. Quando interrogado sobre a inserção do uso de computadores no trabalho, o arquiteto-urbanista Ernst declarou que: Racionalismo, racionalizar o trabalho. Nós discutíamos muito isso em grupos e fizemos, também. Gastamos muito tempo com estudantes de informática especialistas atuais de computador e aprendemos linguagem de computador para termos a capacidade de manejar.(...) Nesta época nós trabalhávamos paralelamente, nós fazíamos desenhos discutíamos como usar o computador. Esta foi nossa ideia, e isso algumas pessoas não entendiam realmente. 505 De acordo com o arquiteto urbanista, o maior desafio foi o funcionamento dos programas de análise espacial criados em Dortmund no Brasil. A solução encontrada foi a utilização das máquinas disponíveis na sede Banco Central, em Porto Alegre, durante o período norturno. Rainer relata que o grupo costumava trabalhar durante a madrugada e que o programa desenvolvido serviu a estudos variados, tanto na Alemanha quanto no Brasil: (...) tínhamos um computador próprio e um acesso muito estranho ao Banco Central, podendo usar a partir das 22h da noite até as 6h da manhã. Assim, O grupo técnico gastava muito tempo durante as noites neste centro de informações elaborando uma estratégia de distribuição espacial com a ajuda de programas de computador (...) Eu adaptei este programa em Dortmund com Schraeder, e também realizamos muitos estudos sobre assuntos de Dortmund e outras cidades, sobre meteorologia e também sobre o processo de loteamento sobre as imagens e uma análise de sistemas sobre o processo de uso do solo, e assim o assunto esquentou.506 Nessa direção, o jornal Zero Hora destacou que “um banco de dados e um sistema de informações numéricos ligados a um computador da terceira geração servirão de base ao planejamento da Grande Porto Alegre” 507. A manchete detalhou que “o exame dos recursos existentes é muito importante para a elaboração em planejamento regional e sistema de informações”. A criação de um sistema central para obter “todas as informações que desejassem em um único ponto” era um elemento basilar a um aparelho político que priorizava o domínio sobre o território. Conforme matéria publicada na imprensa: 505 Idem. 506 Entrevista com Rainer Ernst. Duração: 2h 20 min. Local: Berlin. Data: 03/07/2015. 507 Zero Hora. O que a Grande Porto Alegre precisa para o planejamento. 29/04/1971. 259 O GERM estará de posse de dados completos referentes à região metropolitana e poderá funcionar como uma autêntica central de informações, a ser utilizada, principalmente pelos empresários, tanto do País como do exterior, que porventura necessitarem de elementos, tendo em vista a implantação de novas indústrias nessa área.508 Na esteira do uso da informática como um recurso à composição de planos esteve o levantamento aerofotogramétrico. De acordo com o registro na Lei do ajuste complementar, o Governo do Brasil deveria arcar com 50% das despesas desse serviço: nesses termos, o pedido foi solicitado ao Departamento Aeroviário do Estado. O próprio engenheiro Umberto Pergher, na condição de presidende do CMM, foi ao Rio de Janeiro com o objetivo de buscar autorização junto ao Ministério das Comunicações e da Aeronáutica para que o avião do DAER fosse utilizado para o levantamento. A conversão das fotografias em documentos cartográficos ficou a cargo da Instituto Cartometrônico da UFRGS, e o resultado foi a elaboração de inúmeros mapas, tanto da região como um todo quanto de Municípios específicos, como foi o caso de Canoas/RS. O projeto complementou o levantamento aerofotogramétrico realizado na região não muito tempo antes, em 1966. A aerofotometria fundamentava-se em um padrão diferenciado de visualização territorial, a imagem áerea. Fortaleceu o objetivo de funcionalização territorial em voga e permitiu que essa prática fosse aplicada a perímetros urbanos mais extensos. O modelo de mapas e plantas produzidos com base nesse instrumento inauguraram um novo padrão de representação cartográfica, caracterizado pela precisão computacional mas, nem por isso, isento de intencionalidades. A partir das imagens obtidas por meio da aerofotogrametria produziam-se mapas e plantas cartográficas correspondentes aos novos territórios e zonas delimitadas por meio da legislação correspondente no país. Conforme exposto no próprio documento específico do PDM, era a prática de “obtenção de dados pelo método interpretativo, direto ou indireto, de fenômenos que ocorrem em qualquer 508 Correio do Povo. RMPA entra na era dos computadores. 25/07/1971. 260 ponto da superfície da terra (...)”.509 Tratava-se de produzir, através do processamento técnico, uma cópia fotográfica, em geral reduzida, de uma parte da região. Nesses termos, lê-se na publicação a própria relativização do uso de mapas, tão embora, na prática, as fotografias apenas tenham sido utilizadas como base de elaboração cartográfica: muito se tem escrito sobre o uso da fotografia aérea como um substituto do mapa, por ser um retrato da superfície da terra. Um conjunto de fotografias aéreas nas mãos de um bom fotointérprete revela muito mais informações do que aquelas fornecidas por um mapa convencional.510 O caráter “técnico” associado a esse instrumento, dada a sua função de obter medidas precisas do território pode, contudo, ser contestado. Afinal, um espaço total era transformado, por meio da imagem, em território parcial, de acordo com as opções de ângulo e escala adotadas. Turchi ressalva: “mapas são definidos pelo que eles incluem, mas seguidamente eles são mais reveladores no que eles excluem” (apud FIALHO, 2010, p. 106). No Rio Grande do Sul, tem-se notícia da produção de um acervo que contemplam diversas regiões do Estado, desde a Lagoa Mirim até a Região Metropolitana. Nesse sentido, a informatização permitiu, mais do que nunca, a organização funcional dos territórios, através da simulação de diretrizes e rotas, cruzamento de dados estatísticos, entre outras práticas estratégicas. A fotoaerometria foi especialmente importante para a preparação das chamadas alternativas espaciais da RMPA, em associação com o então inovador uso da informática. Segundo Rainer Ernst, que foi o responsável por essa área ao lado de Nygaard: Naquela época era importante principalmente no computador os elementos básicos. Hoje, no estado de desenvolvimento é muito importante o menu, naquela época a questão básica era o que são os elementos. A definição dos elementos criou a construção da programação, não era tão difícil criar uma metodologia possível para adaptar em diferentes casos. Assim, com a questão de 14 municípios em relação ao sistema de aspectos de valores de trabalho em termos de números foram discutidos e definidos. 511 509 GERM. Plano de desenvolvimento metropolitano: aero fotointerpretação - instrumento para o planejamento. Porto Alegre: CMM, GERM, 1973, p. 6 510 Idem, p. 7. 511 Entrevista com Rainer Ernst. Duração: 2h 20 min. Local: Berlin. Data: 03/07/2015. 261 Foram elaboradas propostas de distribuição de núcleos populacionais e de indústrias, sendo: três de concentração, três intermediários e três de dispersão. Ainda de acordo com o profissional alemão: Para criar algumas características destas alternativas de investimento nós tínhamos o modelo de relacionamento entre habitação e lugares de trabalho, e para essas alternativas era necessário definir os diferentes setores e em que lugar criar este tipo de distribuição. Essa foi a minha ideia, a ligação entre o investimento e a distribuição de espaço: um era lugar de trabalho, o outro de habitação outro de lazer e transporte, tudo funcional.512 De acordo com o PDM “o objetivo do planejamento da distribuição espacial é a elaboração de propostas de alocação e a melhoria dos processos informacionais, indicando localização de funções e unidades funcionais”.513 O modelo utilizado para a confecção das projeções espaciais (Fig. 07) foi o chamado de “Lowry”, de origem inglesa, que se tratava de um sistema espacial de zonas classificadas por meio das áreas residenciais e industriais. Segundo o documento concernente à explicação da metodologia: O pressuposto foi a definição de um sistema espacial de zonas (UEM), descritas conforme locais de residência e de trabalho existentes e fixados (common elements). Além disso, foram desenvolvidos objetivos que definissem a população, áreas residenciais e empregos que deveriam ser distribuídos (control totals) e elaboradas as funções de transporte a serem utilizadas no esquema viário projetada para cada alternativa.514 512 Idem. 513 GERM. Plano de Desenvolvimento Metropolitano. Alternativas de distribuição espacial: modelo Lowry. Porto Alegre: CMM, GERM, 1978, p. 3. 514 Idem, p. 4. Fig. 07 Modelos de distribuição espacial da Região Metropolitana de Porto Alegre 262 Fonte: PDM, 1973. 263 Os técnicos comentam que “destas [alternativas], levando em conta os custos para aplicação dos programas e os benefícios conseguidos, o computador selecionou apenas uma alternativa: os distritos industriais da região (com a consequente concentração populacional)”.515 Complementarmente, Issac Zilbermann informou que o chamado “modelo em cruz”, qual seja, que previa a industrialização tanto no eixo norte-sul quanto no eixo leste-oeste da RMPA, não era um consenso. À rigor, tais projeções são indutoras de inflexões sobre uma vertente na elaboração de planos relativos às regiões metropolitanas no Brasil, que foi a compreensão da habitação como um problema e a industrialização como uma solução. Tal característica é reconhecível a partir de ações do mercado privado e estatal e, também, por parte do campo técnico. Como bem destacou Milton Cruz (2012), persistia a crença de que o planejamento seria apto a traçar o progresso da cidade: O plano diretor é o instrumento adequado para essa superação (...) capaz de disciplinar o crescimento, zonear funções urbanas e, em etapa posterior, controlar a imigração do homem do campo. (...) O crescimento de sua população, o incremento anual de sua indústria e mais o dramático crescimento de sua população marginal precisam ser superados cientificamente (2012, p. 11 [Prefeitura Municipal De Porto Alegre, Plano Diretor, 1954-1964]) Vale destacar, mais uma vez, a trajetória relacional da formação da RMPA em função das indústrias. Indo ao encontro dos estudos realizados ainda na década de 1960, tanto pelos alemães, quanto pelos técnicos da SOP, o PDM apontou dois grandes centros de desenvolvimento na região: Porto Alegre e Novo Hamburgo. Tal informação, por si só, desvela o caráter econômico e a delimitação da área em função de sua principal via de escoamento, a BR-116, tão embora a informação divulgada foi a de que a distribuição espacial da região estava em acordo com a população e atividades exercidas. Essa problemática esteve assentada, sobretudo, no fato do PDM sugerir a implantação de distritos industriais. 515 ERNST, Rainer; SCHAEDER, WILHELM F. Regionalplannung in Entwicklungsländern – bericht über den Grossraum Porto Alegre. STADTBAUWELT 48. 64 Jahrgang. Deutschland. Dez – 1973. 264 Segundo Roberto Py da Silveira, de todos os planos setoriais previstos pelo PDM o priorizado foi o dos distritos industirais, além do transporte.516 O PDM sugeria a implantação de distritos industriais tanto no eixo Norte-Sul: Porto Alegre (zona norte), Canoas Novo Hamburgo quanto no eixo Leste-Oeste: Guaíba, Cachoerinha, Alvorada e Gravataí da RMPA. A cidade de Canoas/RS, ao apresentar uma sinopse de divulgação do seu Plano de Desenvolvimento Urbano517, realizado a partir de um consórcio entre empresas de consultoria, expôs que o Município estava em uma “marcha para a industrialização”. A publicação, dotada de layout diferenciado, resume as principais diretrizes do Plano Diretor da cidade, elaborado em cumprimento aos termos referenciais do PDM e informa que “o desenvolvimento do setor industrial va propiciar um grande aumento de oportunidades de trabalho para a população do Município”.518 A previsão de zonas para o setor habitacional, embora presente em diversos estudos dos técnicos519, não foi priorizada pelo poder público. Sem embargo, não foi reconhecida atenção compatível ao setor industrial – a não ser por parte de programas desconectados ao PDM, como o BNH – dentro do planejamento da RMPA. 5.4 Hilfe zur Selbsthilfe? À guisa de conclusão Hilfe zur Selbsthilfe, em português, “ajuda para autoajuda”, trata-se de uma expressão que comporta o mote que o Estado alemão perseguiu quanto à sua política de cooperação internacional na segunda metade do século XX. Em outras palavras, o conceito-guia por trás dos altos investimentos financeiros feitos pela RFA e a atuação de seus técnicos e instituições fora do continente europeu deveriam estar livres do espectro da ajuda altruísta, encarada como finita e não produtiva, a 516 Entrevista realizada com Roberto Py da Silveira. Duração: 1h 26 min. Local: Porto Alegre. Data: 23/02/2016. 517 CANOAS. Plano de Desenvolvimento Metropolitano. 2 vol. Consórcio URPLAN-ORPLAN, 1970. Acervo Arquivo Histórico de Canoas. 518 CANOAS. Plano de Desenvolvimento Urbano – versão de divulgação. 1972. Acervo Biblioteca João Palma da Silva (Canoas). 519 265 partir da descontinuidade oficial do assistencialismo nas relações internacionais, desde a década de 1970. No entendimento alemão, a ideia de “ajudar um país para ele se autoajudar” pressupunha que os projetos transnacionais servissem de ponto de partida para o desenvolvimento de propostas futuras e não ficasse estanque à mera transferência de capitais, sejam eles de qualquer natureza (financeiros, intelectuais ou tecnológicos). Segundo está explícito em um dos relatórios do BfE sobre a segunda fase do planejamento da RMPA “Agora o GERM tem seus próprios profissionais qualificados que são capazes de trabalho de planejamento continuado, iniciadas durante o período inicial do projeto”. Destarte: “(...) a assistência técnica nos domínios abrangidos até agora no planejamento do desenvolvimento estratégico não é mais necessária”.520 Com base nessa máxima, pretende-se clarificar as especificidades quanto à formação de uma equipe mista teuto-brasileira na composição do projeto de planejamento da RMPA. * Em primeiro lugar, é importante sopesar os condicionantes determinados pelo próprio Acordo de Cooperação Técnica de 1963 ao qual o ajuste respondia, em primeira instância. Conforme destacou-se em seção oportuna521, apesar dos esforços para a classificação dos projetos em termos de cooperação e não de “ajuda” pura e simples, o tom assistencialista permeou a cooperação internacional da Alemanha em relação ao Brasil de forma invasiva até, pelo menos, a década de 1990. Em nível nacional, isso ficou claro dado o fato do Acordo de Cooperação Técnica ter sido condicionado aos protocolos de cooperação financeira e marítima e à aprovação dos acordos de cooperação financeira. Na mesma direção, demonstrou-se não estar claro, tratando-se de um projeto de cooperação e não assistência, qual seria a contrapartida brasileira às vantagens concedidas pela RFA. O deslocamento de olhar em direção ao caso do planejamento da RMPA permite a colocação de algumas problematizações. A primeira delas diz respeito à 520 BfE. Implemetierung GrossraumPlannung Porto Alegre. s/d. Ref.: B213 25/190. Acervo Bundesarchiv Koblenz. 521 Ver item 3.3 desta tese. “O Acordo de Cooperação Técnica com a RFA”. 266 relativa autonomia barganhada pelos técnicos envolvidos: o projeto em foco notabilizou-se por ter sido o primeiro em cooperação internacional a formar uma equipe mista de trabalho, que delegava poderes iguais aos alemães e aos brasileiros. Tal condição não foi acordada em nenhum ato oficial, mas, sim, através de negociações alcançadas por Danilo Landó, designado para tramar o projeto na Alemanha pelo governo brasileiro no início da década de 1970. O arquiteto-urbanista revelou, em detalhes do trato, que exigiu junto às autoridades que a distribuições de poderes entre os grupos fosse igualitária. O seu depoimento é permeado pela tentativa de equiparar papéis oficialmente previstos em desigualdade: (...) acertamos de fazer uma comissão mista e eu fui então encarregado pelo lado brasileiro. Tu não imaginas as brigas. Eu já tinha mestrado nos EUA. No acordo dizia que a coordenação técnica era do alemão. (...) Meu último argumento foi de quem eu estudei em universidade americana, vocês estão falando com um cara de igual para igual, não vem com superioridade que eu não aceito.522 Vislumbra-se senão a ruptura, a flexibilização de determinantes legais promovida pela ação individual de agentes frente a quadros sociais que se supõem imperativos quando analisados a partir de uma escala ampliada. Mas, ainda que tal negociação descortine uma posição bastante independente diante dos representantes do Estado alemão, os papéis sociais atinentes ao habitus dos agentes estão clarificados nos depoimentos dos profissionais brasileiros. Eles estruturam as suas falas com o respaldo das posições ocupadas por Brasil e Alemanha na ordem internacional da época. De acordo com Landó e Zilberman, respectivamente: (...) nós somos muito criativos, país subdesenvolvido é assim, acabamos inventando coisas. Eu era tido pelo arquiteto criador e eles muito ‘quadradinho, certinho, computador’. A ideia que eles tinham era de vir para cá ensinar os brasileiros. Ajuda técnica para os botocudos, interior do Brasil.523 (grifo meu) E uma das coisas que não podemos esquecer quando falamos sobre alemães é que eles são cartesianos. Toda vez que tu incluías uma visão sul-americana eles perdiam o solo: tendiam a dar ênfase à resposta técnica. Não é dizer que eles não sabiam ou conheciam. Na área social e ambiental eles vinham com propostas técnicas, ou seja, 522 Entrevista com Danilo Landó. Duração 3h22 min. Local: Porto Alegre. Data: 23/12/2015. 523 Entrevista com Danilo Landó. Duração 3h22 min. Local: Porto Alegre. Data: 23/12/2015. 267 o problema é afastar x mil metros cúbicos de água: e não era isso...524 (grifo meu) Outro relato agregador de visão retrospectiva provem de Dircer Schäffer, economista que participou do projeto do PDM desde o princípio e permaneceu ligado a METROPLAN nas décadas que se sucederam ao lançamento do PDM. O profissional, detentor de vasta experiência na área, chegou a elaborar uma proposta de análise do PDM, com vistas ao planejamento para o ano de 2053, com o intuito de rever opções da época e suas efetividades de implantação. Em depoimento concedido, Schäffer expôs o seu ponto de vista sobre o acordo bilateral: A cooperação técnica Brasil e Alemanha é parte da história geral de participação alemã na colonização do Brasil. Cada povo carrega consigo uma memória de conceitos. Nós brasileiros desconfiamos que existe alguma diferença de fundo se nos comparamos com o intelecto do povo europeu. A mente do profissional alemão traz impresso o princípio do progresso geral. Existe uma terminologia que nos diferencia deles. Referimo-nos a uma palavra e vocábulo em especial: o significado de “Técnico”. Não tem jeito: nós brasileiros não conseguimos captar a filosofia alemã e europeia sobre a territorialidade. (...) É o princípio de cultura que eles praticam no dia a dia das ruas e no trabalho. O continente é assim. O nosso jeito de ser profissional não é o mesmo jeito deles.525 (grifo meu) O principal ponto de embate entre as equipes foi o emprego da metodologia. Sabe-se que o diretor por parte da equipe alemã, o engenheiro Hans Karpe, foi substituido em meados de 1972 pelo economista Waldemar Wirsig. O assunto, envolto em polêmicas, é atribuído ao grupo de alemães, que discordavam das orientações de Karpe. Também Rainer Ernst foi afastado, segundo indícios que levam a crer que se tornou uma pessoa não grata pelo governo militar brasileiro. O técnico admite essa possibilidade, creditando o seu afastamento à publicação do artigo na Revista Baumwelt, através do qual criticou sistemas como o BNH. O artigo, embora produzido com material oficial, é rememorado como a provável causa do afastamento de Rainer da segunda fase do projeto. O arquiteto afirma, por um lado, 524 Entrevista realizada com Isaac Zilberman. Duração: 1h 38 min. Local: Porto Alegre. Data: 03/12/2015. 525 SCHAFFER, Dirceu. Depoimento obtido via e-mail. Data: 23/01/2016. 268 o seu posicionamento ao passo que interpreta que o projeto fosse desprovido de meandros políticos. O arquiteto contou que: (...) mas o interessante pra mim foi que estes marxistas me ensinaram muito sobre o Brasil através destas publicações e estes documentos, eles eram bolsistas de uma fundação americana. Para mm isso [seu desligamento do projeto] foi um pouco estranho. Eu eu tinha contato com pessoas que cumpriam pena porque era uma fase muito difícil da ditadura e acho que eu fui o único de toda a equipe que tinha um certo conhecimento do estava acontecendo no Brasil. Isto foi muito importante para entender o planejamento, mas o interessante é que todo o projeto nesta época não tinha nenhuma conotação política.526 Ernst divulgou no referido artigo que problemas ocorreram na missão preliminar, quando os “técnicos encontravam-se em difícil situação”, pois “já haviam elaborado alguns dos possíveis objetivos de planejamento regional, para os quais os grupos de trabalho poderiam trazer contribuições”. A despeito disso, “ninguém havia se preocupado sobre os objetivos dos próprios grupos de trabalho”527, expressando claramente que diretrizes políticas e/ou artificiais haviam sido listadas antes mesmo dos diagnósticos dos técnicos. Em julho de 1972, Danilo Landó compartilhou com o grupo que “a equipe de planejamento sofreu uma mudança estrutural e em função disso nós estabelecemos um um estudo analítico, que será concluído esta semana (...)”.528. Além das equipes responsáveis pela base econômica e pela espacial-física, foi criado um terceiro grupo, ligado à administração e finanças. Isso porque, conforme Roberto Py, “todo o material coletado não estava levando a lugar algum”529. Os alemães se pronunciaram sobre a polêmica acerca da metodologia de trabalho, em trecho no qual a engrenagem institucional do projeto foi duramente criticada: Esta discrepância rapidamente trouxe distorções na situação de trabalho. O grupo de trabalho não possuía auto avaliação nem concepção de trabalho significativa, era constituído de qualificação técnica, mas não tinha concepção significativa sobre a divisão de 526 Entrevista com Rainer Ernst. Duração: 2h 20 min. Local: Berlin. Data: 03/07/2015.. 527 ERNST, Rainer; SCHAEDER, WILHELM F. Regionalplannung in Entwicklungsländern – bericht über den Grossraum Porto Alegre. STADTBAUWELT 48. 64 Jahrgang. Deutschland. Dez – 1973. 528 Zero Hora. Prefeitos reúnem-se para falar com clareza. 23/07/1972. 529 GTZ. Dokumentation über die deutsche technische Zusammenarbeit mit Brasilien Erschienen. Eschborn: Deutsche Gesellschaft für Technische Zusammenarbeit, 1981, p. 45. Acervo IAI Berlin. 269 trabalho, encontrando-se isso lado do mundo exterior e submetido às obrigações da organização burocrática.530 Da parte dos brasileiros, alegou-se que os alemães não compreendiam as dificuldades em termos operacionais das propostas em pauta, que esbarravam na burocracia estatal brasileira e na falta de recursos financeiros. Ora, vale lembrar que os alemães eram empoderados pelos recursos financeiros de seu país e pela facilidade de ação que gozavam, diferente da situação política e econômica no Brasil, eminentemente restritiva. Essa distinção é crucial, tratando-se de seu campo de atuação profissional estar situado junto a Alemanha Ocidental, que se esforçava para construir uma imagem libertária e dinâmica em contraponto às áreas sob domínio da U.R.S.S. no país, incluindo parte da capital Berlim. A Alemanha possui uma tradição em termos de planejamento urbano peculiar, tanto em sua porção “ocidental” quanto “oriental”. O país observou sua capital ser transformada em ruínas após a Segunda Guerra Mundial, alçando o campo do urbanismo a uma categoria privilegiada nas décadas seguintes. O Ministério do Urbanismo, cuja extinção chegou a ser cogitada quando da proposta de redução do gabinete, não só foi mantido, como afirmou sua importância com propostas como a chamada Lei do Urbanismo, idealizada por Lauritz Lauritzen, Ministro Federal. Em biografia dedicada sobre o agente, informou-se que: “cerca de meio milhão de habitações eram construídas, por ano, na RFA mas, a despeito disso não se podia prever quando seriam supridas todas as necessidades de habitações novas.531 A RDA, por seu turno, efetivou grandiosas obras de remodelação urbana na cidade, conhecida como “modernismo radical”532, famosa por construções de cunho conceitual e pelos numerosos conjuntos habitacionais. Segundo Fulbrook, a década de 1960 “foi a década da “revolução científico-tecnológica”, quando oportunidades de crescimento na carreira apareceram mais acessíveis na RDA” (2016, p. 222). Tais especificidades, aliadas à influência do planejamento de origem anglo-saxão, fizeram com que o planejamento urbano na(s) Alemanha(s), durante parte da 530 ERNST, Rainer; SCHAEDER, WILHELM F. Regionalplannung in Entwicklungsländern – bericht über den Grossraum Porto Alegre. STADTBAUWELT 48. 64 Jahrgang. Deutschland. Dez – 1973. 531 Biografia Lauritz Lauritzen. Acervo AN/Rio de Janeiro. 532 Para saber mais: http://www.berlinischegalerie.de/en/exhibitions/archives/2015/radically-modern/. Acesso em outubro de 2015. 270 segunda metade do século XX, tenha sido marcado pelo seu cunho social e funcional. Ao passo que alguns papéis foram reafirmados na hierarquia que permeia a realização do projeto, os alemães reconheceram que o planejamento proposto a Porto Alegre “encontrou seus limites tanto nas condições sociais brasileiras como também na forma de auxílio”533, referindo-se à presença de elementos assistencialistas e, não diferente, sua falta de habilidade para compreender a problemática social e a burocracia brasileira. O artigo publicado na Baumwelt, o aparato público é colocado em evidência pelos autores como um dos principais obstáculos ao sucesso do plano, visto que, de acordo com eles, os técnicos “foram privados em maior ou menor escala do aspecto financeiro e administrativo-organizacional (...) não podendo o projeto apresentar um programa de investimento e uma proposta de reforma administrativa”534. O especialista em planejamento regional W. Schaeder declarou seu receio diante da possibilidade de “que se percam os sonhos de utilização harmônica dos recursos como ocorreu em São Paulo” pois “interesses políticos antagônicos também podem prejudicar um plano”535. Os técnicos de Karlsruhe apontaram, por exemplo, outras características de cunho burocrático entre as dificuldades à operacionalização do projeto: o volume total extremamente grandioso do relatório; a falta de documentos individuais na língua alemã; a proporção relativamente elevada de discussões que não têm uma relação direta com o planejamento de Porto Alegre. Concepção que foi compartilhada por Enrst e Schraeder em seu relato, quando dizem que: Os diversos subgrupos não puderam organizar seu trabalho, desde logo, sob um rígido ponto de vista de programas aptos ao consenso, mas isolaram-se numa descrição própria das circunstâncias assim como dos aspectos legais que a elas levaram. Este desenvolvimento foi atribuído, inicialmente, à inexistência de um "mecanismo de trabalho para a coordenação do conteúdo" dos diversos grupos de trabalho.536 533 Institut für Regionalwissenschaft der Universität Karlsruhe. Stellungagme zum Projekt: Regionalplannug Porto Alegre/Brasilien: ausgearbeitet von der Projektgruppe “Porto Alegre”. Karlsruhe, 1974, p. 8. Acervo KIT/Karlsruhe Archiv. 534 ERNST, Rainer; SCHAEDER, WILHELM F. Regionalplannung in Entwicklungsländern – bericht über den Grossraum Porto Alegre. STADTBAUWELT 48. 64 Jahrgang. Deutschland. Dez – 1973. 535 Zero hora. O que a Grande Porto Alegre necessita para o planejamento. 30/10/1971. 536 ERNST, Rainer; SCHAEDER, WILHELM F. Regionalplannung in Entwicklungsländern – bericht über den Grossraum Porto Alegre. STADTBAUWELT 48. 64 Jahrgang. Deutschland. Dez – 1973. 271 Considerando-se a perspectiva transnacional do projeto, empresas alemãs podem ser arguidas. Segundo Ernst, a ideia de tecnocracia foi muito discutida nos anos de 1960 e 1970 na política interna da Alemanha537. Uma hipótese tangível vai ao acordo do estudo de Valente, que ressalta o conceito de “Planejamento de Projetos Orientado por Objetivos (Ziel Orientierten Projekt), promovido pelos alemães, no caso da GTZ. A autora afirma que: A discussão sobre planejamento levou a GTZ desenvolver, em 1970, uma metodologia de planejamento e gerenciamento de projetos orientada por objetivos baseado em logical framework approach, uma ferramenta utilizada pela maior parte dos organismos que atuam na cooperação para o desenvolvimento, que tem por finalidade básica enquadrar toda a estrutura de um projeto em uma matriz lógica, o que em si obscurece toda a face de negociação, conflito e conciliação permanentes em qualquer atividade social. (2010, p. 146) Por outro lado, tal procedimento reflete, em parte, a crença de que a hipervalorizarão técnica tornaria determinados projetos isentos de posicionamentos políticos e/ou interesses econômicos. Em tom crítico em relação a GTZ, Ernst denuncia que “o controle burocrático pela GTZ era só fiscalizar se os documentos ficavam prontos no tempo. Essa foi minha polêmica: eles visavam, apenas a conclusão do produto, o livro como produto”538. Aquela foi que intitulada pela GTZ como uma cooperação para o desenvolvimento com uma economia emergente” não trouxe benefícios somente ao Brasil, tampouco esteve restrita à criação de metodologias de planejamento. A entidade simboliza a presença institucional da RFA na América Latina, o que pressupôs uma ampla mobilização diplomática, administrativa e técnica. Além disso, a GTZ investiu o projeto de seu conceito próprio de planejamento urbano, extremamente funcionalizado e intuído como mais um instrumento, entre outros, de melhoria social do mundo periférico, tópico constante na trajetória institucional da agência. Em publicação sobre as políticas de melhoramentos urbanos na América Latina, lançada pela GTZ em 1987, lê-se no 537 Entrevista com Rainer Ernst. Duração: 2h 20 min. Local: Berlin. Data: 03/07/2015. 538 Idem. 272 prefácio a associação entre a qualificação do meio urbano e minimização do déficit habitacional: Por encargo del Gobierno de la República Federal de Alemania, la GTZ (Sociedad Alemana de Cooperación Técnica) apoya a paises en desarrollo en la búsqueda de soluciones para los problemas de la vivienda popular, dándole prioridad regional a los países de América Latina. La crisis económica que actualmente está afectando una gran parte de los países latinoamericanos, limita fuertemente el margen de acción de la politica habitacional y agrava la brecha entre fines sociales y factibilidad económica. Por esa razón, los proyectos de la vivienda popular exigen grandes esfuerzos de las instituciones promotoras.539 Nesses termos, infere-se que, para além de um componente metodológico, o que estava em jogo eram diferentes concepções de planejamento, confrontadas dentro da “esfera transnacional” sugerida, elemento que diretamente dialoga com a concepção de “ajuda para auto-ajuda” aqui discutida. O relatório de Karlsruhe reconheceu o caráter recente das propostas concebidas, constatando que “o planejamento regional integrado é, nos países desenvolvidos, uma conclusão precipitada e, ainda mais, nos países em desenvolvimento”540. Ao passo que os brasileiros percebem como o principal problema a não efetivação dos planos, os alemães os creditaram à sua elaboração original. Foi concluído que o projeto detinha fraquezas substanciais, tais como a ausência de publicações em alemão de alguns documentos, métodos desconexos, incrongruências na utilização de bases de dados e um tamanho excessivo “indicado para impressionar os leigos”. O pano de fundo desses pontos fracos era a justaposição entre noções de planejamento vigentes. Conforme segue: Uma análise detalhada do programa de desenvolvimento (...) e do quadro teórico em que se deve basear o planejamento do desenvolvimento do Grande Porto Alegre, resulta em um esquema 539 BISS, ROLAND. Política y gestión del mejoramiento urbano en América Latina / [Hrsg. Dt. Ges. Für Techno. Zusammenarbeit, Eschborn]. Rossdorf: TZ-Verlagsgesellschaft, 1987 (Sonderpubiikation der GTZ, No. 200). 540 Institut für Regionalwissenschaft der Universität Karlruhe. Stellungagme zum Projekt: Regionalplannug Porto Alegre/Brasilien: ausgearbeitet von der Projektgruppe “Porto Alegre”. Karlsruhe, 1974, p. 14. Acervo KIT/Karlsruhe Archiv. 273 parcialmente inconsistente com o uso confuso de certos termos, conceitos básicos de planejamento (...)541 Entre as noções citadas como confusas, estão termos como o de "ação" e "objetivo de ação". O parecer aponta que “metas de ação” e “soluções” são ilustradas como sinônimos, assim como as expressões "medidas" e "recomendações" ou "resultados"542. A pouca objetividade quanto à utilização de categorias de classificação urbana se estendeu à ideia de planejamento, comumente citada de forma homônima ao termo desenvolvimento. A falta de clareza se perpetua quando se leva em conta os tipos de planejamento. Não diferente foi o emprego de palavras associadas a terminações tais como “integrado”, “regional” e “metropolitano” enquanto sinônimos. Observa-se que o termo “região metropolitana”, por exemplo, apesar de ter sido reconhecido pela legislação brasileira em 1973, já era utilizado em período anterior pelos manuais técnicos e, usualmente, como similar para “área metropolitana”. A expressão “Grande Porto Alegre”, também era uma constante, provavelmente porque seu termo equivalente na língua alemã é Grossraum. Tendo alguns setores prioridade no planejamento do desenvolvimento, o ordenamento territorial tanto foi realizado em função deste desenvolvimento quanto indutor dele. O planejamento urbano foi compreendido como um instrumento, e não somente um conceito ou um background teórico, pois um “programa deve ser convertido em um conjunto de quantitativamente avaliado e adaptado a outros fins e meios com a alocação de recursos, ferramentas e fases e com a distribuição de tarefas e responsabilidades”543. O ponto de vista sobre um planejamento eminentemente dinâmico e vinculado ao ideal de “Hilfe zur Selbsthilfe” é compartilhada no artigo da Baumwelt, no qual se lê que: o planejamento é um processo que nunca é considerado como concluído, mas uma constante revisão e adaptação (...) Deve ser a principal tarefa de um grupo consultivo ativo de curto prazo, não 541 Idem, p. 15. 542 Ibidem. 543 ERNST, Rainer; SCHAEDER, WILHELM F. Regionalplannung in Entwicklungsländern – bericht über den Grossraum Porto Alegre. STADTBAUWELT 48. 64 Jahrgang. Deutschland. Dez – 1973. 274 preparar um plano, mas a capacidade de planejamento homólogo nativo para produzir efeitos.544 Tal acepção está alinhada com aquela que anuncia o planejamento global a partir da diversificação dos domínios envolvidos, o nível da integração entre eles e o seu encaminhamento para um objetivo comum e relacionado a uma conjuntura mais ampla, em dimensão nacional, por exemplo. De acordo com os profissionais, esse não era um projeto “pronto”, mas que pressupunha um processo de acompanhamento e avaliação permanente, submetido a fases como: a) inventário e análise: b) definição e disposição hierárquica de objetivos normativos. A valorização e sistematização de informações-problema foram vistas como componentes primários da tarefa de planejamento, pois: Só depois de uma análise sistemática dos problemas que o planejador é capaz de definir um conjunto de metas normativas. A definição está intimamente relacionada com um arranjo hierárquico destes objetivos, o que só é possível se os conflitos entre os objetivos claramente definidos e as prioridades forem corrigidos. Tanto a definição e estabelecimento de prioridades não são nada mais do que o estabelecimento de juízos de valor derivados do Plano (...)545 A discussão compartilhada sobre as noções de planejamento integrado e global, elemento central no testemunho dos técnicos alemães na Baumwelt, está profundamente entrelaçada com os propósitos de desenvolvimento do governo da RFA, cujas prioridades em termos de cooperação e/ou auxílio técnico eram sociais e econômicas, ainda que pela via urbanística. A troca de fluxos promovida pela cooperação técnica entre Brasil e RFA causou fissuras que, sob esse viés, foram cimentadas no campo político e esbarraram na não concretização das propostas contidas no PDM. Sob outro prisma, lida-se com a potencialidade contida na carga conceitual e prática que os profissionais envolvidos na experiência do PDM carregaram consigo dentro do horizonte de promoção de novos projetos. Nesses termos, um olhar sobre a carreira dos técnicos é emblemático. Foi apontado em outras oportunidades ao longo desta tese, que foi precisamente a ênfase a algumas trajetórias individuais que conferiram 544 Idem. 545 Ibidem. 275 equilíbrio à abordagem marcada por uma concepção sustentada em elementos ligados às conjunturas nacionais dos países envolvidos. Grande parte da equipe brasileira construiu trajetórias excepcionais dentro do campo do planejamento. Envolveram-se em outras propostas de vulto, ocuparam repartições públicas e tornaram-se lideranças em entidades profissionais. Deve ser dito que sua atuação não é sinônimo da incorporação dos fluxos promovidos pelo projeto do PDM. Mas, se a ideia do projeto de planejamento da RMPA a partir do convênio internacional não era a de promover a ajuda em si, materializada em um produto final, mas lançar substratos para o gerenciamento de novas problemáticas546 com base no princípio da “auto-ajuda”, considera-se, de acordo com os temas acima mencionados, que o projeto atingiu seus objetivos. Desta forma, deslocou-se o critério de avaliação sobre o PDM: ele não é ancorado em termos do foi materializado, mas, na circularidade de práticas e conceitos promovidos junto à esfera transnacional gerada em decorrência do projeto, por sua vez promotor de outras iniciativas. 546 É importante destacar, nesta direção, que o próprio Plano a cidade de Porto Alegre, lançado pela Lei Complementar 43/1979, será chamado de Plano de Desenvolvimento Urbano (PDDU). 6 CONSIDERAÇÕES FINAIS Tendo em vista que buscou-se atender a boa parte das arguições relativas ao problema de pesquisa desta tese no item imediatamente anterior, resguardou-se este espaço final para sintetizar inferências basilares e, sequencialmente, apontar possibilidades de estudo vislumbradas durante a confecção da pesquisa. Alguns desdobramentos tangentes ao eixo central que nortearam a composição do trabalho – planejamento, regiões metropolitanas e cooperação técnica – impuseram-se. Eles são relativos: i) ao componente autoritarismo enquanto uma constante; ii) à institucionalização da questão urbana e metropolitana, ancorada em preceitos econômicos; iii) ao espaço de flexibilização criado dentro desse quadro pela cooperação técnica internacional. Os argumentos que sustentam essas deduções podem ser extraídos de elementos e situações evidenciadas em todos capítulos, conforme descreve-se a seguir. No capítulo de abertura, ao considerar-se a escala nacional sob a égide do governo ditatorial (e suas prerrogativas históricas), lançou-se uma perspectiva de análise sobre o autoritarismo territorial. Mais do que falar do esvaziamento de laços de pertencimento quanto ao uso do espaço público, identificou-se que o Estado incidiu sobre os territórios, procurando organizá-los a partir de uma dinâmica autoritária e desenvolvimentista. Tal construção foi promovida por um projeto de planejamento que entendia a industrialização como a principal alternativa ao subdesenvolvimento atribuído ao Brasil junto à ordem internacional. Esse modelo não foi iniciado com a Ditadura, tampouco totalmente abandonado ao seu fim, mas assumiu uma configuração particular durante o regime. Depreendeu-se daí que a questão urbana – a despeito das pretensões aspiradas pelos profissionais da área da Arquitetura e do Urbanismo – foi incorporada ao organograma institucional pós-Golpe como um domínio desprovido de legitimidade que vinha perseguindo. De fato, não foi criado um Ministério do Urbanismo ou similar. Suas demandas foram, de certo modo, enfraquecidas ao terem sido utilizadas como ferramentas instrumentais ao projeto econômico estatal ou setorizadas, como foi o caso da habitação. Compreendeu-se que o reconhecimento do planejamento como um campo para a condução dos problemas 277 urbanos por parte da opinião pública e pelo Estado ocorreu em meio a sua centralização e ao silenciamento de pontos que privilegiavam a esfera social. No mesmo sentido, concluiu-se que arquitetos e urbanistas foram, de certo modo, descolados de seu habitus profissional e transformados em técnicos burocratas a serviço do Estado, ao lado de agentes de outras áreas. Uma hipótese tangível é relativa à própria articulação profissional e política que detinham em momento anterior ao Golpe, possivelmente encarada como um problema à ordem pelo comando militar. Por outro lado, cabe a ressalva em torno do fato de que, se parte dos agentes foram expurgados, muitos deles também tiveram suas trajetórias resignificadas a partir de projetos e cursos promovidos sob a guarda e patrocínio do Estado repressivo. Com isso, não se pretende associá-los enquanto contribuintes diretos da Ditadura Militar, mas afirmar a duplicidade que envolveu a categoria profissional perante um regime que prezou a setorização e a exequibilidade de suas propostas. O projeto nacional de regionalização tangencia o tema autoritarismo e as disputas por espaços de legitimidade na condução da questão urbana no Brasil durante as décadas de 1960 e 1970. As práticas dele decorrentes são indiciárias de como o componente autoritário foi suavizado com o respaldo da técnica e tecnologia: nesses termos, a disciplinarização urbana, usualmente só explorada pela historiografia em relação às reformas urbanas do início do século XX, do mesmo modo encontrou respaldo nesse quadro temporal. Um destaque cabe quanto ao uso de instrumentos e equipamentos: o seu valor para a constituição de projetos urbanos é merecedor da dedicação dos estudiosos do assunto, tanto quanto as correntes teóricas urbanísticas e programas de atividades de órgãos, focos mais comuns de investigação. Tais matérias não fariam sentido de serem cotadas caso não traçassem correspondências com o escopo desta tese em sua totalidade. Nesse sentido, avaliou-se, a partir das análises realizadas no segundo capítulo, que o projeto desenvolvimentista associado ao autoritarismo encontrou nas regiões metropolitanas brasileiras o seu território de materialização por excelência. Este traço é reconhecível na institucionalização das RM’s, alocadas no setor voltado ao desenvolvimento econômico, nos privilégios legislativos concedidos à instalação de fábricas nessas localidades (e não mais nas grandes capitais), em projetos de 278 remoção de bairros residenciais em prol de indústrias e, finalmente, na circulação de saberes e nomenclaturas relacionadas às ditas cidades metropolitanas. Os vínculos das noções de desenvolvimento e planejamento – para muito além do regime militar brasileiro – são enfatizados no capítulo n.º 3. A indução econômica dos territórios esteva presente na divisão geopolítica mundial, na internacionalização de empresas e, no que diz respeito ao caso aqui priorizado, na prerrogativa para a assinatura do Acordo de Cooperação Técnica entre Brasil e RFA em 1963. Deste modo, os argumentos incluídos permitiram que o âmbito internacional não fosse apreciado apenas como um item indutor de um processo ocorrido a ser avaliado em escala reduzida ou mesmo um pano de fundo estático. Mas o diferencial dessa seção foi o de evidenciar que a cooperação internacional abriu um espaço de flexibilização das variáveis normativas oriundas do encontro dos campos técnico e político a partir da circulação dos conhecimentos especializados. Isto não quer dizer que as noções de cooperação e planejamento tenham sido destituídas de seu caráter político, como prova a permanência da ideia de assistencialismo, mesmo décadas após a noção de cooperação ter sido adotada como prática diplomática oficial. Tendo em conta esses substratos, aferiu-se com base no estudo de caso específico do PDM, exposto no quarto capítulo, que o conceito de planejamento foi assentado mais em termos conceituais do que empíricos, conforme indica a circulação do projeto em revistas e livros acadêmicos, a despeito da execução das obras. A ideia, a rigor, que pressupõe acompanhamento em uma dinâmica a longo prazo e é suscetível a reorientações, teve seu sentido retirado tanto pela ajuda limitada provinda da cooperação – que pressupôs mudanças profundas em menos de uma década – quanto pela não incorporação, por parte do campo político, de algumas das sugestões dos experts. Com efeito, os técnicos produziram diagnósticos que contemplavam questões sociais. Mas o Estado valeu-se, notoriamente, das proposições espelhadas no projeto desenvolvimentista nacional (à exemplo da execução dos distritos industrias). A RMPA não pode ser apreendida como uma consequência final do processo metropolização, tampouco um produto automático do planejamento metropolitano. Está envolta, afinal, em uma dinâmica mensurável em termos temáticos, espaciais e temporais, sem contar os contornos políticos, institucionais e técnicos que a revestem. 279 O caso do PDM, promovida via cooperação internacional, reforçou um modelo gestado a partir de hierarquias assumidas ao buscar planejar uma região por meio de variáveis que desconsideram a dinâmica histórica que lhe é própria. Em outras palavras, o mesmo Estado que promovia a precariedade do meio urbano, através da priorização da esfera econômica em suas políticas urbanas e territoriais, buscou amenizá-las através de políticas compensatórias, sendo a cooperação técnica uma delas. Resta arrazoar as características da esfera transnacional sugerida. Ela indicou que, de fato, o mundo entre espaços formado por componentes menos flexíveis (como orientações políticas, trajetórias institucionais e lugar na ordem internacional), por assim dizer, não desfez hierarquias. Os técnicos envolvidos no projeto, tanto por parte do Brasil quanto da Alemanha, carregam o habitus vinculado ao seu papel. Mas, a despeito dessa construção normativa, fundamentada em instituições, regras e procedimentos que regularam as trocas entre Estados e agentes vinculados a RFA e ao Brasil, a circulação de saberes técnicos e acadêmicos permitiu a flexibilização de aspectos. São eles: a ideia de o país desenvolvido ser um doador provido de interesses alheios aqueles previstos no projeto; a passividade por parte do grupo receptor e a invariabilidade de ambas as partes na representação de seus papéis no projeto. Pelo contrário, revelou-se interesses por parte do Brasil, sejam eles políticos (favorecimento de regiões) ou técnicos (solicitações de ajuda). O deslocamento de papéis começou com o próprio esquema de coordenação bilateral montado e perpetuou-se nas trocas e embates relativos aos domínios dos conteúdos sobre a RMPA. O campo técnico foi, portanto, promotor tanto de continuidades, como o autoritarismo territorial, quanto de rupturas, à exemplo das propostas elaboradas em conjunto. Aquilatou-se que os conhecimentos correlatos ao projeto não foram aplicados no sentido de “ensino” ao grupo brasileiro, a despeito das impressões dos depoentes: as obras que divulgam o projeto na Alemanha, no decorrer da década de 1970, são significativas no sentido das trocas efetivadas – e, principalmente, que é possível falar em temos de circulação de saberes e não somente influências. O que é aprecivável nas teorizações sobre o fenômeno metropolitano que, em nível geral na Europa, foi marcado primeiro por matrizes estéticas ainda no século XX (promoção de cidades-jardins periféricas) e, após os dois grandes conflitos 280 mundiais, por elementos funcionais (reconstrução de habitações). Ambos componentes trouxeram avanços ao planejamento da RMPA, que lançou luz sobre o problema habitacional e o meio ambiente. É interessante ter em conta que outros projetos de cooperação técnica ocorreram na RMPA ao longo das décadas seguintes, sendo o mais expressivo deles o PRORENDA, na década de 1990, a partir de um convênio com a Alemanha e a GTZ. Tomando a própria cooperação técnica como um objeto, valoriza-se a confecção de uma pesquisa que busque apontar diferenças de orientação em contextos históricos múltiplos. O mesmo princípio é válido para comparações entre regiões contempladas por projetos de cooperação, registrando-se a atuação da GTZ na Região Metropolitana de Belo Horizonte, desde a década de 1980. Tal detalhamento é relevante em termos de comparação com a conjuntura urbana contemporânea que, evidentemente, também é afetada por interesses que advém do mercado imobiliário e da ação de empreiteiras. O diferencial das regiões metropolitanas, incluindo a RMPA, no quadro temporal avaliado, é que a organização autoritária e pautada por quesitos econômicos foi promovida em nome do projeto desenvolvimentista nacional, o que está expresso em termos legislativos, no organograma institucional e nas publicações técnicas. * Uma vez sintetizadas as inferências delineadas pela proposta desta tese, ressalta-se algumas oportunidades de estudos passíveis de aprofundamento, tendo por base os acervos documentais mencionados na Introdução. Ao encerrar-se um longo esforço de pesquisa, tem-se consciência de que diversos aspectos detectados nas fontes não puderam ser incorporados aos resultados ora compartilhados, seja pela condução analítica configurada em prol dos objetivos do trabalho, seja pelo enorme e desafiador manancial de documentação reunida – cuja parte considerável está em língua alemã. As fontes oriundas dos arquivos da Alemanha resguardam potencialidade de pesquisa pelo ineditismo que carregam, ponderando o seu difícil acesso a estudiosos brasileiros. Mas, isoladas de um problema de pesquisa, pouco diriam: retoma-se aqui os seus usos diante da não extensa historiografia dedicada às relações entre Brasil e Alemanha após a Segunda Guerra Mundial e, igualmente, do 281 ainda mais reduzido grupo que aborda tópicos ligados à cooperação técnica. Arguiuse ao longo desse trabalho, notadamente, projetos e relatórios elaborados pelo governo e por instituições alemãs tendo como substrato a metodologia qualitativa. Há uma parcela vultosa, no entanto, deixada de lado: essa documentação, de origem administrativa, pode vir a contribuir com estudos futuros baseados em aspectos quantitativos e, nessa condição, flexibilizadores de convenções e consensos associados a história entre esses dois países. Em relação ao outro eixo orientador desta tese, o planejamento urbano, é latente a riqueza conjecturada pela tomada de conhecimento dos acervos da SEPLAN e do MINTER, sob guarda do Arquivo Nacional, em Brasília. Tais averiguações são valiosas de somarem-se aquelas que analisam as instituições de urbanismo no Brasil durante as décadas de 1960 e 1970, unicamente através de publicações oficiais de órgãos como o SERFHAU e o BNH. Segundo buscou-se demonstrar a partir de amostras documentais, um tratamento dos processos movidos por essas entidades revela detalhes não incluídos em suas diretrizes e programas de ação e dá a chance aos pesquisadores de conhecerem detalhes sobre sujeitos e instituições envolvidos nos projetos, incluindo suas reivindicações e embates. Na mesma direção, está o verdadeiro “mundo à parte” representado pelos jornais. Ao lado das notícias que envolveram o planejamento e a institucionalização da RMPA, notabilizam-se inúmeras manchetes sobre a precariedade urbana nas cidades metropolitanas. Os periódicos são suscetíveis de interrogação quanto ao tipo de desenvolvimento que desejavam promover em contrapartida à precariedade urbana que seus editorais compartilhavam, não excluindo seu o seu potencial de exploração enquanto objeto e não apenas fontes de consulta. No âmbito da circulação de ideias e saberes, frisa-se a necessidade da qual carecem os estudos sobre as regiões e cidades metropolitanas brasileiras em termos de aprofundamento e diversificação, especialmente do ângulo histórico. Entende-se que, parte do processo de “desnaturalização” de estereótipos passa pela decodificação das próprias nomenclaturas e práticas que convencionou-se atribuir a esses territórios. Dentro desse escopo, destacam-se as publicações oriundas do IPEA, que atingiam grande escala de difusão à época, em acordo com a posição privilegiada do Instituto dentro do organograma institucional voltado à questão urbana. 282 As matrizes conceituais e teóricas propagadas pela IPEA é um nicho de pesquisa pouco explorado, tendo em conta a projeção de pontos de vista oriundos tanto da Arquitetura e do Urbanismo, quanto da Geografia e da Economia. Nesta tese, só puderam ser incorporadas obras oriundas da sede localizada no Rio de Janeiro: as duas tentativas de consultar o acervo da sede de Brasília durante o ano de 2014 foram sem sucesso, diante da não disponibilidade das obras ao público, sob alegação de reorganização da biblioteca. Destaca-se a interessante perspectiva de pesquisa contida em um estudo sobre a trajetória de técnicos e agentes, cuja pesquisa ganhou seus traços iniciais através de um esboço de mapeamento de suas filiações profissionais, exposta nos apêndices números 1 e 2 desta tese. Ajuizando a distância temporal da ocorrência do PDM em relação ao tempo presente, cumpriu-se aqui – ainda que parcialmente – uma atividade de alta importância que foi a de registrar, em depoimentos orais, as memórias de alguns profissionais envolvidos no projeto, incluindo alemães. Sopesando tanto as lacunas preenchidas a partir de seus depoimentos quanto o enriquecimento analítico que sua inclusão proporcionou ao trabalho, julgou-se mister a concretização de entrevistas com outros técnicos. Seriam, destarte, criadas condições para a formação de um acervo oral e de um banco de dados dedicado ao campo do planejamento urbano no Rio Grande do Sul. Por fim, reporta-se ao tema no qual esta tese encontrou o seu limite, qual seja, os conteúdos do PDM. Uma pesquisa sobre as teorizações, modelos e influências propagadas no Plano (como o caso do modelo Lowry, de origem inglesa) chegaram a ser cotados como o tópico de um quinto capítulo plausível do trabalho. Esbarraram, todavia, nos objetivos anunciados e na mobilização de outros aportes que provocariam: seja na menção a outros projetos aos quais o PDM vincula-se, seja no acionamento de ferramentas metodológicas imprescindíveis à análise. Nessa direção, calculou-se o quão acertado seria, dentro desse desígnio, um olhar mais vigoroso sobre fontes tais como os registros cartográficos incluídos no projeto, os quais foram dispensados de apreciação devido a critérios metodológica=os. Esse propósito poderia incluir detalhes sobre a influência da equipe alemã em termos 283 teóricos e não só técnicos, cogitando-se, por exemplo, a disseminação das proposições relativas a Escola de Bauhaus547, desde a década de 1930. Avalia-se, em tempo, que o presente trabalho procurou mais abrir do que fechar questões. Reafirma-se, com isso, a opção por uma estrutura configurada a partir do cruzamento de fontes e escalas múltiplas. Para além de um recurso teóricometodológico foi, precisamente, essa alternativa que assegurou as principais inferências expostas na presente tese. O planejamento da Região Metropolitana de Porto Alegre/RS apresentou-se como um caso notável. Através de seu estudo, foi possível acompanhar a empiricização de alguns dos princípios emanados pelas políticas públicas de planejamento urbano do período, sem perder de vista as especificidades locais e, notadamente, as contribuições e conflitos próprios a um processo de internacionalização. Recentemente, ocorreu o reconhecimento de uma nova região metropolitana no Rio Grande do Sul. É a chamada Região Metropolitana da Serra Gaúcha, cujo núcleo é a cidade de Caxias do Sul. Além do mais, há um debate em estágio avançado sobre a criação da Região Metropolitana da Zona Sul, centrada na cidade Pelotas. Tais fatos agregam atualidade ao tema e desafiam os pesquisadores a estabelecem paralelismos entre as demandas do tempo presente e aquelas do passado no que tange ao fenômeno metropolitano. Ao finalizar um estudo que foi um esforço inicial em direção a reconstituição da história de um projeto nunca antes contemplado em nível aprofundado, anseia-se que os tópicos, fontes e problemáticas compartilhadas possam ter promovido, por um lado, avanços quanto às temáticas já solidificadas e lançado, por outro, perguntas capazes de avançar em relação a um panorama de pesquisa revigorado sobre as regiões metropolitanas e a história da internacionalização do planejamento urbano no Brasil. 547 A Staatliches-Bauhaus foi fundada em 1919 pelo arquiteto Walter Gropius, e é notoriamente conhecida pela unificação que promoveu quanto à unificação de disciplinas como arquitetura, escultura e o desenho industrial. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ABREU, Luciano Aronne de. Centralismo, federalismo e autoritarismo no Brasil (1937-1945). IN: ABREU, Luciano Aronne de; LOSSO, Tiago; SILVEIRA, Helder Gordim da. Estado e desenvolvimento: política e relações internacionais no Brasil Contemporâneo. Porto Alegre: Asterisco, 2010. __________; SILVEIRA, Helder Gordim da. De Vargas aos Militares: autoritarismo e desenvolvimento econômico no Brasil. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2014. ALMEIDA, Maria Soares de; MOG, William. A Imagem do Ambiente Habitacional Dos Anos 1970: A Região Metropolitana De Porto Alegre: “O Caso Da Morada Do Vale I”. IN: Anais dos Encontros Nacionais da ANPUR. Desenvolvimento, planejamento e governança – Recife, V. 15, 2013. ____________; SOUZA, Célia Ferraz. Porto Alegre - A Metrópole em Formação Constituição e Institucionalização das Regiões Metropolitanas Brasileiras. IN: Anais do III ENANPARQ. São Paulo: 2014. v. 1. ALONSO, José Antônio Fialho. Caracterização econômica da Região Metropolitana de Porto Alegre nos anos 90. Indicadores Econômicos FEE. FEE: Porto Alegre, v. 29, n. 1, p. 253-293, 2001. ____________. Gênese e Institucionalização da Região Metropolitana de Porto Alegre. IN: Textos para discussão FEE N.º 29. Porto Alegre: Secretaria do Planejamento e Gestão, 2009. ALVES, Maria Helena M. Estado e oposição no Brasil (1964-1984). 5ª ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 1989. AMENDOLA, Mônica. Uma avaliação do ordenamento territorial no processo de planejamento governamental: estudo do Rio de Janeiro (Tese de Doutorado). Departamento de Geografia: Universidade de São Paulo, 2012. AZEVEDO, Sérgio de; SANTOS JUNIOR, Orlando Alves; RIBEIRO, Luiz César de Queiroz. A na modernidade da periferia: o Brasil em foco. IN: SARAIVA, Tiago; CABRAL, Manuel; SILVA, Filipe Carreira (orgs.). Cidade e cidadania. Lisboa: Imprensa de Ciências Sociais, 2008. BANDEIRA, Moniz. O “Milagre Alemão” e o Desenvolvimento do Brasil: as relações da Alemanha com o Brasil e a América Latina (1949-1994). São Paulo: Editora Ensaio, 1994. BARCELLOS, T.; JARDIM, M. Migração e divisão social do espaço na Região Metropolitana de Porto Alegre. Indicadores Econômicos FEE, Porto Alegre, v. 35, n. 1, p. 121-136, ago. 2007. 285 BARTH, Jutta; BROSE, Markus. Participação e governo local: balanço de uma década de cooperação técnica do governo alemão no Rio Grande do Sul. Porto Alegre: ed. Sulina, 2002. BENEVOLO, Leonardo. História da arquitetura moderna. São Paulo: Perspectiva, 2012. BRENNER, Neil. (ed.) Implosions/Explosions: Towards a Study of Planetary Urbanization. Berlin: Jovis, 2013. BIELSCHOWSKY, R. Pensamento econômico brasileiro: o ciclo ideológico do desenvolvimentismo. Rio de Janeiro: IPEA/INPES, 1988. BISS, Roland. Política y gestión del mejoramiento urbano en América Latina GTZ: Eschborn. Rossdorf: GTZ-Verlagsgesellschaft, 1987 (Sonderpubiikation der GTZ, n. 200). BOMFIM, Paulo Roberto de Albuquerque. Michel Rochefort e o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística na década de 1960. Soc. & Nat., Uberlândia, 27 (3): 365378, set/dez/2015, p. 365-378. BONINI, Altair. Industrialização, urbanização e trabalho nas décadas de 1960 e 1970: a construção do Paraná moderno. IN: Anais do Seminário do Trabalho. Marília, 2008, p. 01-16. BÖETTGE, Maiara B. et. al. A estruturação de um banco de dados digital geográfico do acervo aerofotogramétrico da Agência de Desenvolvimento da Lagoa Mirim: resultados preliminares. IN: 21º Congresso de Iniciação Científica UFPel, 2012. BOURDIEU, Pierre. Razões Práticas. 3.ed. Campinas: Papirus, 2001. _____________. O mercado de bens simbólicos. In: ____________. A economia das trocas simbólicas. São Paulo: Perspectiva, 2007. ________________. As regras da arte. São Paulo: Companhia das Letras, 1996. BLUMENHAGEN JR., Frederico. As Relações Brasil/Alemanha Oriental: o Universalismo, os Comunistas e as Alemanhas. Anais do XXVIII Simpósio Nacional de História. Florianópolis: ANPUH, 2015. BRANDÃO, Carlos. Território e Desenvolvimento. As múltiplas escalas entre o local e o global. Campinas, SP: UNICAMP, 2012. BRESCIANI, Maria Stella (orgs.) Palavras da cidade. Porto Alegre: Ed. da UFRGS, 2001. ______________. O charme da ciência e a sedução da objetividade. Oliveira Vianna entre intérpretes do Brasil. São Paulo: Editora UNESP, 2005. ______________. Cidade e História. In: OLIVEIRA, Lucia Lippi de (org.). Cidade: História e desafios. Rio de Janeiro: Editora da FGV, 2002. 286 BONDUKI, Nabil Georges. Origens da habitação social no Brasil: arquitetura moderna, lei do inquilinato e difusão da casa própria. São Paulo: Estação Liberdade, 1998. _______; KOURY, Ana Paula. Das reformas de base ao BNH: as propostas do Seminário de Habitação e Reforma Urbana. IN: Anais do XII Encontro Nacional da ANPUR (XXII ENANPUR). Belém: ANPUR, 2007. BUENO, Clodoalvo; CERVO, Amado Luiz. História da política exterior do Brasil. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2002. CALABI, Donatella. História do urbanismo europeu: questões, instrumentos, casos exemplares. São Paulo: Perspectiva, 2012. CAMACHO, Luis Eduardo. Sociedad Interamericana de Planificación, SIAP 50 años Vida institucional y programática. Revista Bitácora Urbano Territorial [en linea] 2007, 11 (janeiro-dezembro). Disponível em: http://www.redalyc.org/articulo.oa?id=74811117 CAMARGO, A.R.; LAMPARELLI, C.M.; GEORGE, P.S.C. Nota Introdutória sobre a Construção de um objeto de estudo: o Urbano. Etc: Espaço,Tempo e Crítica. n°1, v.1., 2007. CAMPOS, Roberto. A Experiência brasileira de Planejamento. IN: SIMONSEN, Mario Henrique e CAMPOS, Roberto De Oliveira. A Nova Economia Brasileira. Rio De Janeiro: Livraria José Olympio Editora, 1974. CAMPOS, Taiane Las Casas (org.). Desenvolvimento, desigualdades e relações internacionais. Belo Horizonte: Ed. PUC Minas, 2005. CAMPOS, Pedro Henrique Pedreira. A Ditadura dos Empreiteiros: as empresas nacionais de construção pesada, suas formas associativas e o Estado ditatorial brasileiro (1964-1985). Tese de Doutorado. Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal Fluminense. Rio de Janeiro: UFF, 2011. CAMPOS FILHO, Cândido Malta et. al. Planejamento urbano: do populismo aos dias atuais. IN: Espaço e Debates. São Paulo, v.1, n. 4, 1981, p. 137 – 143. CARRION, Otilia K. Mercado Imobiliário e padrão periférico de moradia: Porto Alegre e sua Região Metropolitana. Ensaios FEE. Porto Alegre, v. 10, n. 2, 1989, p. 225250. CASTELLS, M. A questão urbana. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1983. CINTRA, Antônio Octávio; HADDAD, Paulo R. (orgs.) Dilemas do Planejamento urbano no Brasil. Rio de Janeiro: Zahar, 1978. _____________.; ANDRADE, Luiz Aureliano Gama de. Planejamento: reflexões sobre uma experiência estadual. IN: CINTRA, Antônio Octávio; HADDAD, Paulo R. (orgs.) Dilemas do Planejamento urbano no Brasil. Rio de Janeiro: Zahar, 1978. 287 CERVO, Amado. Política exterior e relações internacionais do Brasil: enfoque paradigmático. Revista Brasileira de Política Internacional, nº 46 (2), pp. 5-25, 2003. CHIARELLI, Ligia M.A. Habitação social em pelotas (1987 – 2010) influências das políticas públicas na promoção de conjuntos habitacionais. Tese de Doutorado (Programa de Pós-Graduação em História). PUCRS, 2014. CONSTANTINO, Núncia Santoro de. Modernidade, Noite e Poder: Porto Alegre Na Virada Para O Século XX. Tempo. Revista do Departamento de História da UFF, Niterói (RJ) UFRJ, v. 4, p. 49-64, 1997. ___________.Teoria da História e reabilitação da oralidade: Convergência de um processo. In: ABRAHÃO, M. H. M. B. A. (org.). A Aventura (Auto)Biográfica: Teoria & Empiria. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2004. p. 37-74. COSTA, Wanderley Messias da. O Estado e as políticas territoriais no Brasil. São Paulo: Perspectiva, 2013. 11ª ed. COSTA, Marco Aurélio; TSUKUMO, Isadora T.L. 40 anos de regiões metropolitanas no Brasil. Brasília: IPEA, 2013. CRUZ, Milton. A disputa pela representação de cidade na política de Planejamento Urbano. Tese de Doutorado. Programa de Pós-Graduação em Sociologia: UFRGS, 2012. DÉAK, Csaba. O processo de urbanização no Brasil: falas e façanhas. IN: DÉAK, Csaba; SCHIFFER, Sueli Ramos (orgs.). O processo de urbanização no Brasil. São Paulo: Ed. da USP, 1999. DE ANGELO, Michelly Ramos. Louis-Joseph Lebret e a SAGMACS. A formação de um grupo de ação para o planejamento urbano no Brasil. São Paulo: Alameda, 2013. DREIFUSS, René Armand. 1964: a conquista do Estado: ação política, poder e golpe de classe. Petrópolis: Vozes, 3ª ed., 1981. DREWSKI, Lutz; KUNZMANN, Klaus. PLATZ; Holger. Promotion of Secondary Cities. A Strategy for Development Cooperation. Eschborn: GTZ, 1991. FARIA, Rodrigo Santos de. O deslocamento de uma dimensão regional de planejamento para o planejamento metropolitano. Anais do II Encontro da Associação Nacional de Pesquisa em Arquitetura e Urbanismo. Rio de Janeiro: ANPARQ, 2012. _______________. O Departamento Nacional de Urbanismo e a institucionalização do setor de urbanismo no Governo Federal Brasileiro: um contínuo processo histórico. Oculum ensaios: Revista de Arquitetura e Urbanismo. Campinas, v.12(2), p. 311-333, jul-dez, 2015. 288 FARIA, Rodrigo de Sá (Org.); CERASOLI, Josianne (Org.) ; LIRA, F. B. (Org.) . Urbanistas e Urbanismo no Brasil: entre trajetórias e biografias. 1. ed. São Paulo: Alameda casa editorial, 2014. FAY, Claudia Musa. Crise nas alturas: a história da aviação civil no Brasil (19271975). Porto Alegre: EDIPUCRS, 2013. ____________; SCHEMES, C.; PRODANOV, C. C. Arriscar e inovar: uma geração de empreendedores gaúchos do século XX. História Econômica & História de Empresas, v. XIII, p. 157-186, 2010. FELDMAN, Sarah. Urbanismo e Planejamento Urbano no Brasil nos anos de 60, 70 e 80: permanências, inflexões e rupturas. Seminário 230 anos de Campinas. Campinas: 2004. Disponível on-line: http://www.campinas.sp.gov.br/governo/seplama/eventos-e- informacoes/seminario230/2seminario_primeira.php. Acesso em novembro de 2014. _____________. Planejamento e Zoneamento. São Paulo, 1947-1972. São Paulo: EDUSP/FAPESP, 2005. ____________. O arranjo SERFHAU: assistência técnica aos municípios/ órgãos de planejamento/empresas de engenharia consultiva. In: XI ENCONTRO NACIONAL DA ANPUR, 2005, Salvador. Planejamento, Soberania, Solidariedade, 2005b. v. 01. p. 01-16. ___________.1950. A década de crença no Planejamento Regional no Brasil. In: XIII ENANPUR: Encontro Nacional da ANPUR, 2009, Florianópolis. Florianópolis: ANPUR/UFSC, 2009. v. 01. p. 01-23. __________. As Comissões de Planos da Era Vargas. In: REZENDE, Vera. (Org.). Urbanismo na Era Vargas: a transformação das cidades brasileiras. Niterói: Editora da Universidade Federal Fluminense, 2012, v. 01, p. 21-44. ____________ O Serviço Federal de Habitação e Urbanismo (SERFHAU): avanços, limites e ambiguidades (1964-1975). In: I Encontro Nacional da ANPARQ, 2010, Rio de Janeiro. I ENANPARQ. Arquitetura, Cidade, Paisagem e Território: percursos e prospectivas. Rio de Janeiro: PROURB, 2010. v. 01. p. 01-20. FERNANDES, Ana. Urbanismo como política (1930-1945): formulações e experiências. IN: REZENDE, Vera (org.) Urbanismo na Era Vargas: a transformação das cidades brasileiras. Niterói: UFF/Intertexto, 2012, p. 45-70. FERRARI, Celson. Dicionário de urbanismo. São Paulo: Ed. DISAL, 2004. FERREIRA, Mauro. Planejamento urbano nos tempos do SERFHAU: o processo de construção e implementação do Plano Diretor de Desenvolvimento Integrado de Franca. Tese (Doutorado em Arquitetura e Urbanismo). USP São Carlos, 2007. 289 FERRUGEM, Carlos Alberto Eggler. Nos limites da história: Arq. Danilo Landó – um homem de visão. Porto Alegre: Rígel, 2011. FIALHO, Daniela Marzola. Cidades visíveis: para uma História da Cartografia como documento de identidade urbana. Tese de Doutorado, Programa de Pós-Graduação em História, Porto Alegre, UFRGS, 2010. FILHO, João Telmo de Oliveira. O ordenamento jurídico-institucional da Região Metropolitana de Porto Alegre e os desafios da gestão metropolitana. IN: Anais Encontros Nacionais da ANPUH, v. 10 (2003). FILHO, José Almir Farias. A prática urbanística no nacional desenvolvimentismo: velhos ensinamentos para o presente em andamento. IN: Anais dos Encontros Nacionais da ANPUR. Desenvolvimento, planejamento e governança – Recife, V. 15, 2013. FORTES, Alexandre. Nós do quarto distrito: a classe trabalhadora porto-alegrense e a Era Vargas. Tese de Doutorado, Programa de Pós-Graduação em História, UNICAMP, 2001. FRANCISCONI, Jorge. Noções sobre planejamento municipal integrado. Porto Alegre: CEPA, 1971. _________________. Propur – 20 anos. IN: CAFRUNI, Salma; LICHT, Flavia Boni.(orgs.). Arquitetura UFRGS: 50 anos de histórias. Porto Alegre: ed. Da UFRGS, 2002. FREITAS, José Francisco B. (org.) Diálogos: urbanismo.br. Vitória: EDUFES, 2010. FULBROOK, Mary. __________. História Concisa da Alemanha. São Paulo: Edipro, 2016. GARCÍA, Alejandro C. et. al. (ed.) Metrópolis desbordadas: poder, memoria y culturas em el espacio urbano. México: Universidad Autónoma de la Ciudad de México; Consejo Nacional de Ciencia y Tecnologia; Berlin: Freie Universität Berlin, 2011. GERTZ, René. O Estado Novo. IN: GERTZ, René (dir.); GOLIN, Tau; BOEIRA, Nelson (coord.) História Geral do Rio Grande do Sul: República: da revolução de 1930 a ditadura militar (1930-1985). Passo Fundo: Méritos, 2007. ____________. O perigo alemão. Porto Alegre: Ed. da UFRGS, 1998. GOHN, Maria da Glória. Teoria dos movimentos sociais: paradigmas clássicos e contemporâneos. 6ª ed. São Paulo: Edições Loyola, 2007. GÔUVEA, Ronaldo G. A questão metropolitana no Brasil. Rio de Janeiro: FVG, 2005. 290 GURGEL, Adriana. Comunicação e cidade: o habitar como invenção. Tese de Doutorado. Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Semiótica. PUCSP: 2014. HARDIMAN, Margaret; MIDGLEY, James. The social dimensions of development: social policy and planning in the Third World. 1982. HEINZ, Flávio; KORNDÖRFER, Ana Paula. Para que serve uma história social das instituições? IN: SOUTO et. al. Espaços de saber e poder: instituições e seus agentes na perspectiva da história social. Porto Alegre: Memorial do Ministério Público do Estado do Rio Grande do Sul, 2014. HERMET, Guy. Cultura e Desenvolvimento. Petrópolis, RJ: Ed. Vozes, 2002. HERNANDEZ, Melanie; ROEHRKASTEN, Sybille. A cooperação alemã para o desenvolvimento: contexto institucional e prioridades políticas. Revisra Tempo do mundo, 3 (3), p. 155-195, 2001. HERRLEIN JUNIOR, Ronaldo; CORAZZA, Gentil. Indústria e Comércio no desenvolvimento econômico (1930-1985). IN: GERTZ, René (dir.); GOLIN, Tau; BOEIRA, Nelson (coord.) História Geral do Rio Grande do Sul: República: da revolução de 1930 a ditadura militar (1930-1985). Passo Fundo: Méritos, 2007, P. 137-168. HORTA, Raul Machado. Direito constitucional brasileiro e regiões metropolitanas. Revista de Direito Público, v. 7, n. 29, p. 9-16, maio/jun. 1974, 04/1975. Biblioteca do Senado (on-line). Disponível em: http://www2.senado.leg.br/bdsf/handle/id/182005 Acesso em setembro de 2015. IANNI, Otavio. Estado e planejamento econômico no Brasil (1930-1970). Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1971. JACOB, Gerhard. A Cooperação em ciência e tecnologia entre o Brasil e a Alemanha. Inst. de Pesquisa de Relações Internacionais, Fundação Alexandre de Gusmão. Brasília: 1993. __________. A Cooperação em ciência e tecnologia entre o Brasil e a Alemanha. Sociologia, Pesquisa e Cooperação. IN: Baeta Neves, C.E. and Sobottka, E.A. (eds.). Porto Alegre: UFRGS, 2003, p. 55-78. LAMPARELLI, Celso Monteiro. Experiência Brasileira em Planejamento Urbano: Revista Sinopses, n. 13, 1993, p. 54-59. LAFER, Betty Mindlin. O conceito de planejamento. IN: LAFER, Betty Mindlin (org.). Planejamento no brasil. 3ª ed. São Paulo: Perspectiva, 1975. (Coleção Debates, 21). LAUFFS, Hans-Winfried. Regionale Entwicklungsplanung in Südbrasilien: Am Beispiel des Rio dos Sinos-Gebietes. Paderborn: Schöningh, 1972. 291 LEFÈBVRE, Henri. A revolução urbana. Belo Horizonte: Editora UFMG, 1999. LEME, Maria Cristina da Silva. A formação do pensamento urbanístico no Brasil 1965-1985. IN: LEME, Maria C. da Silva; SOUZA, C. F. de; ALLII, E. (Org.) Urbanismo no Brasil, 1895-1965. São Paulo: Studio Nobel, 1999, p. 20-38. LEPETIT, Bernard. Por uma nova História Urbana. São Paulo: Ed. da USP, 2001. LIPKAU, Ernst Günther. Brasil E Alemanha: vencendo desafios: 75 anos Câmara Brasil-Alemanha em São Paulo. São Paulo: Cia. Melhoramentos, 1995. LOHBAUER, Christian. Aproximação e Distanciamento: as relações entre o Brasil e República Federal da Alemanha de 1964 a 1994. Tese de Doutorado, FFLCH/USP, 1999. ___________. Brasil e Alemanha: seis décadas de intensa parceria econômica. Cadernos Adenauer XIV (2013) edição especial, p. 29-41. LUCA, Tania Regina de. Indústria e trabalho na história do Brasil. São Paulo: Contexto, 2001. LUNA, Francisco Vida; KLEIN, Herbert. Transformações econômicas no período militar (1964-1985). IN: REIS, Daniel Aarão; RIDENTI, Marcelo; MOTTA, Rodrigo Patto Sá. (orgs). A ditadura que mudou o Brasil: 50 anos do golpe de 1964. Rio de Janeiro, Zahar, 2014, p. 92-111. LUCCHESE, Maria Cecilia. Em defesa do planejamento urbano: ressonâncias britânicas e trajetórias de Harry James Cole. (Doutorado em Arquitetura e Urbanismo). Escola de Engenharia de São Carlos, Universidade de São Paulo, 2009. LÜCKER, Reinhold; Dicker, Arno. Entwicklung am Rande des Rio dos Sinos-Tals. Tübinger Beiträge zur geographischen Lateinamerika-Forschung Geograph. Inst. d. Univ., 1987. MAMMARELLA, Rosetta; BARCELLOS, T. Desigualdades sociais e espaciais na metrópole: um olhar sobre a Região Metropolitana de Porto Alegre em 2000. Indicadores Econômicos FEE, v. 33, p. 137-162, 2006. MARICATO, Erminia. As ideias fora do lugar e o lugar fora das ideias. Planejamento urbano no Brasil. In: ARANTES, Otilia Beatriz Fiori, VAINER, Carlos, MARICATO, Erminia (orgs.) A cidade do pensamento único: desmanchando consensos. Petrópolis: Vozes, 2000, p. 121-192. MARTINS, Clítia Helena B. Região Metropolitana de Porto Alegre: Dinâmica legal e institucional. Indicadores Econômicos FEE, v. 20, n. 2, p. 142-159, 1992. MARTINS, José de Souza. Subúrbio. São Caetano do Sul: Editora Hucitec, 1992. 292 MARTINS, Luis Carlos dos Passos. A grande imprensa “liberal” da Capital Federal (RJ) e a política econômica do segundo governo Vargas (1951-1954): conflito entre projetos de desenvolvimento nacional. Tese (Doutorado em História). Porto Alegre, 2010. ________________. Azevedo Amaral e o debate sobre o desenvolvimento: entre nacionalismo, industrialismo e desenvolvimentismo. IN: ABREU, Luciano Aronne de; SILVEIRA, Helder Gordim da. De Vargas aos Militares: autoritarismo e desenvolvimento econômico no Brasil. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2014, p. 107-132. ________________; KRILOW, L. S. W. Cidades em Transformação: Industrialização, Urbanização e imprensa nos anos 50. In: Anais Eletrônicos do 1º Colóquio Internacional de História Cultural da Cidade Sandra Jatahy Pesavento. Porto Alegre, 2015. MELO, Marcus André B. C. de. Municipalismo, nation-building e a modernização do Estado no Brasil. Revista Brasileira de Ciências Sociais, v.8 n.23. São Paulo: out. 1993. MIGUEL, Lovois de Andrade. Heterogeneidade do espaço rural da Região Metropolitana de Porto Alegre. IN: VERDUM, Roberto et. al (Org.) Rio Grande do Sul: paisagens e territórios em transformação. Porto Alegre: UFRGS, 2012, p. 211224. MIRANDA, Adriana Eckert. Planos e Projetos de Expansão Urbana Industriais e Operários em Porto Alegre (1935-1961). Tese (Doutorado em Planejamento Urbano e Regional). UFRGS, 2013. MIRANDA, Carla. Relações internacionais e desenvolvimento local: uma análise da cooperação técnica Brasil e Alemanha (1987-2003). Dissertação de mestrado, 2004, IREL – UnB. Brasília: IREL, 2004. _________. Cooperação Técnica oficial entre Brasil e Alemanha (1987-2002). Dossiê Brasil-Alemanha: imigração, cidadania e cooperação. Textos de História: Revista do Programa de Pós-Graduação em História da UnB, vol. 16, n.º 2, 2008. MONTE-MÓR, Rodrigo L. Urbanização extensiva e novas lógicas de povoamento: um olhar ambiental. In M. S. SANTOS, Maria Adélia A. de; SILVEIRA, Maria Laura (Ed.). Território: globalização e fragmentação. São Paulo: HUCITEC/ANPUR. 1994, p. 169-181. MONTE-MÓR, Rodrigo. Planejamento Urbano no Brasil: Emergência e Consolidação. Etc.: espaço, tempo e crítica. n.° 1(4), vol. 1, 15 de junho de 2007. MONTEIRO, Charles. Porto Alegre: urbanização e Modernidade. A construção social do espaço urbano. Porto Alegre: EDIPUCRS, 1995. _______________. Porto Alegre e suas escritas: Histórias e memórias da cidade. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2006. 293 ____________. Urbanização e Modernidade em Porto Alegre. In: BOEIRA, Nelson; GOLIN, Tau; RECKZIEGEL, Ana Luiza Setti; AXT, Gunter (orgs.). História Geral do Rio Grande do Sul: República Velha (1889-1930). v. 3. Passo Fundo: Méritos, 2007. p. 229-258. ______________. Entre História Urbana e História da Cidade: Questões e Debates. Oficina do Historiador, v. 5, p. 101-112, 2012. MORAES, Antonio Carlos Robert. Território na geografia de Milton Santos. São Paulo: Annablume, 2013. MOTA, Juliana Costa. Uma análise da criação e da atuação do SERFHAU. IN: XII Encontro Nacional da ANPUR (XII ENANPUR). Anais: Belém, 2007. MOTTA, Rodrigo Patto Sá. Modernizing repression: Usaid and the Brazilian police. Revista Brasileira de História. São Paulo, v. 30, nº 59, p. 237-266 – 2010. NYGAARD, Paul Dieter. Planos Diretores de Cidades: discutindo sua base doutrinária. Porto Alegre: Ed. da UFRGS, 2005. OLIVEIRA, Ione de Fátima. Leituras sobre a cooperação entre o Brasil e a República Federal da Alemanha (1960-1982). Anais do XXVI Simpósio Nacional de História/ANPUH. São Paulo, julho 2011, p. 1-17. OLIVEIRA, Naia; BARCELLOS, Tanya M. M. de (orgs.). O Rio Grande do Sul urbano. Porto Alegre: FEE, 1990. OLIVEIRA, Lúcia Lippi. Cidade: História e desafios. Rio de Janeiro: Editora da FGV, 2002. OLIVEIRA, Hipólita Siqueira de. Desenvolvimentismo e dinâmica urbano-regional no Brasil. IN: Anais dos Encontros Nacionais da ANPUR. Desenvolvimento, planejamento e governança – Recife, V. 15, 2013. OLIVEN, Ruben. Urbanização e mudança social no Brasil [online]. Rio de Janeiro: Centro Edelstein, 2010. Disponível em: http://static.scielo.org/scielobooks/z439n/pdf/oliven-9788579820014.pdf. Acesso em novembro de 2015. ORTIZ, Renato. Revisitando o tempo dos militares. IN: REIS, Daniel Aarão; RIDENTI, Marcelo; MOTTA, Rodrigo Patto Sá (orgs). A ditadura que mudou o Brasil: 50 anos do golpe de 1964. Rio de Janeiro, Zahar, 2014, p. 11-127. PANIZZI, Wrana; ROVATI, João F. (orgs.) Estudos Urbanos: Porto Alegre e seu planejamento. Porto Alegre: UFRGS/Prefeitura Municipal de Porto Alegre, 1993. PEREIRA, Cecília Ribeiro; PONTUAL, Virginia. A Reforma Urbana nos primeiros anos da década de 1960. 109.07, ano 10, jun. 2009. IN: ARQUITEXTOS (on-line). 294 Disponível em: http://www.vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/10.109/50. Acesso em setembro de 2014. PEREIRA, Elson Manoel; DIAS, Leila Christina Duarte (orgs,). As cidades e a urbanização no Brasil: passado, presente, futuro. Florianópolis: Insular, 2011. PESAVENTO, Sandra. Uma outra cidade: o mundo dos excluídos no final do século XIX. Companhia Editora Nacional, 2001. PINHEIRO, Leticia. Política Externa Brasileira (1889 – 2002). Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2004. PINO, Bruno Ayllon. Las relaciones entre Brasil y España ponderadas desde la perspectiva de la política exterior brasileña. Tese (Doutorado em História). Universidade Complutense de Madrid. Madrid: 2004. PINTO, Céli Regina Jardim. O poder e o político na teoria dos campos. In: VERITAS, Porto Alegre, v. 41, n. 162, jun, p. 221-227, 1996. PURDY, Sean. A História Comparada e o desafio da transnacionalidade. Revista De História Comparada, Rio de Janeiro, 6-1: 64-84, 2012. RANDOLPH, Rainer; ARAÚJO, Cortes de; OTTONI, Francisco. Urbanização e mobilidade: a diversidade do movimento pendular entre a metrópole do Rio de Janeiro e sua área peri-metropolitana em 2000. IN: XVI Encontro Nacional de Estudos Populacionais, ABEP. Caxambú, MG: 2008. RAMINELLI, Ronald. História Urbana. IN: CARDOSO, Ciro Flamarion; VAINFAS, Ronaldo. Domínios da história: ensaios de teoria e metodologia. Rio de Janeiro: Campus, 1997. RAHMEIER, Andrea Helena Petry. Relações diplomáticas e militares entre a Alemanha e o Brasil: da proximidade ao rompimento (1937-1942). Tese (Doutorado em História). Pontificia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, 2009. REIS, Daniel Aarão. A ditadura faz cinquenta anos: história e cultura política nacional-estadista. IN: REIS, Daniel Aarão; RIDENTI, Marcelo; MOTTA, Rodrigo Patto Sá (orgs). A ditadura que mudou o Brasil: 50 anos do golpe de 1964. Rio de Janeiro, Zahar, 2014. ____________; RIDENTI, Marcelo; MOTTA, Rodrigo Patto Sá (orgs). A ditadura que mudou o Brasil: 50 anos do golpe de 1964. Rio de Janeiro, Zahar, 2014. REZENDE, Vera (org.) Urbanismo na Era Vargas: uma introdução. IN: _______. Urbanismo na Era Vargas: a transformação das cidades brasileiras. Niterói: UFF/Intertexto, 2012, p. 9-20. RIBEIRO, Demétrio. O Planejamento Urbano no Rio Grande do Sul. IN: WEIMER, Gunter (org.) Urbanismo no Rio Grande do Sul. Porto Alegre: Ed. da UFRGS, 1991, p. 135-143. 295 RIBEIRO, Luiz Cesar de Queiroz; PECHMAN, Robert (Org.) Cidade, povo e nação: gênese do urbanismo moderno. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1996. ______________; CARDOSO, Adauto Lúcio. Planejamento urbano no Brasil, paradigmas e experiências. IN: Espaço e debates, v. 14, n. 37, jan/abr 1994, p. 7789. RIBEIRO, Ana Clara. Matéria e espírito: o poder (des)organizador dos meios de comunicação. IN: PIQUET, R. & RIBEIRO, A.C. Brasil, território e desigualdade. Rio de Janeiro: Zahar, 1991. RINKE, Stefan. Alemanha e Brasil, 1870-1945: uma relação entre espaços. Hist. cienc. saude-Manguinhos, Rio de Janeiro , v. 21, n. 1, p. 299-316, Mar. 2014. Disponível em: . Acesso em julho de 2015. _________. Der noch unerschlossene Erdteil: die Bundesrepublik in der Adenauer-Zeit und Lateinamerika im globalen Kontext. IN: Conze, Eckart (Hg.). Die Herausforderung des Globalen in der Ära Adenauer. Bonn: Bouvier. p.61-78, 2010. RHODEN. Luíz Fernando. Urbanismo no Rio Grande do Sul: origens e evolução. Porto Alegre: EDIPUCRS, 1999. ROLNIK, Raquel. A cidade e a lei: legislação, política urbana e territórios na cidade de São Paulo. São Paulo: FAPESP, 1997. ROVATI, João Farias. Arquitetura. IN: GERTZ, René (dir.); GOLIN, Tau; BOEIRA, Nelson (coord.) História Geral do Rio Grande do Sul: República: da revolução de 1930 a ditadura militar (1930-1985). Passo Fundo: Méritos, 2007, p. 483- 497. SANGLARD; Gisele; DE ARAÚJO, Carlos E. M.; SIQUEIRA, José Jorge. História urbana: memória, cultura e sociedade. Rio de Janeiro: Ed. FGV, 2013. SANTANA, Arthur Bernady. A Br-163: “Ocupar Para Não Entregar”: a Política Da Ditadura Militar para a ocupação do “Vazio” Amazônico. IN: Anais Do XXV Simpósio Nacional De História/ANPUH– Fortaleza, 2009. SANTOS, Milton. Urbanização concentrada e Metropolização. IN: ______. A urbanização brasileira. 5. ed. São Paulo: Edusp, 2005. __________. A urbanização brasileira. 5ª ed. São Paulo: Ed. da USP, 2013. __________. A involução metropolitana: a região cresce mais que a metrópole. Caderno Prudentino de Geografia, 14 jun. p. 168-195, 1993. ____________. O espaço do cidadão. São Paulo: Nobel, 1987. 296 ____________. O espaço dividido. São Paulo: Edusp, 2004. _____________. Por uma geografia nova. São Paulo: Edusp, 2002. _____________; SILVEIRA, María Laura. O Brasil: território e sociedade no início do século XXI. 10. ed. Rio de Janeiro: Record, 2006. SCHMIDT, Benicio. A questão urbana. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1986. ___________. O Estado e a política urbana no Brasil. Porto Alegre: Ed. da UFRGS/ L&PM, 1983. SCHMIDT, Heide-Irene. Pushed to the Front: The Foreign Assistance Policy of the Federal Republic of Germany, 1958–1971. Contemporary European History, 12, 4 (2003), p. 473–507. SCHÖDER, Peter. Antropologia e ‘desenvolvimento’: balanço crítico de uma relação problemática. IN: CODE – Anais do I circuito de debates acadêmicos. Brasília: IPEA, 2011, p. 1-17. Disponível on-line em: http://www.ipea.gov.br/code2011/chamada2011/pdf/area1/area1-artigo1.pdf. Acesso em dezembro de 2015. SCHOSSLER, Joana Carolina. “As nossas praias”: os primórdios da vilegiatura marítima no Rio Grande do Sul (1900 - 1950). Dissertação de Mestrado, Programa de Pós-Graduação em História, Porto Alegre, PUCRS, 2010. SELBACH, Jeferson Francisco. Novo Hamburgo 1927-1997: os espaços de sociabilidade na gangorra da Modernidade. Dissertação de Mestrado, Programa de Pós-Graduação em Planejamento Urbano e Regional - PROPUR, Porto Alegre, UFRGS, 1999. SERRA, Gerlado. Urbanização e centralismo autoritário. São Paulo: Ed. da USP, 1991. SILVA, Ligia Osório. Desenvolvimentismo e intervencionismo militar. EPremissas – Revista de Estudos Estratégicos (Dossiê Dreifuss). n.º 01, junho/dezembro de 2006. Disponível em: http://www.unicamp.br/nee/epremissas/pdfs/01.07.pdf. Acesso em novembro de 2014. SILVA, Monia Franciele Wazlawoski da. A escola modelar e os profissionais do progresso: carreiras e recursos de diplomados da Escola de Engenharia de Porto Alegre (1899-1916). Dissertação de Mestrado (Programa de Pós-Graduação em História). PUCRS, 2014. 297 SINGER, Paul. Desenvolvimento econômico e evolução urbana. 2ª ed. São Paulo: Cia. Ed. Nacional, 1977. _______________. Economia política da urbanização. 11. ed. São Paulo: Brasiliense, 1987. SOUTO, Cíntia Vieira. A diplomacia do Interesse nacional: a política externa do governo Médici. 2ª ed. Rio de Janeiro: Biblioteca do Exército, 2013. SOUZA, Célia Ferraz de. Ideias em Circulação Sobre o Planejamento Urbano Integrado no RS na Década de 1960. IN: SOUZA, Celia Ferraz (Org.). Ideias em circulação na Construção das Cidades. Porto Alegre, 2014, p. 207-237. ____________; MULLER, Dóris Maria. Porto Alegre e sua evolução urbana. 2. ed. Porto Alegre: Ed. da UFRGS, 2007. ________________; PESAVENTO, Sandra (Orgs.). Imagens Urbanas. 1. ed. Porto Alegre: UFRGS, 1997. ________________; ALMEIDA, Maria Soares de. Modernidade e autoritarismo: urbanismo em tempos ditatoriais. Porto Alegre, 1937-1945. IN: REZENDE, Vera (Org.). Urbanismo na Era Vargas: a transformação das cidades brasileiras. Niterói: Editora da Universidade Federal Fluminense, 2012, p. 197-232. SOUZA, Marcos Barcellos. Espacializando o desenvolvimentismo: imaginário, escalas e regulação. IN: Anais dos Encontros Nacionais da ANPUR. Desenvolvimento, planejamento e governança – Recife, V. 15, 2013. SOUZA, Marcelo Lopes de. O desafio metropolitano: um estudo sobre a problemática sócio-espacial nas metrópoles brasileiras. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2005. SOARES, Paulo Roberto Rodrigues. Do rural ao urbano: demografia, migrações e urbanização (1930-85). IN: GERTZ, René (dir.); GOLIN, Tau; BOEIRA, Nelson (coord.) História Geral do Rio Grande do Sul: República: da revolução de 1930 a ditadura militar (1930-1985). Passo Fundo: Méritos, 2007. ___________. Região Metropolitana ou Aglomeração Urbana? O debate no Rio Grande do Sul. E-metropolis: Revista eletrônica de Estudos Urbanos e Regionais, v. 4, p. 25-29, 2013. STEIN, Arthur. Governanments, Economic Independence and internacional cooperation. IN: TETLOCK, Phillip et. al. Behavior, Society and internacional conflict. New York: Oxford University Press, 1993, p. 241-324. STENBERG, Sheila Sara Wagner. O emprego formal na Região Metropolitana de Porto Alegre: algumas considerações sobre o período 1989-2007. IN: Indicadores econômicos FEE. 298 STEINBERGER, Marília. Planejamento Local Integrado: uma fase necessária ao Desenvolvimento Urbano Planejado. Dissertação (Engenharia da Produção). Rio da Janeiro: UFRJ,1976. TARAPANOFF, Kira M. A. Planejamento Governamental. IN: Revista de Informação Legislativa (Senado Federal), v. 29, n.114, p. 549-568, 1992. TATSCH, Ana Lúcia. Impactos da crise do início dos anos 80 sobre o mercado de trabalho: um estudo da Região Metropolitana de Porto Alegre. Indicadores Econômicos FEE. FEE: Porto Alegre, nov. 1990, p. 194-210. THELING, Josef. La Fundación Konrad Adenauer en América Latina: historia de una larga cooperación. IN: Diálogo Político, edição especial, nov. 2011, p. 13-61. Disponível on-line: http://www.kas.de/wf/doc/kas_29167-1522-4- 30.pdf?111021194339 Acesso em janeiro de 2016. TONUCCI FILHO, João Bosco Moura. Dois momentos do planejamento metropolitano em Belo Horizonte: um estudo das experiências do PLAMBEL e PDDI-PDMBH. Dissertação de Mestrado. Faculdade de Arquitetura e Urbanismo/FAU. Universidade de São Paulo, 2012. UEDA, Vanda. O papel das redes técnicas: transportes, energia e telecomunicações. IN: GERTZ, René (dir.); GOLIN, Tau; BOEIRA, Nelson (coord.) História Geral do Rio Grande do Sul: República: da revolução de 1930 a ditadura militar (1930-1985). Passo Fundo: Méritos, 2007, p. 169-192. VALENTE, Renata. A GTZ no Brasil: uma etnografia da cooperação alemã para o desenvolvimento. Rio de Janeiro: E-papers, UFRJS, Laced, 2010. VERRI, Fernanda. O planejamento urbano integrado e a atuação do SERFHAU no Rio Grande do Sul (1964-1975). Dissertação de Mestrado (Programa de PósGraduação em Planejamento Urbano). UFRGS, 2014. VIANNA, Marcelo. Uma visão da tecnopolítica em Informática na sociedade brasileira – um olhar sobre a revista Dados e Ideias (1975-1979). IN: 9º Encontro Nacional de História da Mídia. UFOP, Minas Gerais, 2013, p. 01-13. VIEGAS, Danielle Heberle. Entre o(s) passado(s) e o(s) futuro(s) da cidade: um estudo sobre a urbanização de Canoas/RS (1929-1959). Dissertação de Mestrado: Programa de Pós-Graduação em História. PUCRS, 2011. _____________. Uma outra história sobre a Região Metropolitana de Porto Alegre/RS: estudo de caso em Canoas. IN: HEIDRICH, Álvaro Luiz; MAMMARELLA, Rosetta. Habitação e Metrópole: representações e produção da cidade em disputa. Porto Alegre: Contexto, 2014, p. 105-151. VILLAÇA, Flávio. Espaço intra-urbano no Brasil. São Paulo: Studio Nobel, 1998. 299 ______________. Uma contribuição para a história do planejamento urbano no Brasil. IN: DÉAK, Csaba; SCHIFFER, Sueli R. (orgs.) O processo de urbanização no Brasil. São Paulo: Ed. da USP, 1999, p. 169-243. VISENTINI, Paulo. A política externa do regime militar brasileiro. Porto Alegre: Ed. da UFRGS, 2004. WEBER, Regina. A região metropolitana e as cidades-operárias. In: Luís Alberto Grijó; César Guazzelli; Eduardo Neumann; Fábio Kühn. (Org.). Capítulos de História do Rio Grande do Sul. 1 ed. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2004. APÊNDICE I QUADRO DOS TÉCNICOS BRASILEIROS QUE ATUARAM NO PDM548 NOME DADOS E FILIAÇÃO PROFISSIONAL Economista ALCIDES H. RICHTER Nascimento: Porto Alegre, 15 de julho de 1948. Formou-se na UFRGS e possui especializa-ção na Alemanha em Planejamento Urbano. ALDO MARTINS FERNANDES Administrador Funcionário da METROPLAN até, pelo menos, 2010. BARBARA ROSENBERGER Auxiliar técnica [?] CARLOS ALBERTO HEUSER Engenheiro Ampla carreira acadêmica junto ao Instituto de Informática da UFRGS Graduação em Engenharia Elétrica pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (1973) Mestrado em Ciência da Computação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (1976) e Doutorado em Informática pela Universidade de Bonn, Alemanha (1986). Analista de Sistemas UFRGS junho de 1973 – dezembro de 1980 (7 anos 7 meses) Gastforscher (Pesquisador visitante) GMD - Gesellschaft für Mathematik und Datenverarbeitung GmbH Dezembro de 1976 – novembro de 1977 (1 ano) Programador GERM - Grupo Executivo da Região Metropolitana setembro de 1971 – novembro de 1972 (1 ano 3 meses) 548 Critério: ordem alfabética. Ressalta-se que nem todos os técnicos são brasileiros. Não foram localizadas informações sobre todos os técnicos, o que justifica a desproporcionalidade de informações sobre os profissionais. 301 CELSO BRESSAN Engenheiro de computação Atualmente em Ottawa, Canadá. CILON ESTIVALET Economista Formado em Economia pela UFSM em 1968. PósGraduação na Escolatina, no Chile de 70 até 1972. Foi Professor da UNISINOS nas décadas de 1970 e 1980. Em 1972 ele começou a trabalhar no GERM. Foi Diretor Técnico da METROPLAN, de 90 à 94. Além de seu trabalho na METROPLAN, Cilon presidiu durante dez anos a ASSECAN (Associação Ecológica de Canela), que tem como meta a regeneração da floresta com araucárias. DANILO LANDÓ Arquiteto e Urbanista Nascimento: Alegrete, 1928 Arquiteto e Urbanista (UFRGS) Mestrado na Southern University California/EUA Atuou na SOP, no GERM, na METROPLAN e no IBP De sua ampla carreira, destaca-se que foi Presidente da CEDRO e da PLANURB e do IAB Possuiu escritórios de consultoria em planejamento à época do PDM Professor da Faculdade de Administração da UFSM Professor de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo na UFRGS DIRCEU PEDRO SCHÄFFER Economista Atuou na SOP e na METROPLAN Implantação do modelo de planejamento, orçamento e gestão do setor público; METROPLAN - Fundação Estadual de Planejamento Metropolitano e Regional; Governo do Estado do Rio Grande do Sul (última atividade de grande valor prático baseado em legislação). Experiência Metroplan: 1971 – 2012 (41 anos 4 meses) Coordenador de Projeto de Coop. Técn. e Finc. Brasil Alemanha 302 METROPLAN - Gov. do Estado do Rio Grande do Sul / BRASIL: 1995 – 1998 (3 anos) Região Metropolitana de Porto Alegre O projeto foi executado por profissionais da METROPLAN e da GTZ - Sociedade Alemã de Cooperação Técnica - Deutsche Gesellschaft für Technische Zusammenarbeit GmbH, com o objetivo de capacitar comunidades pobres em processos de autogestão. EVA GARCIA DE MAGALHÃES Socióloga Atuava na área de Saúde [?] ISAAC ZILBERMAN Engenheiro e urbanista Possui graduação em Engenharia Civil Elétrica pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (1965), graduação em Urbanismo pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (1970) e mestrado pela Universidade Luterana do Brasil (2002). Entre 1973 e 1974, realizou estágio Aufbaustudent (pré-requisito completo para doutoramento, faltando só apresentar a tese), junto ao Institut fur Siedlungswasserwirtschaft, na Universität Karlsruhe (T.H.). Karlsruhe, R.F.Alemanha, sob orientação de Hermann Hahnn. Foi ainda director interamericano da División de Coordinación de Salud Ambienal - DICSA da Asociación Interamericana de Ingeniería Sanitaria y Ambiental - AIDIS e eleito para o período 2008 - 2010 como Diretor Executivo e Tesoureiro da Associação. Foi também professor titular da Universidade Luterana do Brasil. Tem experiência na área de Urbanismo, com ênfase em planejamento territorial e em Engenharia Sanitária, com ênfase em Controle da Poluição, atuando nos seguintes temas: engenharia ambiental, diagnóstico ambiental, impacto ambiental, ciência ambiental e gestão ambiental. ITALO DANILO FRAQUELLI Economista Presidente Da FEE entre abril e maio de 1975. 303 JACQUES LEVIN Engenheiro Fomação Possui graduação em Engenharia Elétrica, opção Eletrônica pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (1975) e mestrado em Saúde Coletiva pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (2005). De 1991 a 2011, trabalhou como analista de sistemas do Ministério da Saúde - Datasus. A principal área de atuação é de Informações em Saúde. Era programador à época do PDM. Experiência 1973 - 1975 Governo do Estado do Rio Grande do Sul 1972 - 1973 Fundação Metropolitana de Planejamento Vínculo: Celetista, Enquadramento Funcional: Programador, Carga horária: 40 Outras informações: Programação de sistemas. Atividades 01/1972 - 05/1973: Serviços técnicos especializados, Cpd, Serviço realizado, Programação. JANE M. MEDAGLIA Auxiliar técnica [?] JOÃO CEZAR FONSECA ONÓFRIO Engenheiro. Turma de formandos inst. Militar engenharia [?] Responsável pela aerofotometria da RMPA JORGE OSSANAI Médico e Ambientalista. JOSÉ ANTONIO RODRIGUES Economista [?] JULIO CÉSAR VOLPI Engenheiro Agrônomo Mestre pelo PROPUR Trabalhou na SOP e na METROPLAN 304 LIVIO AUGUSTO TAUFER Não foram localizadas informações. Médica LÚCIA BLANK REGINA Atuava no setor de saúde [?] LUIZ ALBERTO DE MIRANDA Economista Formação na UFRGS Professor na instituição até a atualidade LUIZ CARLOS DE OLIVEIRA CUNHA Engenheiro Mecânico Atuante na METROPLAN até, pelo menos, 2006. LUIZ FERNANDO MAIA Não foram localizadas informações. MARCO AURÉLIO MANGAN Economista Obras relacionadas: MANGAN, Marco Aurélio Souza. Aspectos de Implementação de um Modelo para Gerência do Processo de Desenvolvimento de Software: Arquitetura e Protocolos para um Gerente de Designflow. 1998. 106 f. Dissertação (Mestrado em Ciência da Computação) - Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico. Orientador: Cirano Iochpe.[?] MARIA CELINA SANTOS DE OLIVEIRA Arquiteta Participante do plano da bacia hidrográfica do Rio Gravataí/RS e do Plano Ambienta de Cachoerinha MARIA DA GRAÇA SILVEIRA Engenharia civil Formação: UFRGS Dissertação de Mestrado junto ao PROPUR. Atuou na EPTC - Empresa Pública de Transporte e Circulação S.A. Consultora em transportes e planejamento urbano 305 MARIA HELENA ALVIN Atuava na área da saúde [?] MARLENE HERTA MORITZ ETTRICH Arquiteta urbanista Formação (UFRGS, 1967-1972), com especialização em planejamento urbano na Alemanha (Universidade de Dortmund). Integrou o quadro técnico em planejamento urbano da SMU/PCRJ, entre 1986 e 2011. Desde 2013, é consultora da Prefeitura de Búzios para regulamentação de instrumentos do PD, trabalho que coordenou na fase de elaboração do Proj. de Lei. Universidade de Dortmund - Alemanha MAYA BURGER Socióloga Nasceu em 15.05.1947 em Porto Alegre, vinculada a área de planejamento urbano e regional. Participou do “THE THIRD SESSION OF THE WORLD URBAN FORUM” Vancouver, 19-23 June 2006. MILITÃO DE MORAIS RICARDO Arquiteto e urbanista Dirigiu a Divisão de Urbanismo da Prefeitura Municipal de Porto Alegre quando foi elaborado o trabalho Região Metropolitana: estudos (1967). Posteriormente, foi Subsecretário de Planejamento Urbano em nível federal e atuou no SERFHAU. Engenheira Civil NANCI BEGNINI GIUGNO Formação: Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs), 1975, com Especialização em Avaliação de Impacto Ambiental, Planejamento Metropolitano e Gerenciamento de Bacias Hidrográficas. Mestre em Planejamento Urbano e Regional (Propur/Ufrgs), 2008. Cidadã emérita de POA; engenheira do ano 2012 306 Engenheiro Mecânico OSCAR DAUDT NETO Formação: Universidade Federal do Rio Grande do Sul, com mestrado em Administração de Empresas, pelo INSEAD, na França. Atuação profissional foi sempre voltada para a área de informática. PAUL DIETER NYGAARD Arquiteto e Urbanista Formação: Universidade Federal do Rio Grande do Sul(1962), especialização em Urbanismo pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul(1967). Especialização em Planejamento Estadual pelo Fundação Para o Desenvolvimento de Recursos Humanos(1983) e mestrado em Programa de Pós Graduação em Planejamento Urbano e pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul(1995). PAULO RUDOLFO HAMESTER Administrador de Empresas Coordenador de Cooperação da Diretoria de Incentivo ao Desenvolvimento da METROPLAN PAULO THARSO CABRAL Autor da obra “Minimização de distâncias e transportes.” REGINA CUTTIN Arquiteta e urbanista Indicada para Presidente do Sindicato dos Arquitetos do RS em 1969. Arquiteto e Urbanista ROBERTO PY GOMES DA SILVEIRA Formação: UFRGS (1960), com especialização no Instituto Politécnico Milão, em 1961, e novamente na UFRGS, em 1968. Arquiteto da divisão de Urbanismo da Prefeitura de Porto Alegre. Professor da FA/UFRGS, onde foi diretor entre 1988 e 1991. Professor de Pós-Graduação em Arquitetura e 307 Urbanismo na UFRGS Foi vice-presidente da Associação Brasileira de Ensino de Arquitetura (ABEA) entre 1985 a 1987, Conselheiro do CONFEA, de 1986 a 1992, e diretor do IPHAE de 1991 a 1992. É sócio do SAERGS e do IAB/RS e o atual Presidente CAU/RS. SILVIO DE CAMPOS LINDENBERG FILHO Administrador Universidade Federal do Rio Grande do Sul / UFRGS Bacharel em Administração de Empresas, Marketing/Marketing Management,General 1978 – 1980 Universidade Federal de Santa Maria / UFSM Bacharel em Administração de Empresas 1972 – 1976 VALMOR D’ÁVILA VERGARA Geógrafo Foi conselheiro, proprietário e ex-presidente da Comissão de Corridas do JCRGS, Valmor D’Ávila Vergara. APÊNDICE II TÉCNICOS ESTRANGEIROS QUE ATUARAM NO PDM549 NOME ACHIM SCHADER DADOS E FILIAÇÃO PROFISSIONAL Sociólogo Nascimento:12 de agosto de 1934 em Hamburgo Falecimento: 20 de agosto 2004 em Münster. Vinculado a UFRGS e autor de diversas obras que se referem às relações entre Brasil e Alemanha e temas como o desenvolvimento. Ele se tornou conhecido por suas pesquisas dedicadas a América Latina. Obras relacionadas: HURTIENNE, Thomas; SCHADER, Achim. O quadro político e econômico do desenvolvimento e subdesenvolvimento na Amazônia. IN: Kohlhepp, Gerd/Achim Schrader (eds.): Homem e Natureza na Amazônia. Simpósio internacional e interdisciplinar Blaubeuren 1986, Tübingen: 143-157. BERNHARD LÜKE Não foram localizadas informações sobre o técnico. DIETER SACK Engenheiro Civil Não foram localizadas outras informações sobre o técnico. 549 Critério: ordem alfabética. Ressalta-se que nem todos os técnicos são alemães. Não foram localizadas informações sobre todos os técnicos, o que justifica a desproporcionalidade de informações sobre os profissionais. O quadro inclui apenas os técnicos envolvidos na primeira fase do projeto (1971-1973). 309 FIDELIS SELENKA Médico Nascimento: 9. 10. 1930 (Freiwaldau) Falecimento: 23. 6. 2014, Mainz (Alemanha) Nasceu: Freiwaldau Morreu: Mainz Atuava junto ao Instituto de Higiene Geral e Ambiental da Ruhr -Universität Bochum (emérito) Relações com as organizações Departamento de Direito Manutenção da Paz e Direito Internacional Humanitário (Bochum) Obras relacionadas ou de autoria: Exeplo: SELENKA, Fideles. Coleção de Noções básicas para a avaliação de compostos organoclorados em água Bochum: Inst of Hygiene, Ruhr- Univ, 1977 . Engenheiro GERHARD EGGELING Departamento de Ordenamento do território Universidade de Dordmunt Técnico da GTZ Obras relacionadas ou de autoria: Gerhard Eggeling, Götz Mackensen, Luwig Sasse, Production and Utilization of Biogas in Rural Areas of Industrialized and Developing Countries, GTZ, ISBN 388085-274-X, Germany 1985. Programador Nascimento: 9/04/1933, Munique Falecimento: 17/06/2013, Lorettoplatz, statt GERHARD J. STÖBER Obras relacionadas: Technology Assessment and Quality of Life by Gerhard J. Stöber, Dieter Schumacher; Technology Assessment by John W. Dickey, David M. Glancy, Ernest M. Jennelle; Environmental Quality and Social Responsibility by Ravindra S. Khare, James W. Kolka, Carol A. Pollis Engenheiro Atuou no Projeto do Vale do Rio dos Sinos e no PDM GERHARD NASCHOLD Tornou-se técnico GTZ 310 Agrônomo Nascimento: 14/02/1925, Berlim Falecimento: 05/06/ 2006 Kandern, Breisgau GOETZ VON BORRIES Biografia profissional Estudos na Universidade Técnica de Munique Faculdade de Agricultura Weihenstephan, Dipl. Sc. Agr. 1951-52 Fulbright bolsa de estudos na Universidade de Minnesota, EUA. 1953-1957 Chefe da Estação Experimental Agrícola Peine, Chile 1958-63 Diretor Gerente no Jornal Oficial da indústria açucareira chileno 1964-1970 Delegado do Ruhrstickstoff AG na América do Sul, com sede em Buenos Aires, Argentina 1971-1980 em nome do Banco Mundial, das Nações Unidas, (FAO) e do Banco Interamericano de Desenvolvimento opera como um economista agrícola em grupos de planejamento internacionais Países de aplicação: Brasil (PDM), Bolívia, Equador 1981- 84 Chefe da Agricultura e Membro do Conselho de Pharmakina SA no Zaire, África Oriental, uma empresa 100% subsidiária do Grupo Boehringer A partir de 1986, se aposentou e tornou-se escritor HANS JUERGEN KARPE Engenheiro Formado na Universität Karlsruhe 1960 – 1965 Tornou-se diretor do Instituto Ambiental da Universidade de Dortmund e técnico da GTZ Obras relacionadas: Werner Baumann; Hans-Jürgen Karpe. Wastewater treatment and excreta disposal in developing countries Deutsches Zentrum für Entwicklungstechnologien. Eschborn, 1980. Hans-Jürgen Karpe and Hans-Peter Winkelmann. New co-operation models for strengthening environmental management capacities in developing countries: a case study of Brazil / by IN: Environmental management in developing countries / edited by Denizhan Erocal = Gestion de l'environnement dans les pays en développement / sous la direction de Denizhan Erocal. 311 Economista HOLGER PLATZ Obras relacionadas PLATZ, Holger. Promotion of secondary cities: a strategy for development cooperation/GTZ  Geógrafo e urbanista IAN MASSER  The University of Sheffield, Inglaterra  Departmento da Cidade e Planejamento Urbano Técnico da GTZ Formado em geografia e urbanismo na Universidade de Liverpool, ocupou cargos de professor em Utrecht, Sheffield e Enschede. Foi o Fundador Presidente do AGILE, e Presidente da Europa e da Associação GSDI. Suas publicações incluem mais de 300 artigos e 18 livros, o mais recente dos "mundos GIS (2005) e 'qual a construção europeia IDS' (2007, segunda edição 2010, terceira edição, no prelo), lidam com questões de política SDI, governança e networking. Obras relacionadas Ian Masser (1985:74): “The Transfer of development Experience: A Review” (Third World Planning Review Vol. 7 No. 1, February 19985) JAN HILLERN TAAKS Economista Nascimento: Hamburgo Formou-se na Universidade de Bonn Técnico da GTZ. Nessa condição, trabalhou por mais de 40 anos profissionalmente em vários países do Oriente Médio, África, Europa e Ásia e no Brasil. Particularmente influentes foram as participações no Mediterrâneo oriental, particularmente na Jordânia e Egito. Atribuições curtas, seminários e palestras levaram-no a Israel, Palestina, Líbano e Síria. JOACHIM ZELTWANGER Não foram localizadas informações. 312 JUERDEN DODT Geógrafo Estudou geografia e Filologia no Johannes Gutenberg Vinculado a Universidade de Mainz e a Universidade de Bristol / Reino Unido Dedicado a área de Pesquisa Aérea e do Desenvolvimento Regional no Instituto de Pesquisa Aérea e Ciências da Terra (ITC), na época Delft / NL Dados: 1981 Livre Docência no Ruhr-Universität Bochum 1982 Professor de sensoriamento remoto e interpretação foto aérea no Ruhr Membro honorário da Sociedade Alemã para a Cartografia (DGfK) KARL SCHÄFER Engenheiro Atuou na área ambiental Técnico da GTZ LÁSZLÓ CZINKI Húngaro. Não foram localizadas mais informações. Engenheiro agrônomo MANFRED LEUPOLT Autor de livros sobre Desenvolvimento Rural Integrado Foi técnico da GTZ Obras relacionadas Leupolt, Manfred. Integrated Rural Development: Key Elements Of An Integrated Rural Development Strategy (1977). PETER LENKE Engenheiro Civil Formação: TU Dresden Nascimento: 1933, Berlim 1954-1964 Estudo da Engenharia Civil da TU Dresden; 1965-1974 atividades do Departamento de Estradas e Transporte da TU Berlin, gerentes de projeto e funcionários em vários planos de tráfego geral para as cidades da Alemanha Ocidental; 1970 Chefe de Planejamento de Transporte no 313 transporte de Berlin, na parte ocidental da cidade; Engenheiro Consultor de Transporte em Hamburgo, relatórios e estudos sobre a concepção do transporte público urbano e regional na Alemanha e no exterior (Brasil); 1985: torna-se engenheiro consultor independente para a entrada na reforma ativa (1997); Autor de numerosos estudos e relatórios e projetos de pesquisa sobre várias questões de planejamento de transporte em todas as partes da Alemanha e no Brasil. RAINER W. ERNST Arquiteto e Urbanista Formação: Universidade Técnica de Stuttgart,1968 Lecionou na Escola de Arte e Design de BerlimWeissensee, a qual dirigiu entre 1996 e 2004. Autou na TU Dortmund. Foi membro da diretoria do Deutscher Werkbund Berlin (Comissão Alemã de Berlim) e do Bund Deutscher Architekten (União dos Arquitetos Alemães) e presidente da Associação de Arquitetos de Berlim entre 1999 e 2001. Rainer participou do S.T.E.R.N., uma associação responsável pelo delicado processo de reabilitação de Berlim, e é ainda fundador e diretor do Habitat Forum Berlin, uma organização sem fins lucrativos voltada ao intercâmbio internacional de experiências no âmbito do desenvolvimento urbano. Presidiu conferência Habitat Forum Berlin, em 1987, e a organização do UN Habitat II, realizada em Istambul, em 1996, em conjunto com a Fundação Alemã para o Desenvolvimento Internacional. O arquiteto desenvolveu trabalhos em alguns países do Oriente Médio, da África Ocidental e também no Brasil, onde vem realizou planos e obras em Porto Alegre e Salvador. ROSALIND RUTT Inglesa, mas integrava a equipe brasileira Trabalhou no planejamento rural e da cidade por muitos anos, particularmente no governo local de cidades da Inglaterra. Não foram localizadas outras informações sobre sua trajetória ou filiação profissional. 314 UDO VOLZ Técnico GTZ Agrônomo WALDEMAR W. WIRSIG Economista Tornou-se gerente do Departamento de Desenvolvimento Sustentável do BID, Banco Interamericano de Desenvolvimento no Brasil. Wirsig atuou com a GTZ desde 1976. De 1980 a 1983, foi Chefe da Divisão 31, "Infra-Planeamento, Ordenamento do Território, Cooperação Institucional". Posteriormente, ele trabalhou para a GTZ no Brasil até agosto de 1984. No Equador, trabalhou como assessor em política residencial e de liquidação e como Coordenador de Projetos e líder do projeto "Modelo de Planejamento da cidade de Desenvolvimento". Aposentou-se em 2007. WILHELM F. SCHRAEDER Programador Autor de artigo sobre Porto Alegre na Revista Baumwelt junto com Rainer Ernst. VOLKER ROENICK Geógrafo Autor dos artigos: Obras relacionadas RÖNICK, Volker. Urbanisierung und Regionalentwicklung im Grossraum Brasilia. In: Geographische Rundschau , 37 (1985), 4, S. 176-182 RÖNICK, Volker. Regionale Entwicklungspolitik und Massenarmut im ländlichen Raum Nordost-Brasiliens Ursachen des Elends und Hindernisse bei der Erfüllung der Grundbedürfnisse. 1986. RÖNICK,Volker . Das nordöstliche Rio Grande do Sul/Brasilien. Naturräumliche Gliederung und wirtschaftliche Bewertung, 1981. 315 APÊNDICE 3 INSTITUIÇÕES ENVOLVIDAS NO PROJETO DO VALE DO RIO DOS SINOS550 ALALC Associação Latino-Americana de Livre Comércio (Designação brasileira para a LAFTA = Latin American Free-Trade Association (Lateinamerikanische Freihandelszone), da qual o Brasil é associado. AMEM Associação Metropolitana de Municípios AMVRS Associação dos Municípios do Vale do Rio dos Sinos ASCAR Associação Sulina de Crédito e Assistência Rural BdB Banco do Brasil. Maior casa bancária brasileira, privatizada desde 1965; ainda hoje atua como agente ou órgão auxiliar do Banco Central do Brasil. BNDE Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico BNH Banco Nacional da Habitação BRDE Banco Regional do Desenvolvimento do Extremo Sul. Empresa de economia mista, que tem por objetivo o fomento do desenvolvimento dos três esta dos meridionais do Brasil: Santa Catarina, Paraná e Rio Grande do Sul. Escritório principal em Porto Alegre. CEC Comissão Estadual de Comunicações. Órgão do Estado do Rio Grande do Sul, com função administrativa e de fiscalização de serviços de correios e telecomunicações. CEEE Companhia Estadual de Energia Elétrica CNAEE Conselho Nacional de Águas e Energia Elétrica CNM Conselho Nacional de Minas 550 O quadro indica apenas as empresas brasileiras. 317 CNP Conselho Nacional de Petróleo CONTUR Conselho Nacional de Turismo CORSAN Companhia Rio-grandense de Saneamento CREAI Carteira de Crédito Agrícola e Industrial. Carteira do Banco do Brasil, que concede financiamentos a longo e nédio prazos para investimentos agrícolas e industriais. CREFISUL Crédito e Financiamento do Sul. Banco privado de investimento e desenvolvimento, de importância local, originado desde uma companhia distribuidora de títulos. CRT Companhia Rio-grandense de Telecomunicações - Empresa do Estado do Rio Grande do Sul, órgão executivo da CEC. DAC Departamento da Aeronáutica Civil DAER Departamento Autônomo de Estradas de Rodagens - Órgão do Estado do Rio Grande do Sul FEE Departamento Estadual de Estatística. Órgão do Estado do Rb Grande do Sul, com sede em Porto Alegre. DEPRC Departamento Estadual de Portos, Rios e Canais DNAE Departamento Nacional de Aguas e Energia DNER Departamento Nacional de Estradas de Rodagem DNOS Departamento Nacional de Obras de Saneamento EMBRATUR Empresa Brasileira de Turismo FGV Fundação Getúlio Vargas 318 FIERGS Federação das Indústrias do Estado do Rio Grande do Sul FINAME Fundo de Financiamento de Máquinas e Equipamentos. Fundo especial do BNDE para financiamento a médio prazo de bens de investimento produzidos no pais. FIPEME Fundo de Financiamento às Pequenas e Médias Empresas. Fundo especial do BNDE para financiamentos para as pequenas e médias empresas. FUNDECE Fundo de Democratização do Capital das Empresas IGRA Instituto Brasileiro de Reforma Agrária IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística INPS Instituto Nacional de Previdência Social IPH Instituto de Pesquisas Hidráulicas. Instituto da Universidade Federal do Rio Grande do Sul IRMCA Instituto Rio-grandense de Meteorologia ITERS Instituto Tecnológico do Rio Grande do Sul PETROBRÁS Petróleo Brasileiro S. A. SETUR Serviço Estadual de Turismo SOP Secretaria das Obras Públicas do Estado do Rio Grande do Sul SUDAM Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia: órgão federal de planejamento para o desenvolvimento econômico da Amazônia SUDENE Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste: órgão federal de planejamento para o desenvolvimento econômico do Nordeste. 319 SUDESUL Superintendência do Desenvolvimento do Extremo Sul: órgão federal de planejamento para o desenvolvimento econômico dos três estados do extremo sul do país: Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul. UFRGS Universidade Federal do Rio Grande do Sul. VFRGS Viação Férrea do Rio Grande do Sul 320 APÊNDICE 4 INSTITUIÇÕES ALEMÃS ENVOLVIDAS NA COMPOSIÇÃO DO PDM551 AA Auswärtiges Amt [Ministério das Relações Exteriores] AHT Agrar und Hydrotechnik GmbH [empresa de engenharia com sede em Essen] BfE Bundesstelle für Entwicklungshilfe [Escritório Federal para Ajuda ao Desenvolvimento] BMZ Bundesministerium für Wirtschaftliche Zusammenarbeit und Entwicklung [Ministério para Cooperação e Desenvolvimento Econômico] DED Deutscher Entwicklungsdienst [Serviço Alemão para o Desenvolvimento] DFE Deutscher Förderungsgesellschaft für Entwicklungslände [Agência Alemã de Desenvolvimento para países em desenvolvimento] DpU Deutsche Projekt Union GmbH DSE Deutsche Stiftung für Internationale Entwicklung [Fundação Alemã para o Desenvolvimento Internacional] GTZ Deutsche Gessellschaft für Internationale Zusammenarbeit [Agência Alemã de Cooperação Técnica] KfW Kredit für Wiederaufbau [Crédito para Reconstrução] KIT Karlsruher Institut für Technologie [Instituto de Tecnologia de Karlruhe] SYSTEMPLAN INGENIUERE [empresa de engenharia com sede em Heidelberg] TU DORTMUND Technische Universität Dortmund [Universidade Técnica de Dortmund] 551 O quadro indica apenas as empresas brasileiras. 321 APÊNDICE 5 INSTITUIÇÕES BRASILEIRAS ENVOLVIDAS NA COMPOSIÇÃO DO PDM552 AMEM Associação Metropolitana de Municípios AMVRS Associação dos Municípios do Vale do Rio dos Sinos BNH Banco Nacional de Habitação CMM Conselho Metropolitano dos Municípios CNPU Comissão Nacional de Regiões Metropolitanas e Política Urbana DNOS Departamento Nacional de Obras e Saneamento GERM Grupo Executivo da Região Metropolitana de Porto Alegre FEE Fundação de Economia e Estatística do Rio Grande do Sul IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística MINIPLAN Ministério do Planejamento METROPLAN Fundação Estadual de Planejamento Metropolitano e Regional 552 O quadro indica apenas as empresas brasileiras. MRE Ministério das Relações Exteriores PUCRS Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul SOP Secretaria das Obras Públicas do Estado do Rio Grande do Sul SMOV Secretaria Municipal de Obras e Viação de Porto Alegre SUBIN Subsecretaria de Cooperação Econômica e Técnica Internacional SERFHAU Serviço Federal de Habitação e Urbanismo SUDESUL Superintendência de Desenvolvimento da Região Sul UFRGS Universidade Federal do Rio Grande do Sul 322 APÊNDICE 6 LISTA DE PUBLICAÇÕES DECORRENTES DO PDM553 323 Grupo Executivo da Região Metropolitana. Plano de desenvolvimento metropolitano. 3 VOLUMES [V. 1 tarefa e concepção metodológica; V. 2 bases para planejamento – V. 3 resultados e recomendações. ] Porto Alegre: CMM, GERM, 1973. Grupo Executivo da Região Metropolitana. Plano de desenvolvimento metropolitano: sinopse do plano de desenvolvimento metropolitano. Porto Alegre: CMM, GERM, 1973. Grupo Executivo da Região Metropolitana. Plano de desenvolvimento metropolitano. Termo de referência básico: convênio SERFHAU – CMM. Porto Alegre: CMM, GERM, 1974. Grupo Executivo da Região Metropolitana. Plano de desenvolvimento metropolitano. Projeto do cadastro metropolitano. Porto Alegre: CMM, 1974. Grupo Executivo da Região Metropolitana. Plano de desenvolvimento metropolitano: concepção básica de tráfego. Porto Alegre: CMM/GERM, 1973. Grupo Executivo da Região Metropolitana. Plano de desenvolvimento metropolitano: produção agrícola: problemas e soluções. Porto Alegre: CMM, GERM, 1973. Grupo Executivo da Região Metropolitana. Plano de desenvolvimento metropolitano: diagnósticos de crescimento demográfico. Porto Alegre: CMM, GERM, 1973. Grupo Executivo da Região Metropolitana. Plano de desenvolvimento metropolitano: qualificação de mão de obra. Porto Alegre: CMM, 1973. Grupo Executivo da Região Metropolitana. Plano de desenvolvimento metropolitano: análise dos processos de uso de solo. Porto Alegre: CMM, 1973. Grupo Executivo da Região Metropolitana. Plano de desenvolvimento metropolitana: estrutura industrial – perspectivas. Porto Alegre: CMM, GERM, 1973. Grupo Executivo da Região Metropolitana. Plano de desenvolvimento metropolitano: aero fotointerpretação - instrumento para o planejamento. Porto Alegre: CMM, GERM, 1973. Grupo Executivo da Região Metropolitana. Plano de desenvolvimento metropolitano: serviços de saúde. Porto Alegre: CMM, GERM, 1973. 553 Considerando-se como marco o ano de 1978 e a cooperação técnica com a RFA. 324 Grupo Executivo da Região Metropolitana. Plano de desenvolvimento metropolitano: educação. Porto Alegre: CMM, GERM, 1973. Grupo Executivo da Região Metropolitana. Plano de desenvolvimento metropolitano: sistemas de transporte. Porto Alegre: CMM, GERM, 1973. Grupo Executivo da Região Metropolitana. Plano de desenvolvimento metropolitano: déficit habitacional – programa para avaliação. Porto Alegre: CMM, GERM, 1973. Grupo Executivo da Região Metropolitana. Plano de desenvolvimento metropolitano. Termos de referência para o plano de desenvolvimento local e integrado para o município de Sapucaia do Sul. Porto Alegre: CMM, GERM, 1973. Grupo Executivo da Região Metropolitana. Plano de desenvolvimento metropolitano: projeto de destinação final dos resíduos sólidos na RMPA. Porto Alegre: CMM, GERM, 1974. Grupo Executivo da Região Metropolitana. Plano de desenvolvimento metropolitano: plano piloto – parque estadual de Itapuã. Porto Alegre: CMM, GERM, 1975. Grupo Executivo da Região Metropolitana. Plano de desenvolvimento metropolitano: sistema de indicadores para avaliação qualitativa do desenvolvimento. Porto Alegre: CMM, GERM, 1975. Grupo Executivo da Região Metropolitana. Plano de Desenvolvimento Metropolitano. A estrutura espacial do plano de desenvolvimento metropolitano de Porto Alegre. Porto Alegre: CMM, GERM, 1977. Grupo Executivo da Região Metropolitana. Plano de Desenvolvimento Metropolitano. Termo de referência básico para a RMPA de implantação de áreas industriais. Porto Alegre: METROPLAN, 1977. Grupo Executivo da Região Metropolitana. Plano de Desenvolvimento Metropolitano. Alternativas de distribuição espacial: análise de proveito. Porto Alegre: CMM, GERM, 1978. Grupo Executivo da Região Metropolitana. Plano de Desenvolvimento Metropolitano. Alternativas de distribuição espacial: modelo Lowry. Porto Alegre: CMM, GERM, 1978. Grupo Executivo da Região Metropolitana. Alternativas de organização formal para administração de áreas e distritos industriais na Região Metropolitana de Porto Alegre. Porto Alegre: METROPLAN, 1978.