Imagem e Imaginário dos Vilões Contemporâneos Mônica de Faria PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE DO SUL FACULDADE DE MEIOS DE COMUNICAÇÃO SOCIAL PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM COMUNICAÇÃO SOCIAL IMAGEM E IMAGINÁRIO DOS VILÕES CONTEMPORÂNEOS O vilão como representação do mal nos quadrinhos, cinema e games Tese apresentada para a banca avaliadora como requisito parcial para a obtenção de título de doutora em comunicação social, pela Faculdade de Meios de Comunicação Social da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Mônica Lima de Faria Orientadora: Profa. Dra. Maria Beatriz Furtado Rahde Porto Alegre, maio de 2012 1 Imagem e Imaginário dos Vilões Contemporâneos Mônica de Faria IMAGEM E IMAGINÁRIO DOS VILÕES CONTEMPORÂNEOS O vilão como representação do mal nos quadrinhos, cinema e games Mônica Lima de Faria Tese apresentada para a banca avaliadora como requisito parcial para a obtenção de título de doutora em comunicação social, pela Faculdade de Meios de Comunicação Social da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Orientadora: Profa. Dra. Maria Beatriz Furtado Rahde Aprovada em 29 de maio de 2012 BANCA EXAMINADORA Profa. Dra. Maria Beatriz Furtado Rahde – PUCRS (orientadora) Profa. Dra. Adriana Amaral - UNISINOS Profa. Dra. Nádia da Cruz Senna – UFPEL Profa. Dra. Nísia Martins do Rosário – UFRGS Prof. Dr. Roberto Tietzmann - PUCRS 2 Imagem e Imaginário dos Vilões Contemporâneos Mônica de Faria Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) F224i Faria, Mônica Lima de Imagem e imaginário dos vilões contemporâneos : o vilão como representação do mal nos quadrinhos, cinema e games / Mônica Lima de Faria. – Porto Alegre, 2012. 276 f. Tese (Doutorado) – Fac. de Comunicação Social, PUCRS. Orientador: Profa. Dra. Maria Beatriz Furtado Rahde. 1. Comunicação Social. 2. Comunicação Visual. 3. Imaginário. 4. Vilão. 5. Pós-Modernidade. 6. Mal. I. Rahde, Maria Beatriz Furtado. II. Título. Bibliotecária Responsável: Dênira Remedi – CRBCD10D/1370719.21 3 Imagem e Imaginário dos Vilões Contemporâneos Mônica de Faria Aos personagens vilões por deixarem a vida dos heróis mais difícil e a nossa mais divertida! Obrigada! 4 Imagem e Imaginário dos Vilões Contemporâneos Mônica de Faria Agradecimentos À minha muito querida orientadora, profa. Maria Beatriz Rahde, pelo apoio, dedicação, ensinamentos e fé neste trabalho. Aos professores avaliadores, Adriana Amaral, Nísia Rosário, Roberto Tietzmann e, especialmente, a sempre professora Nádia Senna, pela disposição e colaboração nesta construção. Aos colegas do Centro de Artes da Universidade Federal de Pelotas – especialmente os do Colegiado dos Cursos de Design Gráfico e Design Digital – por toda a compreensão, apoio e paciência ao longo deste percurso. Aos meus alunos e orientados por compreenderem as possíveis demoras em retornos e outras coisinhas nos períodos mais apertados. Aos meus familiares e amigos por entenderem os motivos de ausência durante este período conturbado e me apoiarem mesmo que distantes. Ao Sorvete e ao Budum por me fazerem feliz. Aos meus queridos pais, Leonor e Luiz Henrique, por todo o carinho e apoio para a chegada a esta etapa. Ao meu querido marido Artur, por toda a confiança, apoio, suporte – “técnico e emocional” – e carinho durante este período cheio de complicações, e, principalmente, por acreditar em mim. Muito obrigada! 5 Imagem e Imaginário dos Vilões Contemporâneos Mônica de Faria RESUMO O presente estudo apresenta os vilões das histórias em quadrinhos, cinema e games nos meios de comunicação visual contemporâneos, através de um enfoque de suas imagens e imaginários na modernidade e, principalmente, na pós-modernidade. No estudo, as imagens destes vilões selecionados, são entendidas elementos da mídia e da comunicação visual, que apresentam relevância na condição pós-moderna. Primeiramente, são estudadas as noções de comunicação e imaginário e suas relações, seguidas de uma contextualização das histórias em quadrinhos, cinema e games, a fim de dar conta do referencial teórico sugerido para a pesquisa. Em seguida, são apresentadas questões sobre a imagem e o imaginário focando a modernidade e a condição pósmoderna, enfatizando suas contextualizações e características no que se refere à comunicação, imagem e imaginário. Noutro momento, é discutida a figura do vilão, sua imagem e imaginário em que os personagens são entendidos como representação do mal, começando por uma discussão acerca da ética como forma de entender o mal, passando por noções de mal apontadas por Ricoeur (2007), Ullmann (2005) e Maffesoli( 2004) e verificando, enfim, o referencial teórico no vilão enquanto personagem que representa o mal, suas manifestações visuais e de imaginário. 6 Imagem e Imaginário dos Vilões Contemporâneos Mônica de Faria O estudo apresenta também análises de dois vilões – um de características modernas e outro de características pós-modernas – assim como um anti-herói, sendo eles: Saruman, da trilogia cinematográfica O Senhor dos Anéis; Curinga da novela gráfica Asilo Arkhan – uma séria casa em um sério mundo; e Ezio do game Assassin´s Creed II. As análises são realizadas em três etapas, sendo elas: apresentação do personagem – que contextualiza o objeto -; imaginário e moral do mal – que discute o vilão analisado em relação aos referenciais teóricos apresentados sobre o imaginário e o mal -; e imaginário e imagem do mal – quando são abordadas as relações das manifestações visuais dos personagens e a construção de seu imaginário como representação do mal. Ao fim é feita uma discussão sobre os resultados das análises. O estudo então defende a tese de que a imagem e o imaginário do vilão contemporâneo – das histórias em quadrinhos, cinema e games – não mais respeitam as dualidades bem e mal estabelecidos até a época moderna. Esse novo vilão pós-moderno, ainda que mal, demonstra através de suas imagens e imaginários uma relativização do mal, sendo este uma complementação do bem, visível na contemporânea construção do anti-herói. Para tanto, o estudo é uma pesquisa qualitativa na qual será utilizada como caminho metodológico a Hermenêutica de Profundidade apresentada por J. Thompson (1995), e também perpassa esta metodologia a técnica de análise de conteúdo proposta por Bardin (1977). Palavras-chave: Comunicação visual; imaginário; vilão; pós-modernidade; mal 7 Imagem e Imaginário dos Vilões Contemporâneos Mônica de Faria ABSTRACT This study presents the villains of comic books, movies and games in contemporary visual media through a focus on your images and imagined in modernity, and especially in post-modernity. In the study, selected images of these villains are understood elements of media and visual communication, which are relevant in the postmodern condition. Are first studied the concepts of communication and imaginary and their relationships, followed by a contextualization of comic books, movies and games in order to realize the theoretical framework suggested for research. Then questions will be presented on the picture and then focusing on imaginary of modernity and the postmodern condition, emphasizing their contextualization and characteristics with regard to communication, image and imaginary. On another occasion, it is discussed the figure of the villain, his image and imaginary in which the characters are seen as a representation of evil, starting with a discussion of ethics as a way to understand evil, through notions of evil pointed out by Ricoeur (2007) and Maffesoli (2004) and noting, finally, the theoretical framework as the villain character who is evil, its visual manifestations and imaginary. The present study also analyzes two villains - one of modern features and other features of post-modern - as well as an anti-hero, as follows: Saruman, the film trilogy The Lord of the Rings; Joker, from the graphic novel 8 Imagem e Imaginário dos Vilões Contemporâneos Mônica de Faria Arkham Asylum - a serious home in a serious world, and Ezio of Assassin's Creed II game. The analyzes are carried out in three stages, namely: presentation of the character - that contextualizes the object -; imaginary and evil´s moral - that discusses the villain analyzed in relation to the theoretical frameworks presented on the imaginary and evil -, and imaginary and image of evil - when they are presented the relations of visual manifestations of the characters and the construction of his imagination as a representation of evil. After a discussion is made on the results of the analyzes. The study then makes the case that the image and the imaginary villain's contemporary - of comic books, movies and games - no more respect the dualities of good and evil set up to modern times. This new postmodern villain, through its images, however evil, shows through your images and imaginary a relativization of evil, which is a complement to the right, visible in the construction of contemporary anti-hero. Thus, the study is a qualitative research which is used as a methodological approach Depth Hermeneutics by J. Thompson (1995), this approach also permeates the technique of content analysis proposed by Bardin (1977). Key-words: Visual Communication; imaginary; villain, post modernity; evil 9 Imagem e Imaginário dos Vilões Contemporâneos Mônica de Faria RIASSUNTO Questo studio presenta i cattivi dei fumetti, film e giochi in media visivi contemporanei, con particolare enfasi sulle vostre immagini e immaginari nella modernità, e soprattutto nella post-modernità. Nello studio, le immagini selezionate di questi furfanti sono compresi gli elementi dei media e della comunicazione visiva, che sono rilevanti nella condizione postmoderna. Vengono prima studiato i concetti di comunicazione e immaginario e le loro relazioni, seguita da una contestualizzazione di fumetti, film e giochi al fine di realizzare il quadro teorico proposto per la ricerca. Poi le domande saranno presentate sulla foto e poi concentrandosi sulla modernità immaginario e la condizione postmoderna, sottolineando la loro contestualizzazione e caratteristiche per quanto riguarda la comunicazione, immagine e immaginario. In un'altra occasione, di discutere la figura del cattivo, la sua immagine e immaginario, in cui si vedono i personaggi come una rappresentazione del male, a partire da una discussione di etica come un modo per capire il male, attraverso nozioni di male, segnalate dalla Ricoeur (2007) e Maffesoli (2004) e rilevando, infine, il quadro teorico come il personaggio cattivo che è il male, le sue manifestazioni visive e immaginari. Il presente studio analizza anche due cattivi - una delle caratteristiche moderne ed altre caratteristiche del post-moderno - così come un anti-eroe, come segue: Saruman, della trilogia cinematografica Il Signore degli Anelli; 10 Imagem e Imaginário dos Vilões Contemporâneos Mônica de Faria Joker, della graphic novel Arkham Asylum - una grave casa in un mondo serio, ed Ezio del gioco Assassin 's Creed II. Le analisi sono effettuate in tre fasi, e cioè: presentazione del personaggio - che contestualizza l'oggetto -; immaginario e la morale del male - che discute il cattivo analizzati in relazione ai quadri teorici presentati sull'immaginario e il male -, e immagini e l'immaginario del male - quando vengono presentate le relazioni di manifestazioni visive dei personaggi e la costruzione della suo immaginario come una rappresentazione del male. Dopo una discussione si fa sui risultati delle analisi. Lo studio fa poi il caso che l'immagine e contemporanea del cattivo immaginario - di fumetti, film e giochi - non più rispettare le dualità di bene e male impostati fino ai tempi moderni. Questo postmoderna nuovo cattivo, attraverso le sue immagini, però male, mostra attraverso le immagini e immaginario una relativizzazione del male, che è un complemento a destra, visibile nella costruzione di contemporanea anti-eroe. Così, lo studio è una ricerca qualitativa che viene utilizzato come un'ermeneutica metodologiche approccio approfondito da J. Thompson (1995), questo approccio permea anche la tecnica di analisi del contenuto proposto da Bardin (1977). Parole chiave: comucazione visiva; immaginario; cattivo; postmodernità; male 11 Imagem e Imaginário dos Vilões Contemporâneos Mônica de Faria LISTA DE FIGURAS Figura 1 – Saruman Figura 2 – Curinga Figura 3 – Ezio Figura 4 – Escrita é um artifício para ajudar a memória Figura 5 – Max und Moritz Figura 6 – gravura de Ukiyo-e Figura 7 – Yellow Kid Figura 8 – Katzenjammer Kids Figura 9 – cartaz de divulgação do cinematógrafo dos irmãos Lumiére Figura 10 – cosplay Figura 11 – Assassin´s Creed Figura 12 – diversos consoles de videogames Figura 13 – pegada de animal Figura 14 – Bisão Figura 15 – brasão heráldico 33 35 36 64 74 75 76 77 81 86 90 92 98 99 101 12 Imagem e Imaginário dos Vilões Contemporâneos Mônica de Faria Figura 16 – Bíblia de Gutemberg 102 Figura 17 – Homem Vitruviano de Da Vinci 113 Figura 18 – Escola de Atenas 114 Figura 19 – Cartaz de Tolousse Lautrec 118 Figura 20 – Exemplo de pintura surrealista de Salvador Dalí 119 Figura 21 – Ray Gun de David Carson 123 Figura 22 – O filme Avatar 125 Figura 23 – Dick Tracy 132 Figura 24 – Anakin Skywalker 133 Figura 25 – Medusa 162 Figura 26 – Hades 163 Figura 27 – Grifo 164 Figura 28 – Sofrimento de Cristo 166 Figura 29 – Dança Macabra 167 Figura 30 – Morte dos quadrinhos de Neil Gaiman 168 Figura 31 – uma dentre as manifestações visuais contemporânea do Diabo 169 Figura 32 – Inferno de Dante por Doré 171 Figura 33 – Coco Channel 172 13 Imagem e Imaginário dos Vilões Contemporâneos Mônica de Faria Figura 34 – Dragão 173 Figura 35 – Caricatura da Segunda Guerra 174 Figura 36 – Ming e seu comparsa 176 Figura 37 – Bruxa Má em Branca de Neve 178 Figura 38 – Bruxa Má do Oeste 179 Figura 39 – representação da bruxa sensualizada contemporânea 180 Figura 40 – Hermione, a bruxa boa em Harry Potter 180 Figura 41 – conotações de “bruxa” 181 Figura 42 – Nosferatu 182 Figura 43 – androgenia em Entrevista com o Vampiro 183 Figura 44 – o vilão Jason de Sexta-Feira 13 185 Figura 45 – Silent Hill 186 Figura 46 – Darth Vader 188 Figura 47 – Voldemort 190 Figura 48 – Maleficent 191 Figura 49 – Mr. Burns 192 Figura 50 – Dr. Frank N Furter 192 Figura 51 – Pernalonga pode ser um exemplo de anti-herói 194 14 Imagem e Imaginário dos Vilões Contemporâneos Mônica de Faria Figura 52 – Death Note 196 Figura 53 - Dexter Figura 54 – o anão Tyrion Lannister – impossível dizer se é bom ou mal Figura 55 – Kratos, de God of War Figura 56 – Terra Média 197 198 199 202 Figura 57 - Isengard Figura 58 – As Duas Torres Figura 59 – Saruman em suas vestes brancas 205 206 209 Figura 60 – Saruman em Orthanc Figura 61 – Uruk-hai 210 211 Figura 62 – Gríma e Théoden 213 Figura 63 – Morte de Saruman Figura 64 – Batman #251 214 216 Figura 65 – Asilo Arkhan Figura 66 – “Primeiro de Abril” 218 221 Figura 67 – “brincadeiras” do Curinga 222 Figura 68 – estética pós-moderna de McKean Figura 69 – diferenças no tratamento tipográfico das falas 226 228 15 Imagem e Imaginário dos Vilões Contemporâneos Mônica de Faria Figura 70 – teste de manchas 229 Figura 71 – final da história 231 Figura 72 – Assassin´s Creed II 232 Figura 73 – Ezio sem capuz 238 Figura 74 – vestes ricas em detalhes e excessos 240 Figura 75 – cenas de assassinatos 241 Figura 76 – Ezio e Leonardo da Vinci 243 Figura 77 – Florença no jogo 243 16 Imagem e Imaginário dos Vilões Contemporâneos Mônica de Faria LISTA DE TABELAS Tabela 1 – síntese das análises 246 17 Imagem e Imaginário dos Vilões Contemporâneos Mônica de Faria SUMÁRIO RESUMO ABSTRACT RIASSUNTO LISTA DE FIGURAS LISTA DE TABELAS CONSIDERAÇÕES INICIAIS 1. CAMINHOS METODOLÓGICOS 2. ABORDAGENS SOBRE IMAGINÁRIO E COMUNICAÇÃO 2.1 Noções de imaginário 2.2 Imaginário e comunicação 2.3 Histórias em quadrinhos, cinema e games como formas de comunicação visual 3. A IMAGEM E SEUS IMAGINÁRIOS 3.1 Imagem, imaginário e comunicação visual 06 08 10 12 17 21 40 48 49 60 68 97 97 18 Imagem e Imaginário dos Vilões Contemporâneos Mônica de Faria 3.2 Modernidade, pós-modernidade e a imagem 111 4. A IMAGEM DO VILÃO COMO REPRESENTAÇÃO DO MAL 4.1 Noções de ética e moral e sua relação com o bem e o mal 4.2 Abordagens sobre as noções de mal 4.3 O vilão e a imagem do mal 134 134 146 159 5. DE VILÕES E ANTI-HERÓIS – ANÁLISES 5.1 Saruman 5.1.1 Apresentando Saruman 5.1.2 Imaginário e moral do mal em Saruman 5.1.3 Imaginário da imagem do mal em Saruman 5.2 Curinga 5.2.1 Apresentando Curinga 5.2.2 Imaginário e moral do mal em Curinga 5.2.3 Imaginário da imagem do mal em Curinga 5.3 Ezio 5.3.1 Apresentando Ezio 5.3.2 Imaginário e moral do mal em Ezio 5.3.3 Imaginário da imagem do mal em Ezio 5.4 Vilões e anti-heróis: relações dos imaginários do mal 200 201 201 203 209 215 215 218 225 232 232 234 237 244 19 Imagem e Imaginário dos Vilões Contemporâneos Mônica de Faria de Saruman, Curinga e Ezio CONSIDERAÇÕES FINAIS 248 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 262 20 Imagem e Imaginário dos Vilões Contemporâneos Mônica de Faria CONSIDERAÇÕES INICIAIS Um homem de descendência afro-americana foi eleito presidente dos Estados Unidos, um ex-metalúrgico foi presidente do Brasil. Figuras oriundas do povo, representantes das minorias, de classes oprimidas vencem os desafios e tornam-se heróis destes povos, simbolizando a esperança para a transformação da situação vigente em algo melhor. Verdadeiros heróis mitificados. Mas não só de heróis vivem as pessoas, os heróis surgem devido a uma necessidade de combater o mal e o que é considerado errado numa visão social, e assim precisam de vilões. Este estudo apresenta a figura do vilão como uma forma de comunicação no mundo contemporâneo. Estes vilões, suas imagens e simbologias têm um papel muito importante na mente dos indivíduos, pois geram fantasias e sonhos, alimentando imaginários. Fácil de encontrar esses vilões sociais: Osama Bin Laden, Saddan Hussein, ou o próprio George W. Bush enquanto tomava seus posicionamentos beligerantes, e várias outras figuras públicas de maior ou menor reconhecimento poderiam ser citadas. O fato é que o herói não se sustenta sozinho, não há necessidade de heróis se não há mal a combater: o mundo precisa de heróis e os heróis precisam de vilões. 21 Imagem e Imaginário dos Vilões Contemporâneos Mônica de Faria Sendo assim, este trabalho pretende estudar a imagem do vilão e as manifestações de seu imaginário. Aqui, como abordado em capítulo posterior, trataremos das imagens visuais, dentre das inúmeras possibilidades de imagens. Apesar das exemplificações citadas anteriormente, trata-se de um estudo sobre vilões da ficção e não da vida real, pois além de a ficção gerar parâmetros para o real, analisar e/ou criticar os possíveis vilões reais e sociais poderia acarretar certos conflitos morais, éticos e políticos que não se pretendem contemplar neste estudo. O vilão é entendido como uma representação do mal – assunto que terá capítulo específico posteriormente – mas pensando em termos históricos podese observar que o que é bem ou mal, certo ou errado, modifica-se de acordo com o contexto histórico-social que se encontram. Como exemplo disso podese pensar nos deuses gregos que, de acordo com os padrões morais modernos, não eram nem um pouco bons: adúlteros, trapaceiros, arrogantes e sempre fazendo peripécias no mundo dos mortais, os próprios encrenqueiros eram os salvadores e detentores de poder: herói e vilão num só. Ainda no período antigo pode-se citar a mitologia nórdica que apresentava o deus Loki, da mentira e da trapaça: o deus era o vilão. Os estudos sobre o mal, ou sobre a dicotomia bem e mal são abundantes, porém, estudos especificamente enfocando a figura do vilão já não são tão fáceis de encontrar. Para tanto, se faz necessário um entendimento da figura do herói, para que se possa construir um referencial teórico que aborde o vilão como representação do mal nos meios de comunicação. 22 Imagem e Imaginário dos Vilões Contemporâneos Mônica de Faria Para o estudo da imagem do vilão em meios de comunicação, opta-se por trabalhar com três diferentes veículos: as histórias em quadrinhos, o cinema e os games – também referidos neste estudo como jogos digitais. Estes meios foram selecionados uma vez que são encontradas as manifestações da dualidade herói e vilão em todos eles. Além disso, tantos os quadrinhos como o cinema são formas de comunicação originalmente modernas que foram se remodelando e atualizando até chegar a uma estruturação contemporânea que pode-se chamar pós-moderna; já os jogos digitais são natos em uma condição pós-moderna, tendo uma visualidade e expressão comunicacional dentro das características contemporâneas. Segundo Luyten: Os homens têm uma necessidade interna de heróis. Eles são campeões do bem, restauradores da ordem e praticamente imutáveis no tempo e no espaço. Povoam um setor privilegiado do nosso imaginário, governado pela fantasia (LUYTEN, 2000, p.69). Apesar da afirmação da autora, pode-se observar ao longo da história uma grande mudança em relação à figura do herói. Desde a Antiguidade, dos clássicos heróis mitológicos, passando pelo herói medieval cristão e pelo justo e leal herói moderno (CAMPBELL, 2007), a figura da personagem heróica vem se modificando até a contemporaneidade. Hoje, vivendo em uma condição pósmoderna torna-se difícil encontrar ou nortear a figura do herói. O herói (...), é o homem ou mulher que conseguiu vencer suas limitações históricas pessoais e locais e alcançar formas normalmente válidas, humanas. As visões, idéias e inspirações dessas pessoas vêm diretamente das fontes primárias da vida e do pensamento humano (CAMPBELL, 2007, p. 28). 23 Imagem e Imaginário dos Vilões Contemporâneos Mônica de Faria Sendo assim, o herói é a figura da passagem sobre as adversidades, sendo vitorioso ou não, é uma representação de superação e que comunica algo, uma mensagem de conotações diversas dependendo de suas várias facetas de acordo com o meio. Já o vilão pode ser entendido como a própria adversidade, o ato falho, quem dará o teste ao herói. O vilão perverso, maligno, ambicioso torna-se necessário para que o herói possa ser herói. A razão derrubou o mito, e assim, o herói é desacreditado, derrotado, “a teia onírica do mito ruiu; a mente se abriu à plena consciência desperta; e o homem moderno emergiu da ignorância antiga, tal como uma borboleta de seu casulo, ou tal como o sol, de madrugada, do útero da mãe noite” (CAMPBELL, 2007, p.372). Na contemporaneidade outro tipo de herói surge, segundo Campbell: O herói morreu com o homem moderno; mas, como homem eterno – aperfeiçoado, não específico e universal – , renasceu. Sua segunda e solene tarefa e façanha é, por conseguinte (...), retornar ao nosso meio transfigurado, e ensinar a lição de via renovada que aprendeu (CAMPBELL, 2007,p.28). O vilão contemporâneo, por sua vez é oriundo de uma condição pósmoderna. Uma condição que subverte antigos e modernos valores morais e os reestruturam de novas maneiras. Sendo assim, e considerando o vilão como uma figura de comunicação, uma vez que representa e comunica valores, lições e ideologias distorcidas, cabe uma pesquisa cuidadosa sobre os novos vilões, os vilões contemporâneos surgidos através de transformações, “contravenções” – como afirma Harvey (1992) – e necessidade de novos pensamentos. Cabe neste estudo também verificar se este vilão surgido em 24 Imagem e Imaginário dos Vilões Contemporâneos Mônica de Faria uma condição de desestruturação e reestruturação moral continua sendo vilão, ou lhe são atribuídas novas e diferentes características. A condição pós-moderna seria a época na qual as idéias se chocam, misturam-se e acrescentam ou dividem, não tendo assim início, meio ou fim. Assim, a pós-modernidade aceita novas idéias e novas imagens. A regra ainda está lá, mas não precisa ser seguida. Não existe mais o “isso ou aquilo” e sim o “isso e aquilo”, ou seja, um pensamento inclusivista. Os conhecimentos somam-se, dividem-se e transformam-se, formando novas idéias e olhares. “A razão pura alia-se à imaginação, que junto com a cognição e a experimentação vem permitindo ao artista a construção de vários mundos para transformar o universo numa pluralidade de visualizações” (RAHDE & CAUDURO, 2004, p.100,101). A marca registrada da pós-modernidade é o pluralismo, ou seja, a abertura para posturas novas e a tolerância para posturas divergentes. Na época pós-moderna, já não existe mais a pretensão de encontrar uma única forma correta de fazer as coisas, uma única solução que resolva todos os problemas, uma única narrativa que amarre todas as pontas. Talvez, pela primeira vez desde o início do processo de industrialização, a sociedade ocidental esteja se dispondo a conviver com a complexidade em vez de combatê-la, o que não deixa de ser (quase que por ironia) um progresso (DENIS, 2000, p.208 - 209). Quais são então essas inclusões dos novos vilões? Em que meios eles surgem? São estas e outras perguntas que esta pesquisa pretende abordar, tentando descobrir se existe realmente características que definam a figura do vilão contemporâneo e seu imaginário. Este estudo, então, possui base teórica numa maior compreensão e aprendizagem visual, cultural, imaginária e comunicacional, já que tantas variações se apresentam nesse hibridismo de imagens e imaginários que 25 Imagem e Imaginário dos Vilões Contemporâneos Mônica de Faria existem na construção do vilão. Parte-se ainda do princípio que, se a condição pós-moderna é inclusivista, se apropria e transforma, o herói contemporâneo nada mais é do que um amálgama dos heróis antigos, medievais e modernos, desconstruídos e reconstruídos com um novo enfoque, o pós-moderno. De acordo com Moreira e Caleffe: O compromisso da pesquisa é, portanto, lidar com os mundos naturais e sociais em que as pessoas habitam. Para entender melhor esses mundos, devemos nos concentrar sobre a construção social da realidade e das formas pelas quais a interação social reflete os desdobramentos das definições dos autores de suas situações (MOREIRA & CALEFFE, 2006, p. 62-63). Uma vez estabelecido que os vilões a serem trabalhados serão aqueles ficcionais, dentro de meios determinados – histórias em quadrinhos, cinema e games – deve-se compreender que a figura do vilão aqui tratada é de um personagem. Já na Grécia antiga, refletindo sobre o teatro, Aristóteles referiase ao personagem como a imitação de algo, ideias ou pessoas reais: “Como os imitadores imitam pessoas em ação, e estas são de boa ou má índole (porque os caracteres se limitam a esses), sucede que, necessariamente, os poetas imitam homens melhores ou piores, ou então iguais a nós” (ARISTÓTELES, Poética. Trad. Baby Abrão, 2000, p.38). Para o filósofo, o personagem não seria somente uma simples representatividade do ser humano, mas à sua importância na elaboração e todo o desenrolar da obra a partir das ações por ela desempenhadas. Para o pensador o personagem, ou a imitação, ainda só terá êxito, uma vez que o público conheça o que quer dizer o original. Partindo deste pressuposto, os vilões, como imitações caricaturizadas do mal humano, só são 26 Imagem e Imaginário dos Vilões Contemporâneos Mônica de Faria reconhecíveis uma vez que os sujeitos espectadores compreendem que aquelas ações são más. Caráter é aquilo que revela determinada deliberação; ou, em situações dúbias, a escolha que se faz ou que se evita. Por esse motivo, falta caráter às falas da personagem quando esta não revela a finalidade que se quer obter ou recusar. Idéias são aquilo em que se demonstra que alguma coisa é ou não é, ou que expressa algo genérico (ARISTÓTELES, Trad. Baby Abrão, 2000, p.45). Assim, pode-se compreender que nas narrativas existe uma finalidade para o vilão, pois este personagem representa determinadas ideias e valores que serão julgadas através de determinada moral apresentada pelo autor dentro de seu contexto sócio-histórico, como errôneas ou perversas. Aristóteles ainda comenta que um personagem sozinho não encontra coerência em uma fábula, a antagonização se faz necessária para dar unidade ao discurso, e ainda é preciso certo grau de verossimilhança para o entendimento da obra. Pode-se observar que as considerações do pensador Aristóteles, de certa maneira, são válidas para os dias de hoje. Os personagens de contos ficcionais ainda carregam verossimilhanças com os indivíduos. Indo ao encontro de Morin (in XAVIER org., 2003), o personagem gera uma projeçãoidentificação, que faz com que o público se agrade daquela ficção apresentada. O protagonista, ou antagonista, necessita ocupar um lugar de destaque, exteriorizando suas características éticas e psicológicas junto ao sujeito espectador. Na obra A personagem de ficção, Anatol Rosenfeld (in CANDIDO, ROSENFELD, PRADO & GOMES, 2009) comenta que a verificação de uma 27 Imagem e Imaginário dos Vilões Contemporâneos Mônica de Faria obra ficcional se dá a partir de três parâmetros: o problema ontológico – que se trata da verificação de uma ficção através de problemas ontológicos, lógicos e epistemológicos, independendo de critérios de valor; o problema lógico – juízos científicos, jornalísticos etc., que pretendem corresponder a uma verossimilhança real; e o problema epistemológico (a personagem) – “é porém a personagem que com mais nitidez torna patente a ficção, e através dela a camada imaginária se adensa e cristaliza” (ROSENFELD in CANDIDO, ROSENFELD, PRADO & GOMES, 2009, p. 21). Para o autor, é com o surgir da figura do personagem que se constitui a intenção fictícia de uma obra, pois dado o personagem em uma situação concreta, qualquer acréscimo de informações permite a elaboração por parte do espectador de um campo imaginário de possibilidades. Apesar de referir-se a obras literárias, pode-se observar que o mesmo funciona para os quadrinhos, o cinema e games que também intencionam ter, como sugere Aristóteles em sua Poética, certo grau mínimo de verossimilhança, podendo a qualquer momento serem transformados em novos imaginários e possibilidades ficcionais. Em termos lógicos e ontológicos, a ficção define-se nitidamente como tal, independentemente das personagens. Todavia, o critério revelador mais óbvio é o epistemológico, através da personagem, mercê da qual se patenteia – às vezes mesmo por meio de um discurso especificamente fictício – a estrutura peculiar da literatura imaginária. Razões mais intimamente “poetológicas” mostram que a personagem realmente se constitui a ficção (ROSENFELD in CANDIDO, ROSENFELD, PRADO & GOMES, 2009, p. 27). Para Rosenfeld (in CANDIDO, ROSENFELD, PRADO & GOMES, 2009), o personagem é o fator determinante da ficção, sendo este quem vai 28 Imagem e Imaginário dos Vilões Contemporâneos Mônica de Faria determinar o grau de verossimilhança com o real ou quão mais imaginativa esta ficção será. Porém é fato que por mais verossímil que seja o personagem sempre terá caráter ficcional, uma vez que ele nunca alcançará a determinação completa daquilo que é real. “Assim a personagem de um romance (...) é sempre um configuração esquemática, tanto no sentido físico como psíquico, embora formaliter seja projetada como um indivíduo „real‟, totalmente determinado” (ROSENFELD in CANDIDO, ROSENFELD, PRADO & GOMES, 2009, p. 33). Então, um personagem de ficção torna-se um encontro com várias possibilidades de seres humanos condensados em contornos contemplados em uma construção ficcional. Da mesma forma como os seres humanos encontram-se integrados em situações complexas sejam estas sociais, comunicacionais, psicológicas etc., os personagens são uma acentuação destas situações, causando a projeção-identificação (MORIN in XAVIER org., 2003), uma exteriorização de estereótipos. Graças à seleção dos aspectos esquemáticos preparados e ao “potencial” das zonas indeterminadas, as personagens atingem a uma validade universal em que nada diminui a sua concreção individual; e mercê desse fato liga-se, na experiência estética, à contemplação, a intensa participação emocional. Assim, o leitor contempla e ao mesmo tempo vive as possibilidades humanas que sua vida pessoal dificilmente lhe permite viver e contemplar, visto o desenvolvimento individual se caracterizar de pela crescente redução de possibilidades (ROSENFELD in CANDIDO, ROSENFELD, PRADO & GOMES, 2009, p. 46). O vilão é então um personagem, um personagem que, como outros, trata-se de um tipo de imitação de algo real. A diferença deste personagem é que está calcado em valores imorais ou amorais em relação à ética 29 Imagem e Imaginário dos Vilões Contemporâneos Mônica de Faria apresentada pelo herói: o vilão é a representação do mal. De acordo com Ullmann (2005), o mal é considerado uma propriedade dos seres, porém uma propriedade não-positiva, falha; ainda segundo o autor, o mal também pode ser carnal, físico ou doloroso de espírito. Seguindo estas ideias, pode-se afirmar que a função do personagem vilão é a de uma criatura má, falha, que não condiz com o bem moral e que por isso é capaz de infringir o mal físico ou o de espírito. Isso quer dizer que o mal, em qualquer sentido, consiste na ausência de uma perfeição que deveria estar presente na natureza, em determinado ser ou faculdade de um ser. Em outras palavras, o mal é aquilo que contraria um plano determinado ou desarruma uma ordem estabelecida de coisas que estamos habituados. Assim sendo, o mal é oposto de bem (ULLMANN, 2005, p.6). Seguindo esta ideia, pode-se entender que o mal é uma privação do bem, portanto o bem, necessário para existência do mal, não é passível de negação, de privação, não pode ser rejeitado, fascina o homem. No bem não existe o mal. Todavia, pensamento contém um equívoco em relação ao personagem vilão como representação do mal e do personagem herói enquanto representação do bem: o herói do bem, para assim ser, como será visto em capítulo posterior, deve ter sido infligido por algum mal, seja físico ou de espírito; pois só assim, conhecendo o mal e o tendo experenciado é que será possível enfrentá-lo como um herói (CAMPBELL, 2007). Ullmann (2005) ainda afirma que existem três tipos de mal: o mal físico, o mal moral e o mal metafísico. O mal físico é aquele que deforma de alguma maneira a boa naturalidade do homem, seja ela material ou de espírito. O mal físico pode ser ou uma conseqüência da natureza ou da violência, sendo ela física ou psicológica. Já o mal moral “reside no desvio voluntário da norma de 30 Imagem e Imaginário dos Vilões Contemporâneos Mônica de Faria moralidade, que é a razão, nas ações livremente postas” (ULLMANN, 2005, p. 9); é o desvio do ser da conduta moral e ética preestabelecida. Por fim o mal metafísico é aquele que reside em uma “imperfeição original da criatura, que a torna sujeita ao erro, à falta, ao pecado” (ULLMANN, 2005, p.9), é um mal de certa maneira “natural”, não explicável, imponderável, inerente ao ser maléfico; pode-se dizer que muitas vezes este é o caso do vilão de ficção. Eco (2007), em História da Feiúra, afirma que a representação do mal na imagem, na arte e na comunicação visual trata-se muitas vezes da representação do feio, do imperfeito, o contrário do belo. O mal, enquanto visualização é então aquilo que não está dentro das regras do que é belo, do que é bom. Para explicar o mal no mundo, já desde tempos remotos, existe a doutrina do dualismo: um espírito ou princípio do bem e outro princípio ou espírito do mal (...). Ao homem sábio cumpre escolher o espírito do bem, seguir-lhe os pensamentos e as ações para ser feliz. Terrível futuro espera os que se pautarem pelo espírito do mal (...). Os dois espíritos acham-se em luta perene, a qual só terminara ao fim dos tempos com a vitória do bem e a aniquilação do mal (ULLMANN, 2005, p.12-13). Apesar do senso comum de dualidade bem e mal ao qual Ullmann (2005) se refere, essas noções só podem ser atribuídas a visão de mundo ocidentalizada, baseada em paradigmas morais medievais e modernos. Estes paradigmas, baseados em uma doutrina judaico-cristã, entendem o mal como uma conseqüência, surgida historicamente pelo pecado original (ULLMANN, 2005). Porém, em uma condição pós-moderna na qual vivemos contemporaneamente, os parâmetros de bem e mal se tornam relativos e com fronteiras culturais e geográficas. Como afirma Eco (2007) em relação à beleza: 31 Imagem e Imaginário dos Vilões Contemporâneos Mônica de Faria No caso de outras culturas, ricas em textos poéticos e filosóficos (como, por exemplo, a indiana, a japonesa ou a chinesa), vemos imagens e formas, mas ao traduzir tanto as páginas de literatura quanto às filosóficas, é quase difícil estabelecer até que ponto determinados conceitos podem ser identificados aos nossos, embora a tradição nos tenha induzido a transpô-los para termos ocidentais como “belo” ou “feio” (ECO, 2007, p. 10). Sendo assim, em uma condição pós-moderna, em que as novas tecnologias da informação e da comunicação possibilitam a disseminação de imagens e valores locais a parâmetros globais, assim como o que é belo ou feio, o que é bom ou mal também sofrem possibilidades de interpretação. Torna-se difícil hoje aceitar o dualismo bem e mal estabelecido até a modernidade. Os imaginários multiplicam-se possibilitando novas formas de socializações (MAFFESOLI, 2005) e por fim, novas leituras do que é bom e o que é mal. Por isso, torna-se relevante avaliar a situação do vilão, representados através dos quadrinhos, cinema e games, uma vez que são imagens comunicacionais que estabelecem valores imorais ou amorais, que se difundem através de meios de comunicação surgidos localmente para um público global. Como recorte do objeto “vilões de ficção”, optou-se por analisar um vilão moderno, um vilão pós-moderno e um anti-herói. Esta última categoria se faz necessária uma vez que na pós-modernidade percebe-se que o herói também está sendo modificado, possuindo características discrepantes com aquelas atribuídas ao bem, hipótese esta a ser verificada ao longo deste estudo. Para a composição do corpus de análise foi escolhido como vilão moderno o personagem Saruman (Figura 1), da trilogia cinematográfica 32 Imagem e Imaginário dos Vilões Contemporâneos Mônica de Faria baseada na obra literária de J. R. Tolkien de 1954, O Senhor dos Anéis lançado de 2001 a 2003 sob direção de Peter Jackson. O personagem interpretado por Christopher Lee é um mago que, seduzido pelo poder, acaba por aliar-se ao senhor do escuro Sauron em sua batalha pela conquista da Terra Média, cenário fictício no qual a história se passa. A escolha deste personagem se justifica pois, apesar de o filme ser contemporâneo, apresenta um vilão criado na transição de um período moderno para uma condição pósmoderna, possuindo assim, características modernas. Figura 1 – Saruman Fonte: http://cadernopop.seriestv.com.br/tag/saruman/, em 23/10/2010 33 Imagem e Imaginário dos Vilões Contemporâneos Mônica de Faria O vilão pós-moderno selecionado foi o Curinga1 (Figura 2), apresentado na novela gráfica Asilo Arkhan – uma séria casa em um sério mundo, de 1989, escrita por Grant Morrison e ilustrada por Dave McKean. O vilão, criado para os quadrinhos do Batman, por Bob Kane em 1940, é um palhaço psicopata que tem por objetivo desafiar o Homem-Morcego. Apesar de criado em 1940, o personagem da novela gráfica é uma releitura pós-moderna dos anos 80, assim com feita por vários autores de quadrinhos a partir de meados dos anos 70, sendo uma das mais relevantes a da revista Batman – o cavaleiro das trevas, escrita por Frank Miller. 1 Em algumas obras traduzidas no Brasil, o nome deste personagem aparece com a grafia Curinga ou Coringa. Segundo o site Wikipédia (http://pt.wikipedia.org/wiki/Coringa_(DC_Comics), em 03/03/2012), a grafia Coringa começou a ser utilizada devido a decisão da Editora Brasil-América Ltda. – Ebal – de achar a palavra Curinga “feia”. Entretanto, de acordo com o Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa, a palavra curinga refere-se à carta de baralho que, em alguns jogos, pode substituir outras; já coringa não consta no dicionário, porém no site Português na Rede (http://www.portuguesnarede.com/2007/11/coringa-ou-curinga.html, acesso em 26/11/2010) explica-se que a palavra denomina uma embarcação pequena ou pessoa raquítica. No original em inglês, o nome do personagem é Joker, que, segundo o dicionário Longman of contemporary english, refere-se à carta de baralho. Para tanto, neste trabalho, o nome do personagem aparecerá com a grafia Curinga. 34 Imagem e Imaginário dos Vilões Contemporâneos Mônica de Faria Figura 2 – Curinga Fonte: http://www.deadfilm.net/category/graphic-novel/, em 23/03/2012 Por fim, o anti-herói escolhido foi Ezio Auditore (Figura 3), do game Assassin´s Creed II, lançado em 2009 pela empresa Ubisoft Montreal. A franquia Assassin´s Creed conta com quatro títulos – sendo Ezio protagonista de três deles – e é previsto o lançamento do quinto jogo – Assassin´s Creed III – ainda em 2012. Ezio é um jovem nobre da Florença renascentista que descobre após uma tragédia familiar sua herança como membro da Ordem dos Assassinos, tornando-se assim um deles. O game contemporâneo tem atingido grande sucesso de público, sendo distribuído nos consoles PlayStation III da Sony, Xbox 360 da Microsoft e para computadores pessoais, e prevendo continuidade para a franquia. 35 Imagem e Imaginário dos Vilões Contemporâneos Mônica de Faria Figura 3 – Ezio Fonte: http://assassinscreedgames.webnode.pt/personagens-ii/ezio-auditore-da-frienze/, em 23/03/2012 Os personagens escolhidos, bem como suas narrativas, são ficcionais de da ordem da fantasia. Apesar de as histórias poderem ser classificadas como hibridas – Asilo Arkhan também ser entendido como do gênero terror, por exemplo – entende-se aqui a fantasia como da ordem do mítico e do místico – o que será recapitulado do capítulo 2 – sendo então algo além do entendimento da racionalidade, porém com caráter verossímil e onírico. Por isso, os personagens selecionados, são compreendidos como de fantasia. O presente estudo passará então pelas seguintes etapas: primeiramente serão apresentadas as relações entre imaginário e comunicação, temas centrais nesta pesquisa. No referido capítulo, são discutidas e apontadas algumas das noções sobre imaginário, utilizando referências de autores como 36 Imagem e Imaginário dos Vilões Contemporâneos Mônica de Faria Durand, Maffesoli e Malrieu. Por fim, explicita-se as histórias em quadrinhos, o cinema e os games como formas de comunicação visual capazes de fomentar imaginários, evidenciando as potencialidades comunicacionais destes meios. Em um segundo momento, são apresentadas relações entre imaginário, imagem e comunicação visual, e como estas noções podem ser entendidas em conjunto. Serão também apresentadas a modernidade e a pós-modernidade como recortes temporais deste estudo. Para tanto também serão estudadas as características que diferenciam e assemelham as imagens modernas e pósmodernas como referencial teórico para as análises posteriormente apresentadas. No quarto capítulo, é estudado o objeto vilão enquanto representação do mal, discutindo noções de moral e ética para o entendimento do mal, além de noções sobre o próprio mal – através de Ricouer, Ullmann e Maffesoli – a fim de compreender o vilão enquanto representação do mal. Por fim, são estudadas as representações visuais do vilão como mal, com enfoque teórico de Eco. Com os referenciais teóricos estudados e estabelecidos, serão feitas as análises dos vilões e anti-herói, dividindo nas seguintes etapas: apresentação do personagem - na qual se descreve o personagem analisado, fornecendo informações iniciais sobre o objeto –; imaginário e moral do mal – na qual se relaciona o personagem com referenciais teóricos sobre imaginário, moral e mal –; e imaginário e imagem do mal – quando são discutidas as noções sobre imaginário e imagem apresentadas ao longo do texto em relação ao objeto. Por fim, é apresentada uma discussão em torno dos resultados das análises. 37 Imagem e Imaginário dos Vilões Contemporâneos Mônica de Faria Apresentadas as etapas o estudo, propõe-se o seguinte objetivo de pesquisa: Contemplar as possíveis evidências de imaginário e imagem contemporâneos que fazem do vilão uma representação do mal. Passando para isso por um estudo sobre as noções de imagem e imaginário do mal modernos e pós-modernos e analisando vilões dos distintos períodos. Tendo evidenciado o objetivos, são apresentados os objetivos específicos, auxiliares na construção da tese: - Identificar as relações entre imaginário, imagem e comunicação através de estudos teóricos bibliográficos sobre os temas; - Estudar o vilão, sua imagem, imaginário e comunicação de maneira geral; - Estudar o vilão e sua imagem enquanto representação do mal e no que acarreta seu imaginário; - Identificar as histórias em quadrinhos, o cinema e os games como meios de comunicação visual; - Compreender as noções de imagem, imaginário, moral e mal a fim de entender o vilão como representação do mal; - Buscar através da compilação dos dados obtidos possíveis noções que influenciem na construção da imagem e do imaginário do vilão contemporâneo. 38 Imagem e Imaginário dos Vilões Contemporâneos Mônica de Faria Na tentativa de atingir os dados objetivos, formula-se a seguinte questão-problema: Como se dão as possíveis evidências de imagem e imaginário contemporâneos que fazem do vilão uma representação do mal? Apresentados os objetivos e a questão-problema, propõe-se a seguinte tese de referência para verificação: A imagem e o imaginário do vilão contemporâneo – das histórias em quadrinhos, cinema e games – não mais respeitam as dualidades bem e mal estabelecidos até a época moderna. Esse novo vilão pós-moderno, através de suas imagens, ainda que mau, demonstra através de suas imagens e imaginários uma relativização do mal, sendo este uma complementação do bem, visível na contemporânea construção do antiherói. Para atingir os objetivos estabelecidos e verificar a tese de referência, o presente estudo utilizará como caminho metodológico a Hermenêutica de Profundidade de J. Thompson (2005), como mostra o capítulo a seguir. 39 Imagem e Imaginário dos Vilões Contemporâneos Mônica de Faria 1. CAMINHOS METODOLÓGICOS A realização deste trabalho caracteriza-se como uma pesquisa qualitativa, na qual se emprega o método proposto por John B. Thompson (1995), denominado Hermenêutica de Profundidade, que permite o estudo do objeto e sua simbologia (o personagem vilão) e a interpretação/reinterpretação do pesquisador. Esses caminhos metodológicos são utilizados para analisar o vilão contemporâneo, seu imaginário e sua relação com a modernidade e a pós-modernidade no que se referem à imagem, como forma simbólica. Perpassa também esta metodologia a Técnica de Análise de Conteúdo proposta por Bardin (1977). Segundo Taylor e Borgdan (1984), a pesquisa qualitativa caracteriza-se por produzir dados descritivos passíveis de análises interpretativas, permitindo contemplar significados intrínsecos ao fenômeno estudado. Para essas interpretações é utilizado o método já citado de Thompson, a Hermenêutica de Profundidade. Taylor e Borgdan (1984) apontam determinadas características as quais asseguram o uso da investigação qualitativa para a obtenção de dados descritivos, sustentando a presente investigação. São elas: 1) a pesquisa qualitativa segue uma estrutura flexível; sendo assim, o pesquisador pode desenvolver conceitos e compreensões de dados coletados, possibilitando a 40 Imagem e Imaginário dos Vilões Contemporâneos Mônica de Faria avaliação de hipóteses ou teorias; 2) a pesquisa qualitativa permite uma maior compreensão dos sujeitos e seus contextos; 3) o pesquisador deve ser sensível aos possíveis efeitos produzidos pelos seus estudos, aos sujeitos; 4) este modo de pesquisar tenta compreender os sujeitos a partir de suas próprias referências; 5) é importante que o pesquisador suspenda suas próprias crenças e motivações, observando os fatos como originais; 6) todas as perspectivas são válidas para o pesquisador, já que busca a compreensão das perspectivas dos sujeitos; 7) a pesquisa qualitativa é humanista, não reduzindo os dados em estatísticas; 8) para o pesquisador qualitativo, qualquer sujeito é passível de estudo, uma vez que nenhum aspecto da vida em sociedade é tão trivial a ponto de não ser estudado. Stein (2004) afirma que hermenêutica, em sua origem, possui diversos significados, como exprimir, interpretar e traduzir. Sendo assim, esta ciência ajuda a induzir a interpretação dos códigos, neste caso da comunicação visual, produzindo sentido, dentro de uma estruturação lógica. As estruturas lógicas não dão conta de todo o nosso modo de ser conhecedores das coisas e dos objetos, e aí somos obrigados a introduzir um elemento que será o núcleo dessa análise, o elemento da interpretação. A interpretação é hermenêutica, é compreensão, portanto, o fato de nós não termos simplesmente o acesso aos objetos via significado, mas via significado num mundo histórico determinado, numa cultura determinada, faz com que a estrutura lógica nunca dê conta inteira do conhecimento, de que não podemos dar conta pela análise lógica de todo o processo do conhecimento. Ao lado da forma lógica dos processos cognitivos precisamos colocar a interpretação (STEIN, 2004, p. 19). A HP (Hermenêutica de Profundidade), enquanto método qualitativo é ideal para analisar um objeto dentro de um contexto sócio-cultural, sem deixar de lado os seus valores significantes. Entendendo que “competência e 41 Imagem e Imaginário dos Vilões Contemporâneos Mônica de Faria apetência caminham lado a lado. A hermenêutica supõe ser quem descreve da mesma substância que aquilo que descreve. Ela requer uma certa comunidade de perspectiva‟” (MAFFESOLI, 2006, p.29). Por esta razão se propõe este método para estudar a figura do vilão dentro do cotidiano em que ele está inserido, possibilitando uma interpretação final de acordo com os resultados. Segundo Thompsom, a hermenêutica de profundidade: [...] coloca em evidência o fato de que o objeto de análise é uma construção simbólica significativa, que exige uma interpretação. Por isso, devemos conceder um papel central ao processo de interpretação, pois somente desse modo poderemos fazer justiça ao caráter distintivo do campo-objeto (THOMPSON, 1995, p.355). As formas simbólicas a serem analisadas pela hermenêutica são “construções significativas que exigem uma interpretação; elas são ações, falas, textos que, por serem construções significativas, podem ser compreendidas” (THOMPSON, 1995, p.357). Ou seja, as formas simbólicas são o próprio objeto, e por assim serem, podem ser compreendidas e interpretadas de diversas formas. Thompson (1995), afirma que a HP é trabalhada em três etapas: análise sócio-histórica; análise formal ou discursiva; e interpretação/reinterpretação. Cada uma destas etapas possui uma crucial importância para o desenvolvimento do estudo, corroborando para a interpretação das formas simbólicas numa colaboração entre teoria e corpo prático. Conforme o autor: Este referencial coloca em evidência o fato de que o objeto de análise é uma construção simbólica significativa, que exige uma interpretação. Por isso, devemos conceder um papel central ao processo de interpretação, pois somente desse modo poderemos fazer justiça ao caráter distintivo do campo-objeto (THOMPSON, 1995, p. 355). 42 Imagem e Imaginário dos Vilões Contemporâneos Mônica de Faria Assim, entendendo a imagem do vilão como uma construção simbólica, a HP auxilia esta pesquisa dando vazão ao objeto prático como parte do âmbito social, sendo assim relevante trabalhá-lo de maneira teórica, interpretando suas representações dentro de certo contexto sócio-cultural, pois “o estudo das formas simbólicas é fundamentalmente e inevitavelmente um problema de compreensão e significação” (THOMPSON, 1995, p.357). As imagens, sendo formas simbólicas passíveis de interpretação, tratam-se de construções significativas e, portanto, devem ser compreendidas. A primeira etapa da Hermenêutica de Profundidade, chamada Análise sócio-histórica, é quando se situa os objetos dentro de um determinado espaço-tempo. Segundo o autor: “o objetivo da análise sócio-histórica é reconstruir as condições sociais e históricas de produção, circulação e recepção das formas simbólicas” (THOMPSON, 1995, p.366). Esta etapa fazse necessária, pois as formas simbólicas não existem no nada, elas fazem parte de um contexto na qual foram criadas, difundidas e recebidas em condições específicas. Portanto, para sua futura interpretação, entender sua situação histórica é fator essencial para a pesquisa. Ainda na primeira etapa, são identificadas e descritas as situações espaço-temporais em que surgiram e onde se encontram os objetos estudados, pois “as formas simbólicas são produzidas (...) e recebidas (...) por pessoas situadas em locais específicos, agindo e reagindo a tempos particulares e a locais especiais” (THOMPSON, 1995, p. 366). Também são contemplados os campos de interação destas formas simbólicas, delimitando-as a relações 43 Imagem e Imaginário dos Vilões Contemporâneos Mônica de Faria específicas entre indivíduos que tem acesso a elas, pois, sabe-se que, cada pessoa pode receber a imagem de maneiras diferentes. Outros fatores a serem considerados na primeira etapa são os meios técnicos de construção de mensagens e de transmissão. “Sendo que as formas simbólicas são intercambiadas entre pessoas, elas implicam necessariamente algum meio de transmissão” (THOMPSON, 1995, p. 368). Entende-se então que o meio técnico, no caso deste estudo a forma da imagem, confere à forma simbólica determinadas características que não podem ser excluídas do processo, uma vez que elas e os meios técnicos não existem isoladamente. A segunda etapa de análise é denominada pelo autor de Análise formal ou discursiva. Essa análise se dá devido ao fato de que os objetos são “construções simbólicas complexas que apresentam uma estrutura articulada” (THOMPSON, 1995, p.369). Cabe nessa etapa, analisar e compreender essas estruturas para um melhor entendimento do objeto. Nesta etapa é necessário recorrer a uma metodologia de análise auxiliar, para que dê conta das estruturas formais e discursivas da imagem. Segundo o autor: Os processos de compreensão e interpretação devem ser vistos, pois, não como uma dimensão metodológica que exclua radicalmente uma análise formal ou objetiva, mas antes como uma dimensão que é ao mesmo tempo complementar e indispensável a eles (THOMPSON, 1995, p. 358). Tratando-se este estudo de uma pesquisa qualitativa e, indo ao encontro da afirmação de Thompson (1995), salienta-se a necessidade de um caráter transdisciplinar uma vez que hoje, nesta condição pós-moderna, excluir definitivamente qualquer forma de pensamento torna-se uma posição arbitrária 44 Imagem e Imaginário dos Vilões Contemporâneos Mônica de Faria e retrógrada. Sem perder o foco na comunicação, agregar teorias de outras áreas do conhecimento e, também, do conhecimento comum, só vem a colaborar com o desenvolvimento da pesquisa, nesta ou em qualquer outra área. É útil informar que não se trata, no caso, de um estado d´alma, mas de esclarecimentos de bastante valia, pois a tradicional compartimentação disciplinar não será respeitada, o que, naturalmente, não favorece a seguridade intelectual que ela costuma trazer consigo. É o próprio objeto abordado que exige essa transgressão (MAFFESOLI, 2006, p. 25). Corroborando com esta ideia de uma pesquisa complexa e não reducionista, Morin (2004) afirma que “quem busca o pensamento complexo, a visão multidimensional dos fenômenos sociais, não pode se entusiasmar com perspectivas unilaterais e com críticas a tal ponto reducionistas e simplórias” (MORIN in MARTINS & SILVA orgs., 2004, p. 17). Para auxílio na etapa de análise formal ou discursiva, esta pesquisa se utiliza da técnica de análise de conteúdo proposto por Bardin (1977) e apresentado ao longo deste capítulo. Em uma última instância, realiza-se a Interpretação/reinterpretação. É nessa etapa que se analisam os resultados das duas primeiras, fazendo uma síntese, na qual se interpretam os resultados. Por mais rigorosos e sistemáticos que os métodos da análise formal ou discursiva possam ser, eles não podem abolir a necessidade de uma construção criativa do significado, isto é, de uma explicação interpretativa do que está representado ou do que é dito (THOMPSON, 1995, p. 375). 45 Imagem e Imaginário dos Vilões Contemporâneos Mônica de Faria Assim, seguindo o método proposto pelo autor, a pesquisa será desencadeada em três fases, propõe-se na primeira parte - análise sóciohistórica – a aplicação da análise no objeto de estudo vilões de histórias de ficção, em que será contemplada a situação espaço temporal do surgimento do deles e função em diversos períodos históricos; após essa etapa serão relacionados os campos de interação dos vilões, a estrutura social da qual eles fazem parte e os meios técnicos que possibilitam a sua disseminação. Simultaneamente serão estudados o imaginário, a modernidade e a pósmodernidade como escopo teórico deste estudo, levantando dados através de pesquisa bibliográfica sobre o assunto, e temas relativos ao estudo da imagem. Também serão estudadas as histórias em quadrinhos, o cinema e os games como meios de comunicação de onde surgem os vilões estudados nesta tese. A fase seguinte - análise formal ou discursiva – se constituirá do estudo de diversos autores sobre o objeto vilões, em que serão coletadas informações que permitirão a fase final de interpretação e reinterpretação. O mesmo se dará em relação ao imaginário contemporâneo, a imagem moderna, a imagem pósmoderna, e em outros momentos históricos. Ainda nesta etapa serão analisados os vilões que compõe o corpus de análise deste estudo: Saruman, interpretado por Christopher Lee no filme o Senhor dos Anéis (2001-2003), dirigido por Peter Jackson e baseado na obra literária de J.R. Tolkien de 1954; Curinga da novela gráfica Asilo Arkhan – uma séria casa em um sério mundo, de 1989, escrita por Grant Morrison e ilustrada por Dave McKean, personagem baseado no vilão criado por Bob Kane para a revista em quadrinhos Detective Comics em 1941; e o anti-herói Ezio Auditore da série do game Assassin´s Creed II, da empresa Ubisoft Montreal, lançado em 2009. 46 Imagem e Imaginário dos Vilões Contemporâneos Mônica de Faria Nesta etapa será utilizado como referencial teórico para as análises dos vilões o levantamento teórico-bibliográfico realizado ao longo do estudo. As análises foram então dividas em três primeiras fases – as quais dão conta dos personagens – e uma última a guisa de conclusão. A primeira parte, apresentado o personagem, trata de descrever o personagem analisado, colocando as primeiras considerações sobre ele. A próxima fase, imaginário e moral do mal, consiste em relacionar o personagem estudado com o escopo teórico levantado a respeito da moral e imaginário do mal. A terceira etapa, imaginário e imagem do mal, discute a imagem vilão analisado como representação do imaginário mal. Por fim, é apresentada uma síntese acerca das análises realizadas. A última etapa da pesquisa - interpretação / reinterpretação – será aquela na qual se compilarão as idéias e informações coletadas nas fases anteriores e serão concluídos os resultados, havendo ou não respostas às perguntas problematizadas. Entende-se aqui a interpretação como algo aberto, e não fechada ou limitada a bases interpretativas, podendo então ser uma contemplação ampla e não específica das noções apresentadas. Segundo Rahde (1997), a busca da compreensão interpretativa de testemunhos caracteriza-se por uma investigação qualitativa, na qual se produzirão dados descritivos através das informações obtidas pelos sujeitos. Essa compreensão interpretativa também será trabalhada através da interpretação e reinterpretação hermenêutica sugerida por Thompson (1995). 47 Imagem e Imaginário dos Vilões Contemporâneos Mônica de Faria 2. ABORDAGENS SOBRE IMAGINÁRIO E COMUNICAÇÃO O imaginário e a comunicação são interligados em diversos âmbitos, um fazendo parte e formando o outro, mas um não é o outro. Sendo a presente pesquisa um estudo de comunicação que se utiliza dos fundamentos do imaginário torna-se interessante apresentar estes conceitos de maneira interligada fazendo as conexões necessárias para explicitar as relações entre ambos que compreendem este estudo. Imaginário, comunicação e imagem se apresentam com dificuldades de um conceito, para tanto estes serão entendidos como noções uma vez que são conceitos metafísicos, não sendo definidos, definitivos ou sequer físicos, necessitando assim de toda uma explanação para suas compreensões. Primeiramente são apresentadas noções sobre imaginário, discutindo alguns conceitos referentes ao tema. Após, são referenciados o imaginário e a comunicação e algumas de suas relações. Em um terceiro momento são apresentados os quadrinhos, o cinema e os games como forma de comunicação, uma vez que estes são os meios dos quais surgem os vilões a serem analisados nesta pesquisa. 48 Imagem e Imaginário dos Vilões Contemporâneos Mônica de Faria 2.1 Noções de imaginário Falar sobre imaginário é uma tarefa delicada, isso porque não existe definidamente um conceito de imaginário, mas sim noções e abordagens sobre o assunto. Sendo uma palavra popular, têm-se diferentes ideias do que pode tratar-se o tema, uma vez que o termo aparece em diversos momentos nas mídias em contextos diferentes. Academicamente há uma certa noção do que é o imaginário, passando por diversas ideias de diversos autores. Sendo assim: Todo imaginário é um desafio, uma narrativa inacabada, um processo, uma teia, um hipertexto, uma construção coletiva, anônima e sem intenção. O imaginário é um rio cujas águas passam muitas vezes no mesmo, lugar, sempre iguais e sempre diferentes (SILVA, 2006 p.8). O imaginário pode ser então uma construção, permeada de vivências, sensibilidades, repertórios etc. Diferente do que o termo popularmente sugere, o imaginário não é oposto ao real, mas sim uma projeção ou introjeção (SILVA, 2006) do real, uma relação entre consciente e inconsciente gerando uma manifestação de compreensão mútua entre aqueles que o compartilham. O imaginário é real enquanto imaginário. Cappellari (2007) compara o imaginário, de maneira metafórica, com uma nuvem: Uma grande nuvem formada por tudo o que já foi, o que é e o que virá, formada pelos aprendizados que a humanidade e cada comunidade em particular já teve, composta por tudo o que passou na mídia – filmes, quadrinhos, livros, sons, fofocas, etc. –, formada por heróis e bandidos, por grandes desastres e imensas conquistas. 49 Imagem e Imaginário dos Vilões Contemporâneos Mônica de Faria Mitos, sonhos, devaneios, imaginação, tudo isso e muito mais cabe na nuvem do imaginário. Esta nuvem paira sobre os homens de uma mesma formação cultural – seja de uma cidade, Estado, país, continente ou hemisfério – e permite que cada grupo ou pessoa absorva as gotas daquilo com o que foi educado e daquilo com o que se identifica. Da mesma forma, esta nuvem também absorve, em forma de vapor, as criações: as novas idéias, os novos símbolos, que se dão em terra. É um fenômeno ao qual ninguém está imune e do qual todos recebem e para onde enviam informações (CAPPELLARI, 2007, p.71-72). Para Maffesoli (2005), o imaginário é oriundo de um grupo, é uma energia, uma sinergia que integra sensações, afetos, estilos de vida, pensamentos. Essa noção vai ao encontro de Durand (2002) em seu trajeto antropológico, que afirma o imaginário como uma construção deste trajeto, alimentado por uma bacia semântica, resultado das vivências dos indivíduos. Bacia semântica é uma noção apresentada por Durand (1998) na qual ele explica a metamorfose e mutação como um processo dinâmico na vida. Através de uma metáfora com bacias fluviais, Durand (1998) discorre que correntes desordenadas atingem movimentos institucionalizados, possibilitando o escoamento das águas, produzindo assim, divisores de águas mais significativos transformando-as em rios, que seguem seus caminhos encontrando outras correntes e contracorrentes, transformando sua dinâmica, podendo modificar seu curso. Ou seja, a bacia semântica é um espaço, um sistema simbólico complexo e aberto. A bacia semântica é de onde o indivíduo “bebe” as águas que retroalimentam seu imaginário. A diferença aí, é que para Maffesoli (2005), os indivíduos formam seu imaginário dentro de um coletivo, sendo então difícil falar em imaginário individual. “O imaginário, assim, diz respeito a uma civilização: circula através da história, das culturas e dos grupos sociais” (LEGROS, MONNEYRON, RENARD & TACUSSEL, 2007, p.10). 50 Imagem e Imaginário dos Vilões Contemporâneos Mônica de Faria Silva (2006) explica o imaginário como um reservatório/motor: Reservatório, agrega imagens, sentimentos, lembranças, experiências, visões do real que realizam o imaginado, leituras de vida e, através de um mecanismo individual/grupal, sedimenta um modo de ver, de ser, de agir, de sentir e de aspirar ao estar no mundo. [...] Motor, o imaginário é um sonho que realiza a realidade, uma força que impulsiona indivíduos ou grupos. Funciona como catalisador, estimulador e estruturador dos limites das práticas (SILVA, 2006, p. 12). Então o imaginário passa a ser ao mesmo tempo racional e não-racional, impulsionando as ações dos indivíduos, gerando assim um imaginário social que “instala-se por contágio” (SILVA, 2006, p.13), uma compreensão de códigos e atitudes que fomentam o coletivo. Pelo imaginário o ser se molda dentro da cultura “como reservatório, o imaginário é essa impressão digital do ser no mundo. Como motor, é o acelerador que imprime velocidade à possibilidade de ação” (SILVA, 2006, p.12). O imaginário é, por natureza, indeterminação radical. Ele flui como uma força incontrolada e incontrolável dentro do ser humano e da sociedade. O imaginário não está definido por nenhum tipo de determinação, por isso se constitui como força criadora e emerge do sem-fundo humano e da sociedade, a fim de fazer possível a novidade sociohistórica [sic]. O imaginário se mostra irredutível a uma lógica e ontologia da determinação. Ele se manifesta como fluir criador que constrói permanentemente imagens com sentido de um mundo que, por princípio natural, é insignificante para o resto das espécies animais (RUIZ, 2003, p. 49). Ainda assim, não se pode afirmar que o imaginário é o pensamento ou ideologia dominante de uma sociedade de uma maneira racional, pois não necessariamente engloba o racional, mas sim o sensível, assim como, apesar de ser coletivo, pode ser transformado e reinterpretado de acordo com cada indivíduo. 51 Imagem e Imaginário dos Vilões Contemporâneos Mônica de Faria Para Silva (2006), o imaginário estrutura-se pelo contágio, uma aceitação de um modelo, enquanto o individual dá-se por identificação, apropriação e distorção destes modelos em si e no outro. “Em síntese, o imaginário é a „bacia semântica‟ que orienta o „trajeto antropológico‟ de cada um na „errância‟ existencial” (SILVA, 2006, p.14). Silva (2005) também salienta que imaginário difere de cultura, ainda que sejam interligados. Respaldado por Maffesoli (2001), o autor afirma que o imaginário é exatamente o que separa uma cultura de outra, sendo a cultura um dado objetivo enquanto o imaginário é uma “subjetividade compacta e inexorável” (SILVA, 2005, p.16). Maffesoli (2001) compara o imaginário com a “aura” de Benjamim (1996), algo com uma singularidade e uma lonjura, uma sensação primordial e inacessível, ou seja, não quantificável. A cultura pode ser identificada de forma precisa, por meio das grandes obras da cultura, no sentido restrito do termo, literatura, música, ou no sentido amplo, antropológico, os fatos da vida cotidiana, as formas de organização de uma sociedade, os costumes, as maneiras de vestir-se, de produzir, etc. O imaginário permanece uma dimensão ambiental, uma matriz, uma atmosfera. [...] É uma força social de ordem espiritual, uma construção mental, que se mantém ambígua, perceptível, mas não qualificável (MAFFESOLI, 2001, p.75). Então imaginário e cultura se justapõe, mas não se equivalem, são o concreto e o imaterial, ainda que um influencie no outro, estando o imaginário introjetado na cultura de maneira a influenciar traços culturais de maneira casual e inexorável. Uma cultura move-se mesclando-se com as pulsões do imaginário. 52 Imagem e Imaginário dos Vilões Contemporâneos Mônica de Faria O imaginário, segundo Maffesoli (2001, p.75), é “o estado de espírito de um povo. Não se trata de algo simplesmente racional, sociológico ou psicológico, pois carrega também algo de imponderável, um certo mistério da criação ou da transformação”, ou seja, para Maffesoli não é possível simplesmente “definir” o imaginário, este é então uma espécie de sentimento coletivo para o autor, que perpassa a racionalidade. Assim, os heróis e vilões, trabalhados neste estudo, se tornam e são parte do imaginário das pessoas, manifestados de maneiras e em lugares diversos ao longo da história. De acordo com Durand (2002, p.430), “a verdadeira liberdade da vocação ontológica das pessoas repousa precisamente nessa espontaneidade espiritual e nessa expressão criadora que constitui o imaginário”. Essa necessidade de heróis faz com que eles sejam criados, mistificando-os (ECO, 2004). Para Ruiz (2003), o imaginário tem um caráter mítico-mágico; o mágico – mesmo místico de Eco (2004) – é a fantasia, o não-racional; e o mítico, o mito “é uma fase pré-racional do humano, na qual a sociedade e as pessoas estavam incapacitadas de compreender os mecanismos lógicos ou científicos da natureza, da psique e da sociedade” (RUIZ, 2003, p.110). Ou seja, o imaginário, ainda possui essa relação com o pré-racional, uma razão míticomágica não científica2. Assim, esses heróis que comunicam e são consumidos, acabam influenciando seus leitores, determinando modas, influenciando pensamentos e ditando valores de suas épocas. O mesmo vale para o vilão, que, originalmente, entendido como o contrário do herói (SEGER, 2006), um tipo de representação do mal, daquilo que é errado, vai ditar estereótipos daquilo o que é falho e imoral na sociedade. 2 Esta discussão será retomada em capítulo posterior. 53 Imagem e Imaginário dos Vilões Contemporâneos Mônica de Faria O imaginário dos heróis e vilões – mitológicos, medievais, modernos e contemporâneos – é exatamente a relação subjetiva formada entre as figuras heróicas e não-heróicas e os sujeitos, existindo aí uma interação e certa relação de poder, os heróis ditando regras e divulgando ideologias e os vilões quebrando-as ou negando. Ruiz (2003) ainda corrobora que o imaginário é paradoxal, uma vez que ele “co-implica símbolo-e-linguagem, mito-e-logos. Ele não os contrapõe como contraditórios excludentes, mas os implica como contrários necessários. Assim revela aquilo que realmente somos, isto é, seres mitológicos” (RUIZ, 2003, p. 24). Ou seja, o não-racional do imaginário só é possível existir uma vez que se tem a capacidade de racionalizar, assim como o mito, que pode ser entendido como uma pré-racionalização, uma tentativa de dar lógica ao não-lógico. A imaginação e o imaginário constituem dimensões antropológicas e sociais que interagem com a racionalidade de forma necessária. Racionalidade e imaginação estão implicadas numa tensão permanente. Não há racionalidade, nem ciência ou tecnologia fora da imaginação, assim como não existe a imaginação fora da dimensão racional (RUIZ, 2003, p. 32). O onírico, o mítico e arte segundo Malrieu (1996), fazem parte da construção imaginário, da imaginação, mas imaginário não é só isso. O imaginário não é algo concreto, mas um conjunto de sensações, sentimentos, crenças, afetos, imagens, símbolos e valores que representam a condição do(s) sujeito(s) em seu(s) meio(s). Maffesoli (2005), como já comentado, afirma que o imaginário se dá em meio à um coletivo, sendo, para o autor, impossível existir um imaginário individual, mas sim tribal, ainda que o de um sujeito seja fragmentado em várias tribos. 54 Imagem e Imaginário dos Vilões Contemporâneos Mônica de Faria A metáfora das tribos apresentada por Maffesoli (2006), representa o fim do individualismo na condição pós-moderna (LYOTARD, 2010), uma vez que as relações sociais se dão numa ambiência comunitária, num estado de comunhão e identificação com o outro. Para o autor “o individualismo é um bunker obsoleto, e como tal merece ser abandonado” (MAFFESOLI, 2006, p.36), ou seja, o indivíduo só existe enquanto parte de um grupo. Então a tribo: Trata-se da tensão fundadora que me parece caracterizar a socialidade deste fim de século. (...) A metáfora da tribo, por sua vez, permite dar conta do processo de desindividualização, da saturação da função que lhe é inerente, e da valorização do papel que cada pessoa (persona) é chamada a representar dentro dela (MAFFESOLI, 2006, p.31). Na tribo, a estruturação social não parte mais de uma organização político-economica, mas sim do viés das massas, que assumem um papel nobre (MAFFESOLI, 2006) de reestruturação da ambiência social numa perspectiva estética, ligada a experiência do vivido. Obviamente, o papel da pessoa em uma tribo não é engessado, nem tampouco a tribo é estável, mas é e pode ser formada, deformada e reformada por e para diferentes imaginários. “Todo imagináro é real. Todo real é maginário” (SILVA, 2006, p.7). Ou seja, todo o conjunto de sensações, crenças e afetos que caracterizam um imaginário são reais uma vez que o homem vive na realidade imaginal, o que não pode ser confundido é o virtual e o imaginário (LÉVY, 1996) . O virtual carrega inúmeras possibilidades de imaginários, mas nem todo o imaginário é virtual. “O imaginário é uma introjeção do real, a aceitação inconsciente, ou quase, de um modo de ser partilhado com outros, com um antes, um durante e um depois” (SILVA, 2006, p.9). 55 Imagem e Imaginário dos Vilões Contemporâneos Mônica de Faria O imaginário então é real enquanto imaginário, imaginação, sensação, racionalizado de alguma maneira para assim ser compreendido e, de certa maneira, determinado. Porém, para Ruiz (2003), nem todo o real é determinado, mas sim é uma representação do que é racionalizado. De acordo com o autor (2003): Se o real existe como algo definido e determinado, é possível pensar numa compreensão completa e exaustiva, lógica, do real por meio duma racionalidade explicativa. A visão do real como algo determinado leva inexoravelmente à já clássica conclusão de que o real se aplica no racional, e o racional se manifesta como real (RUIZ, 2003, p.33). Seguindo a ideia do imaginário ser algo real e coletivo, segundo Rahde (2001), o imaginário é uma forma de mudança, de reapropriações de idéias e fórmulas anteriores, a fim de reconstruir soluções plurais, que convergem numa manifestação iconográfica, o que faz retornar à importância da imagem na construção do imaginário. Cruzando estas idéias com as de Maffesoli (1995), observa-se o que ele chama de reencantamento do mundo, um retorno da imagem negada. Esse reencantamento vem a acontecer na condição pós-moderna, em que surge um mundo imaginal no qual a maneira de pensar é perpassada pela imagem, pelo imaginário, pelo afetivo, pelas sensações, fantasias e sonhos. Voltando à Malrieu (1996), o onírico, ou seja, aquilo que vem do sonho, está intimamente ligado às impressões sensoriais dos indivíduos, algo demasiadamente abstrato que instigam imagens de cunho afetivo. Por isso “não estaremos nós sempre em vias de descobrir um sentido, ou vários, para nossos sonhos” (MALRIEU, 1996, p. 15). Uma vez que o sonho só acontece quando se está num limiar da consciência, entre o acordado e o adormecido, 56 Imagem e Imaginário dos Vilões Contemporâneos Mônica de Faria ou no sono, o sonho é então uma construção involuntária do imaginário. É nesse estado que aparecem os fantasmas, construções pseudo-conscientes que alimentam o sonho: Do ponto de vista de seu conteúdo, os fantasmas surgem com a deformação de dados perceptivos antigos. (...) Um fantasma é substituído por outro, ou melhor, desenvolve-se e dilui-se noutro que lhe é estranho. Ate nível, atinge-se a primeira característica temporal do imaginário tipo “sonho”: a sucessão de cenas é irreversível e inevitável (MALRIEU, 1996, p. 16-17). No que se refere ao mítico, ainda de acordo com Malrieu (1996), o imaginário já é pré-estabelecido, numa racionalização do sonho onde se definem estruturas de entendimento coletivo, não mais individual como no onírico, “um sistema coletivo de crenças pré-existente, [no qual] são construídos os comportamentos individuais da imaginação” (MALRIEU, 1996, p. 51-52). Malrieu (1996) ainda fala da arte, como a parte criadora do imaginário, é nesta categoria em que, através das experiências do sonho e do mito, se criam novas possibilidades de imaginação. O domínio do homem sobre a construção do imaginário. Existem ainda, duas outras categorias menores entre o sonho, o mito e arte, sendo elas a fantasia e o fantástico. Na fantasia, o imaginário tem os elementos de devaneio do sonho, porém, podem ser impelidos a repetirem-se, numa busca pelo já sonhado. O fantástico já se caracteriza pela afirmação do irreal, a construção artística do mito sonhado, o triunfo e concretização do imaginário da fantasia. Essas categorias serão retomadas posteriormente no capítulo de análise. 57 Imagem e Imaginário dos Vilões Contemporâneos Mônica de Faria Às definições dadas pela tradição filosófica ocidental – imaginário como algo inexistente, falso, mentiroso ou irracional – a corrente da antropologia do imaginário, iniciada por Jung, Eliade, Bachelard, Durand, opõe uma definição positiva „plena‟: o imaginário é produto do pensamento mítico. O pensamento mítico é um pensamento concreto que, funcionando sobre o princípio da analogia, se exprime por imagens simbólicas organizadas de maneira dinâmica (LEGROS, MONNEYRON, RENARD & TACUSSEL, 2007, p.10). Sendo assim, mítico corresponde à uma possível presença de atividade da imaginação, a qual gera novos elementos respaldados pela mítica coletiva. Relacionando o onírico com o mítico, Campbell (2007) afirma: O sonho é o mito personalizado e o mito é o sonho despersonalizado; o mito e o sonho simbolizam, da mesma maneira geral, a dinâmica da psique. Mas, nos sonhos, as formas são destorcidas pelos problemas particulares do sonhador, ao passo que, nos mitos, os problemas e soluções apresentados são válidos diretamente para toda a humanidade (CAMPBELL, 2007, p. 27-28). Seguindo esse raciocínio, onírico e o mítico presentes no imaginário, poderiam ser uma nova forma de criatividade explicitada na arte e na comunicação, pois, uma vez lidando com estereótipos não comuns à nossa ocidentalidade, criar-se-iam espaços para o surgimento de novas possibilidades de significação, interpretação e, por que não, de criação. O sonho é uma atividade social para além de uma simples existência pessoal; ele se conta cotidianamente, mantém as interações sociais, delimita os grupos de pertença; e mesmo se o sonhador estiver sozinho com seus sonhos, sua lembrança coloca em cena a figuras de seu ambiente social (LEGROS, MONNEYRON, RENARD & TACUSSEL, 2007, p.233). Segundo Durand (1993), o imaginário de um sujeito, ou coletivo, está diretamente ligado à consciência. Esta consciência representa o mundo de duas maneiras: uma direta e outra indireta. A consciência direta refere-se àquela percepção da coisa presente, a simples sensação; já a indireta refere- 58 Imagem e Imaginário dos Vilões Contemporâneos Mônica de Faria se a coisas não palpáveis à sensibilidade, mas a afecções distantes, sendo representadas por imagens. Então, de acordo com as idéias de Durand, “a re-presentação simbólica nunca pode ser confirmada pela representação pura e simples do que ela significa, o símbolo, em última instância, só é válido por si mesmo” (DURAND, 1993, p.11). Isso, ainda segundo o autor, gera um paradoxo: o de dar autonomia ao símbolo, gerando um estereótipo, e, ao mesmo tempo entendese a necessidade de encaixar o símbolo em um contexto para que as relações afetivas do imaginário tenham valor. O que se pode entender é que os estereótipos são de extrema importância para convencionar um valor simbólico direto, mas talvez não seja suficiente para exprimir seu valor indireto. Para então estudarmos o mito e o onírico, sendo em relação ao herói ou ao vilão, é necessário estar ciente destas possibilidades do imaginário simbólico, pois eles – o mito e o onírico – prevêem sentidos a serem decodificados e estes sentidos mudam de acordo com a sensibilidade do imaginário de cada cultura. Ainda assim, o estudo do imaginário mítico e onírico, nem sempre se trata de interpretar o símbolo, mas sim de compreender a sua representação. Concluindo essa breve explicação, a imaginação simbólica é um fator de equilíbrio entre a imaginação e a representação. “Equilíbrio biológico, equilíbrio psíquico e sociológico, é esta, afinal, a função da imaginação” (DURAND, 1993, p.103). 59 Imagem e Imaginário dos Vilões Contemporâneos Mônica de Faria 2.2 Imaginário e Comunicação A comunicação é inerente ao homem. Sem comunicar-se o homem é isolado, não sociabiliza, ou seja, um dos fatores formativos da sociedade de hoje é a comunicação. A necessidade da troca de mensagens, informações e até sensações perpassa a história da humanidade de diversas maneiras, e todas essas com a função de comunicar algo, contar uma história. De acordo com Maffesoli (2003), comunicação: Trata-se da maneira contemporânea, pós-moderna, de fazer referência ao simbolismo (...) Não seria errado também falar em comunicação por referência aos novos pensamentos místicos, caso de tome por essencial a idéia de conjunção: a comunicação é o que nos liga ao outro (MAFFESOLI, 2003, p.13). Ou seja, para Maffesoli (2003), a comunicação representa o estar junto do imaginário contemporâneo, a necessidade de um sentimento tribal, de ligarse a outro, a idéia do imaginário de vibrar “com outros, em torno de alguma coisa, seja qual for essa coisa” (MAFFESOLI, 2003, p. 14). Comunicar também é pertencer a algo, compartilhando sentimentos numa fomentação de imaginários dentro de um âmbito social. Indo ao encontro de Maffesoli (2003), segundo Cappellari (2007, p. 29): “Comunicar, do latim communicare, encontra definições na língua portuguesa tais como participar, tornar comum, transmitir, difundir. Nenhuma destas palavras, entretanto, traduz bem o seu significado”. Partindo deste ponto, podese delimitar a comunicação como um fenômeno social que envolve uma ou mais pessoas, uma troca incessante de informações entre emissores e 60 Imagem e Imaginário dos Vilões Contemporâneos Mônica de Faria receptores. Estes últimos tornam-se emissores, através dos quais as mensagens são modificadas, apreendidas e repassadas, num ciclo social infinito, tornando comum uma informação atualizada. Isso acaba implicando também que a comunicação engloba vários símbolos, pois existem inúmeras maneiras de comunicar. Então a comunicação é um processo simbólico cultural, uma vez que envolve duas ou mais pessoas nesse ciclo de troca e construção de informações e de cultura. Segundo Kellner (2001, p.11), cultura “é uma forma de atividade que implica alto grau de participação, na qual as pessoas criam sociedades e identidades”. A comunicação humana é organizada num complexo de emissão e de recepção de sinais específicos que são úteis para a sobrevivência de uma comunidade individual e social. O que precisamos ter claro, contudo, é a existência de uma íntima relação entre os processos comunicacionais e os desenvolvimentos sociais. Isso porque a comunicação, ao permitir o intercâmbio de mensagens, concretiza uma série de funções, dentre as quais: informar, constituir um consenso de opinião – ou, ao menos, uma sólida maioria – persuadir ou convencer, prevenir acontecimentos, aconselhar quanto a atitudes e ações, constituir identidades e até divertir (HOHLFELDT in HOHLFELDT, MARTINO & FRANÇA orgs., 2001, p.63). A comunicação é um processo complexo, e por isso não se pode defini- la numa só teoria ou num só meio. É preciso então articular diferentes meios e sistemas, até porque a própria comunicação é composta de vários processos de troca e de construção de informação interligados. Sendo, pois um conjunto de processos e sistemas de trocas de informações, que depende de uma organização social que vai fornecer as leis para conjunto comunicacional, pode-se dizer que comunicação é produção de cultura (HOHLFELDT in HOHLFELDT, MARTINO & FRANÇA orgs., 2001). 61 Imagem e Imaginário dos Vilões Contemporâneos Mônica de Faria A noção mais comum de comunicação é definida como uma interação entre sujeitos através de um objeto, coisa ou circunstância, que desvela uma ou mais mensagens que possam ser compreendidas. Sendo assim, é possível interpretar que a comunicação não se dá necessariamente de forma intencional de um emissor para um receptor. Ela pode ser espontânea, natural, não desejada. Pode também ser proposital, ainda que não garantidamente certeira ao público a que se destina. A comunicação não está apenas em jornais, revistas, rádio, TV, Internet. Ela está no dia-a-dia, nos objetos do cotidiano (CAPPELLARI, 2007, p. 30). Algo é certo: a comunicação não ocorre somente entre duas pessoas e também não somente de uma maneira. Segundo Martino (in HOHLFELDT, MARTINO & FRANÇA orgs., 2001), em sua origem, a palavra comunicação tem um sentido de uma atividade conjunta, que necessita de outros. “Portanto, em sua acepção mais fundamental, o termo „comunicação‟ refere-se ao processo de compartilhar um mesmo objeto de consciência, ele exprime a relação entre consciências” (MARTINO in HOHLFELDT, MARTINO & FRANÇA orgs., 2001, p.14-15). Para essa atividade conjunta são necessários códigos convencionados, que uma vez apreendidos, devem fazer parte do imaginário dos participantes do processo comunicacional, para que o fenômeno possa correr. Esses códigos, compreendidos, interpretados e decodificados, podem ser de diversas naturezas – verbal, visual, sonoro etc. Porém, para Flusser (2007) a comunicação – devido ao uso desses códigos – além de tudo é um processo não natural, uma vez que “baseia-se em artifícios, descobertas, ferramentas e instrumentos, a saber, em símbolos organizados em códigos” (FLUSSER, 2007, p.89). O autor afirma que a característica não natural da comunicação é exatamente o que afirma o ser humano com um ser social, uma vez que cria artifícios para relacionar-se com 62 Imagem e Imaginário dos Vilões Contemporâneos Mônica de Faria outros seres humanos, e não depende somente das características primais ou instintivas: a comunicação é um artifício racional do homem para que este possa ser social. O caráter artificial da comunicação (...) nem sempre é totalmente consciente. Após aprendermos um código tendemos a esquecer sua artificialidade: depois que se aprende o código dos gestos, pode-se esquecer que o anuir com a cabeça significa apenas aquele “sim” que se serve desse código. Os códigos (...) tornam-se uma espécie de segunda natureza, e o mundo codificado e cheio de significados (o mundo dos fenômenos significativos, tais como o anuir com a cabeça, a sinalização de trânsito e os móveis) nos faz esquecer o mundo da “primeira natureza” (FLUSSER, 2007, p. 90). A primeira natureza da qual o autor trata, é a do sentido natural/biológico da vida que é finalizada na fatalidade da morte. Para Flusser (2007), a comunicação humana tem como objetivo livrar o homem da solidão e insignificância da vida em relação à morte, fazendo que as relações sociais – e a comunicação – sejam um artifício para bem viver a vida. Outro aspecto não natural da comunicação para Flusser (2007) é a capacidade de armazenamento de informações – que podem ser comunicadas – pelos seres humanos. O homem, diferentemente de outros animais, é “um animal que encontrou truques para acumular informações adquiridas” (FLUSSER, 2007, p. 93). Para o autor, o processo de criar recursos para acumular informações – como a escrita, por exemplo, (Figura 4) – decorre de um grave decurso de perda de informação, ou seja, apenas a memória não é suficiente para o acúmulo de dados. 63 Imagem e Imaginário dos Vilões Contemporâneos Mônica de Faria Figura 4 – Escrita é um artifício para ajudar a memória Fonte: http://pesquisaeeducacao.blogspot.com/2010/05/escrita-de-deus-no-casco-das-tartarugas.html, em 20/09/2010 Flusser (2007) também comenta que na atualidade as coisas estão dando lugar às não-coisas, valores, informações, dados, imagens não palpáveis, mas essenciais para a vida – ou caminho da morte. As não-coisas são consumidas através das coisas, como um software em um hardware, sendo necessárias ambas para o ato comunicacional. Porém, é somente através da não-coisa que se tem o mais importante da comunicação, que é outra não-coisa: a experiência. “As informações consumíveis, portando, não devem ser armazenadas em coisas. Seria preciso produzir uma cultura imaterial” (FLUSSER, 2007, p. 61). O que Flusser propõe como uma valorização da não-coisa, da experiência do imaterial, percebe-se, que se assemelha com o imaginário, um conjunto de não-coisas perpassado pelos homens. Deve-se compreender também que, apesar do acúmulo de informações necessário para a comunicação, informação não é comunicação. “A informação é uma comunicação que pode ser ativada a qualquer momento, desde que outra consciência (...) venha resgatar, (...) enfim decodificar ou interpretar 64 Imagem e Imaginário dos Vilões Contemporâneos Mônica de Faria aqueles traços materiais de forma e reconstituir a mensagem” (MARTINO in HOHLFELDT, MARTINO & FRANÇA orgs., 2001, p.17). Ou seja, a informação é o dado, o objeto a ser comunicado, enquanto a comunicação é processo de troca de mensagens que contém informações. Como comentando anteriormente, essa informação para ser comunicada, necessita de um código, compreendido pelos participantes do processo. Esse código deve ser passível de decodificação e a mensagem passível de interpretação. Morin (2004) comenta que na contemporaneidade tem-se um excesso de informações devido aos inúmeros meios de comunicação, resultando assim num problema de compreensão que reflete na carência de conhecimento. Segundo o autor “a compreensão não está ligada à materialidade da comunicação, mas ao social, ao político, ao existencial, a outras coisas” (MORIN in MARTINS & SILVA orgs., 2004, p.12). Ou seja, o problema de compreensão – interpretação – da comunicação não se dá necessariamente aos meios ou aos códigos, mas sim a um conjunto de fatores de contexto. A compreensão humana é um tipo de conhecimento que necessita de uma relação subjetiva com o Outro, de simpatia, o que é favorecido, talvez, pela projeção, pela identificação, como ocorre quando vamos ao cinema ou lemos romances e simpatizamos com os personagens (MORIN in MARTINS & SILVA orgs., 2004, p.12). O autor ainda afirma que a comunicação é dependente do meio, e por isso a compreensão da mensagem é problema de finalidade pois “existe sempre um receptor dotado de inteligência na outra ponta da relação comunicacional” (MORIN in MARTINS & SILVA orgs., 2004, p.19). Assim, a 65 Imagem e Imaginário dos Vilões Contemporâneos Mônica de Faria compreensão ou interpretação do código e mensagem torna-se uma relação das mídias com os imaginários dos sujeitos comunicantes. A interpretação de uma mensagem comunicada, que contém alguma informação, vai acontecer de acordo com o conhecimento e domínio do código a partir do receptor. Para isso deve-se entender que, segundo Wolton (2010, p. 12): “A informação é a mensagem. A comunicação é a relação, que é muito mais complexa”. A partir do momento em que a comunicação é entendida como a relação entre indivíduos, seus meios e contextos, todos esses elementos são essenciais para a interpretação acontecer. A interpretação é uma nova decodificação, produção de conhecimento, uma terceira perspectiva sobre a informação recebida. Para Flusser (2007), as perspectivas da comunicação estão na informação/mensagem enviada e a decodificação/recepção dela pelo receptor. A terceira é justamente a interpretação, diretamente ligada ao acúmulo de informações e conhecimentos do indivíduo, suas vivências, ou seja, seu imaginário, que darão um novo sentido interpretado a mensagem recebida. Wolton (2010) chama a atenção para uma possibilidade de crise neste processo, uma vez que o receptor pode negar ou resistir a informação, colocando aí outro aspecto do ato comunicativo. Segundo o autor, isso se dá devido ao aumento da circulação de informações na contemporaneidade que acabam prejudicando a comunicação, ou seja, as relações. Os receptores, ou seja, os indivíduos e os povos, resistem às informações que incomodam e querem mostrar seus modos de ver o mundo. A incomunicação torna-se o horizonte da comunicação obrigando a negociações constantes para que se possa conviver (WOLTON, 2010, p. 15). 66 Imagem e Imaginário dos Vilões Contemporâneos Mônica de Faria Sendo assim, o autor defende a ideia de que o excesso tecnológico e a abundância de tecnologias da informação acabam atrapalhando a comunicação, pois nesse processo pouco espaço se dá para as relações entre indivíduos. Diferentemente de autores como Lévy (1996), que afirmam que essas tecnologias não acabam com as relações, mas sim, reorganizam o espaço social. Woton (2010) corrobora explicitando três razões para que exista a comunicação: compartilhar, sedução e convicção. A primeira referente a necessidade de relacionamento; a segunda que, segundo o autor, é inerente a todas as relações humanas e sociais; e a terceira ligada à lógica, a argumentação e a faculdade humana da razão (WOLTON, 2010, p.15). Essa noção vai ao encontro de Flusser (2007), em sua argumentação que a comunicação é uma forma do homem compartilhar-se antes de seu fim: é uma forma de driblar a morte através da existência na memória. (...) a comunicação humana aparece aqui como propósito de promover o esquecimento da falta de sentido e da solidão de uma vida para a morte, a fim de tornar a vida vivível. Esse propósito busca alcançar a comunicação na medida em que estabelece um mundo codificado, ou seja, um mundo construído a partir de símbolos ordenados, no qual se repensam as informações adquiridas (FLUSSER, 2007, p. 96). Para Ruiz (2003), essas ideias de interpretação fazem parte na natureza do ser humano, a partir do momento que um dos desafios do imaginário é a recriação da natureza. Para o autor, o imaginário humano é uma “indeterminação criativa” (RUIZ, 2003, pg.14), ou seja, a reinterpretação no processo de comunicação apresentado por Flusser (2007) e Wolton (2010). 67 Imagem e Imaginário dos Vilões Contemporâneos Mônica de Faria Nos mundanizamos ao recriar o mundo como algo nosso, e o mundo adquire nossas feições na medida em que não permanece como algo determinado por uma racionalidade natural. Ele se humaniza através da prática com que o sentimento humano impregna cada elemento ao constituí-lo como um sentido não-natural, mas simbólico (RUIZ, 2003, p. 14). Então, o processo de interpretação na comunicação está diretamente ligado a imaginação. “A imaginação possibilita ao ser humano que o mundo deixe de ser para ele uma mera apresentação, como é o caso da consciência animal, para transformar-se em representação” (RUIZ, 2003, p. 48). O imaginário é, pois, potencia criadora, que vai apresentar-se a partir do momento em que for compartilhado, comunicado, e só assim será através da razão: da codificação. Uma das formas de codificação da comunicação e representação do imaginário são os próprios meios, sendo neste estudo as histórias em quadrinhos, o cinema e os games, apresentados logo a seguir. 2.3 Histórias em quadrinhos, cinema e games como formas de comunicação visual Sendo os objetos de análise desta tese vilões surgidos no cinema, nos quadrinhos e nos games, é justo e necessário comentar e explicitar a importância destes meios enquanto comunicação visual. Eisner (2005) afirma que as HQs, juntamente com o cinema “são os principais contadores de histórias através de imagens” (EISNER, 2005, p.7) na cultura ocidental atual. Contemporaneamente, pode-se acrescentar, sem medo, os games, como uma 68 Imagem e Imaginário dos Vilões Contemporâneos Mônica de Faria mídia expressiva em termos de narrativa visual. O primeiro vilão a ser analisado será Saruman, interpretado pelo ator Christopher Lee na trilogia cinematográfica O Senhor dos Anéis de 2001-2003, dirigido por Peter Jackson – sendo assim considerado um vilão de características modernas, dentro de um contexto pós-moderno; o vilão pós-moderno selecionado é o personagem Curinga, apresentado na novela gráfica Asilo Arkhan – uma séria casa em um sério mundo, escrita por Grant Morrison e ilustrada por Dave McKean; por fim, o anti-herói sugerido é o personagem Ezio Auditore, do game Assassin´s Creed II de 2009, da série de jogos Assassin´s Creed da empresa Ubisoft Montreal. É válido ressaltar, que todos os personagens selecionados se encaixam no gênero de fantasia, tema selecionado para esta tese; outro fato é que os personagens perpassam ao menos duas das mídias estudadas, sendo Saruman surgido da literatura e com adaptação para o cinema, quadrinhos e games; o Curinga surgido dos quadrinhos, com adaptações para cinema e games; e Ezio, oriundo dos games e com adaptação para o cinema, literatura e quadrinhos. Primeiramente, serão apresentadas as histórias em quadrinhos (HQs), sua trajetória e potencialidade como meio de comunicação (KLAWA & COHEN in MOYA org., 1977); em um segundo momento, será tratado o cinema, sua origem e forma narrativa aliando a imagem em movimento e a comunicação verbal; por fim, serão apresentados os games, como um meio proeminentemente pós-moderno, articulando, através das mídias eletrônicas, novas possibilidades comunicacionais. As histórias em quadrinhos são constituídas basicamente por imagens e palavras conjuntamente de forma gráfica, segundo Eisner (1999) é exatamente 69 Imagem e Imaginário dos Vilões Contemporâneos Mônica de Faria nessa combinação de diferentes códigos que se encontra o potencial comunicacional dos quadrinhos. Continuando: A história em quadrinhos lida com dois importantes dispositivos de comunicação, palavras e imagens. Decerto trata-se de uma separação arbitrária. Mas parece válida, já que no moderno mundo da comunicação esses dispositivos são tratados separadamente. Na verdade, eles derivam de uma mesma origem, e no emprego habilidoso de palavras e imagens encontra-se o potencial expressivo do veículo (EISNER, 1999, p. 13) Eisner (1999) associa a separação da ação através de quadros nas HQs como uma pontuação em uma frase, numa mescla entre palavra e imagem produzindo uma nova maneira de exercitar as capacidades cognitivas do leitor. “A configuração geral da revista de quadrinhos apresenta uma sobreposição de palavra e imagem, e, assim, é preciso que o leitor exerça suas habilidades interpretativas visuais e verbais” (EISNER, 1999, p.8). Então ler quadrinhos, não somente torna-se um ato comunicacional, assim como exercício intelectual e de apreciação estética. A união entre dois tipos de comunicação salienta a capacidade comunicativa dos quadrinhos, pois se encontram neles duas maneiras de comunicar uma mesma mensagem, visual e textualmente. De acordo com Eisner (1999), a leitura da palavra mais a imagem distingue os quadrinhos como uma “linguagem” comunicativa própria, que se vale da experiência visual comum ao artista e ao público, unindo imagens e textos – chamando, assim, os quadrinhos de “leitura”, num sentido mais amplo do que o normalmente aplicado ao termo. Contribuindo, Rahde (2000) afirma: 70 Imagem e Imaginário dos Vilões Contemporâneos Mônica de Faria Além de proporcionar inestimáveis informações artísticas, culturais e de comunicação, essas imagens [histórias em quadrinhos] forneceram e ainda fornecem conhecimento sobre os valores e a sensibilidade humanas, então apoiados pela escrita, que explicava a narrativa histórica, reforçando o poder iconográfico formal (RAHDE, 2000, p.42). A compreensão de uma HQ se dá por um entendimento de linguagens e repertórios visuais e gráfico-verbais entre o comunicador e o receptor. Em outras palavras, as HQs só são compreendidas com o domínio de determinados códigos, exatamente os mesmos que Flusser (2007) evidencia como fundamentais para a existência da comunicação. É necessária essa interação e entendimento do código, pois o artista evoca imagens que estão armazenadas nas mentes de ambos – leitor e artista –, e o seu sucesso de comunicação depende da facilidade com que o receptor compreenderá as informações transmitidas. Então, os quadrinhos utilizam uma série de imagens repetitivas e símbolos reconhecíveis para comunicarem idéias similares, apresentados de maneira disciplinada a formar sua “linguagem” de comunicação. Em suma, os quadrinhos são a forma de comunicação mais instantânea e internacional de todas as formas modernas de contato entre os homens de nosso século. Mesmo o momento grandioso da história da humanidade, em que o pé do homem pisou na Lua e foi televisionado direta e imediatamente, para o mundo todo, já era uma imagem gasta e prevista pelos quadrinhos (MOYA in MOYA org, 1977, p.23). Os quadrinhos influenciam a sociedade, na sua comunicação estruturada para este fim, e também, por isso, podem ter um poder de persuasão em relação aos seus leitores. Em suas histórias, os quadrinhos vendem idéias e ideologias que seus autores pretendem comunicar, seja através do texto, ou de sua visualidade, ou, melhor ainda, da união do texto e 71 Imagem e Imaginário dos Vilões Contemporâneos Mônica de Faria da imagem. Exatamente por essa influência e capacidade de se comunicar com as massas é que os quadrinhos podem ser considerados uma forma de cultura. Sendo uma forma de cultura, dentro do seu contexto, os quadrinhos trabalham relações entre seus autores e os leitores através de suas mensagens narrativo-visuais. Códigos que existem a partir de símbolos bidimensionais, como é o caso em Lascaux, significam o “mundo”, na medida em que reduzem as circunstâncias quadridimensionais de tempo-espaço a cenas, na medida em que elas “imaginam”. “Imaginação” significa, de maneira exata, a capacidade de resumir o mundo das circunstâncias em cenas, e vice-versa, de decodificar as cenas como substituição das circunstâncias (FLUSSER, 2007, p.131). Sendo assim, os quadrinhos desenvolvem a imaginação, pois com as imagens estáticas e a “pontuação” dos quadros, espera-se que o receptor “leia” as cenas apresentadas decifrando seus códigos e assim completando imaginariamente ação estática transformando-a em movimento. Pode-se ver aqui uma ligação direta entre quadrinhos, cinema e games, a diferença está que no cinema o movimento já é dado, e nos games, o jogador participa e induz este movimento. “Onde quer que se descubram códigos, pode-se deduzir algo sobre a humanidade” (FLUSSER, 2007, p.130). Certamente essa mistura de códigos imagéticos e verbais não é novidade, ao pensarmos na antiguidade, desde a escrita suméria e assíria até os hieróglifos egípcios, como já comentados em item anterior, já se fazia o emprego dos dois códigos comunicacionais. Como exemplo, o código de Hamurabi na Mesopotâmia e o Livro dos Mortos egípcio. Ainda com os hieróglifos, estes eram junções de desenhos e palavras que 72 Imagem e Imaginário dos Vilões Contemporâneos Mônica de Faria contavam uma história. Ainda no Egito já existiam sátiras desenhadas em papiros, onde homens e mulheres eram retratados com cabeças de animais (RAHDE, 2000). A união da imagem gráfica à linguagem escrita, que aparece no Egito, é uma característica tida como primordial dos quadrinhos. As pinturas e tapeçarias medievais também tinham um caráter narrativo. Contando passagens religiosas, com influência do Cristianismo, as imagens sacras estavam cheias de histórias. A própria Via-Sacra, existente nas igrejas, é representada em uma seqüência de imagens como narrativa visual (MCCLOUD, 2005). Assim como na comunicação, os tipos móveis de Gutemberg e posteriormente o advento da Revolução Industrial contribuíram para a origem das histórias em quadrinhos. Segundo Moya (in MOYA org.,1977), a narrativa gráfica com complemento de texto nos livretos do século XIX foi o que deu início às HQs. Ressaltando o trabalho do suíço Rodolphe Töpffer (1799-1846), cujas histórias foram compiladas no álbum Histories em Estampes; o francês Christophe (Georges Colomb – 1856-1945), criador da Família Fenouillard (1889), publicada no Le Petis Française Illustré;o alemão Wilhelm Busch (18321908), grande inspirador das HQs americanas com suas obra Max und Moritz (1865) (Figura 5), publicada no Brasil como Juca e Chico, traduzido por Olavo Bilac; e o ítalo-brasileiro Angelo Agostini (1833-1910), fundador das revistas Diabo Coxo, O Malho, Revista Illustrada e Don Quixote, criou os personagens Nhô-Quim (1869) e Zé Caipora (1883). 73 Imagem e Imaginário dos Vilões Contemporâneos Mônica de Faria Figura 5 – Max und Moritz Fonte: http://web.uflib.ufl.edu/spec/comics/vict_gallery.html, em 18/10/2010 No oriente, a relação dos mangás – quadrinhos japoneses – com a comunicação, a história e a história da arte não é diferente. Moliné (2004) afirma que o mangá teve como marco inicial o século XI, com os choujugiga, criadas pelo sacerdote xintoísta Toba (1053-1140), que eram caricaturas gráficas de animais desenhadas em rolos que contavam histórias. Nos séculos subseqüentes, os japoneses começaram a adotar os desenhos em pergaminhos e gravuras, “não sendo raras as ocasiões em que estas apresentavam temas escatológicos ou eróticos” (MOLINÉ, 2004, p.18). No período do shogunato3, o Japão teve os portos fechados para os estrangeiros. Foi exatamente neste período que os japoneses desenvolveram novos suportes gráficos e aprimoraram suas técnicas de gravação. 3 O shogunato foi um período da história do Japão conhecido como período Edo (1600-1867) foi quando o Japão ficou isolado do resto do mundo, com uma política anti-estrangeiros adotada pelo shogun Tokugawa Hidetada. Shogun, era um cargo político-militar, que permitia que a pessoa no poder militar tivesse controle administrativo em todos os setores na nação, governando pelo imperador. 74 Imagem e Imaginário dos Vilões Contemporâneos Mônica de Faria Inicialmente, a maior parte das gravuras era de temáticas religiosas, como os zenga (“imagens zen”), indicadas para ajudar a meditação; e os otsu-e (que tinham esse nome por serem vendidas na cidade de Otsu), que eram pequenos amuletos budistas, portáteis. No mesmo período, porém pouco mais tarde, foram criados os nanban, biombos que retratavam de forma caricata a chegada dos europeus ao Japão. E os ukiyo-e (“imagens do mundo flutuante”) (Figura 6), que eram “gravuras feitas a partir de pranchas de madeira, geralmente de temática cômica e algumas vezes erótica, tiveram uma boa recepção na época” (MOLINÉ, 2004, p.18). Figura 6 – gravura de Ukyio-e Fonte: http://www.miniaturejapaneseprints.com/id9.html, em 18/10/2010 Foi ainda com os ukiyo-e, em 1814 que a palavra manga foi utilizada pela primeira vez. O pintor Katsura Hokusai (1760-1849), foi o primeiro a desenvolver sucessões de desenhos, num total de 15, que foram encadernados e batizados como Hokusai Manga. Segundo Moliné: 75 Imagem e Imaginário dos Vilões Contemporâneos Mônica de Faria Mesmo tendo de esperar até a segunda década do século 20 para que o termo mangá fosse consolidado, Hokusai não poderia imaginar que a palavra por ele inventada abriria caminho, a partir da referida década, a uma das mais prósperas e gigantescas indústrias do país (MOLINÉ, 2004, p.18, 19). Voltando ao ocidente, não se pode negar a importância das empresas jornalísticas norte americanas, que com Yellow Kid (O Menino Amarelo) (Figura 7) de Richard F. Outcault, no jornal New York World em 1893, trouxe pela primeira vez uma difusão e ampliação de uma história ilustrada moderna, apresentando uma seqüência de imagens em quadros nos quais as falas dos personagens eram colocadas em balões ou nas suas roupas. Apareceram então os syndicates, que eram organizações para a distribuição de quadrinhos dentro do jornalismo, difundindo o meio como comunicação de massa. Figura 7 – Yellow Kid Fonte: The Yellow Kid, 1995 76 Imagem e Imaginário dos Vilões Contemporâneos Mônica de Faria Dizem que, quando o World instalou uma impressora em cores, em 1983, um dos técnicos do jornal, Benjamin Benday, se encaminhou a prancheta do ilustrador e pediu para testar a cor amarela naquele camisolão. Nesse momento histórico, nasciam duas coisas importantes: os comics, como conhecemos hoje, com personagens periódicos e seriados, e o termo “jornalismo amarelo” para designar a imprensa sensacionalista, em busca do sucesso fácil com o grande público (MOYA in MOYA org., 1977, p. 36). De acordo com Moya (1996), Katzenjammer Kids (Os Sobrinhos do Capitão) (Figura 8) de Rudolph Dirks foi a história que iniciou a apresentação das HQs que se conhece hoje, trazendo a distinção de um estilo próprio de imagem narrativa, contando as histórias em quadros que seqüencialmente desenvolviam a ação, e as falas eram colocadas em balões – apesar de hoje sabermos que não é estritamente necessário que uma HQ contenha balões. Figura 8 - Katzenjammer Kids Fonte: http://www.barnaclepress.com/cmcvlt/KatzenjammerKids/kk100102.jpg, em 18/10/2010 77 Imagem e Imaginário dos Vilões Contemporâneos Mônica de Faria Este estilo, dos quadros e balões, se espalhou pela Europa, atravessou os oceanos chegando às Américas e à Ásia, determinando o código gráfico mundial das histórias em quadrinhos. Não obstante sua função poética e capacidade de sedução (CIRNE, 2000) através de seu perfil comunicacional, é necessário ressaltar que os quadrinhos são fruto de uma cultura de massa com fins mercadológicos, assim como o cinema e os games. Apesar de o termo cultura de massa ser controverso e merecedor de criticas, ainda parece o melhor termo para designar o assunto. Segundo Klawa e Cohen (in MOYA org., 1977, p. 105): “a cultura serve contraditoriamente a dois senhores: à consciência e à alienação; ao conhecimento e à fetichização da realidade; ela é criativa e também paralisadora. É nessa dialética que debate e cresce a cultura de massas”, os autores ainda comentam que: A necessidade de participação e envolvimento catártico motivada pela alienação do indivíduo, a metamorfose da informação em mercadoria, o avanço da ciência, a nova consciência da realidade, enfim, as coordenadas características do estabelecimento da sociedade de consumo criaram as condições para o aparecimento e sucesso do jornal, cinema e histórias em quadrinhos (KLAWA & COHEN, in MOYA org., 1977, p. 109 - 110). Ora, contemporaneamente, é fácil criticar a posição fechada de Klawa e Cohen (in MOYA org., 1977), uma vez que se sabe que cultura de massa não criou apenas produtos com funções antagônicas, catárticas ou alienantes, como apresentadas por Dorfman e Mattelart (1980) no polêmico Para Ler o Pato Donald, mas também colaborou para o desenvolvimento de novas formas de cultura e imaginários, além da difusão da arte e ampliação de suas formas de representação. Cirne( 2000) corrobora: 78 Imagem e Imaginário dos Vilões Contemporâneos Mônica de Faria Somente a desinformação criará falsas leituras, falsos questionamentos, falsas perspectivas. Aliás, deixemos claro: a desinformação, seja em relação aos bens estéticos da indústria cultural, seja em relação aos demais discursos artísticos e literários, servirá apenas para gerar preconceitos e/ou desvios ideológicos. Dizer que a indústria cultural “atrofia a imaginação”, como fizeram Horkheimer e Adorno, é simplesmente ignorar o que ela produziu de mais significativo em nosso século (CIRNE, 2000, p. 23). Os quadrinhos, apesar de seu fim mercadológico, também possui a capacidade de fomentar discursos e colaborar com a articulação de ideias. O senso artístico e poético imbuído neste meio de comunicação evidencia um potencial criativo, não alienante, mas construtor de imaginação e imaginários passíveis de modificação e transformação em novas possibilidades cognitivas, intelectuais e imagéticas. Sendo assim, além de meio de comunicação, os quadrinhos também podem ser considerados uma forma de arte e comunicação apaixonante, pois “verdade seja dita: nos bons quadrinhos é possível sonhar, é possível imaginar a possibilidade do sonho, mesmo quando estamos diante de temáticas duramente realistas” (CIRNE, 2000, p. 18). Então, os quadrinhos apresentam elementos do mítico e do onírico (MALRIEU, 1996), através de seus heróis, vilões e narrativas de ficção (ou não ficção), representando através de suas imagens a não-coisa (FLUSSER, 2007), a experiência comunicacional em uma função poética. A função poética, assim entendia, passaria a ter, digamos, uma função amorosa baseada, inicialmente na sedução. E a arte, mesmo a mais clássica, desde que sensível e modelar competência, não é apenas para ser vista, para ser contemplada como algo inerte; é para ser desejada, amada (ou odiada) com intensidade. (...) A arte que não sabe seduzir não leva à paixão, não leva à reflexão (CIRNE, 2000, p. 19). 79 Imagem e Imaginário dos Vilões Contemporâneos Mônica de Faria Esta paixão despertada pelos quadrinhos também é característica do cinema. Ambos entendidos como formas de comunicação que expressam narrativas, encantam seus espectadores a partir da disseminação de imaginários e mundos de fantasia, criando então novas realidades possíveis. Assim como os quadrinhos, o cinema alia a comunicação visual e verbal e insere um terceiro código: o sonoro. Isso, por si só, já enfatiza o potencial comunicacional do meio, trazendo em um único espaço diversos códigos de interpretação e significação (FLUSSER, 2007). O cinema é caracterizado pela exibição rápida de uma sucessão de imagens, através de dispositivos mecânicos e/ou eletrônicos, que dão a impressão de movimento seqüencial e temporal, imitando, de certa maneira, o tempo real dentro das possibilidades e intenções narrativas. A palavra cinema também caracteriza a indústria que gere a produção deste meio, que pode ser em película, vídeo, vídeo digital entre outras possibilidades de inovações tecnológicas. De acordo com Gunning (in XAVIER org. 1996) ao contrário da maioria dos relatos, a primeira exibição de cinema, feita pelos irmãos Lumiére em 1895 (Figura 9), não foi de agrado e encantamento imediato. O autor esclarece que a primeira sessão de cinema causou espanto e até certo terror ao mostrar cenas fotográficas em movimento, muito parecidas com a realidade num ambiente bidimensional e preto e branco. O autor cita o relato de Maximo Gorki: É aterrorizante ver esse movimento cinza de sombras cinzentas, mudas e silenciosas. Será que isto já não é uma sugestão da vida no futuro? Diga o que quiser, mas isto é irritante. (...) Esta vida muda e cinza finalmente começa a perturbar você, deprimi-lo. É como se ela carregasse uma advertência, carregada de uma vago mas sinistro significado que faz seu coração quase desfalecer. Você está esquecendo onde está Estranhas visões invadem sua mente e sua 80 Imagem e Imaginário dos Vilões Contemporâneos Mônica de Faria consciência começa a diminuir e turvar-se (GORKI apud GUNNING in XAVIER org., 1996, p. 22). Ao observar o relato de Gorki fica evidente que o cinema pode não ter causado o espanto encantador inicial de que houve comentários de senso comum. Por ser uma nova forma de comunicação, o estranhamento antes da fascinação parece mais natural, como evidenciado por Gunning (in XAVIER org., 1996). Ainda assim, é evidente que com o passar dos anos o fascínio pelo cinema foi consolidado, sendo um dos meios de comunicação que, ainda nascido moderno, está em constante atualização. Uma enorme transformação no modo de assistir filmes aconteceu – de um evento cênico público para um ato de consumo doméstico cada vez mais privado. (...) No começo do segundo século do cinema, encontramos essa identidade em conflito, dispersa numa multiplicidade de novas tecnologias da imagem (GUNNING in XAVIER org., 1996, p.24). Figura 9 – cartaz de divulgação do cinematógrafo dos irmãos Lumiére Fonte: http://www.fotodicas.com/biografias/louis_lumiere_pai_do_cinema.html, em 18/10/2010 81 Imagem e Imaginário dos Vilões Contemporâneos Mônica de Faria Apesar das transformações ocorridas pelas novas tecnologias, o cinema continua sendo um ambiente público de convívio e trocas sociais (MAFFESOLI, 2005). O advento da televisão fazendo com que o filme surgido no cinema passe para o ambiente privado através das tecnologias de reprodução de imagens de vídeo – como videocassete, DVD, Blue-Ray etc. – não minimizam o potencial encantador único do cinema. A experiência causada por esse meio ainda é diferente e encantadora, as pessoas ainda são impelidas a saírem de suas casas e dirigirem-se a um local próprio para a contemplação do espetáculo cinematográfico. As narrativas do cinema começaram com cenas cotidianas, passando com tempo para a dominância das temáticas de ficção, embora os documentários – filmes como documentos da vida real – continuem existindo. A vivacidade das imagens e sua reprodutibilidade facilitaram sua aceitação como pura representação da realidade. Mesmo sabendo que são montadas, a magia e o encantamento do fluxo de imagens fazem o espectador reagir como se fosse a própria realidade. Cenas filmadas foram rapidamente aceitas como provas materiais, testemunhos insuspeitos e até evidências científicas (OLIVEIRA, 2006, p. 134). Segundo Ramos (in XAVIER org., 1996) a aceitação e sedução do cinema deu-se devido aos seguintes fatores: 1) o movimento – o público acostumado com a fotografia, não imaginava como seria ver imagens de pessoas reais em movimento em outro plano; 2) a ausência de cor – as imagens em preto e branco transportavam a realidade das cenas cinematográficas a um patamar irreal e ficcional; 3) a bidimensionalidade – as 82 Imagem e Imaginário dos Vilões Contemporâneos Mônica de Faria pessoas da época viram um achatamento da realidade em movimento em duas dimensões, proporcionando uma diferente experiência de como enxergar o mundo. “A imagem cinematográfica e a medição da câmera que lhe é própria inauguraram uma forma imagética que pode ser singularizada” (RAMOS, in XAVIER org., 1996, p.141). O cinema através da lente das câmeras mostra a realidade de uma maneira ficcional e a ficção simulando o real. “Além de um dos símbolos e uma das inovações da modernidade, o cinema significou também um meio extraordinário de circulação do conhecimento, de difusão de novas experiências e valores culturais” (OLIVEIRA, 2006, p. 135). Apesar do seu potencial comunicacional de difusão de conhecimento e cultura, a ficção da condição cinematográfica ainda é simulação do real. A simulação parte, ao contrário da utopia, do princípio de equivalência, parte da negação radical do signo como valor, do signo como reversão e aniquilamento de toda a referência (...) A simulação envolve todo o próprio edifício da representação como simulacro (BAUDRILLARD, 1991, p.13). Para Baudrillard (1991) o mundo que vive-se hoje é o mundo do simulacro, sendo o simulacro um conjunto de modelos de algo real, mas que não são realidade, que convenciona-se como realidade. O autor ainda afirma que a imagem é “o reflexo de uma realidade profunda; a imagem mascara e deforma essa realidade profunda; mascara a ausência de realidade profunda; não tem relação com qualquer realidade: ela é o seu simulacro puro” (BAUDRILLARD, 1991, p. 13). Sendo assim, o cinema torna-se puro simulacro. 83 Imagem e Imaginário dos Vilões Contemporâneos Mônica de Faria (...) o cinema plagia-se e recopia-se, refaz os seus clássicos, retroactiva os mitos originais, refaz o mundo mais perfeito que o mundo de origem, etc. Tudo isso é lógico, o cinema está fascinado consigo próprio como objeto perdido tal como está (e nós) estamos fascinados pelo real e com o real em dissipação (BAUDRILLARD, 1991, p.64). Mas é este simulacro que causa o encantamento do público com a ficção do cinema, e até das histórias em quadrinhos e dos games, sendo instrumento de identificação com o expectador (AUMONT, 1995). A comunicação do cinema foi capaz de transformar a relação do homem com a imagem, não só através das inovações tecnológicas, mas também pela possibilidade de ver pessoas vivenciando e fazendo coisas antes somente possíveis através da pura imaginação mental (JOLY, 1996), ampliando as possibilidades da fotografia e do teatro, por exemplo. “Aquela visualidade era real e ao mesmo tempo imaginária, era natural e ao mesmo tempo ficcional” (CAPPELARI, 2007, p. 55). A diferente relação espaço-tempo no cinema permitiu uma nova experiência de comunicação. Na composição de um filme são possíveis saltos temporais e espaciais em frações de segundos, dinamizando a narrativa. Essas novas possibilidades de comunicação narrativa – de identificação, saltos de tempo e espaço, mais possibilidades literárias de ficção – acabam por construir um imaginário próprio do cinema. Este imaginário torna-se extremamente cativante, podendo ser exemplificado por grupos de fãs – como fãs de Star Wars, citado por Cappellari (2007) – e apaixonados por cinema que reúnem-se em tribos (MAFFESOLI, 2006) de mundos imaginários oriundos das representações cinematográficas. 84 Imagem e Imaginário dos Vilões Contemporâneos Mônica de Faria Morin (in XAVIER org. 2003) evidencia que a magia do cinema acontece devido a projeção e identificação entre os espectadores e a ficção apresentada. “A projeção é um processo universal multiforme. As nossas necessidades, aspirações, desejos, obsessões, receios, projetam-se, não só no vácuo em sonhos e imaginação, mas também sobre todas as coisas e todos os seres” (MORIN in XAVIER org., 2003, p. 145). Sendo assim ao identificar-se com a ficção, o sujeito absorve o mundo apresentado, integrando-o de maneira afetiva. Já a projeção é uma identificação do sujeito com o outro facilitando e convidado que o outro também se identifique com o sujeito. Por outras palavras, o estado subjetivo e a coisa mágica são dois momentos da projeção-identificação. Um é momento nascente, fluido, vaporoso, “inefável”. O outro é o momento em que a identificação é tomada à letra, substancializada; o momento em que projeção alienada, desgarrada, fixada, fetichizada, se coisifica: em que se crê verdadeiramente nos duplos, nos espíritos, nos deuses, no feitiço, na posse, na metamorfose (MORIN in XAVIER org., 2003, p. 147). A projeção-identificação com a magia ou alma do cinema é entendida pelo autor como uma participação afetiva, uma subjetivação do real a partir de um entendimento não racionalizado do que é mágico: uma construção de imaginário através da estética. “O imaginário estético é, como todo o imaginário, o reino das necessidades e aspirações do homem, encarnadas e situadas estas no quadro de uma ficção” (MORIN in XAVIER org., 2003, p. 157). Ora, esta projeção-identificação que o cinema gera no sujeito acontece nos quadrinhos e games com a mesma capacidade apaixonante, um exemplo disso são os contemporâneos cosplayers (Figura 10) – do inglês costume player -: sujeitos, fãs, que se identificam tanto com personagens de quadrinhos, 85 Imagem e Imaginário dos Vilões Contemporâneos Mônica de Faria desenhos animados e games, que se projetam neles vestindo-se e agindo como estes personagens geralmente em eventos próprios de e para fãs desses meios, mesmo que numa consciência de ausência de uma realidade, uma fantasia real. Figura 10 – cosplay Fonte: http://blogdokedj.blogspot.com/2010/08/cosplay.html, em 18/10/2010 Esse tipo de sedução alcançada pelos quadrinhos e pelo cinema também ocorre nos games, desta vez, um meio de comunicação já surgido das novas tecnologias digitais e eletrônicas. Nos últimos tempos, as novas tecnologias de comunicação vem crescendo assustadoramente, tanto em termos de inovações tecnológicas quanto em número de usuários destas novas tecnologias (WOLTON, 2003). Os aparatos tecnológicos ganham cada vez mais espaço no cotidiano das pessoas, sendo assim, o mundo digital e virtual também participam dessa aproximação. De acordo com Muniz Sodré : 86 Imagem e Imaginário dos Vilões Contemporâneos Mônica de Faria A passagem da comunicação de massa às novas possibilidades técnicas não significa a extinção da mídia tradicional, mas a coexistência e mesmo a integração da esfera do atual (trabalhado na esfera púbica por jornais, rádios, televisão, etc.) com a do ciberespaço, onde são proeminentes as tecnologias digitalizadas do virtual. Na verdade, estamos ingressando no que Salaun chama de uma nova “geração” do audiovisual. A realidade virtual é o avatar da evolução técnica das máquinas audiovisuais (SODRÉ, 2002, p.7879). Com o advento da Internet, as comunicações tornam-se mais rápidas e generalizadas, havendo uma maior distribuição de informações, porém sem controle ou “filtragem” daquilo que é disseminado. Segundo Dominique Wolton, [...] a Internet não passa de um sistema automatizado de informação; de uma forma ou de outra, são os homens e as coletividades que integram esses fluxos de inormações em suas comunicações. A informação é sempre um segmento, e somente a comunicação, com suas prodigiosas ambiguidades, lhe faz emergir um sentido (WOLTON, in MARTINS & SILVA orgs., 2004, p.149). Entendendo desta forma, bem como os games – tratados aqui por jogos digitais – em geral, podem e são entendidos como um meio de comunicação, uma vez que sua interface, através das plataformas convencionais ou online permitem virtualmente a troca de informação entre jogadores, ou máquinas e jogadores, estabelecendo a comunicação no momento em que faz sentido aos usuários. Os jogos digitais apresentam-se como uma dessas tecnologias, combinando o digital, o lúdico e a interatividade dentro de um meio de comunicação que, relembrando o que afirma Levis (1997), veio a ser um dos meios mais lucrativos da atualidade. 87 Imagem e Imaginário dos Vilões Contemporâneos Mônica de Faria O jogo, segundo Rosário (2003, p. 159), é um “procedimento comunicativo capaz de engendrar estratégias discursivas e trocas simbólicas (...)”. Segundo Levis (1997), os videogames são o primeiro meio de comunicação de massa nascido na era da informática, e, como diz na capa de sua obra Los videojuegos, un fenómeno de masas, a indústria do videogame é a mais próspera do sistema audiovisual. Os jogos digitais são caracterizados pela interação através de uma interface, um meio, ou uma plataforma mediadora não atual, pela qual os jogadores podem interagir. Negroponte (1995), ao falar das origens das interfaces multímodo, ou seja, com várias funções sensoriais, comenta: [...] a melhor interface seria aquela que dispusesse de canais diversos e concorrentes de comunicação, mediante os quais o usuário pudesse expressar sua intenção a partir de uma série de aparatos sensoriais diferentes (os dele e os da máquina). Ou, igualmente importante: um canal de comunicação forneceria a informação falante no outro. [...] Meu sonho em termos de interface é que os computadores se pareçam mais com seres humanos (NEGROPONTE, 1995, p.97 e 100). Sabe-se que hoje as interfaces digitais, inclusive as dos jogos digitais eletrônicos contemplam as expectativas apontadas por Negroponte (1995), e ainda oferecem a possibilidade de interação. A interatividade de um sistema de jogos digitais “é maior quanto mais possibilidades ofereça ao usuário de incidir de maneira direta no desenvolvimento da mensagem”4 (LEVIS, 1997, p.37). Identificada com a viabilização de níveis mais diretos de ação sobre o desenvolvimento das mensagens por parte dos receptores dos mídias „tradicionais‟ [...] e com realizações estritamente digitais como o desenho de interface e a hipermídia, a interatividade é apontada como um dos elementos principais, senão o mais importante, da redefinição das formas e processos 4 Livre tradução da autora. No original “(...) [la interactividad de un sistema] es mayor cuantas mayors posibilidades ofrezca al usuario de incidir de manera directa em el desarollo del mensaje”. 88 Imagem e Imaginário dos Vilões Contemporâneos Mônica de Faria psicológicos, cognitivos e culturais decorrente da digitalização da comunicação (FRAGOSO, 2001, p.83). O desenvolvimento da mensagem de um jogo digital, podendo ter uma ou mais possibilidades de resultados/objetivos a serem atingidos, permite a improvisação, a interpretação e escolha de caminhos possíveis para se chegar ao objetivo, e é nesse sentido que se torna uma atividade lúdica de aprendizagem e descontração, uma característica inerente aos jogos digitais. A questão da interatividade entra aí como um diferencial construtivo dos jogos em rede, fazendo com que essas múltiplas escolhas perpassem a relação entre os indivíduos conectados em um mesmo jogo. De acordo com Levis, um videogame é um software informático que reproduz em uma interface um jogo cujas regras foram previamente programadas (LEVIS, 1997, p. 27). Então é importante observar, que para caracterizar um jogo não digital, como um digital, é necessário que existam regras pré-estabelecidas e programadas, e também um objetivo a ser alcançado. Indo ao encontro da afirmação de Levis (1997) sobre o poder da indústria dos jogos eletrônicos, Negroponte (1995) já comentava: Os projetistas independentes de jogos têm, hoje, de perceber que seus produtos vão provavelmente se tornar best-sellers, se projetados para uma plataforma de uso geral (...). Por esse motivo, a computação gráfica dos PCs vai se desenvolver com rapidez rumo àquilo que vemos nos mais avançados videogames (NEGROPONTE, 1995, p.113). Já se sabe que Negroponte (1995) estava certo, tendo em vista a inúmera gama de produtos encontrados hoje. Dentre os jogos virtuais podem ser encaixados vários tipos de jogos, desde os RPGs interpretativos, jogos de 89 Imagem e Imaginário dos Vilões Contemporâneos Mônica de Faria videogame, jogos de computador – online ou não –, entre outros. Neste estudo, serão considerados aqueles digitais, incluindo os videogames de ação ou até mesmo RPG. Como exemplo, série de jogos Assassin´s Creed (Figura 11) da Ubisoft Montreal, comentada neste trabalho, é um jogo caracterizado como de ação que, porém, permite ao jogador diversas possibilidades de ações e interações, aumentando as possibilidades narrativas e até mesmo de interpretação no que se refere à maneira de como o jogador age ou interfere nos tipos de estratégias de ações executadas pelo personagem, chegando, em certas situações, a algumas similaridades aos jogos de RPG. Figura 11 – Assassin´s Creed Fonte: http://news.teamxbox.com/xbox/13845/Assassins-Creed-Box-Art/, em 23/03/2012 90 Imagem e Imaginário dos Vilões Contemporâneos Mônica de Faria RPGs – Role Playing Games – são jogos de interpretação, para Cook, Tweet e Williams: A ação do RPG acontece na imaginação dos jogadores. Como atores em um filme, os jogadores, algumas vezes falam como se fossem seus personagens ou como se os outros jogadores fossem personagens. Essas regras adotam essa postura casual, usando „você‟ para se referir a „seu personagem‟. Porém, na verdade, você não é mais seu personagem do que quando joga com a peça rei no xadrez. Do mesmo modo, o mundo indicado por essas regras é um mundo imaginário (COOK, TWEET & WILLIAMS, 2002, p.6). Ainda sobre os RPGs, Morris e Hartas (2004) explicam: A idéia do roleplaying game aparenta ser relativamente nova na história do entretenimento, pensando em sua primeira aparição em Dungeons & Dragons nos anos 70. Na verdade, essa foi uma formalização da antiga arte do „faz de conta‟ que permeia a iamginação humana e deseja escapar da dureza da rotina diária. Foi apenas natural que isso saísse do papel e lápis para transformar-se no que se mostra ser a mais influente mídia de entretenimento do futuro, o jogo de computador (MORRIS & HARTAS, 2004, p.7).5 Entre os RPGs, existem várias plataformas, ou tipos de interfaces: os jogos de tabuleiro, como Dungeons & Dragons citado por Morris e Hartas (2004, p.7); os consoles de videogame (Figura 12), podendo ser caseiros (Atari, Nintendo, Playstation,...) ou arcade (conhecidos popularmente como jogos de “fliperama”); e os jogos de computador, que também são videogames, podendo ser online ou não. A grande mudança está entre os videogames e os MMO6s – Massive Multiplayer Online – que diferenciam-se basicamente pelas 5 Livre Tradução da autora. No original: “The idea of roleplaying game appears to be relatively new in entertainment history, thinking about his first appearance in Dungeons & Dragons in the '70s. In fact, this was a formalization of the ancient art of "make believe" that permeates the human imagination and want to escape the harshness of daily life. It was only natural that this would leave the paper and pencil to turn himself in what turns out to be the most influential entertainment media of the future, the computer game.” 6 “São ambientes digitais [virtuais] onde pessoas de diversas partes reúnem-se, cada um com seu personagem, para jogar. Alguns desses jogos on-line chegam a comportar centenas ou 91 Imagem e Imaginário dos Vilões Contemporâneos Mônica de Faria plataformas de interface. Os RPGs de videogame apresentam histórias fechadas, nas quais o personagem do jogador interage com outros personagens máquinas, numa gama limitada de possibilidades. Já nos MMOs, ou MMORPG – Massive Multiplayer Online RPG – os personagens dos jogadores interagem com personagens máquinas e entre si, através de seus avatares7, uma vez que são jogos online, através da Internet, ou em rede, possibilitando uma interação real entre os personagens digitais. Figura 12 – diversos consoles de videogame Fonte: http://www.culturanerd.com/historia-dos-consoles-e-a-arte-nos-videogames, em 18/10/2010 A comunicação através de meios virtuais cibernéticos é para Pierre Lévy um processo evolutivo pelo qual se passa agora, que caminha em direção à milhares de jogadores no mundo todo dividindo ao mesmo tempo um só espaço de jogo” (BRANCO, 2005, p.94). 7 Avatar é o nome dado ao personagem controlado pelo jogador no jogo. Pode ser também a identidade de determinado usuário no ambiente virtual. 92 Imagem e Imaginário dos Vilões Contemporâneos Mônica de Faria “digitalização, à virtualização e à inteligência coletiva” (LÉVY, in MARTINS & SILVA orgs., 2004, p.158). Seguindo as idéias de Pierre Lévy, o virtual não é o oposto de real, como é entendido popularmente, mas sim de atual (LÉVY, 1996). O virtual não é a ausência ou inconcretude de algo, mas a sua possibilidade de atualização; virtual seria então, uma potência de ser atual, então o virtual “é como o complexo problemático, o nó de tendências ou de forças que acompanha uma situação, um acontecimento, um objeto ou uma entidade qualquer, e que chama um processo de resolução: a atualização” (LÉVY, 1996, p.16). O que é importante salientar é que essa interação ou sociabilidade, se dá unicamente no meio virtual, e não num meio atual, utilizando as terminologias de Pierre Lévy. Seguindo as idéias do autor, ele fala sobre os sistemas de realidade virtual, comos os jogos eletrônicos: Os sistemas de realidade virtual transmitem mais que imagens: uma quase presença. Pois os clones, agentes visíveis ou marionetes virtuais que comandamos por nossos gestos, podem afetar ou modificar outras marionetes ou agentes visíveis, e inclusive adicionar à distancia aparelhos „reais‟ e agir no mundo ordinário (LÉVY, 1996, p.29). No caso dos jogos digitais, a realidade virtual se dá num meio digital, que, segundo Lévy (in MARTINS & SILVA orgs., 2004), é entendido pela combinação de símbolos ou elementos discretos e não apresenta relação óbvia entre o código e o que é descrito, “um código digital é convencional” (LÉVY, in MARTINS & SILVA orgs., 2004, p.159). Este meio digital então, é recheado de códigos convencionais, compreendidos por aqueles que o utilizam gerando um gênero de comunicação, uma espécie de vida cultural própria (LÉVY, in MARTINS & SILVA orgs., 2004), podendo ser encaixado ao fenômeno pós- 93 Imagem e Imaginário dos Vilões Contemporâneos Mônica de Faria moderno das tribos, decrito por Michel Maffesoli (2005), contemplando assim a importância da imagem na relação desses jogos com seus usuários. Ainda assim, os jogos digitais necessitam de uma interface visual para a interação entre os jogadores/usuários comunicarem-se. As imagens destes jogos passam a representar um papel importante, a de mediadoras e fomentadoras do imaginário destes jogos e por consequência, dos jogadores. Sendo assim, o games são uma tecnonlogia do imaginário, um meio pelo qual imaginários se expressam e se formam (SILVA, 2006), assim como as histórias em quadrinhos e os games. Se as imagens, como afirma Rahde (2001), têm papel importante na construção do imaginário, elas também são tecnologias do imaginário. Numa concepção pós-moderna, a criação gráfico/plástica está presente no processo do imaginário, das tecnologias de projeção de formas e idéias que se transformam numa outra realidade que não se pode denominar irreal ou virtual, pois tudo o que a imaginação projeta, a tecnologia vem tornando possível de se tornar realidade (RAHDE, 1999, p.80). Entra-se então nos imaginários tecnológicos, provocados por essas imagens reais criadas pelas novas tecnologias do imaginário, criando mundos futurísticos de ficção-científica, cyberpunks, sofisticados, retornando aos mitos, heróis guerreiros e mágicos, contos de fadas e criaturas fantásticas ou ainda, mesclando as possibilidades, como muito se encontra nos jogos virtuais eletrônicos, mostrando mundos míticos e oníricos. Segundo Silva, “o imaginário tecnológico é produto de um imaginário social, socialmente imaginado e construído, que condiciona em ricochete, conforme as tecnologias do imaginário disponíveis em determinado momento” 94 Imagem e Imaginário dos Vilões Contemporâneos Mônica de Faria (1999, p.132). Comparando com a ficção-científica do cinema e dos quadrinhos, tão similar às dos games, o imaginário tecnológico de hoje leva a uma incerteza, ao medo da dominação do homem pela máquina, do caos e do artificial. Ainda assim, gamers de todo o mundo compartilham um imaginário digital gerando uma vida social suportada pelo ambiente virtual, e isso gera um popular preconceito por parte de não-gamers sustentando a idéia de que aqueles que possuem relações sociais através de ambientes virtuais acabam sendo excluídos ou alienados da sociedade (SALEN & ZIMMERMAN, 2004). Em contraponto a isso Johnson (2005) em seu livro Everything Bad is Good for You lança uma teoria de que a cultura popular de hoje – incluindo os jogos digitais – na verdade não seria excludente, porém acarretaria em um maior desenvolvimento cognitivo devido a complexidade de suas informações e narrativas. Já Salen e Zimmerman (2004), no livro Rules of Play, defendem os jogos como uma forma de cultura, pois carregam questões de interatividade, sociabilidade, diversão e educação, tornando-os experiências únicas e divertidas. Continuando sua explicação, Salen e Zimmerman afirmam que os games como “produtos da cultura humana, preenchem uma gama de necessidades, desejos, prazeres e usos” (SALEN & ZIMMERMAN, 2004, p.5)8, sendo assim, para os autores, os games representam um produto cultural de entretenimento tão importante quando o cinema, a televisão ou a música. 8 Livre tradução da autora. No original: “as products of human culture, games fulfill a range of needs, desires, pleasures and uses”. 95 Imagem e Imaginário dos Vilões Contemporâneos Mônica de Faria Pensando desta maneira, os jogos digitais são sim parte do imaginário dos gamers, servindo também como um ambiente de sociabilidade dentre os inúmeros existentes na rede. Segundo Fragoso (2007): Nos dias que correm, um número bem mais significativo de pessoas convivem diariamente umas com as outras através de versões atualizadas e personalizadas desses mesmos procedimentos, num exercício da sociabilidade tecnologicamente mediada cuja freqüência e intensidade não têm precedentes. (FRAGOSO, 2007, p.7) Os jogos digitais então propiciam essa interação entre usuários de maneira lúdica, o que favorece a descontração sendo de maneira mais fácil e ágil que as interações sociais e a fomentação de novos imaginários surgem. Sendo assim, para situar a imagem – como as dos quadrinhos, cinema e games – como importante componente na fomentação de imaginários, no próximo capítulo serão trabalhadas essas relações, levantando noções sobre a imagem e suas manifestações. 96 Imagem e Imaginário dos Vilões Contemporâneos Mônica de Faria 3. A IMAGEM E SEUS IMAGINÁRIOS 3.1 Imaginário, Imagem e Comunicação Visual Dentre as inúmeras formas de comunicação, a que mais interessa para este trabalho é a visual, pois o vilão representado através de imagens, em histórias de ficção, será objeto de análise no presente estudo. As imagens se constituem em uma das formas mais antigas de comunicação (RAHDE, 2001), perpassando todas as eras da civilização humana, segundo a autora: “assim, a comunicação imagística permanece representando papel relevante na trajetória social e cultural da humanidade, fonte de influência na comunicação estética e epistemológica” (RAHDE, 2001, p.2); dessa forma, a comunicação visual foi e é importante para o caminhar da sociedade na qual vivemos. É possível definir o que se entende por „comunicação visual‟? Praticamente tudo o que os nossos olhos vêem é comunicação visual; uma nuvem, uma flor, um desenho técnico, um sapato, um cartaz, uma libélula, um telegrama (excluindo o conteúdo), uma bandeira. Imagens que, como todas as outras, têm um valor diferente segundo o contexto em que estão inseridas, dando informações diferentes (MUNARI, 1997, p.65). Seguindo as ideias de Munari, fica amplo também o conceito de comunicação visual, assim como corrobora Hollis: “A comunicação visual, em 97 Imagem e Imaginário dos Vilões Contemporâneos Mônica de Faria seu sentido mais amplo, tem uma longa história. Quando o homem primitivo, ao sair à caça, distinguia na lama a pegada de um animal, o que ele via ali era um sinal gráfico” (HOLLIS, 2001, p.1) (Figura 13). O que ambas as noções têm em comum é que a comunicação visual se dá através de imagens quaisquer, que contenham um significado para um ou mais receptores. Figura 13 – pegada de animal Fonte: http://nationalzoo.si.edu/education/classroomscience/default.cfm, em 20/09/2010 O ser humano convive com imagens desde seu nascimento quando, através da visão, tem suas primeiras experiências de mundo. Sendo assim, as imagens constituem um importante papel na formação social e comunicacional: maneira de auxiliar a memória, forma de expressão e constituidora e reveladora da história. Instrumento de comunicação, divindade, a imagem assemelha-se ou confunde-se com o que representa. Visualmente imitadora pode enganar ou educar. Reflexo pode levar ao conhecimento. A Sobrevivência, o Sagrado, a Morte, o Saber, a Verdade, a Arte, se tivermos um mínimo de memória, são os campos que o simples termo “imagem” nos vincula. Consciente ou não, essa história nos constituiu e nos convida a abordar a imagem de uma maneira complexa, a atribuir-lhe espontaneamente poderes mágicos, vinculada a todos os nossos grande mitos (JOLY, 1996, p.19). 98 Imagem e Imaginário dos Vilões Contemporâneos Mônica de Faria Então, pensando em termos históricos, o homem cria imagens desde o período paleolítico superior (35000 a.C.) (MÜLLER-BROCKMANN, 2005), quando o homem ainda caçador e nômade pintava nas paredes das cavernas figuras humanas, animais, símbolos de fertilidade, cenas de luta e de casa (Figura 14). Essas pinturas, encontradas principalmente na África, no sul da França (Lascaux) e na Espanha (Altamira) (MEGGS & PURVIS, 2006), eram “o início da comunicação visual, pois estas primeiras imagens eram feitas para sobrevivência, e por motivos utilitários e ritualísticos”9 (MEGGS & PURVIS, 2006, p.4). Assim, o homem da pré-história, registrava suas aprendizagens e conhecimentos para as gerações vindouras, comunicando dificuldades e ensinando como proceder com sua vida. Figura 14 – Bisão Fonte: JANSON, 1993 9 Livre tradução da autora. No original: “it was the dawning of visual communication, because these early pictures were made for survival, and for utilitarian and ritualistic purposes”. 99 Imagem e Imaginário dos Vilões Contemporâneos Mônica de Faria Porém, foi na Mesopotâmia (cerca de 3000 a.C.) que teve início outra forma de comunicação visual intrínseca à imagem: a escrita. “A palavra e a imagem são as pontes que unem os seres humanos. Elas dão suporte as relações entre o mundo físico e intelectual e o mundo social”10 (MÜLLERBROCKMANN, 2005, p.9). Esta região abrigou os sumérios que criaram a escrita cuneiforme: um sistema de pictogramas e ideogramas que serviam para registros nos templos, sobre impostos e comida. Perpassando os egípcios, com seus hieróglifos – imagens que representam conceitos ou palavras –, pode-se observar que a escrita, cerne da comunicação impressa e digital, é baseada em imagens que significam algo. Criado primeiramente em Creta cerca de 2800 a.C. e depois aperfeiçoado pelos Gregos, o próprio alfabeto é uma instituição de códigos imagéticos que representam signos sonoros, sendo assim permitida a criação dos atuais sistemas de escrita (MEGGS & PURVIS, 2006). Ainda assim, a escrita muitas vezes continua recorrendo a imagem para comunicar, como se pode ver desde as iluminuras medievais, a imagem tornase importante veículo comunicacional. Naquela época, devido grande parte da população ser analfabeta, as ilustrações tornavam-se a principal forma de comunicar-se com as pessoas. “Foi graças a este simbolismo aliado à cultura dos evangelhos, além de questões políticas e sociais, que o nome de Cristo chegou tão longe e que uma religião que poderia ter ficado restrita à Galiléia se espalhou pelo mundo” (CAPPELLARI, 2007, p. 33). 10 Livre tradução da autora. No original: “La palabra y la imagen son los puentes que unen a los seres humanos. Ellas dan soporte a las relaciones entre el mundo físico e intelectual y e el mundo social”. 100 Imagem e Imaginário dos Vilões Contemporâneos Mônica de Faria A imagem foi tão importante nesta época que vale lembrar que reinos e exércitos eram reconhecidos por insígnias e brasões heráldicos (Figura 15) em escudos, armaduras e bandeiras, independente de suas crenças. Esse fato pode ser rememorado tanto na idade medieval ocidental quanto oriental, como exemplo no Japão, em que os samurais eram reconhecidos pelas insígnias de suas famílias e carregavam também, as de seus daimios – senhores feudais – para assegurar sua vassalagem (MEGGS & PURVIS, 2006). Figura 15 – Brasão heráldico Fonte: http://exlibris-ex-libris.blogspot.com/2008/07/tombo-herldico-2_27.html, em 20/09/2010 Já no final do medieval e início da renascença – primeiros indícios da modernidade – a imagem tem o auxílio dos meios de reprodução, com a invenção da prensa tipográfica por Gutemberg em 1450 d.C., possibilitando assim a reprodução em maior escala de textos e imagens, sendo a Bíblia (Figura 16) o primeiro livro impresso. Gutemberg criou um sistema de tipos móveis de metal que podiam ser organizados e reorganizados para imprimir 101 Imagem e Imaginário dos Vilões Contemporâneos Mônica de Faria páginas de livros, não mais necessitando dos copistas medievais e facilitando a produção e reprodução gráfica. Figura 16 – Bíblia de Gutemberg Fonte: http://www.diretoriodearte.com/historia-da-arte/o-renascimento-e-o-intercambio-de-conhecimento/, em 20/09/2010 A imagem nessa época moderna também foi renovada, podendo ser reproduzida por meios de gravuração e então difundida em maior escala. Em contraponto, a reprodução da imagem auxiliou o desenvolvimento e exaltação da arte e da ideia da obra prima, ou seja, a imagem da arte única, que não pode ser reproduzida. Pensando na contemporaneidade, a imagem está em todos os lugares, devido aos avanços tecnológicos como a fotografia, o cinema, a televisão e até a Internet e as mídias digitais contemporâneas (MÜLLER-BROCKMANN, 2005), é possível afirmar que muitas imagens podem ser vistas e compreendidas em vários lugares do mundo. Michel Maffesoli (1996) afirma a importância da imagem nos tempos pós-modernos, para o autor é através da 102 Imagem e Imaginário dos Vilões Contemporâneos Mônica de Faria representação imagética de totens que o fenômeno das tribos ocorre, pois fazem com que as pessoas se reúnam em torno de interesses comuns. A descoberta da capacidade de comunicar através de símbolos visuais associada às tecnologias da comunicação tornou cada homem um possível produtor de imagens, mas não necessariamente de belas imagens. Assim, algumas formas de representação foram se tornando tão importantes, que seus criadores pouco a pouco foram deixando de ser pessoas comuns para se tornarem especialistas, ou melhor, artistas. A própria palavra arte parece ter um sentido um tanto abstrato nos dias de hoje (CAPPELLARI, 2007, p.42). Assim, entende-se o que é imagem, porém, ainda se tem dificuldades de defini-la, uma vez que entende-se a imagem como uma noção e não uma definição. Joly (1996) explica que o entendimento de o que é imagem perpassa a noção de que é algo que nem sempre remete ao visível, apesar de basear-se no visual, e que depende da construção de um determinado sujeito, seja ela de maneira imaginária ou concreta. A autora afirma, ainda, que percebe-se que a imagem é um objeto que faz relação com outro. A autora (JOLY, 1996) explica as imagens através da metáfora do deus grego do mar Proteu, este deus possuía o poder de assumir as formas que desejasse, sendo assim a imagem possui uma polissemia de apresentações e representações. Embora certamente não exaustivo, o vertiginoso apanhado das diferentes utilizações do termo “imagem” lembra-nos ou deus Proteu: parece que a imagem pode ser tudo e seu contrário – visual e imaterial, fabricada e “natural”, real e virtual, móvel e imóvel, sagrada e profana, antiga e contemporânea, vinculada à vida e à morte, analógica, comparativa, convencional, expressiva, comunicativa, construtora e destrutiva, benéfica e ameaçadora (JOLY, 1996, p.27). 103 Imagem e Imaginário dos Vilões Contemporâneos Mônica de Faria Martine Joly (1996) enfatiza que as imagens não são somente visuais, podendo ser também mentais. Entende-se imagens mentais aquelas que não nos são apresentadas de maneira concreta. Assim com diz a expressão “Deus criou o homem a sua imagem e semelhança”, entende-se aí uma noção de que a palavra imagem remete ao reconhecimento de determinadas qualidades não visíveis, mas compreensíveis em uma ideia de metáfora a um ideal. As imagens mentais ainda podem ser vinculadas aos sonhos e fantasias, sendo que “uma representação mental é elaborada de maneira quase alucinatória, e parece tomar emprestadas suas características da visão. Vê-se” (JOLY, 1996, p.19). Trata-se, pois, de uma representação perceptiva que o ser humano interioriza e associa a determinados objetos. Pensando na arte, na comunicação, no design a imagem passa a ter um caráter visual, de representação de algo que já existe. Então a imagem é representação de algo que já existe, antes de qualquer coisa “é algo que se assemelha a outra coisa” (JOLY, 1996, p.38). As imagens tratadas neste estudo são essas visuais, construídas pelo homem e que representam certos conceitos e/ou ideias. A função dessa imagem como representação torna-se dizer algo que não é ela própria, sendo semelhante a essa ideia. Não se deve esquecer, que, se qualquer imagem é representação, isso não implica que ela utilize necessariamente regras de construção. Se essas representações são compreendidas por outras pessoas além das a fabricam, é porque existe entre elas um mínimo de convenção sociocultural, em outras palavras elas devem boa parcela de sua significação ao seu aspecto de símbolo (...) (JOLY, 1996, p.40). 104 Imagem e Imaginário dos Vilões Contemporâneos Mônica de Faria Volta-se então para os códigos, apresentados por Flusser (2007): só é possível ler uma imagem a partir de um momento no qual os códigos sejam claros para quem cria estas imagens e para quem as recebe, caso contrário o sentido se perde. Por esta razão, entende-se sim imagem como comunicação. Ler envolve um processo de compreensão abrangente de diferentes linguagens que reúne componentes sensoriais, emocionais, intelectuais, fisiológicos e neurológicos, bem como econômicos, sociais e políticos. Trata-se de uma perspectiva de caráter cognitivosociológico em que o leitor participa com uma aptidão que não depende somente de sua capacidade de decifrar sinais, mas de sua capacidade de atribuir sentido a eles e compreendê-los (LIMA in GÒES & ALENCAR ors., 2009, p. 71). Seguindo as ideias de Lima (in GÒES & ALENCAR orgs., 2009), a leitura começa desde o primeiro contato com o objeto a ser lido, seja visual não-verbal, visual-escrito ou sonoro. Este esforço de leitura irá depender de uma relação contextual de tempo e espaço, em que o leitor irá decodificar suas primeiras impressões do objeto lido, inclusive com as imagens. Sua decodificação acontecerá de acordo com as intenções do enunciador, ou não, pois as possibilidades são tantas quanto as bacias semânticas do receptor permitirem. Partindo da idéia de que a imagem é entendida como reprodução de uma sensação ou a representação de um conceito, é possível, ao mesmo tempo, classificá-la como simulacro de algo ausente. Nesse sentido, a imagem é um registro histórico que vem sobrevivendo ao que representa (RAHDE, 2000, p.19). Essas representações e reproduções das quais Rahde (2000) comenta são aquelas imagens produzidas pelo homem, pois contêm significados que serão compreendidos de acordo com o repertório, a vivência de quem as vê. A 105 Imagem e Imaginário dos Vilões Contemporâneos Mônica de Faria imagem, para comunicar, deve fazer sentido, e sempre faz sentido, podendo ter diferentes interpretações dependendo do contexto no qual está inserida. “Torna-se relevante salientar que a imagem traduz expressões que estão aliadas ao conhecimento, à memória, à percepção, à imaginação” (RAHDE, 2000, p. 20). E é justamente por fazer diferentes sentidos que ela perdura no tempo como comunicadora. Sendo assim a imagem é um reflexo do imaginário do homem, pois seu sentido depende do ambiente e do contexto no qual este está inserido. Malrieu (1996) ao tratar da imagem construída pelo imaginário e ao mesmo tempo construtora deste, afirma que esta é uma “construção, cujos instrumentos consistem na motricidade e na emotividade, e, em última instância, uma exploração controlada do campo dos possíveis imaginários” (MALRIEU, 1996, p. 137). Para tanto a imagem da arte – enquanto categoria do imaginário de Malrieu – torna-se uma projeção do homem sobre alguma percepção “a descoberta de uma realidade que o sujeito desconhece: aquilo que é mais nosso torna-se desconhecido para nós quando é sujeito aos mecanismos da elaboração” (MALRIEU, 1996, p. 137). A imagem é puramente fruto do imaginário, como tentativa de identificar as experiências em si na constituição de relações simbólicas. Régis Debray (1994), afirma que arte não é comunicação, pois para o autor comunicação está associada à verbalização e não a questão da imagem; afirma também que a arte não tem intenção de comunicar. Segundo o autor “Uma imagem é um signo que apresenta a particularidade de poder e dever ser interpretada, mas que não pode ser lida” (DEBRAY, 1994, p. 51). Porém, fica fácil contra-argumentar, uma vez que se a imagem é passível de interpretação, 106 Imagem e Imaginário dos Vilões Contemporâneos Mônica de Faria é também uma forma de leitura, leitura de signos visuais. Cappellari (2007) corrobora: Afinal, se a imagem do cinema, da telenovela, da publicidade ou da história em quadrinhos pode pôr em ênfase uma ou mais mensagens, por que a arte não comunicaria? Afinal, foi esta forma de expressão milenar que serviu de base para a criação de tais meios durante a égide tecnológica da modernidade (CAPPELLARI, 2007, p. 31). A função de resgate também faz parte do potencial comunicador da imagem: como auxílio da memória. Pierre Lévy (1995) discorre que o ser humano possui dois tipos de memória: a memória de curto prazo e a memória de longo prazo. Memória de curto prazo é aquela que trata da atenção que prestamos de forma consciente, ela acaba trabalhando com um número mínimo de informações, somente aquelas essenciais para trabalhar com a situação momentânea; já a memória de longo prazo possui uma enorme capacidade de armazenamento, sendo aquela que reserva as maiores e mais distantes lembranças e conhecimentos a partir de esquemas estruturais que o autor chama de fichas mentais “sobre situações, os objetos e os conceitos que nos são úteis no cotidiano” (LÉVY, 1995, p. 153). A partir disso Lévy (1996) afirma que existem tecnologias intelectuais que servem de auxílio para as memórias, tanto em termos de registro de informações – como livros, por exemplo – quanto para o desenvolvimento lógico criativo – como a informática. Então, entende-se como tecnologias intelectuais todos aqueles artifícios utilizados pelo ser humano para auxiliar suas faculdades mentais de reserva e raciocínio. 107 Imagem e Imaginário dos Vilões Contemporâneos Mônica de Faria A tecnologias intelectuais permitem que algumas fraquesas do espírito humano sejam corrigidas, ao autorizar processamentos de informações do mesmo tipo que são realizados pelos “processos controlados”, mas sem que os recursos da atenção e da memória de curto prazo sejam saturados (LÉVY, 1995, p. 154). Então, de acordo com os pensamentos de Lévy (1995), pode-se inferir que a imagem é também uma tecnologia intelectual, pois colabora com as faculdades mentais do homem e suas potências de memória e criação. Lévy (1995) ainda apresenta que se deve contabilizar três grandes faculdades mentais, ligadas as capacidades cognitivas: a faculdade de perceber, na qual o sistema cognitivo reconhece os signos de maneira rápida, como o reconhecimento imediato de um objeto; a faculdade imaginar, na qual tira-se partido das experiências anteriores, ou seja, é desencadeada por estímulos externos, a noção de causa e conseqüência; e a faculdade operativa ou manipulativa, específica do ser humano, a capacidade de bricolagem, de se utilizar de suas memórias para modificar e construir coisas novas: “Este poder de manejar e de remanejar o ambiente irá mostrar-se crucial para a construção da cultura” (LÉVY, 1995, p. 157). Ora, pode-se entender então a imagem como uma tecnologia intelectual diretamente ligada à faculdade imaginativa, uma vez que ela é ao mesmo tempo um auxílio da memória e percepção do homem e resultado inexorável da criatividade humana: da faculdade operativa ou manipulativa. Já segundo Aumont (2010), o termo imagem: [...] tem inúmeras atualizações potenciais, algumas se dirigem aos sentidos, outras unicamente ao intelecto, como quando se fala do poder que certas palavras têm de “produzir imagens”, por uso metafórico, por exemplo (AUMONT, 2010, p.13). 108 Imagem e Imaginário dos Vilões Contemporâneos Mônica de Faria A imagem torna-se, desta maneira, potência criativa (FLUSSER, 2007), pois ao resgatar informações na memória, aliando-se a percepção, torna-se uma meio crucial para a manutenção da bacia semântica do indivíduo, um verdadeiro reservatório/motor fomentador de imaginários. Visualizar é conseguir formar imagens mentais. Raciocinar através de imagens nos leva a soluções e descobertas inesperadas. O pensamento por conceitos surgiu do pensamento por imagens, através do lento desenvolvimento dos poderes de abstração e simbolização, assim como a escrita fonética surgiu, por processos similares, dos símbolos pictóricos e de hieróglifos (LIMA in GÒES & ALENCAR orgs., 2009, p. 73). A capacidade de formar novas imagens através da visualização de outras é, de certa forma, uma racionalização dos sentidos e conceitos apresentados. Uma forma de reestruturação do pensamento, na qual a razão e o subjetivismo da mente humana reapropriam informações transformando-as em novas formas de representações visuais – novas formas de comunicação. O ser humano antes de pensar logicamente as coisas imagina-as. A pessoa, por diversos motivos, seleciona do fluir caótico de sensações que invadem os sentidos, determinadas imagens e as instituem com um sentido específico. Da amálgama de sensações sem sentido que fluem perante ele, algumas são captadas e transformadas em imagens. Essas imagens são imediatamente significadas (RUIZ, 2003, p. 48). Ao encontro de Ruiz (2003), Aumont (2010) corrobora que, em relação ao real, a imagem possui três valores: de representação – quando apresenta a representação de coisas concretas; de símbolo – quando apresenta coisas abstratas; e de signo – quando suas representações não necessariamente refletem o conteúdo que ali está explícito. Ainda assim, uma imagem não 109 Imagem e Imaginário dos Vilões Contemporâneos Mônica de Faria necessariamente carrega apenas um destes valores, podendo sim, exercer mais de um deles simultaneamente. De qualquer maneira, para compreender essas imagens, independentemente de sua função, é necessário decifrá-las, o que requer um reconhecimento prévio de indícios de suas representações pelo homem. O mesmo acontece, por exemplo, com a escrita: códigos convencionados que, não sabendo decifrá-los, não conseguem comunicar. Reconhecer alguma coisa em uma imagem é identificar, pelo menos em parte, o que nela é visto com alguma coisa que se vê ou se pode notar no real. [...] esse trabalho de reconhecimento, na própria medida em que se trata de um reconhecer, apoia-se na memória ou, mais exatamente, em uma reserva de formas de objetos e de arranjos espaciais memorizados [...]. Ou seja, de modo geral, o trabalho de reconhecimento aciona não só as propriedades “elementares” do sistema visual, mas também capacidades de codificação já bastante abstratas (AUMONT, 2010, p. 82-83). Assim, Aumont (2010) ainda define que as imagens agem sobre o receptor a partir de três abordagens: a abordagem cognitiva – na qual toda a percepção da imagem será elaborada através de uma construção resultado do confronto de hipóteses e esquemas mentais pré-existentes; abordagem pragmática – que a percepção da imagem vai depender das condições de recepção desta pelo espectador, sejam estes fatores psicológicos, sociológicos etc.; e a influência da imagem – quando esta possui uma “ação psicológica”, influenciando diretamente o receptor. A partir das constatações de Aumont (2010), observa-se que a imagem, em relação ao receptor, sempre terá um papel de comunicadora, sendo em forma artística, publicitária, gestual ou outras. Assim como a imagem está diretamente ligada ao imaginário, pois é através do imaginário que elas são criadas e “imagens, em seus mais variados tipos de apresentação, fornecem elementos para a formação, deformação e 110 Imagem e Imaginário dos Vilões Contemporâneos Mônica de Faria reinvenção cotidiana do imaginário” (CAPPELLARI, 2007, p. 70). Assim sendo, as imagens, suas representações e capacidades são vetores que podem modificar a maneira de ver o real, podendo assim, transformar imaginários. Para tanto, entendemos as imagens como forma de comunicação. No tópico a seguir, serão trabalhadas as noções de modernidade e pósmodernidade, bem como suas representações visuais, como forma de contemplar a situação espaço-temporal em que se encontram os objetos desta pesquisa. 3.2 Modernidade, Pós-modernidade e a imagem As condições das imagens na modernidade e na pós-modernidade apresentam mudanças importantes para suas funções como forma de comunicação visual. Distintas características podem ser evidenciadas em cada uma das épocas; para o seu entendimento, é necessária a compreensão da situação do que se considera aqui moderno e/ou pós-moderno. Como o presente estudo pretende estudar a imagem e o imaginário do vilão contemporâneo, é viável fazer esta contextualização histórica. A modernidade é tida por Teixeira Coelho (2005), como a reflexão sobre o fato modernismo. Segundo ele, modernismo é um estilo de movimentos artísticos característicos da época moderna. E este autor trata a modernidade como o estudo dos fatos relacionados ao modernismo e à época moderna, ou a intenção de compreendê-los. 111 Imagem e Imaginário dos Vilões Contemporâneos Mônica de Faria Surgida em um período de tensões, a modernidade busca desenvolver uma idéia racional e individualista, em que se rompem os pensamentos tradicionais, e o indivíduo é liberto dos mitos e crenças pré-estabelecidas na Idade Média fundamentadas na religião, sendo criados, talvez, novos cânones irrefutáveis, desta vez oriundos da racionalidade científica. Sendo assim, a modernidade torna-se a busca pelo novo, proporcionando uma mudança revolucionária das idéias. Essas idéias revolucionárias e evolucionistas afetam o cotidiano, trazendo reflexões sobre os valores presentes em relação ao futuro, e não mais se arraigando nas tradições passadas (HARVEY, 1992). A verdade seria alcançada com a razão, individualmente e não mais vinculada ao grupo (MAFFESOLI, 2005); a satisfação da produção pode ser somente do autor e não necessariamente da sociedade, agravando a característica individualista do movimento. Logo, temos a desumanização do indivíduo e não mais um ser integrado à sociedade. Duas noções fundamentais estão, entretanto, diretamente relacionadas ao moderno a idéia de progresso, que faz com que o novo seja considerado melhor ou mais avançado que o antigo; e a valorização do indivíduo, ou da subjetividade, como lugar da certeza e da verdade, e origem dos valores, em oposição à tradição, isto é, ao saber adquirido, às instituições, à autoridade extrema (MARCONDES, 2004,p. 140). Não foi ao acaso que esse pensamento racional chegou como marca da modernidade. Saindo de um período medieval, no qual o pensamento era regido pela religiosidade, alguns fatores marcaram o início da modernidade, trazendo mudanças em relação à medievalidade: o humanismo renascentista – importante para a questão da imagem; a Reforma protestante; a revolução científica; e a redescoberta do ceticismo antigo. 112 Imagem e Imaginário dos Vilões Contemporâneos Mônica de Faria A imagem no Renascimento surge com a ideia de ruptura com a arte gótica medieval, de perspectiva religiosa, na qual a arte era meio de elevar a religião como algo bom. A mudança na estética da imagem vem corroborar com a principal característica renascentista: a da busca pelo humanismo. Retomando a herança greco-romana de pensamento, este deixa de ser teocêntrico, valorizando o homem em si mesmo, paradigma que vai sustentar o pensamento moderno. Figura 17 – Homem Vitruviano de Da Vinci – representação do antropocentrismo renascentista Fonte: http://www.gallerieaccademia.org/, acesso em 30/03/2012 Este antropocentrismo (Figura 17) será valorizado na imagem, não sendo mais a temática religiosa o principal motivo da arte, mas se dá espaço para os temas do homem comum, além dos pagãos, sendo corriqueiras as obras sobre mitos da antiguidade grega e romana, não significando também, que a temática religiosa tenha sido completamente abandonada. Ou seja, já aí, através das representações imagísticas, novas noções de bem e mal são apresentadas. 113 Imagem e Imaginário dos Vilões Contemporâneos Mônica de Faria Talvez o que melhor ilustre a importância da redescoberta dos clássicos pelo humanismo renascentista e do desenvolvimento de uma interpretação desses pensadores independente da feita pela escolástica se encontre no célebre afresco de Rafael, A Escola de Atenas, pintado em 1510 no Vaticano para o papa Julio II. O afresco reúne os mais importantes filósofos gregos da Antiguidade, tendo ao centro as figuras de Platão, que aponta para o alto e segura o texto do Timeu, e de Aristóteles que aponta para o chão e tem em suas mãos a Ética (MARCONDES, 2004, p. 144). Observando a afirmação de Marcondes (2004), pode-se perceber que o humanismo adentrou com tanta ênfase no pensamento da época que a própria obra citada – A Escola de Atenas (Figura 18) – referindo-se à ciência e filosofia antiga, foi encomendada por um papa. Isso reforça a não mais centralidade da temática cristã na arte e a própria aceitação da Igreja de que as representações do pensamento pagão não sejam representações do mal. As ideias dos homens e o próprio homem passa a protagonizar a cena artística e científica. Figura 18 - Escola de Atenas Fonte: CIDADE DO VATICANO , 2007 114 Imagem e Imaginário dos Vilões Contemporâneos Mônica de Faria Outro fator que marca a modernidade é o advento da Reforma protestante: A ruptura provocada pela Reforma é um dos fatores propulsores da modernidade, embora, segundo alguns intérpretes de seu pensamento, sob muitos aspectos Lutero se aproxime mais da teologia medieval agostiniana. Porém, a defesa da idéia de que a fé é suficiente para que o indivíduo compreenda a mensagem divina nos textos sagrados, a assim chamada “regra da fé” – não necessitando da intermediação da Igreja, dos teólogos, da doutrina dos concílios –, representa na verdade a defesa do individualismo contra a autoridade externa, contra o saber adquirido, contra as instituições tradicionais, todos colocados sob suspeita (MARCONDES, 2004, p. 147). Portanto, pode-se notar que a Reforma também foi fator importante na já comentada mudança de postura em relação à imagem, uma vez que estas, juntamente com os templos, foram colocadas em cheque em relação a sua importância enquanto figuras sagradas. A nova postura da fé proposta por Lutero, teve efeitos não só no âmbito religioso, mas também representou uma defesa à liberdade do pensamento individual e da consciência do homem, reforçando a ideia da razão humanista moderna. Talvez o mais importante fator de mudança do pensamento medieval para o moderno seja a revolução científica, iniciada por Copérnico ao afirmar que se vive em um universo heliocêntrico – o Sol como centro, sendo a Terra um astro que gira ao seu redor – e não mais geocêntrico como apresentando por Ptolomeu no século II. A partir disso, novos pensamentos científicos foram sendo desenvolvidos, valorizando, assim, a observação e o método experimental, formando uma ciência ativista, ou seja, com a participação e atuação do homem, não mais contemplativa como a da Antiguidade, e também, desvinculando-se dos dogmas pregados pela Igreja. 115 Imagem e Imaginário dos Vilões Contemporâneos Mônica de Faria Tanto no humanismo renascentista, quanto na revolução científica, observa-se o interesse pelo ceticismo antigo, pois ao resgatar o pensamento antigo, principalmente greco-romano, dá-se fundamento para questionar o conhecimento obtido até então, buscando novas formas de pensar as coisas. A razão moderna é baseada na ciência, sendo esta tão importante a ponto de determinar todo o pensamento da época a desenvolver-se neste caminho culminando na Revolução Industrial. O homem moderno torna-se centro de seus próprios questionamentos, valoriza o espírito crítico e investigativo. A busca pela verdade não é mais um desafio teológico, mas uma preocupação do racionalismo científico, o triunfo da razão e da lógica. TeixeiraCoelho (2005) ressalta três mudanças importantes no desenvolvimento científico do homem que vão construindo o pensamento moderno: Primeiro, o de Copérnico: a Terra não é o centro do sistema solar ou do universo; portanto, tampouco o homem ocupa posição central desse cenário. Segundo, o de Darwin e seus trabalhos sobre a origem das espécies: o homem é apenas mais um num processo.Terceiro, o da psicanálise, mostrando um homem que desconhece até o que passa pela sua cabeça (TEIXEIRA-COELHO, 2005, p. 27). A mais radical mudança vem então dar suporte ao pensamento pósmoderno: a teoria de relatividade de Einstein, que vem mostrar a dúvida como companheira do pensamento do homem, assim como a “mutabilidade e a instabilidade” (TEIXEIRA-COELHO, 2005, p. 27). A época moderna, portanto, marca o início da autonomia da arte, ou seja, o artista não está mais somente ligado à religião, mas passa a produzir projetos próprios. Nisso, a criação de imagens também vai se modificando, 116 Imagem e Imaginário dos Vilões Contemporâneos Mônica de Faria com o auxílio do desenvolvimento científico, novas técnicas de produção imagísticas se desenvolvem, desde as manuais até aquelas com uso de máquinas, como impressões e mais tarde a fotografia, o cinema, a televisão e o vídeo. Com a Revolução Industrial, ápice do projeto moderno, máquina e arte começam a se interligarem, como o exemplo do movimento Artes e Ofícios, tendo como exponenciais William Morris e John Ruskin (MÜLLERBROCKMANN, 2005), que criticando a falta de estética da produção mecânica, revalorizam o artesão, gerando uma fusão entre as artes e os ofícios. Suas peças eram projetadas para clientes específicos, valorizando a arte e se utilizando de meios técnicos, dando inicio ao design. Teixeira-Coelho comenta: “O espírito moderno faz de conta que não percebe que o produto artístico e o produto industrial são partes de universos distintos e opostos e tenta uma conflituosa conciliação” (TEIXEIRA-COELHO, 2005, p.33). Ora, apesar da conciliação ser realmente conflituosa, é só observar o desenrolar da arte moderna e pós-moderna para perceber que a arte e a indústria não vivem em universos tão distintos. O próprio autor cita artistas como Toulouse-Lautrec (Figura 19) entre outros como Jules Chéret que mostram que a aliança das áreas é possível e viável, sendo artistas que trabalharam com o cartaz publicitário. O próprio cinema, fruto da industrialização, é considerado, e afirmado, como uma forma de arte, sendo uma das indústrias mais lucrativas contemporaneamente. Conforme Veronezi (2010): Na primeira metade do século XX, em que a modernidade ainda era o paradigma dominante de influência, a imagem era vista com desconfiança. Talvez porque novas tecnologias estivessem surgindo e mostrando que cada vez mais a realidade poderia ser simulada à perfeição no cinema e na televisão (VERONEZI, 2010, p. 9). 117 Imagem e Imaginário dos Vilões Contemporâneos Mônica de Faria Figura 19 – Cartaz de Tolousse Lautrec Fonte: http://valiteratura.blogspot.com/2011/02/pintura-pos-impressionista-toulouse.html, acesso em 28/02/2012 A imagem da arte também mudou com o advento da chamada arte moderna, como exemplo do cubismo, que transgrediu as regras estéticas formais existentes, lançando um novo modo de ver. Teixeira-Coelho (2005) ainda comenta que o cubismo pode ser entendido como o uso da teoria da relatividade de Einstein na pintura, sendo possível interpretar a obra sob vários pontos de vista. Este mesmo raciocínio se aplica a outras vanguardas modernas, como o Dadaísmo – que critica o próprio ser da arte – ou o Surrealismo (Figura 20) – enfatizando a subjetividade com imagens oníricas -, entre outras escolas. Surge um novo paradigma estético, uma nova “boa imagem”, regras são quebradas dando espaço para o surgimento do pensamento pós-moderno. 118 Imagem e Imaginário dos Vilões Contemporâneos Mônica de Faria Figura 20 – Exemplo de pintura surrealista de Salvador Dalí Fonte: JANSON, 1993 Os valores modernos pois estão na busca pela limpeza, pureza, ética, e outros valores do “homem perfeito”. “Os seres humanos precisam ser obrigados a respeitar e apreciar a harmonia, a limpeza e a ordem. Sua liberdade de agir sob seus próprios impulsos deve ser preparada” (BAUMAN, 1998, p.8). Esse pensamento moderno é refletido também em suas imagens, as quais são repletas de regras, simetrias e clareza. Pela sua onipresença na modernidade, constatamos que a imagem participava ativamente das criações, sejam elas literárias, poéticas, musicais, plásticas ou gráficas. Essas criações são representadas por imagens, sejam elas metafóricas, puramente visuais, simulações – mas todas elas frutos do imaginário (RAHDE & CAUDURO, 2005, p.3). 119 Imagem e Imaginário dos Vilões Contemporâneos Mônica de Faria Sempre valorizando o caráter canônico das representações gráficas, as imagens modernas trazem um apelo racional ou emocional, dentro de seus cânones estéticos e de valores formalistas. “A pureza é um ideal, uma visão da condição que ainda precisa ser criada, ou da que precisa ser diligentemente protegida contra as disparidades genuínas ou imaginadas” (BAUMAN, 1998, p.13). A sociedade moderna sustenta-se no orgulho pela ordem e pela perfeição. Segundo Rahde e Cauduro (2005), algumas das imagens e/ou idéias privilegiadas na modernidade seguiam códigos e regras de determinadas escolas “utilizando-se de códigos mestres de construção e leitura imagísticas que excluíam visões divergentes ou não-canônicas” (RAHDE & CAUDURO, 2005, p.3). Exatamente por causa desses valores impostos à sociedade moderna, a imagem na modernidade era vista com certa desconfiança. Isso porque, com o advento das evoluções tecnológicas - o advento da fotografia e do cinema - a imagem começou a transformar-se incessantemente, acarretando na quebra, ou no desrespeito aos valores modernistas. Segundo Ruiz (2003): Na modernidade, estabeleceu-se uma estreita ligação moral entre o bem e a racionalidade. Algo é bom e verdadeiro se é racional. Sua verdade ou bondade dependem da argumentação lógica, da comprovação empírica e da utilidade tecnológica (RUIZ, 2003, p. 31). Porém, pode-se pensar que o termo modernidade está relacionado ao que é novo. Observando o que acontece popularmente, algo moderno é algo de ponta, atual, com certo status. “Trata-se, portanto, de um conceito 120 Imagem e Imaginário dos Vilões Contemporâneos Mônica de Faria associado quase sempre a um sentido positivo de mudança, transformação e progresso” (MARCONDES, 2004, p.139). Este pensamento, apesar de não teorizado na forma popular não é de todo equivocado, uma vez que a etimologia da palavra moderno corresponde ao instante, momento, agora mesmo, ou seja, o que está acontecendo, sendo então uma “divisão entre dois períodos” (MARCONDES, 2004, p. 140), neste caso, históricos. Assim, sendo moderno o que é novo, como poderia existir um pósmoderno? Lyotard (2009) evidencia que o pós-moderno não é um período, mas sim uma condição, um status da sociedade contemporânea que não é mais o que se considera moderno, pois já demonstra mudanças, um novo moderno depois do moderno: pós-moderno. Portanto, após a 2ª Grande Guerra ocorreram mudanças no pensamento moderno, inclusive no que se refere à imagem. Essas mudanças deram-se devido a novos questionamentos e à quebra de cânones ideológicos que sustentavam o momento anterior. Voltando a Teixeira-Coelho (2005), a Teoria da Relatividade de Einstein seria o primeiro “marco científico” da pósmodernidade, o que leva ao entendimento do pós-moderno à relativização, a possibilidade de ver as coisas de mais de uma maneira ao mesmo tempo, um entendimento descontínuo das coisas, valorização da representação. A condição pós-moderna, [...], é caracterizada pelo ceticismo cada vez maior dos intelectuais em relação à universalidade e totalização do conhecimento humano. Sua descrença em relação às grandes narrativas religiosas e doutrinas políticas redentoras, torna insustentáveis as utopias da modernidade sobre o progresso humano, nas ciências e nas artes, principalmente as construídas pelo pensamento racionalista nos últimos quatro séculos (RAHDE & CAUDURO, 2005, p.6). 121 Imagem e Imaginário dos Vilões Contemporâneos Mônica de Faria Segundo Harvey (1992), a pós-modernidade surge como uma “contravenção” à modernidade, como a necessidade de um novo pensamento, devido às grandes transformações culturais trazidas pela modernidade. A pósmodernidade seria a época na qual as idéias se chocam, misturam-se e acrescentam ou dividem, não tendo assim início, meio ou fim. Segundo Lyotard (2009, p.xv), a palavra “pós-moderno” designa “o estado da cultura após as transformações que afetaram as regras dos jogos das ciências, da literatura e das artes a partir do final do século XIX”, ou seja, para Lyotard (2009), a pósmodernidade está diretamente ligada às artes, portanto, também à imagem, trata-se de um movimento de eminência estética. Lyotard sugere ainda que: (...) a necessidade de afirmações perdeu o sentido, porque se o que é verdadeiro é apenas aquilo que pode ser provado, como se vai ter certeza se a prova apresentada é válida? Nessa dialética constante de provas que são contestadas por outras comprovações, percebese que nada é tão concreto quanto se possa parecer. E nada pode ser comprovado cientificamente sem que se levante uma posição oposta, abre-se lugar novamente no pensamento coletivo para as ideias, as hipóteses, apoiadas não só por aquilo que se pode mostrar, mas pelo que se pode imaginar (VERONEZI, 2010, p. 11). A imagem tem papel fundamental na condição pós-moderna, uma vez que as mídias e as novas tecnologias digitais são as principais difusoras destas. Assim, a imagem torna-se propulsora do imaginário contemporâneo, de uma maneira não mais canônica ou racional, mas subjetiva e hibrida, sem a racionalidade da era moderna. É fato que a imagem e seu entendimento mudaram através desta passagem, perdendo seu caráter aurático modificando seu imaginário e imaginários. As imagens fazem parte do cotidiano contemporâneo, e “dão mais graça ao dia a dia” (VERONEZI, 2010, p.11), tornando-se assim uma maneira de identificação e comunicação com o outro, 122 Imagem e Imaginário dos Vilões Contemporâneos Mônica de Faria um totem do fenômeno das tribos (MAFFESOLI, 2005). Eis a importância das mídias visuais – como os quadrinhos, cinema, games entre outros - como difusores de imagens e construtores de imaginários, afinal com o pluralismo do pós-moderno abrem-se portas para novas formas de representações, que são repletas de diferenciações visuais; os artistas, designers e comunicadores acabam valorizando o ecletismo e o hibridismo em seus repertórios, construindo imagens cheias de simbolismos, imperfeições, sujeiras, mistura de técnicas e subjetivismos, que deixam o mundo das representações visuais ainda mais plural. Figura 21 – Ray Gun de David Carson – exemplo de design pós-moderno Fonte: http://www.design21.com.br/blog/index.php/perfil-david-carson/, acesso em 23/03/2012 Ao pensar nas modificações culturais, científicas e imagéticas a partir de um pensamento da condição pós-moderna (após Teoria da Relatividade), observa-se que o próprio ritmo de mundo e expressão acelera 123 Imagem e Imaginário dos Vilões Contemporâneos Mônica de Faria exacerbadamente, tendo as novas mídias e tecnologias como aliadas. No século XX vêem-se inúmeras inovações tecnológicas – para o bem ou para o mal – como a bomba atômica, a televisão, a Internet, causando mudanças inclusive nas relações sociais, e como no caso da bomba atômica, trazendo um questionamento sobre a ideia moderna de progresso. Em termos culturais e econômicos também muito acontece: nazismo, guerra fria, corrida espacial e armamentista, Guerra do Vietnã, fim do socialismo soviético, queda do muro de Berlim, crise do petróleo e Guerra do Golfo, a volta do fundamentalismo religioso... Ao mesmo tempo que mudanças no panorama histórico transformam a sociedade pós-moderna do século XX e início do século XXI, abrindo portas para a globalização e mais tarde para a mundialização (CANCLINI, 2008), eventos culturais criam novas formas de expressão, fazendo com que a criatividade seja impulsionada pelos acelerados eventos e conflitos em voga. Essas manifestações vão desde a técnica com as imagens cinematográficas, a música e suas novas expressões, o CD, DVD, a televisão a cabo etc.; como a novas formas de consumo de imagens, como o Star System do cinema (MORIN,1989), a efemeridade da moda de alto consumo, a valorização e domínio da publicidade. Isso só vem a reforçar que a condição pós-moderna é centrada em valores imagéticos, sendo a polissemia dessas imagens construtoras dos pensamentos e socialidades contemporâneas (FISCHER in RAHDE, 2005). Na arte pode-se observar que as mudanças se dão com a quebra da ideia de reprodução, trazendo a subjetividade como propulsora das manifestações. Apesar de a reprodução do que se vê ser minimizada, o real e o cotidiano como temáticas surgem, fazendo relações com o antigo e a história: 124 Imagem e Imaginário dos Vilões Contemporâneos Mônica de Faria a releitura e a citação através da bricolagem dos elementos visuais. Essas novas visualizações também deram espaço ao uso das novas tecnologias no meio artístico, valorizando a experimentação de novos materiais no lugar dos tradicionais. Conforme Rahde (1999, p. 76): “[…] (os artistas) estavam mais preocupados em realizar mudanças no interior do universo gráfico/plástico do que na realização da obra de arte”. A computação gráfica, principalmente no cenário audiovisual e na Internet, surge como grande espaço para manifestações visuais, artísticas ou não, a partir dela há uma valorização da técnica para finalidades estéticas, como nos efeitos visuais cinematográficos, a manipulação para “melhoria” da imagem através de softwares gráficos etc. O emprego do computador estabelece uma nova relação com a imagem, revolucionando as artes e permitindo a exibição de formas imagísticas e imaginárias antes impossíveis de serem concebidas se não na imaginação e na fantasia (FISCHER in RAHDE, 2005). Figura 22 – O filme Avatar é um exemplo do uso das novas tecnologias do imaginário Fonte: http://cineinblog.atarde.uol.com.br/?tag=avatar, acesso 23/03/2012 125 Imagem e Imaginário dos Vilões Contemporâneos Mônica de Faria Essas mudanças acabam por acarretar em novas compreensões visuais, ou seja, em um novo alfabetismo visual (RAHDE, 1999), permitindo que o leitor/indivíduo tenha sua própria leitura e percepção das artes e das imagens, reforçando o caráter subjetivo destas. As construções simbólicas e estéticas se modificam e são atualizadas, permitindo assim, não somente novas visualidades, mas sim, novos simbolismos. O reflexo de uma imagem pode nos iludir com a referência do nosso próprio reflexo. Por essa razão, a imagem pode transmitir um semnúmero de reflexos, de significações diferenciadas, dependendo do ângulo prismático pelo qual a visão humana dirige sua atenção. As obras de arte não são espelhos, diz Gombrich (1986), mas, como espelhos, elas participam da ardilosa magia da transformação imagística, tornando as imagens simulacros de algo ausente, ou, como diz Maffesoli (1995), a sombra das coisas num movimento sem fim (RAHDE, 1999, p.79). Rahde e Cauduro (2005) afirmam que a polissemia das manifestações visuais pós-modernas são dignas de reflexão exatamente por explorar a complexidade da percepção do imaginário humano. Ou seja, a imagem torna- se fundamental na construção do imaginário e na relação do sujeito com o mundo. Os professores ainda corroboram que esta busca pela inovação na criação das imagens não obedecendo aos cânones anteriormente propostos leva a um desejo de liberdade (BAUMAN, 1998), uma necessidade de desligamento das regras. Conforme afirma Ruiz (2003): O imaginário não pode ser delimitado pela racionalidade. Esta se manifesta incapaz de reduzir a potencialidade criadora do imaginário a categorias lógicas ou a estruturas de pensamento. Pelo contrário, a própria racionalidade está impregnada pelo poder criador do imaginário. (...) Por sua vez, não podemos pensar o imaginário como uma força superior e independente da razão. O imaginário é pura potencialidade de renovar o sentido do já existente. Porém essa criação de sentido só pode expressar-se por meio do logos (RUIZ, 2003, p. 50-51). 126 Imagem e Imaginário dos Vilões Contemporâneos Mônica de Faria Sendo assim, o pensamento pós-moderno, suas imagens, éticas e discursos, tornam-se uma transformação da razão moderna sem abandoná-la. O pensamento moderno da racionalidade científica ainda é presente e corrente na condição pós-moderna, a modificação para um pensamento plural e subjetivo aliado à razão é lento e perpassa algumas áreas do âmbito acadêmico, tendo dificuldades em certas áreas das ciências. São exatamente as áreas sociais, humanas e das artes aquelas abertas a uma nova cientificidade, nas quais os métodos canonizados podem ser questionados. Segundo Rahde (2001), não se pode esquecer que as imagens modernas buscavam inovar, e além disso, continuar inovando, seguindo uma idéia progressista que levaria a uma evolução. “O novo tipo de beleza se baseava no característico, no interessante para que o criador desta beleza se tornasse um homem do seu tempo, um passo a frente da estética, como uma obrigação moral” (RAHDE, 2000, p.59). De acordo com Maffesoli: Com efeito, não se pode mais reduzir arte somente às grandes obras geralmente qualificadas de culturais. Toda a vida cotidiana pode ser considerada uma obra de arte. Em função, certamente, da massificação da cultura, mas também porque todas as situações e práticas minúsculas constituem a terra fértil sobre as quais crescem cultura e civilização (MAFFESOLI, 2005, p.12). Com o passar do tempo, fica claro que se torna impossível criar algo completamente novo, pois diariamente somos bombardeados por inúmeras e diferentes imagens que compõem e constroem imaginários. Então, na condição pós-moderna agregam-se vários estilos imagísticos, compondo hibridações de 127 Imagem e Imaginário dos Vilões Contemporâneos Mônica de Faria “técnicas gráfico/plásticas, revelando uma nova forma de comunicação iconográfica, perpassada por imaginários culturais” (RAHDE, 2001, p.1). Voltando a Lyotard (1998), e a ideia de que a pós-modernidade está ligada à dúvida quanto aos metarrelatos, entende-se que estes relatos no período moderno, se mantinham como verdade se estivessem dentro de uma razão lógica unânime. Assim, no pós-moderno essas verdades são questionadas, causando uma instabilidade da linguagem, que vem a fortificar o imaginário coletivo através do imponderável e da construção mítica. Portanto, “há uma tendência nas imagens pós-modernas de cultivar a ambigüidade, a polissemia, a indeterminação, o que vêm gerando uma outra concepção para os mitos contemporâneos” (RAHDE & CAUDURO, 2005, p.4). Então, a individualidade da razão científica tende a cair em relação à força subjetiva do grupo, como uma forma de comunhão, o estar junto de que fala Maffesoli (2005). O estar junto seria fator essencial na condição pós-moderna, movimentos tribais com foco no coletivo mostram esta ideia. Jogos, danças, raves, torcidas entre outras manifestações de ordem ritualística e sensível assumem importante papel na construção do pensamento social contemporâneo. As valorizações do corpo, a cultura do hedonismo, da orgia, colocam a imagem como propulsora do vínculo social. Tudo é construção. A organização social estática das instituições modernas de diluem nas manifestações populares há uma quebra no “dever ser”, que valora a animalidade humana, pura sensibilidade (MAFFESOLI, 2004). O termo indivíduo (...) já não parece aceitável. Pelo menos não em seu sentido estrito. Talvez conviesse falar, no que tange à pós- 128 Imagem e Imaginário dos Vilões Contemporâneos Mônica de Faria modernidade numa pessoa (“persona”) que desempenha diversos papeis no seio das tribos que adere. A identidade se fragiliza. As identificações múltiplas, ao contrário, multiplicam-se (MAFFESOLI, 2004 p. 26). A teatralidade trágica cria essas pessoas de Maffesoli (2004). Através do jogo da troca de máscaras os sujeitos criam duplos, tendo imagens e papéis diferentes em contextos diferentes, caras boas e más, a vida social não é mais ligada somente ao homem correto, o imperfeito, o impuro, o mal, o vilão, aparecem com o seu lugar social. O mal é valorizado em sua animalidade, o lado dionisíaco. É exatamente aí que está o trajeto antropológico de Durand (2002), a tensão entre o racional e sensível, entre o diurno e o noturno, que constrói o imaginário dos sujeitos. A partir deste vínculo sensível, a imagem, contrária a cultura iconoclasta moderna, ganha espaço como fator de emancipação em relação às instituições. Uma forma de valorizar as ideias do sensível, suplantadas outrora pela racionalidade. Ao mesmo tempo, a imagem passa à espetacularização uma vez que o excesso de informação visual apresentado pelas mídias contemporâneas ao mesmo tempo democratiza e banaliza a imagem. Televisão, cinema, revistas, jornais, celulares, Internet entre outros meios difundem profusões de imagens desordenadas sendo impossível acompanhar o ritmo das informações devido a sua efemeridade. A imagem torna-se onipresente, sendo ao mesmo tempo plural, híbrida e democrática, seu excesso acaba a vulgarizando, há imagens em todo o lugar, e a competição por um espaço gera a impossibilidade de compreensão. O que não foi visto hoje, não será mostrado amanhã, e o que é visto hoje, amanhã será suplantado por uma nova imagem, ou seja, a efemeridade do consumo – 129 Imagem e Imaginário dos Vilões Contemporâneos Mônica de Faria característica marcante dos tempos pós-modernos – torna as visualidades ao mesmo tempo inovadoras e obsoletas. Como sustenta Debord: “o espetáculo não é um conjunto de imagens, mas uma relação social entre pessoas, mediadas por imagens” (DEBORD, 2002, p.14). Já Maffesoli (2004) entende essa profusão de imagens como “o retorno da imagem negada” (2004, p. 30), que cria o (re) nascimento de um mundo imaginal, dominado pela sensibilidade das visualizações. Complementando com as palavras do autor: Imagem publicitária, imagem televisiva, imagem virtual. Nada está imune a ela. “imagem de marca” intelectual, religiosa, política, industrial, etc., tudo e todos devem dar-se a ver, colocar-se como espetáculo. Numa óptica weberiana, podemos dizer que é possível compreender o real a partir do irreal (ou daquilo que é tido como tal). Durante a modernidade, viu-se que o desenvolvimento tecnológico havia desencantado o mundo de forma duradoura. Podemos dizer que, no que concerne à pós-modernidade nascente, é a tecnologia que favorece um verdadeiro reencanto do mundo (MAFFESOLI, 2004, p. 30). O autor defende a noção de um (re) nascimento de um mundo imaginal, no qual o imaginário é ligado ao simbólico, à imagem, ao imaterial. O imaginal (MAFFESOLI, 2004) é o propulsor do vinculo social, do estar junto, mostrandose de maneira lúdica, mítica, virtual, onírica, que constrói o coletivo através dos valores sensíveis. A partir disso, podemos entender a imagem como libertadora e ditadora de ideias e ideias simultaneamente, podendo, portanto, ser boa ou má. O poder conferido às mídias na contemporaneidade contribui para esta situação, a comunicação através das redes sociais, a distribuição de conteúdos pela Internet faz com os meios audiovisuais de maneira geral, estejam em todos os 130 Imagem e Imaginário dos Vilões Contemporâneos Mônica de Faria lugares sendo influentes, potencias criativas e divulgadores de tendências. Na época da visualidade contemporânea a ética e a estética se confundem, a imagem promove entretenimento, divulga informações e serve, aliada à arte e o design, como promoção de novas ideias; simultaneamente a imagem é instrumento de persuasão, de determinação de tendências e comportamentos estéticos e sociais, de promoção do medo e do terror, a imagem também pode ser um mal. Como exemplo disso, o uso desenfreado de imagens nas mídias para anunciar catástrofes, mostrar violência, morte e destruição. Assim como a divulgação da moda, da beleza institucionalizada, o prazer estético. A própria arte, em um meio excessivo de difusão, por muitas vezes perde o sentido, a crise da arte contemporânea: a arte para artistas. Neste contexto complexo, o herói e o vilão também são modificados. Conforme Veronezi (2010), acerca dos quadrinhos: As diferenças da modernidade para a pós-modernidade no meio começam pelo princípio moral. Enquanto naquela o foco principal eram os heróis retos de caráter, nesta os personagens são mais humanos, com características boas e ruins, tal qual uma pessoa normal. Antes, as narrativas tinham um papel quase educativo, segundo o qual se deveria ensinar o que é bom e o que é mau. Agora, tem-se noção de não existe esse dualismo e que um personagem pode ter as duas características em seu comportamento (VERONEZI, 2010, p. 14-15). Na modernidade a racionalidade criava um herói justo e ético, defensor do ideal de pureza moderno, por sua vez, o vilão era aquele que fugia do status quo, era feio, perverso, egoísta e perseguia o poder, suas imagens mostravam essa impureza e imperfeição: cores escuras, imagens sujas e ruidosas. Como 131 Imagem e Imaginário dos Vilões Contemporâneos Mônica de Faria exemplo os clássicos quadrinhos do detetive Dick Tracy (Figura 23), de Chester Gould, que mostravam o detetive herói com traços limpos e claros, enquanto os vilões eram caricatos e deformados, deixando bem claro o imaginário das diferenças entre bem e mal. Figura 23 – Dick Tracy Fonte: http://voices.washingtonpost.com/comic-riffs/2011/01/dick_tracy_writer-artist_dick.html, acesso 23/03/2012 Já na contemporaneidade tanto o herói quanto o vilão modificam-se, o herói passa a ser duvidoso, com conflitos, muitas vezes egoísta, vaidoso e hedonista; e o vilão, apesar de ainda ser aquele que comete atos contrários à ética social vigente, pode ser belo, encantador e seus atos inclusive justificados. Como exemplo disso, o herói Han Solo – interpretado por Harrison Ford – na série cinematográfica Star Wars de George Lucas, que age segundo sua própria ética, e o vilão Darth Vader – interpretado por David Prowse –, que 132 Imagem e Imaginário dos Vilões Contemporâneos Mônica de Faria apesar de mal, é encantador, esteticamente interessante e, ao final, descobrese que seus atos maléficos são justificados e acaba, por fim, se redimindo. Ainda mais curioso deste exemplo, na trilogia mais nova desta série de filmes, o jovem e galante herói é Anakin Skywalker (Figura 24) – interpretado por Hayden Christensen –, personagem sabido pelo público que se tornará o vilão da história e, ainda assim, há um encantamento por este anti-herói. Os valores de bem e mal se transformam, como será comentado no próximo capítulo. Figura 24 – Anakin Skywalker Fonte: http://pt.starwars.wikia.com/wiki/Anakin_Skywalker, acesso em 23/03/2012 133 Imagem e Imaginário dos Vilões Contemporâneos Mônica de Faria 4. A IMAGEM DO VILÃO COMO REPRESENTAÇÃO DO MAL O vilão e sua imagem são criações ficcionais. Sendo um arquétipo de personagem, o vilão é aquele que representa o que é errado, injusto, controverso, que foge dos princípios morais e éticos, ou seja, o vilão, dentro de uma história de ficção, representa o mal. Neste capítulo se pretende apresentar a noção de mal e suas visualidades, passando primeiramente pelo entendimento daquilo que se considera ético e de fundamentação moral, virtudes as quais podem, ou não, carecer o mal e o vilão. Após esse momento se tentará compreender as relações das noções de mal e da figura do personagem vilão, para posteriormente, no próximo capítulo, dar início as análises dos personagens selecionados. 4.1 Noções de ética e moral e sua relação com o bem e o mal A ética é uma temática que vem sendo estudada pela filosofia, pelo direito e por outras áreas do conhecimento humano há muito tempo. A preocupação pela conduta do ser humano, seus pensamentos e ações tornamse relevantes desde o momento em que ele vive em sociedade, ou seja, a 134 Imagem e Imaginário dos Vilões Contemporâneos Mônica de Faria ética, assim como a moral, são necessárias para a convivência do sujeito humano com seus pares. Sendo assim, segundo Pegoraro (2010), a ética seria uma disciplina intrinsecamente humana “pois o homem pode ser passível de julgamento moral” (CAPPELARI, 2007). Ainda de acordo com Cappelari: Visto que a ética possui inúmeras interpretações, torna-se complexo definir o certo e o errado, o bem e o mal, de formas absolutas. A concepção de o que é moralmente aceitável varia conforme a cultura de cada lugar. As convicções filosóficas que abordam o tema também são múltiplas. A maior parte dos grandes pensadores da área em algum momento de sua obra trabalhou temas éticos (CAPPELARI, 2007, p.103). De acordo com Pegoraro (2010), ao longo da história a ética é pensada de duas grandes maneiras. Num primeiro momento, desde a Antiguidade, a ética é subjetivada e universalizada, abrangendo somente os seres humanos. Nessa fase, na filosofia grega, “a ética é a natureza humana que, por sua vez, se insere no cosmos também regido por leis naturais ou pelas divindades como a Justiça” (PEGORARO, 2010, p. 9). Aqui a ética é superior e inerente ao homem. Nesta mesma fase do pensamento ético, na época medieval cristã, os preceitos éticos ainda são subjetivos, porém regidos pela ideia da Divindade Criadora do universo e do homem, como superior a ele. A racionalidade grega e a fé cristã criaram um paradigma ético milenar que se consubstancia na matriz ternária formada pelo princípio ordenador, pelo modelo ético e pelos seres inteligentes que o praticam, para os gregos; e pelo princípio criador, modelo ético e criaturas humanas que o cumprem, para os cristãos (PEGORARO, 2010, p. 10). Observando a afirmação de Pegoraro (2010), percebe-se que o ser humano ético é num primeiro momento praticante de uma conduta e posteriormente cumpridor de um determinado modelo. E aqueles que não praticam e não cumprem? Estes seres, neste estudo, são entendidos como o 135 Imagem e Imaginário dos Vilões Contemporâneos Mônica de Faria início do entendimento do mal, do errado, do ilegítimo, podendo serem compreendisos, então, como os primeiros vilões, uma vez que são aqueles não cumpridores dos modelos morais sociais. Foi a partir de Sócrates que o homem se tornou o centro das reflexões filosóficas, porém foi o pensamento de Platão o de uma educação voltada para a justiça, uma ordem do Estado. Para Platão a justiça é algo superior ao homem, faz parte do cosmos, sendo assim um fundamento do universo (MARCONDES, 2004). Platão trata que “o princípio regulador dos comportamentos é a Ideia, sobretudo a Ideia do Bem” (PEGORARO, 2010, p.23), ou seja, ideias, valores e/ou comportamentos independentes são apenas opiniões dos homens, sendo o homem sincero e razoável aquele que procura a verdade, a justiça e o bem. Mas para procurar esta Ideia do Bem, o que Platão entende por bem, e o que é aquilo que fica fora dele? Para o pensador, o bem vem da clareza da moral do homem, que só existe uma vez fundada sobre conceitos puros. Para ele, então, o conceito de bem está ligado à ideia de justiça, e que esta acontece quando cada indivíduo na sociedade cumpre o seu papel: razão, paixão e apetite hierarquicamente ordenados (CAPPELARI, 2007). Esta moral e justiça correspondem às condições “de harmonia do interior da alma e da perfeita unificação das condutas do cidadão” (PEORARO, 2010, p. 24). Desta forma, no pensamento da Platão, o Bem é o princípio fundamental de tudo e do homem justo, e este bem só é alcançado com a felicidade, sendo esta não apenas a satisfação dos desejos corporais, mas, acima de tudo, a busca da sabedoria, “portanto a regra da felicidade é o Bem transcendente que mede nosso agir moral imanente” (PEGORARO, 2010, p. 28), a sabedoria é, portanto, a 136 Imagem e Imaginário dos Vilões Contemporâneos Mônica de Faria transcendência do bem, a maior das virtudes. Para Platão, só é feliz e virtuoso o homem que age conforme a noção de bem. O princípio supremo do universo é o Bem absoluto que, por analogia, é o Sol; isto é, o Bem na ordem inteligível e transcendente, o sol no mundo visível e imanente. É na luz do Bem que as essências das coisas são cognoscíveis pela inteligência, exatamente como as coisas terrestres só podem ser vistas e conhecidas à luz do sol; sem luz há trevas e nem podemos ver as coisas em sua materialidade física (PEGORARO, 2010, p. 25). Assim, pode-se inferir que a ausência da luz da sabedoria é a ausência do bem para Platão, sendo as trevas, a falta do conhecimento transcendental e da justiça aquilo que não é o bem, talvez se possa dizer, que a não busca pela sabedoria regulada pela virtude moral, seja um dos primeiros entendimentos da noção de mal. Para o pensador, o ser mau pode porventura tornar-se bom, mas o contrário não é viável, é virtude do homem bom ajudar o mau a seguir o caminho da justiça. Aristóteles (Ética a Nicômaco, Trad. Edson Bini, 2009), outro filósofo grego, por sua vez, não fundamenta a ética em princípios de fundamentos universais acima dos homens. Para o pensador a ética parte do natural, ela parte da própria biologia do ser humano enquanto ser social, então, para ele, o homem é social por natureza. Outra característica da ética de Aristóteles (2009) é que esta é finalista: “todas as escolhas e decisões humanas visam alcançar um fim, produzir o bem e chegar a uma meta” (PEGORARO, 2010, p. 37). Ou seja, a ética aristotélica é fundada na razão, esta estabiliza os impulsos biológicos para a convivência social. Aristóteles afirma a heteronomia da ética, o homem nasce ético, esta não é uma escolha, pois sendo um animal inteligente, todos os seus atos são escolhidos e decididos por alguma razão. 137 Imagem e Imaginário dos Vilões Contemporâneos Mônica de Faria Portanto, Aristóteles retira a ética e a moral do transcendental e a coloca no homem e no natural, enfatizando a natureza racional humana: toda a ação tem uma finalidade e é esta a ética dos homens; nunca esquecendo o fator social, o homem também é um ser político e vive em sociedade, então é esta razão que determina que as ações devem ser orientadas para um bem sóciopolítico. Dentre as finalidades das ações humanas, o pensador defende que é necessária uma hierarquia de bens e fins, nela “é preciso que haja um bem final que sintetize todos e que será o fim último e supremo. Este bem é a felicidade” (PEGORARO, 2010, p.41). É isso que dá origem à questão de se a felicidade é algo que possa ser aprendido adquirido através do treinamento, ou cultivado de alguma outra maneira, ou se é conferida por algum favor divino ou mesmo pela sorte. Ora, se qualquer coisa possuída pela humanidade é uma dádiva dos deuses, é razoável supor que a felicidade seja uma concessão divina – com efeito, de todas as posses humanas é a que maior probabilidade apresenta de ser, por quanto é a mais excelente de todas elas (ARISTÓTELES, 2009, § 9, p. 54). Para o pensador, a felicidade está ligada à uma função da alma, sendo que cada parte do ser cumpre funções exclusivas de si, sendo a função exclusiva do homem como todo não simplesmente o ato de viver, mas sim no exercício da mente, a atividade de raciocinar, “portanto a finalidade do homem é uma atividade racional, uma função da alma” (PEGORARO, 2010, p.42), e é nessa atividade que o homem encontra a felicidade. Ainda sobre a felicidade Aristóteles em sua Ética (2009) propõe seis temas/condições para que esta ocorra. O primeiro é a prática das virtudes, esta molda o caráter e os hábitos das pessoas, assim o homem pode educar seus instintos e elevar seus sentimentos. 138 Imagem e Imaginário dos Vilões Contemporâneos Mônica de Faria Outro tema é o da amizade, pelo qual o autor afirma que o indivíduo isolado, sem amigos e/ou família não pode ser feliz; além disso, o homem deve ter boa saúde, para assim contemplar de sua condição. A quarta condição seria a suficiência de bens materiais “mas só os indispensáveis para viver, pois o excesso de bens externos corrompe a mente” (PEGORARO, 2010, p. 45). Viver em uma sociedade justa seria também uma condição, pois o homem sendo naturalmente um ser social e político, esta se torna uma condição essencial para a felicidade. Por fim a meditação filosófica completa a lista de condições, sendo esta o nível supremo da felicidade, sendo alcançado por poucos. Porém “o cidadão ético e justo é feliz mesmo que não seja filósofo, pois a felicidade é um bem humano, uma aspiração de todos e não de uns poucos pensadores” (PEGORARO, 2010, p. 46). Ora, observando as condições da felicidade, entendendo-se a felicidade como o bem maior; para Aristóteles torna-se ponderável afirmar o que seria mau para o homem. O homem solitário, sem bens – ou com excessos -, que não goza de boa saúde, não considera viver em uma sociedade justa e, acima de tudo, não é virtuoso é um mal, pois este não pode encontrar a felicidade. Sendo dessas o gozo de boa saúde algo que nem sempre o homem pode escolher, as demais definem certas atitudes consideradas boas, ou de bem, criando critérios morais e éticos específicos que determinam o que é bom e o que é mal. É exatamente este poder de escolha racional e de prudência pertencente ao homem que o difere como espécie diante das outras, em outras palavras, para Aristóteles, o homem decide ser ético ou não. Platão e Aristóteles consideram a justiça como a virtude por excelência que cria harmonia e ordem na variedade do cosmos e também nas múltiplas funções que compõe o ser humano, como 139 Imagem e Imaginário dos Vilões Contemporâneos Mônica de Faria viver, sentir dor e prazer e pensar; é a virtude da ordem e da harmonia cósmica e humana (PEGORARO, 2010, p. 52). Portanto, a justiça, para Aristóteles (2009), é ordenadora, no sentido restrito da justiça política, buscando o bem comum a todos os homens. Aquele que consegue aplicar a justiça legal – feita para o bem e ordem social - aos homens é o bom legislador ético, assim como isso define o bom ou mau regime e o bom ou mau cidadão, trazendo um caráter lógico-racional e ordenador às noções morais e éticas. Em suma, a ética aristotélica, um pouco diferente da platônica, visa “formar o cidadão para a justiça e gerenciar o bem comum a todos os cidadãos, através de um governo intencionado nesta direção” (PEGORARO, 2010, p.57). Tendo, então como conseqüência, o bem viver social e a felicidade. Enquanto a ética clássica buscava na natureza e na racionalidade a fundamentação para a construção de um código moral para as sociedades, a ética medieval, por sua parte, procurava unir os preceitos estudados na Antigüidade às bases religiosas da doutrina católica. Os estudos na Idade Média ficaram conhecidos nas figuras de dois importantes pesquisadores do cristianismo, Agostinho de Hipona e Tomás de Aquino. Ambos eram religiosos diretamente ligados à Igreja Católica (CAPPELARI, 2007, p. 107-108). Dentre os filósofos do período medieval que comentam a questão ética, pode-se destacar Agostinho que, por sua vez, não escreveu nenhum trabalho específico sobre o assunto, porém seus escritos têm forte apelo moral (PEGORARO, 2010). Sendo influenciado por Platão, o pensador discorre que Deus é o grande bem e a origem da felicidade, sendo assim, as virtudes humanas devem estar espelhadas em Sua imagem. Assim, alguém só é feliz ao buscar Deus, e a felicidade está nos “bens eternos e metafísicos, a parte material deve apenas ser usada, mas não desfrutada” (CAPPELARI, 2007, p.108). 140 Imagem e Imaginário dos Vilões Contemporâneos Mônica de Faria A moral de Agostinho é baseada na ideia de que Deus, como a entidade perfeita, criou tudo o que é bom e belo, e em suas criações estão as mais puras virtudes, porém, ao criar o homem e os dotá-los de livre escolha, a humanidade trouxe o mal ao mundo, desorientando-se da virtude divina. “Assim, a natureza se tornou hostil ao ser humano e ele, ao invés de buscar o bem espiritual, passou a buscar a felicidade nos prazeres físicos ficando assim cada vez mais distante da verdadeira felicidade, que está em Deus” (CAPPELARI, 2007, p. 108). Segundo Agostinho, portanto, o mal seria o desvio da virtude divina. Já Tomás de Aquino, outro pensador medieval, reinterpreta a moral aristotélica. Aquino defendia a ideia de que cada ser tem uma função, uma ordem natural, e a moral está relacionada ao cumprimento desta ordem. Assim, os homens, dotados de racionalidade, têm o dever de cumprir esta ordem, não podendo então ceder às necessidades carnais, mas colocar sua racionalidade acima desta condição, diferente dos demais animais que por serem irracionais não precisam agir conforme o dever divino. “Em suas ações, o homem deve fazer o bem e evitar o mal, pois o homem provém de Deus e um dia retornará para o seu julgamento” (CAPPELARI, 2007, p. 109). Portanto agir conforme a moral é o mesmo que louvar à Deus, buscando assim a justiça e tratando seus semelhantes de forma digna. A ética medieval fundou a perspectiva moral em Deus. Para ser moralmente correto, o homem deveria seguir as leis divinas e tentar se aproximar ao máximo do exemplo de perfeição dado pelo Divino. As transformações do mundo com o fim da Idade Média provocadas pelas Reformas Protestantes, pelo movimento da Renascença e pelo Iluminismo, diminuíram a força da ética religiosa e instituíram a ética racionalista (CAPPELARI, 2007, p. 109). 141 Imagem e Imaginário dos Vilões Contemporâneos Mônica de Faria Ainda nesta fase subjetivada da ética, pode-se compreender o pensamento racional moderno, transformado pelo iluminismo conforme descrito anteriormente. Agora, não mais regida pela natureza nem mais pela divindade, a ética e a moralidade humanas são racionalizadas, sendo então a razão o único fundamento ético ela se torna autônoma, imposta por si mesma. “Kant é o grande teórico desta ruptura e do novo momento originário da ética: a boa vontade e a razão prática fundam o imperativo categórico, a norma da moralidade: é a máxima subjetivação da ética” (PEGORARO, 2010, p. 10). Assim, nestes três momentos a ética discorre a partir da consciência humana, seja por uma visão cósmica, divina ou de lei racional. Kant, então, define suas leis da moralidade a partir do Imperativo Categórico11, defendendo que as regras do agir humano não são possíveis de serem encontradas na natureza tampouco no ambiente vivido. O pensador define que o pensamento moral seria um conhecimento a priori (KANT, Crítica da Razão Pura, Trad. Alex Martins, 2002), tratando-se de uma “maneira pura de se pensar um objeto, não influenciada por nenhuma sensação ou experiência prévia. É algo que para saber o ser humano não necessita ter vivenciado, mas conhecer as conseqüências” (CAPPELARI, 2007, p. 110). Tratando-se a moral por algo puro, para Kant, todo homem pode ter consciência de seus atos, assim devendo questionar-se antes de executar determinada ação a fim de saber se esta é universalmente aceita, dentro das 11 O imperativo categórico, fundamental na filosofia de Kant, trata-se de um dever dos homens em agir conforme os princípios a priori, ou seja, que todos os seres humanos sigam, próprios da natureza humana, uma lei universal. 142 Imagem e Imaginário dos Vilões Contemporâneos Mônica de Faria leis morais organizadas pelo próprio homem racional, sendo assim o ato ser bom ou mal depende da intencionalidade racional do ser humano. E, ao mesmo tempo, sendo o homem o regente das suas próprias leis, ele não está mais à mercê das leis divinas, tendo então autonomia de vontade, o “homem só é livre porque se submete a uma lei de que é o próprio autor” (CAPPELARI, 2007, p. 111). Ainda para o pensador, de acordo com Cappelari: As leis dadas através desta fórmula [imperativo categórico] são, para o filósofo alemão, eternas e imutáveis. Outro ponto que o autor manifesta em seus escritos acerca da ética é que, para ser moralmente bom, um ato deve ocorrer por dever e não conforme o dever. Exemplificando, seria moralmente correto salvar um desconhecido que se acidenta apenas porque aprioristicamente o sujeito vê isso como o mais certo, mas quem salva o outro pensando nas glórias que irá ganhar ou que fica pensando no mérito de sua ação não comete uma ação de valor moral (CAPPELARI, 2007, p. 111). Assim, as noções de bem e mal para Kant se fundamentam na moral, porém não são essas noções que fundam a moral. O pensamento de bem e mal surge como o modo de agir e pensar do ser humano a priori em relação às leis morais estabelecidas. A segunda fase do pensamento ético apresentado por Pegoraro (2010) é centrada na objetividade, e não mais baseada em valores metafísicos, teológicos ou sequer moralistas no sentido do cumprimento do dever pelo dever. A ética contemporânea vai se sustentar através de diversos paradigmas, permitindo uma pluralidade da noção de ética de acordo com seus fins, o que é, conforme visto anteriormente, característico do pensamento na condição pós-moderna. 143 Imagem e Imaginário dos Vilões Contemporâneos Mônica de Faria Um pensador considerado de uma transição do pensamento moral para um entendimento contemporâneo é Friedrich Nietzsche. O filósofo alemão defende que a ideia de bom e mal se transmuta através do tempo, sendo inicialmente bom algo de certa ordem social, ligado à aristocracia, sabedoria e força, sendo o mal o fraco, o doente, o servo. Para o autor, a moral aristocrata baseia-se na afirmação do eu, a valorização de sua própria força, beleza e sabedoria, enquanto a moral escrava se firma no ressentimento em relação à nobreza, transformando o que era considerado ruim em virtude. A transmutação se dá a partir do momento que o fraco observa que em grupo pode ter poder para enfrentar o forte, modificando o pensamento do que é moralmente correto através da criação de um sentimento de culpa do aristocrata em relação ao servo: A rebelião escrava na moral começa quando o próprio ressentimento se torna criador e gera valores: o ressentimento dos seres aos quais é negada a verdadeira reação, a dos atos, e que apenas por uma vingança imaginária obtêm reparação. Enquanto toda a moral nobre nasce de um triunfante Sim a si mesma, já de início a moral escrava dia Não a um “fora”, um “outro”, um “não-eu” – e este Não é seu ato criador. Essa inversão do olhar que estabelece valores – este necessário dirigir-se para fora, em vez de voltar-se para si – é algo próprio do ressentimento: a moral escrava sempre requer para nascer, um mundo oposto e exterior, para poder agir em absoluto – sua ação é no fundo reção (NIETSZCHE, Genealogia da Moral, Trad. Paulo Cezar de Souza, 2010, p.28-29). Assim observa-se que para Nietzsche (2010) a moral de sua época é baseada no ressentimento dos – para o pensador – fracos em relação aos fortes, o que por sua vez, pode-se inferir, causa ressentimento no próprio autor uma vez que as forças dominantes construtoras da moral e da determinação ética mudam as relações sociais de poder nas quais ele estava inserido. Assim, observando as ideias do autor, percebe-se que a moral está ligada às 144 Imagem e Imaginário dos Vilões Contemporâneos Mônica de Faria circunstancias sociais contextuais regidas por um discurso dominante, seja essa dominância aristocrata ou oriunda da manifestação popular coletiva. O pensamento de Nietzsche (2010) abriu portas para diversos novos paradigmas éticos contemporâneos. Dentre eles pode-se citar, por exemplo, o de uma ética discursiva, que se afasta dos conteúdos morais – fazer o bem, praticar virtudes etc. – e busca uma maneira dialógica de construir uma maneira de validar as normas éticas através do discurso dos interessados. O diálogo será determinante da definição ética, relativizando assim o que é considerado ético, de certa forma correto, de acordo com a conveniência ou perspectiva moral da situação. (...) a ética discursiva visa estabelecer o princípio da universalização, vazio de conteúdo; nada prescreve; expressa apenas uma exigência: a exigência de que a norma ética deve já ser aceita por todos os participantes do debate ético (PEGORARO, 2010, p. 11). Outros paradigmas éticos podem ser o do consenso, que parte do princípio que as normas éticas são aquelas que expressam a vontade de todos, excluindo individualismos e valorizando uma universalidade – exatamente a forma criticada por Nietzsche –; e a ética da reciprocidade, estabelecida, ao contrário da anterior, pela relação objetiva entre duas pessoas, buscando uma convivência digna. Qualquer um dos paradigmas citados parte de um pressuposto de relativismo, ou seja, de uma ética criada para um bem definido em um determinado momento. O que se pode perceber da ética contemporânea até então, é que a relativização do que é moralmente aceito também permite a relativização daquilo que não é, trazendo então várias possíveis leituras daquilo que, posteriormente, será chamado de mal. 145 Imagem e Imaginário dos Vilões Contemporâneos Mônica de Faria Pegoraro (2010) ainda comenta sobre uma ética de justiça, essa, apesar de consensual, uma vez que é estabelecida pelas leis dos homens, determina valores mais rígidos: age eticamente aquele que cumpre a lei. Aqui, mesmo sendo objetiva, o sujeito cumpridor volta, sendo sua razão necessária para o julgamento de suas ações perante as leis pré-determinadas. Por fim, outro paradigma ético seria a do utilitarismo: O utilitarismo quer ser uma ciência humana que dirige a produção das coisas úteis em benefício do maior número de indivíduos. Visa, portanto, a construção de uma ética puramente objetiva, científica; seu princípio básico é produzir o maior bem-estar possível para o maior numero de pessoas; tudo o que beneficia as pessoas é ético e tudo o que as prejudica é aético (PEGORARO, 2010, p. 13). Apesar de, para Pegoraro (2010), a ética da justiça e a do utilitarismo serem pensamentos contemporâneos, percebe-se que ainda estão ligadas a uma razão moderna seja através do cumprimento da lei, o que por si só, exige uma postura de aceitação de uma razão que sobrepõe à vontade; ou seja através da ideia de um bem maior comum a um maior número de pessoas, pensando em uma ética para todos não permitindo a valorização das individualidades. 4.2 Abordagens sobre as noções de mal Conforme visto, as noções e pensamentos sobre a moral e a ética são fundamentais para a compreensão do que se entende por mal, porém este não se limita à não-ética ou à imoralidade. Como comentado na introdução deste texto, Ullmann (2005), através de uma abordagem de ponto de vista teológico, 146 Imagem e Imaginário dos Vilões Contemporâneos Mônica de Faria discorre algumas qualidades que são conferidas à ideia de mal, sendo este uma propriedade negativa dos seres, uma falha de caráter ou da alma podendo ser físico – aquele que agride fisicamente alguém ou algum ser propositalmente a fim de causar sofrimento -; moral - ou imoral, sendo aquele de rompe com os paradigmas éticos e morais estabelecidos, prejudicando um terceiro ou a si mesmo, este é diretamente relacionado à discussão recém exposta -; ou metafísico – o mal por ele mesmo, um mal natural e original, de certa maneira espiritual, inerente ao ser maléfico. Além disso para o autor o mal é uma privação ou negação do bem, sendo assim o bem necessitando do mal para sua existência e vice-versa. Acordando com o que escreve Ullmann (2005) e com todo o pensamento ético/moral apresentados, serão ampliadas agora as discussões sobre o entendimento de mal através de, principalmente, dois autores: Paul Ricoeur e Michel Maffesoli. O primeiro trata a questão a partir de um viés mais filosófico-teológico, enquanto o segundo sociológico e contemporâneo. De nenhuma maneira se pretende aqui buscar um conceito ou definição do que é o mal, mas sim estabelecer reflexões a fim de que noções possam ser construídas sobre o tema, importante para a compreensão do vilão enquanto personagem que representa o mal e a sua imagem. Apesar de não ser possível desvincular noções de mal e seu entendimento de uma visão teológica, reitera-se que este estudo não tem bases na fé, mas sim da afirmação desta e do pensamento religioso de maneira geral como fundamentais na construção do pensamento social histórico ocidental. Sendo assim, é impossível tratar do mal, mesmo que sob um ponto de vista moral, sem compreender sua existência na cultura judaico- 147 Imagem e Imaginário dos Vilões Contemporâneos Mônica de Faria cristã, uma vez que o próprio pensamento ético e moral, assim como o do mal, foi consolidado neste âmbito social, começando, conforme visto, na antiguidade e desenrolando por muitas vezes a partir do pensamento religioso fundamental para as estruturas sociais contemporâneas. Em sua abordagem, Ricoeur (2007) pensa o entendimento de mal a partir do questionamento de três proposições: “Deus é todo poderoso, Deus é absolutamente bom, ainda assim o mal existe?12” (RICOEUR, 2007, p.33). Para o autor, essas afirmações, a princípio verossímeis, tratam a condição do mal como algo contraditório, uma vez que como Deus, bom e todo poderoso, pode permitir a existência do mal? Portanto, de maneira lógica, pode-se constatar que apenas duas dessas proposições são relacionáveis, e a terceira torna-se problemática. Este pensamento, baseado nas três afirmações, só pode existir – e existem – em um âmbito “onto-teológico” (RICOEUR, 2007), uma vez que pressupõe uma questão de fé, ou seja, um pensamento baseado em crenças que vão além do pensamento lógico-racional, sendo uma ponderação metafísica. Para tanto, a princípio, o entendimento da existência do mal é da competência da crença, através de uma justificativa para o seu existir. Essa justificativa pode ser suportada com as ideias apresentadas de Kant, uma vez que para o pensador as ações boas ou más partem do livre-arbítrio e da intencionalidade do sujeito que as faz. Neste raciocínio, a liberdade de executar ações que o homem possui foi dada por Deus, assim, sendo possível a existência do mal. 12 Livre tradução da autora. No original: “God is all-powerful, God is absolutely good, yet evil exists?”. 148 Imagem e Imaginário dos Vilões Contemporâneos Mônica de Faria Ainda de acordo com Ricoeur (2007), a existência do mal para a sociedade judaico-cristã ocidental está calcada no tratamento de sofrimento e morte sob as mesmas condições, “pode-se até mesmo ser dito que é nesta medida que o sofrimento é sempre tomado como um termo de referência que a questão do mal difere da do pecado e da culpa”13 (RICOEUR, 2007, p.35). Traz-se então uma diferenciação entre o mal realizado e o mal sofrido, baseados exatamente no pecado e na culpa. O pecado pode ser entendido como o mal moral judaico-cristão, é aquilo que faz a ação humana objeto de imputação, acusação e repreensão (RICOEUR, 2007). A imputação sendo a atribuição uma avaliação moral à determinada ação, ou seja, a possibilidade de julgar moralmente, sob os princípios ético-morais vigentes, a atitude de um ser. A acusação é a sentença de que a ação é moralmente má, que viola eticamente o código dominante na sociedade. Por fim, a repreensão é a condenação atribuída ao pecador, sendo o ser responsável pela ação considerado culpado e merecedor de punição. É neste momento, em que o mal moral interfere no sofrimento, uma vez que a punição é um sofrimento infligido. Ora, então aqui, o que é considerado moralmente correto também é responsável pelo exercício de uma ação maligna, é entendido como postura correta causar sofrimento a outro – praticar o mal – se o outro estiver sendo punido por seus maus atos. Então o mal, de certa forma, está sempre presente no ser humano, seja como ação inicial ou como ação punidora. 13 Livre tradução da autora. No original: “It can even be said that it is to the degree that suffering is constantly taken as a term of reference that the question of evil differs of that of sin and guilt”. 149 Imagem e Imaginário dos Vilões Contemporâneos Mônica de Faria Assim, entende-se o pecado como o mal realizado, e o sofrimento como o mal sofrido, o mal moral centrado num agente exterior, algo que não se escolhe fazer porém se é afetado por ele. O sofrimento então pode ser uma condenação, dor ou doença física ou mental, aflição pelo sofrimento ou morte de alguém querido etc. Enquanto a acusação denota um desvio moral, o mal do sofrimento é uma situação não agradável, algo que tira determinado prazer do ser, causando uma situação de desconforto. Já a culpa por si só é considerada um sofrimento, o sentimento de que se fez algum mal transformado no pesar da consciência de este mal ter sido realizado. Ainda assim “a principal causa de sofrimento é a violência infligida por uma pessoa a outra: fazer o mal é de fato sempre fazer algo errado a outro, fazendo com que o outro sofra, seja diretamente ou indiretamente” 14(RICOEUR, 2007, p.37). Percebe-se que as explicações de Ricoeur (2007) sobre o sofrimento e o pecado vão ao encontro às de Ullmann (2005) sobre o mal físico e moral, reforçando os entendimentos destas noções. Então, aqui observa-se mais uma vez que a noção de mal está diretamente ligada ao entendimento moral, e novamente enfatiza-se que o vilão, enquanto personagem fictício representativo do mal, será aquele que, indo contra os princípios morais, cometerá o pecado e causará a violência do sofrimento a outro, na maioria das vezes, com a intenção de fazê-lo. Mas, ainda assim, de onde vem esse mal? Essa intenção de quebrar com a conduta moral e causar mal a outros? Ricoeur (2007) afirma que existem 14 Livre tradução da autora. No original “(...) principal cause of suffering is the violence inflicted by one person to another: doing evil is in fact always doing wrong to another, making another suffer, whether directly or indirectly.” 150 Imagem e Imaginário dos Vilões Contemporâneos Mônica de Faria alguns níveis de discursos que especulam sobre o mal, sendo o primeiro deles o nível do mito, muito pertinente para o entendimento do vilão como personagem maligno. Os símbolos e mitos perpassam o entendimento de mal, segundo Ricoeur: Em primeiro lugar, do lado do mal moral, a incriminação de um agente responsável isola a mais clara zona da experiência da culpa de um antecedente sombrio. Em profundidade, este abriga o sentimento de ter sido seduzido por forças superiores que o mito não tem problemas em demonizar. Ao fazê-lo, o mito é apenas expressar o sentimento de pertença a uma história do mal, que já está sempre lá para todos15 (RICOEUR, 2007, p.38). É conferido ao mito o poder de elucidar tanto o lado luminoso quanto o obscuro da humanidade. O mito incorpora fragmentos do mal em suas narrativas desde cosmologias e de surgimento do mundo até contos de feitos e histórias. Assim, o entendimento mítico que o mal pode ser uma força superior existente, algo que simplesmente é, gera a tão popular ideia dualista de bem e mal num confronto de forças maiores, no qual a humanidade toma sua parte. Desta maneira o mito do mal é utilizado pelas formas religiosas como questão ideológica, criando um adversário a ser combatido: um vilão. O mito também traz em si a questão do simbólico, o que por si cria para o mal um imaginário mítico próprio (RUIZ, 2003). A ideia de mal torna-se um símbolo de caráter mítico-mágico daquilo que é contrário à ideia de bem, seja em um ambiente sócio-cultural generalizado ou religioso. Esse estado mítico- 15 Livre tradução da autora. No original: “First, from the side of moral evil, the incrimination of a responsable agent isolates the clearest zone of the experience of guilt from a shadowy background. In depht, this harbours the feeling of having been seduced by superior forces which myth has no trouble in demonizing. In so doing, myth is only expressing the sense of belonging to a history of evil, which is always already there to everyone.” 151 Imagem e Imaginário dos Vilões Contemporâneos Mônica de Faria mágico “adquire um certo caráter de absoluto. Ele não se restringe a um aspecto ou signo, mas se expande sobre tudo e invade todas as relações” (RUIZ, 2003, p. 112). Ou seja, independente da situação sócio-cultural, existe um entendimento mítico de mal, além da racionalidade da moralidade, isso se dá, segundo Ruiz (2003), por se estabelecer uma relação hermenêutica com o mundo, uma necessidade interpretativa do sentido das coisas para assim agir ou inferir com certa intencionalidade, no caso desta discussão, boa ou má. O caráter mítico precede com tanta evidência que, na visão judaicocristã, o mal se apresenta como uma força contra a qual os homens têm dificuldade de enfrentar. As forças malignas ou demoníacas exigem da fé humana uma luta constante, pois existe sempre a possibilidade de a fraqueza do ser humano ceder à tentação do mal e executar ações de desvio moral, sendo árdua a jornada para uma conduta de bem. Porém esse pensamento mítico-mágico do mal acaba por gerar uma não racionalidade sobre a questão, permanecendo num campo holístico. Uma pressão quase compulsiva do mítico-mágico sobre o entorno anulava qualquer distanciamento crítico da pessoa sobre a representação que tinha do mundo. Imagem e realidade se fusionavam numa confusão indecifrável entre o criador e a obra; isto provocava uma indefinição da subjetividade e da alteridade (RUIZ, 2003, p. 113). Assim, o entendimento do mal vai extrapolando o campo do mito, da existência mágica e além de explicações lógicas, para uma objetividade racional, entendido pelo mal metafísico de Ullmann (2005). O imaginário do mal se modifica juntamente com o questionamento do mito, no que concordam Ricoeur (2007) e Ruiz (2003). Mesmo no âmbito religioso, buscam-se explicações para as estruturas teológicas. 152 Imagem e Imaginário dos Vilões Contemporâneos Mônica de Faria A visão mítico-mágica ficou durante milênios aparentemente estagnada, mas de modo imperceptível o imaginário foi retrabalhando o conjunto das produções humanas, provocando um maior desenvolvimento lógico do simbolismo.(...) É o momento das religiões estruturadas como crenças explicativas do mundo. Nelas a argumentação, a coerência de sentido, a explicação convincente substituem o impulso compulsório da sensibilidade mágica (RUIZ, 2003, p. 116-117). Mesmo na questão do mal ligado à religião, a existência deste necessita de explicações. Ricoeur (2007) afirma isso com máximas entendidas até os dias de hoje, como a de que o sofrimento existe como punição de um pecado individual ou coletivo, conhecido ou desconhecido. Ainda que carecendo de certa lógica científica, existe a intenção de racionalizar a existência de algo que é ruim e prejudicial, colocando ainda a culpa num caráter mítico voltado ao mundano. Ricoeur (2007) culmina sua discussão sobre o mal no que se refere à conduta humana na tríade pensando, agindo e sentido – thinking, acting, feeling (RICOEUR, 2007, p.64). A primeira parte – pensando – centra-se na ideia do porque, um desafio para manter-se no código moral mesmo que questionando suas intencionalidades. O pensar torna-se um desafio exatamente pela questão da intenção: o que é considerado mal para um pode ser bom para outro e vice-versa. Assim o pensar ou deixar de pensar está no início da atitude maligna. O agindo refere-se à decisão de fazer ou não o mal, de infligir sofrimento a outro ou não. O centro desta questão está em lutar contra os impulsos e motivos que levam à ação maligna, sempre partindo do princípio que anteriormente se pensou sobre a ação, em uma conduta racional sobre o código moral afinal: “fazer o mal é fazer alguém sofrer. Violência nunca cessa 153 Imagem e Imaginário dos Vilões Contemporâneos Mônica de Faria de restaurar a unidade entre o mal moral e o sofrimento”16 (RICOEUR, 2007, p. 66). Finalmente sentindo poderá remeter a duas possibilidades. A primeira seria a culpa ou lamentação, o sentimento de quem pensou e agiu mal e, agora, sofre o pesar e a punição pelos seus atos. A segunda limita-se ao sofrimento por sua pena, porém nem sempre com o remorso da culpa. Essas possibilidades, obviamente, partem do princípio de um “triunfo do bem”, no qual o ser responsável pelos atos malignos sofrerá sua pena. Assim pode-se ainda pensar que existe uma outra possibilidade não prevista por Ricoeur (2007), a de realização, se o malfeitor se beneficiar com seus atos e não sofrer nenhuma penalização por eles, sendo então um “triunfo do mal”. Nunca se dirá o suficiente a respeito de quanto a separação divina entre trevas e luz marcou profundamente a consciência ocidental. Toda a temática da emancipação moderna repousa nesta separação. (...) É a partir deste corte radical que se elabora o conflito metafísico entre o bem e o mal. Para o cristianismo, religioso ou laico, não existe mais equilíbrio entre essas duas entidades. Na teoria agostiniana, o mal não tem realidade em si, não passando de uma “privação do bem” (privatio boni) (MAFFESOLI, 2004, p. 40). Em uma visão menos dualista que a de Ricoeur (2007) – que como visto tenta explicar o mal a partir da lógica judaico-cristã –, Maffesoli (2004) critica a negação do mal a partir de uma referência de “violência do bem”. Segundo o pensador, ao dividir a questão moral entre bem e mal, emprega-se uma ditadura moralista, perigosa, uma lei do que se “deve ser”, não abrindo possibilidades para outros pensamentos. Este moralismo do bem se torna perigoso uma vez que a partir dele se criam verdades absolutas negando as polissemias dos valores culturais. O “bem”, entendido como a grande justificativa da moral judaico-cristã abriu 16 Livre tradução da autora. No original: “To do evil is to make someone else suffer. Violence never ceases to restore the unity between moral evil and suffering”. 154 Imagem e Imaginário dos Vilões Contemporâneos Mônica de Faria precedentes para atrocidades e imposições de pensamento como, por exemplo, a Inquisição. Entendendo desta forma, o mal é praticado de forma indiscriminada com a finalidade do bem, o que não deixa de ser paradoxal. Assim, questiona-se: o bem para quem? O autoritarismo do bem decretado gera então a violência e a punição do mal, de acordo com o as ideias de Ricoeur (2007) se inflige sofrimento a outro: faz-se o pecado, faz-se o mal em nome do bem. É em nome do bem que “se decreta o que deve ser vivido e pensado, como se deve viver e pensar, e que se declara tabu esta maneira de viver ou aquele objeto de análise” (MAFFESOLI, 2004, p. 12). Neste raciocínio a crítica de Maffesoli (2004) é contra a dualidade e a negação do mal, um não existe sem o outro. A ditadura do bem se torna mal. Na contemporaneidade se enxerga a quebra desta dualidade, o retorno do mal. A mudança do pensamento moderno para uma condição pós-moderna exigiu certa mobilidade das categorias dos estatutos sociais – classes, família, escola, política etc. – assim modificando também a maneira de relacionar-se com os códigos morais. Antes o trabalho supervalorizado, era o grande objetivo do indivíduo, que se reduzia à produção e geração de capital objetivando uma produtividade cada vez maior. O tempo passa e o sujeito vê a necessidade de fuga do status quo, buscando brechas na moralidade. “No pós-moderno, Deus e o Diabo não estão mais no além mundo, estão no cerne do homem enquanto faces de sua personalidade” (CAPPELARI, 2007, p. 233). O que Maffesoli (2004) chama de uma “mística da violência” nada mais é que a aceitação do mal, da imoralidade, como parte da vida: o hedonismo, o excesso, a loucura... uma comunhão entre vida e morte. “Aí estão o excesso, o 155 Imagem e Imaginário dos Vilões Contemporâneos Mônica de Faria demonismo e as variadas efervescências de diferentes ordens, afirmando que Dionísio é efetivamente o „rei clandestino‟” (MAFFESOLI, 2004, p. 16). Não se consegue mais limitar-se a uma vida reta extremamente racionalista e de abstenção, torna-se necessária a construção de valores maleáveis e mais ricos capazes de pensamentos polissêmicos. Constata-se uma volta do mal com toda a força. Refiro-me à face obscura de nossa natureza. Aquela mesma que a cultura pode em parte domesticar, mas que continua a animar nossos desejos, nossos medos, nossos sentimentos, sem suma, todos os afetos. Esta volta com toda força talvez seja aquilo mesmo a que nos referimos há algumas décadas, de maneira bastante incerta, como “a crise”. Fantasma que assombra a consciência dos dirigentes da sociedade, e que nada mais faz além de expressar o que eles haviam negado, mas que continuava existindo naquela memória imemorial que é o inconsciente coletivo (MAFFESOLI, 2004, p. 29). Reconhecer a imperfeição é aceitar o retorno do mal. Porém isso não significa dizer que busca agir com o mal, este ainda é uma força a se lutar contra muitas vezes. De um lado temos o pecado, o qual se pode evitar e agir sobre ele, de outro lado tem-se aquilo que nem sempre se pode evitar como a doença, a poluição etc. Ainda que se aceite o mal, não se nega o bem, não se procura fazer sofrer, mas sim a liberação de amarras morais e sociais, a subversão de valores. A desilusão com o rumo do progresso e da ordem da modernidade, leva ao pensamento hedonista contemporâneo. “As pessoas não se preocupam mais com o amanhã, mas sim com o hoje, com que se pode fazer aqui e agora” (CAPPELARI, 2007, p. 234). O medo generalizado da violência urbana faz com que se aproveite o agora cada vez mais, gerando o consumismo exacerbado, a efervescência da sexualidade, a busca do prazer e do lazer. “O homem pós- moderno quer fazer o máximo no menor tempo possível, sem muita 156 Imagem e Imaginário dos Vilões Contemporâneos Mônica de Faria intensidade, mas com grande variedade” (CAPPELARI, 2007, p.234). Os limites tornam-se menos definidos, sendo mais fácil quebrá-los, criando a explosão das formas sensíveis. Volta a sabedoria popular, o universo mítico-mágico (RUIZ, 2003), entrega-se ao trágico. Assim mostram-se o forte retorno do aspecto religioso, do fanatismo, das conjunções, das festas e festivais, lugares para extravasar a tensão do mundo racional e libertar-se do cárcere dos bons costumes. Os próprios meios de comunicação dos quais surgem os vilões a serem analisados neste trabalho – histórias em quadrinhos, cinema e games – são, por muitas vezes, condenados à corrupção dos valores sociais, porém estes são formas de entretenimento, formas de abraçar o trágico e deixar-se afetar dentro de uma sociedade ordenada. Por muitas vezes julgados culpados por deturpações morais ou quaisquer outros tipos de má conduta de seus espectadores ou usuários, os meios de entretenimento, defende-se aqui, tornam-se na realidade necessários para a catarse social e bem viver. Seja como formas libertadoras de arte, críticas às estruturas ou até mesmo entretenimento descomprometido, é do indivíduo a responsabilidade pelo seu agir, por entregar-se à tentação do pecado ou não. Empiricamente, o diabo, em suas diversas manifestações cotidianas, através de suas expressões no trágico corrente, tem uma existência real. Os efeitos de sua ação são inegáveis. Embora só o indique aqui de forma alusiva, os contos e lendas que nutrem ou assombram a infância, e continuam a perseguir o inconsciente coletivo, encenam fadas e bruxas, bons e maus, bonzinhos e malvados. Assim se explica igualmente o espetacular sucesso de Harry Potter e certos Halloween, formas modernas da antiga veneração dos espíritos (MAFFESOLI, 2004, p. 41). Esta busca contemporânea pelo místico, pelo espiritual, retoma então a noção do trajeto antropológico de Durand (2002), resgatando as antigas 157 Imagem e Imaginário dos Vilões Contemporâneos Mônica de Faria confluências sociais mesclando-as na polissemia pós-moderna, tudo se torna cíclico, o “eterno-retorno” de Nietzsche (2010). A tirania do “dever ser” do bem acima de tudo faz com que este mal negado ressurja de forma sorrateira e descontrolada, das formas cotidianas do que realmente é e não daquilo que deveria ser. O mesmo acontece com as formas de comunicação e entretenimento: ilustram a parte obscura da vida humana, mesclando o bem moralmente aceito à imperfeição do dia-a-dia. Essa teatralização dos meios de comunicação e entretenimento é então um duplo do cotidiano, um jogo, uma troca de máscaras (MAFFESOLI, 2004) entre as diversas facetas dos indivíduos em suas formas plurais e múltiplos papéis que podem variar entre bons e maus. “O que seria uma peça sem „vilão‟? O que seria um mundo no qual só as almas boas mandassem? Um mundo totalitário com certeza!” (MAFFESOLI, 2004, p. 50). Por outro lado, a aceitação do mal faz com que se questione que mal é esse: se o mundo é permissivo, os duplos são aceitos, o que se torna o mal? Este é exatamente o problema do equilíbrio e da polaridade, o mal excessivo gera liberdades e ações excessivas: Uma coisa é definir que não se pode matar alguém, visto que nesse caso a comunidade inteira se põe em ameaça. Outra é arbitrariamente dizer que não se pode fazer sexo antes do casamento. Assim se diferencia uma lei que é dada naturalmente pela sociedade de uma que é criada com objetivos puramente morais (CAPPELARI, 2007, p. 237). De acordo com Baudrillard (2008), o excesso da permissividade pósmoderna gera o fim do sonho e de fantasia, uma vez que tudo está ao alcance. A falta de normas, de códigos, permite ao sujeito fazer o que quiser, assim ele 158 Imagem e Imaginário dos Vilões Contemporâneos Mônica de Faria permanece sempre querendo mais, não se contentando com aquilo que consegue, criando um ambiente de frustração. Ao mesmo tempo, hoje adolescentes vivem sob a falta de responsabilidades e adultos angustiados com seus afazeres intermináveis. A insatisfação diante das dificuldades da vida faz com que apareçam os demônios interiores, gerando a vontade de transgredir as condutas morais e exacerbar o mal, ou então, simplesmente permitir que se possa ser bom e mal simultaneamente. A questão aqui é a aceitação de um equilíbrio entre o apolíneo e o dionisíaco, e não uma inversão de valores. Entender que na contemporaneidade a aceitação da imperfeição não se refere a um triunfo do mal, mas ao surgimento de um mal dinâmico, uma força que serve para inquietar a certeza, a não satisfação consigo mesmo. Essa alteridade vem a existir para dar equilíbrio, nunca fixando em ideais canônicos. Assim, reconhecer o mal é uma realidade que relativiza o poder absoluto. 4.3 O Vilão e a imagem do mal O vilão é um personagem, no caso deste estudo, um personagem fictício que representa o mal em determinada narrativa. Por assim ser o vilão tem sua função, além de um imaginário que o acompanha, representando por imagens, foco deste trabalho. A figura do vilão é a de antagonista do herói, este tendo um caráter mítico (CAMPBELL, 2007), ele representa o homem que passa pelas adversidades, enfrenta seus obstáculos e renasce em uma nova condição. 159 Imagem e Imaginário dos Vilões Contemporâneos Mônica de Faria “Apenas o nascimento pode conquistar a morte – nascimento não da coisa antiga, mas de algo novo” (CAMPBELL, 2007, p.26). O herói para surgir precisa passar por suas provações, e o vilão é aquele que tentará impedir o herói de conseguir, ou então, que apresentará as dificuldades. A figura do monstro-tirano é familiar às mitologias, tradições folclóricas, lendas e até pesadelos do mundo; e suas características, em todas as manifestações, são essencialmente as mesmas. Ele é o acumulador do benefício geral. É o monstro ávido pelos vorazes direitos do “meu e para mim”. A ruína que atrai para si é descrita na mitologia e nos contos de fadas como generalizada, alcançando todo o seu domínio. Esse domínio pode não ir além de sua casa, de sua própria psique torturada ou das vidas que ele destrói com o toque de sua amizade ou sua assistência, mas também pode atingir toda a sua civilização. O ego inflado do tirano é uma maldição para ele mesmo e para o seu mundo – pouco importa quanto seus negócios pareçam prosperar (CAMPBELL, 2007, p. 25). O tirano é o portador do mal assim exibindo suas características. Ele comete o pecado, causa o sofrimento e recebe ou não sua punição posterior. Por muitas vezes orgulhoso representa tudo aquilo de imoral, se coloca acima das leis e códigos éticos dos homens com fins de benefício próprio. Podendo ser aquele que não segue a conduta moral, ou de um caráter mítico-mágico simplesmente mau, o vilão é aquilo que “não se deve” ser. Propp (2006) afirma que o antagonista possui a função de malfeitor, que causa dano, gera o combate e luta contra o herói, ele é essencial à ação. Já Patmore (2006) complementa: o vilão é o encarregado de possibilitar a evolução do herói, fazendo com que ele enfrente seus medos e debilidades e os supere. Ainda de acordo com Patmore (2006), o vilão não se limita aos códigos morais, ele pode ser também amoral, ou seja, o antagonista nem sempre descumpre o entendimento ético por querer fazê-lo, mas por 160 Imagem e Imaginário dos Vilões Contemporâneos Mônica de Faria desconhecimento ou não compreensão do código, o que se torna mais complexo. Essa representação do mal em algum tipo de personagem não é de agora, os mitos e contos mostram isso desde suas origens, afinal “a violência é um elemento essencial da construção simbólica do social: precisamente naquilo em que ela nos liga, ou nos religa, à natureza” (MAFFESOLI, 2004, p. 70). Segundo Eco (2007), o mal moral e o feio (referindo-se à imagem) a muito tempo são relacionados, “como o mal e o pecado se opõe ao bem, do qual são o inferno, assim o feio é o „inferno do belo‟” (ECO, 2007, p. 16). Desde a antiguidade a figura do vilão é representada nos contos mitológicos como obstáculo ao herói. A exemplo disto tem-se a Medusa (Figura 25), antes uma bela donzela que se tornou uma criatura deformada, com rosto desfigurado e serpentes na cabeça, tão odiosa que seu olhar era capaz de transformar homens em pedra, devido a punição por deitar-se com Poseidon no templo dedicado à deusa Atena. A criatura horrenda cheia de ressentimento tornou-se um dos desafios de Perseu, que como herói vitorioso corta sua cabeça para no fim de sua jornada poder salvar Andrômeda. 161 Imagem e Imaginário dos Vilões Contemporâneos Mônica de Faria Figura 25 – Medusa Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Medusa, em 23/03/2012 A própria representação de Hades (Figura 26), deus do mundo inferior dos gregos, era de um ser maléfico, vil e traiçoeiro que comandava um mundo de horrores, trevas e dor. As representações de Hades e seus domínios são atualizadas até os dias de hoje, sendo inclusive o que dará subsídios à descrição do inferno cristão posteriormente. Na cultura grega restam, porém, as zonas subterrâneas onde são praticados os Mistérios e os heróis (como Ulisses e Enéas) aventuram-se nas névoas sinistras do Hades, do qual Hesíodo já nos contava os horrores. A mitologia clássica é um catálogo de inenarráveis crueldades: Saturno devora os próprios filhos; Medéia os massacra para vingar-se do marido infiel; Tântalo cozinha Pélops e serve sua carne aos deuses para desafiar sua perspicácia; Agamemnon não hesita em sacrificar sua filha Ifigênia para agradar aos deuses; Atreu oferece a Tiestes a carne de seus filhos; Egisto mata Agamemnon para rouba-lhe a esposa Clitemnestra, que será morta por seu filho Orestes; Édipo, embora não o soubesse, comete tanto parricídio quanto incesto... É um mundo dominado pelo mal, no qual as criaturas, mesmo as belíssimas, realizam ações “feiamente” atrozes (ECO, 2007, p. 34). 162 Imagem e Imaginário dos Vilões Contemporâneos Mônica de Faria Figura 26 – Hades Fonte: JANSON, 1993 Ainda que os deuses nem sempre sejam vilões, as ações maléficas compreendem um universo de duelo de forças, nem tão maniqueístas, mas com suas justificativas morais. As simbologias implícitas nos contos mitológicos antigos atentam para o que é considerado moralmente correto ou não, indicando as perversas ações imorais como vilanias merecedoras de retaliação. Os monstros criados nos contos demonstram os horrores do pesadelo daquilo que não se pode compreender. Híbridos de animais ou homens e animais recheiam o imaginário mitológico de vilões aterrorizantes como as sereias – belas criaturas que seduziam os homens e os matavam –, quimeras, grifos (Figura 27), minotauros entre outros “espécimes”. Mais tarde, esses mesmos monstros são utilizados pelos cristãos como demonstração da falsidade da mitologia pagã (CAMPBELL, 2007). Ainda assim, muitas vezes 163 Imagem e Imaginário dos Vilões Contemporâneos Mônica de Faria monstros eram considerados belos, uma vez que são seres, criaturas, portanto fazem parte do mundo. Mesmo que o pecado seja ruim e rompa com os bons princípios, o castigo faz cumprir a punição, portanto ao serem condenados ao inferno, as criaturas hediondas assumem seu lugar de direito. Figura 27 – Grifo Fonte: http://pegueidanetxd.blogspot.com.br/2011/12/criaturas.html, em 30/03/2012 De acordo com Ruiz (2003) “na concepção mítico-mágica se produz uma indistinção entre imagem e mundo, entre a representação e a realidade, entre o sentido e a coisa” (RUIZ, 2003, p.113-114). As representações monstruosas apresentadas nos contos e lendas eram parte da realidade, nelas também eram disseminadas as condutas morais, assim, definiam-se os parâmetros de bem e mal, identificando, mesmo que não de maneira dualista, os heróis e os vilões. Na crença cristã, podemos pensar em Judas – que vendeu Jesus a seus captores a preço de escravo – como um vilão bem caracterizado. A figura do 164 Imagem e Imaginário dos Vilões Contemporâneos Mônica de Faria traidor que leva o herói à morte é hostilizada, mostrando posteriormente em sua morte por suicídio a punição pela culpa extrema, não agüentando o sofrimento causado por suas ações. A própria morte de Cristo demonstra a violência da ação do vilão. Neste caso, a figura de Jesus ensangüentado, ferido e desfigurado pelo espancamento e açoitamento injustos, torna o povo, os captores e os carrascos como vilões vis que causaram o sofrimento ao inocente, tendo sua máxima na mais cruel crucificação. É desse modo que a imagem de Cristo doloroso passará também para a cultura renascentista e barroca, em um crescendo de erótica da dor, em que a insistência no rosto e no corpo divino martirizado pelo sofrimento chegará aos limites do comprazimento e da ambigüidade, como acontece com o Cristo, mais que ensangüentado, sanguinolento, da Paixão de Mel Gibson (ECO, 2007, p. 49). Nas representações pictóricas, em sua maioria, os carrascos de Cristo são apresentadas com feições grotescas e distorcidas em expressões de satisfação macabra. Enfatizando simbolicamente o prazer do vilão em cometer a maldade. A expressão de dor de Jesus (Figura 28) demonstra também o terrível sofrimento que as más ações são capazes de causar, o que por sua vez já indica que o sofrimento da culpa e punição pelos maus atos merece ser tão ou mais terrível que este. 165 Imagem e Imaginário dos Vilões Contemporâneos Mônica de Faria Figura 28 – Sofrimento de Cristo Fonte: http://www.guadalupecba.org/web/meditacao-com-cristo/993-o-relato-da-morte-de-cristo-do-ponto-de-vista-deum-medico.html, em 30/03/2012 A morte por muitas vezes também é representada como vilã, uma força inexorável da qual não se pode escapar. Como será após a morte? As noções de paraíso e inferno indicam o que espera o homem de acordo com suas ações. Porém, em sua maioria, as representações da morte são macabras, sendo esqueletos “vivos” que cometem atos cruéis aos humanos, “tanto a pregação verbal quanto as imagens exibidas nos locais sacros eram destinadas a lembrar a iminência e a inevitabilidade da morte, além de cultivar o terror das penas infernais” (ECO, 2007, p. 62). Muitas histórias mostram a morte com corpos de esqueletos que aparecem aos homens para mostrar os horrores que os aguardam. “Uma outra forma, tanto erudita quanto popular, de celebração da morte foi a Dança Macabra, que tinha lugar nos locais sagrados e nos cemitérios” (ECO, 2007, p. 67). A Dança Macabra (Figura 29) mostrava figuras diversas dançando com 166 Imagem e Imaginário dos Vilões Contemporâneos Mônica de Faria esqueletos, desde imperadores, pessoas do clero e camponeses, demonstrando que ao fim da vida nada importa e todos morrem da mesma forma, celebrando de certa maneira a morte como igualitária. Figura 29 – Dança Macabra Fonte: http://pensandoemarte.wordpress.com/2009/07/29/a-danca-macabra/, em 30/03/2012 Na contemporaneidade a morte já é representada de outras maneiras, não só como vilã ou caveiras grotescas, mas também como figuras sedutoras e encantadoras como personagem Morte (Figura 30) dos quadrinhos de Neil Gaiman, que aparece aos humanos ao nascerem e no momento de sua morte. A personagem é otimista e bem humorada, demonstrando que não é sensato temer a morte, afinal ela é certeira. 167 Imagem e Imaginário dos Vilões Contemporâneos Mônica de Faria Figura 30 – Morte dos quadrinhos de Neil Gaiman Fonte: http://vousoltarminhavoz.blogspot.com.br/2011/07/sem-nome-n4-eu-e-neil-gaiman.html, em 30/03/2012 Talvez o primeiro vilão da cultura judaico-cristã seja o próprio demônio (Figura 31). No Gênesis é representado como uma serpente, que induz à cometer o pecado, mais tarde assume outras formas, mais monstruosas e, por assim dizer, demoníacas, sendo grotesco e aterrorizante. No apocalipse é muitas vezes descrito como um dragão – mais uma criatura mitológica – que voltará para seduzir nações contra a vontade divina, porém, como o fim da maioria dos vilões, está destinado a ser derrotado e jogado no lago de fogo e enxofre, onde juntamente com a Besta e o falso profeta – ou anticristo – sofrerá até os últimos dias. 168 Imagem e Imaginário dos Vilões Contemporâneos Mônica de Faria Figura 31 – uma dentre as manifestações visuais contemporânea do Diabo Fonte: http://angolacomcristo.blogspot.com.br/2011/06/o-diabo-existe.html, em 30/03/2012 O diabo, Lúcifer, senhor do inferno, tem a função de antagonizar Deus, ser sua nêmese. Não obstante, o inferno, seu reinado, é a moradia dos mortos, onde se encontram os pecadores destinados a sofrer pela eternidade. Satã comanda a morte e a agonia das almas, e seduz os homens contra a vontade divina, a fim de ter suas almas danadas em seu reino. Porém a ideia do demônio já existia em várias culturas como “seres intermediários que às vezes são benévolos e às vezes malévolos (...) e, quando malévolos, de aspecto monstruoso” (ECO, 2007, p. 90). A exemplo disso tem-se na mitologia egípcia Ammut, um monstro parte crocodilo, leopardo e hipopótamo, que devora os condenados após a morte. Vários outros exemplos podem ser encontrados em religiões dualistas como na cultura mesopotâmica, islâmica etc. Na bíblia ainda se encontram referências a personagens como Lilith, monstro feminino que se transformava em demônio com rosto de mulher e asas. O diabo nunca é descrito nos Evangelhos, apenas são descritos seus feitos, como tentar Jesus e ser expulso dos corpos de vários, “é citado pelo próprio Cristo e é definido de 169 Imagem e Imaginário dos Vilões Contemporâneos Mônica de Faria forma variada como o Maligno, o Inimigo, Belzebu, O Mentiroso, o Príncipe deste mundo” (ECO, 2007, p. 90). Não somente em formas monstruosas aparece o grande vilão cristão nas pinturas e afrescos, mas também na forma de jovens e prostitutas que incitavam os homens. Neste caso não era a deformidade do demônio que prevalecia, mas o tema da tentação erótica, tudo para retirar os fiéis do divino e condená-los aos tormentos infernais. Uma famosa representação do inferno se encontra na Divina Comédia de Dante Alighieri, escrita entre 1304 e 1321. Na obra, Dante personagem de sua própria história, atravessa os três mundos possíveis da morte cristã – o inferno, o purgatório e o paraíso – acompanhado do seu guia o poeta Virgílio. A descrição de um cenário fúnebre e tenebroso acompanha Dante ao cruzar os círculos infernais para encontrar sua amada Beatriz, que, no paraíso é a sua guia, sua heroína. Os círculos infernais apresentados por Dante mostram cenas terríveis de criaturas torturadas e demônios torturadores num cenário de aflição e desespero. Segundo Cappelari (2007), Gustave Doré, gravurista do século XIX, retrata com maestria a dualidade bem e mal da obra de Dante (Figura 32). O artista, ao retratar o imaginário da obra acentua o aspecto moral e diminui o religioso. As figuras humanas são retratadas de maneira clássica enquanto os anjos e demônios são diferenciados por ícones que celebram suas imagens como as asas, a presença ou não de chifres e caudas, a luz em torno dos anjos e trevas em torno dos demônios. Essa diferenciação dá-se, não de outra forma, devido ao imaginário existente em torno da temática na época em que a obra foi interpretada por Doré. 170 Imagem e Imaginário dos Vilões Contemporâneos Mônica de Faria Um modo de produção, uma forma de organização social, uma escala de valores, uma criação tecnológica, um estilo de moradia ou uma obra de arte nada mais são do que determinações históricas construídas pelo potencial criador do imaginário e concretizadas em cada sociedade. Desse modo, o sem fundo humano, por intermédio do imaginário, é o produtor das representações e o instigador da práxis social (RUIZ, 2003, p. 45). Figura 32 – Inferno de Dante por Doré Fonte: JANSON, 1993 A escuridão enfatizada nos demônios de Doré é nitidamente uma maneira de representação imaginária do mal. Muitas das representações que diferenciam bem e mal se utilizam das dicotomias claro e escuro, luz e trevas, preto e branco etc. O imaginário do mal está ligado ao escuro, ao medo do que não se pode ver, da solidão, e não por acaso, muitos vilões de ficção são representados com vestimentas ou em cenários escuros. De acordo com Durand (2002), a visão do negro provoca choque e angústia em quem a vê: [...] uma imagem mais escura, uma personagem vestida de negro, um ponto negro emergem subitamente na serenidade das fantasias ascensionais, formando um verdadeiro contraponto tenebroso 171 Imagem e Imaginário dos Vilões Contemporâneos Mônica de Faria provocando um choque emotivo que pode chegar à crise nervosa. Essas diferentes experiências dão fundamento à expressão popular ter idéias negras, sendo a visão tenebrosa sempre uma reação depressiva (DURAND, 2002, p. 91). Atualmente o preto também implica outras conotações. Sendo socialmente aceito, não é mais somente a cor do medo ou do luto, mas também da contestação – como em movimentos punk, luto político etc. – e, num caso mais subversivo, de luxo, já que a cor “tornou-se moda a partir de Coco Channel, que imortalizou o traje como sinônimo da mulher moderna” (CAPPELARI, 2007, p. 199) (Figura 33). Figura 33 – Coco Channel – outra forma de representação do preto Fonte: http://www.infoescola.com/biografias/coco-chanel/, em 30/03/2012 A escuridão também é a moradia dos monstros, por muitas vezes apresentados como antagonistas do homem. Inúmeras criaturas dos contos e lendas são vilãs no caminho dos heróis. A figura mítica do dragão (Figura 34), 172 Imagem e Imaginário dos Vilões Contemporâneos Mônica de Faria relembrado até hoje nos contos de fantasia e literatura cavaleiresca, era o nêmese do cavaleiro campeão. Serpentes gigantes, com patas e cristas e que gotejam veneno de suas bocas, guardam princesas e retém tesouros como símbolo de avareza e violência. Mais um grande desafio para o herói benfeitor. Figura 34 - Dragão Fonte: http://www.papeldeparede.etc.br/fotos/papel-de-parede_dragao-negro/, em 30/03/2012 O algoz horrendo perpassa a literatura moderna... Chegando aos nossos dias, passando através do Drácula, da criatura do dr. Frankenstein, Mr. Hyde, de King Kong e, enfim, cercados de mortos-vivos e alienígenas vindos do espaço, temos novos monstros a nosso redor, mas por eles só experimentamos medo, não os vemos mais como mensageiros de Deus, nem pensamos em domá-los colocando uma virgem ao pé de uma árvore (ECO, 2007, p. 127). Todavia, o monstro nem sempre é o responsável pela vilania. O povo na Idade Média costumava difamar e atormentar seus inimigos cotidianos através 173 Imagem e Imaginário dos Vilões Contemporâneos Mônica de Faria de sátiras, risos e malevolências. Tratar o inimigo como cômico e/ou obsceno nada mais era do que uma maneira de vingança, desmoralizando o outro. É o caso de divertir-se à custa de alguém que se despreza, rindo de suas derrotas ou feitos malsucedidos, um “mal inocente”, vilão cotidiano, desejar mal a quem não se gosta. As sátiras medievais eram geralmente obscenas apresentadas de maneira cômica e cruel. Outra possibilidade era “demonizar o inimigo”, mostrando senhores feudais e/ou o clero como diabos, exteriorizando em imagens o mundo infernal, o terror da doença e desgraças. Esse costume de mostrar o inimigo de maneira caricata e cômica se manteve, como exemplo as propagandas militares da época da II Guerra, nas quais os membros do Eixo assim como Hitler (Figura 35) eram representados com feições demoníacas de expressões macabras. Figura 35 – Caricatura da Segunda Guerra Fonte: http://www.palimpalem.com/1/TODO_SEGUNDA_GUERRA/index.html?body6.html, em 30/03/2012 Essa característica de como retratar o inimigo veio acompanhada de uma atualização da leitura do diabo. No século XVII Milton escreve Paraíso 174 Imagem e Imaginário dos Vilões Contemporâneos Mônica de Faria Perdido que recorda que Lúcifer antes havia sido um anjo belíssimo, e ressalta o Satanás como uma forma de rebelião ao poder divino, criando – de certa maneira – um anti-herói de beleza decaída e certa dignidade, um vilão justificado. Essa atualização pode ser vista em vários contos ficcionais contemporâneos em histórias em quadrinhos, filmes, games, séries televisivas e letras de músicas de rock. Ao mesmo tempo em que o diabo torna-se mais “humano”, acontece a “demonização do inimigo, que ganha características satânicas” (ECO, 2007, 185). O inimigo, que sempre existiu, deixa de ter foco nas figuras icônicas religiosas, mas mostra-se o velho medo do Outro, do estrangeiro, daquilo que não se compreende. “Sem andar muito atrás no tempo, pode-se recordar que os ocidentais consideram inaceitável que os chineses se alimentem de cães e os anglo-saxões que os franceses comam rãs” (ECO, 2007, p. 185). Por muito tempo os “novos povos” foram tratados por bárbaros, os considerados hereges das religiões foram perseguidos, os judeus opressores e posteriormente oprimidos, as guerras religiosas no oriente médio ainda perduram... No mundo moderno, que sempre representou o inimigo religioso ou nacional com feições grotescas ou malignas, nasce a caricatura política. Foram ferozes na época da Reforma, as caricaturas com as quais os protestantes e católicos representavam o papa e Lutero. Durante a Revolução Francesa circularam caricaturas legitimistas que representavam os sans-culottes como canibais sedentos de sangue (ECO, 2007, p. 190). Nos meios de comunicação essa característica também imperou. Podese citar os quadrinhos do herói Tintin de Hergé que, geralmente, enfrentava vilões com fisionomias semitas; na saga Flash Gordon do célebre Alex Raymond, o grande tirano, Ming (Figura 36), tinha traços orientais e exibia 175 Imagem e Imaginário dos Vilões Contemporâneos Mônica de Faria expressões malignas; os inimigos de famosos heróis do cinema como 007 e Indiana Jones por muitas vezes eram estrangeiros, alemães nazistas ou de etnias exóticas. Sem falar nas ficções científicas nas quais seres extraterrestres, comumente monstruosos, tinham o grande intuito de dominar ou destruir a Terra. O inimigo monstro alienígena continua nos romances de terror de Lovecraft, bárbaro, cruel e destruidor. “Ele é a personificação de cada inimigo e vem confirmar a tendência dos seres humanos a representar aquele a quem se deve odiar como desprovido de qualquer forma, fazendo dele, sempre, a última encarnação do diabo” (ECO, 2007, p. 201). Figura 36 - Ming e seu comparsa Fonte: http://texwillerblog.com/wordpress/?p=11255, em 30/03/2012 A magia, encantamentos vinculados a seres maléficos, sempre existiu. Desde a cultura egípcia, passando por registros bíblicos entre outros, trata-se o oculto, a magia negra, como fonte do mal. Ainda que se reconhecessem os homens como praticantes de bruxarias, as mulheres eram mais identificadas relacionadas a esses atos. “Com maior ênfase ainda, no mundo cristão o 176 Imagem e Imaginário dos Vilões Contemporâneos Mônica de Faria conúbio com o diabo não podia ser perpetrado senão por uma mulher” (ECO, 2007,p. 203). As chamadas bruxas, diz-se, reuniam-se no sabá, em uma festa diabólica na qual se entregavam às magias e a orgias, em que mantinham relações com o próprio diabo. A representação da bruxa culminava com o cavalgar em uma vassoura representando uma alusão fálica. De acordo com Campbell (2007): [...] todos os símbolos da mitologia não são fabricados; não podem ser ordenados, inventados ou permanentemente suprimidos. Esses símbolos são produções espontâneas da psique e cada um deles traz em si, intacto, o poder criador de sua fonte (CAMPBELL, 2007, p. 1516). Assim, o mito das bruxas não surge ao acaso. Essas mulheres eram geralmente pobres curandeiras que utilizavam de ervas, infusões e outros filtros naturais para fazerem suas poções. Exatamente por mexerem com o desconhecido seus feitos eram considerados mágicos, passando para uns como charlatãs que se sustentavam pelas crendices do povo, outras como prostitutas do demônio – assim conseguiam suas habilidades – e outras ainda como simplesmente insanas. Eco (2007) afirma que, diferentemente do que se tem como conhecimento comum, não foi na Idade Média, mas na Idade Moderna que a caça às bruxas teve seu apogeu. A Inquisição, nascida no século XIII se preocupava com os hereges, descrentes à palavra de Deus. Foi no século XV que aparece uma bula de Inocêncio VIII contra a feitiçaria, atuando com severidade contra as feiticeiras. Foram os inquisidores responsáveis pelo cumprimento desta bula que mais tarde conceberam o grande tratado contra a feitiçaria no qual se ensinava a reconhecer as bruxas, interrogá-las e torturá-las para fazê-las confessarem seu pacto com o demônio, fazendo assim com que 177 Imagem e Imaginário dos Vilões Contemporâneos Mônica de Faria as condenações de mulheres por bruxaria à fogueira ou ao enforcamento se tornassem freqüentes nos séculos XVI e XVII, tanto no mundo católico, quanto protestante tanto na Europa quanto no novo mundo. A figura da bruxa personifica o tipo de vilã feminina mais presente nos mitos, contos de fadas e histórias infantis. Geralmente retratadas como velhas ou mulheres dotadas de uma feiúra incomparável aparecem em inúmeras histórias clássicas. Como exemplo tem-se a maldosa vilã de A Branca de Neve (Figura 37) que, apesar de ser uma linda mulher, invejava a beleza da heroína, se transformando em uma velha feia e maligna para executar sua crueldade e envenenar a donzela. Em O Mágico de Oz, a Bruxa Má do Oeste (Figura 38) também é vilã, representada por feições grotescas e pela cor verde, causando espanto aos espectadores. Figura 37 - Bruxa Má em Branca de Neve Fonte: http://grimoiredomago.blogspot.com.br/2009/01/branca-de-neve-e-os-sete-anes.html, em 30/03/2012 178 Imagem e Imaginário dos Vilões Contemporâneos Mônica de Faria Figura 38 - Bruxa Má do Oeste Fonte: http://www.abril.com.br/entretenimento/fotos/bruxas-cinema/, em 30/03/2012 Contemporaneamente a bruxa vilã também é representada como uma mulher bonita e sensual (Figura 39), que utiliza seus encantos para seduzir os homens, sempre utilizando cores escuras – como já comentadas, que remetem ao medo –, como preto, vermelho e roxo. Também, em um movimento característico da contemporaneidade, a bruxa má é relativizada, podendo ser uma criatura boa, porém mal compreendida, como aparecem em ficções literárias e cinematográficas como As Brumas de Avalon e Harry Potter (Figura 40) além de diversos desenhos animados. 179 Imagem e Imaginário dos Vilões Contemporâneos Mônica de Faria Figura 39 – representação da bruxa sensualizada contemporânea Fonte: http://libelulaverdadeira.blogspot.com.br/2011/05/bruxas-sensuais.html, em 30/03/2012 Figura 40 - Hermione, a bruxa boa em Harry Potter Fonte: http://board.ogame.com.br/board52-comunidade/board41-equipe-ogame-br/board301f%C3%B3rum/123226-hermione-granger/index2.html, em 30/03/2012 Conforme Ruiz (2003), o imaginário mítico-mágico anula o distanciamento crítico entre o sujeito e a representação, a imagem e a realidade se fundem provocando uma indefinição da subjetividade e da alteridade. Como se pode perceber, a palavra “bruxa” continua fazendo parte do imaginário do mal, sendo utilizada tanto popularmente quanto pela mídia até 180 Imagem e Imaginário dos Vilões Contemporâneos Mônica de Faria hoje como uma metáfora a uma mulher de ações más, moralmente incorretas ou de aparência feia (Figura 41). As bruxas eram acusadas de realizar cerimônias blasfemas de adoração ao diabo, mas a liturgia de Satanás não faz parte apenas da lenda, embora a adoração ao diabo sempre tenha sido atribuída a seitas heréticas e tenha sido invocada para condenar os cavaleiros Templários. Inúmeras formas de satanismo existem ainda em nossos dias – emergindo de quando em quando nos anais da crônica policial graças aos comportamentos delituosos (reais) de que seus membros são acusados (ECO, 2007, p. 216). Figura 41 – conotações de “bruxa” Fonte: http://sergyovitro.blogspot.com.br/2010/05/as-razoes-do-mal.html, em 30/03/2012 A ideia de satanismo acompanha o imaginário do vilão, podendo ser considerados racionalistas ateus – que enxergam o demônio como símbolo da razão e do prazer –; ocultistas – que transformam a adoração ao diabo como uma religião –; ácidos – quando os ritos são repletos de drogas alucinógenas e orgias –; ou aqueles que vêem Lúcifer como princípio positivo de contestação. A conduta satânica é associada à maldade e violência, sendo assim temática desenvolvida para a criação de diversos vilões. 181 Imagem e Imaginário dos Vilões Contemporâneos Mônica de Faria Dentre as inúmeras possibilidades de vilões ligados a uma mitologia vale destacar a figura do vampiro. O ser mitológico que se alimenta do sangue de seres vivos para perpetuar sua existência após a morte já recebeu inúmeras leituras. Várias histórias lendárias existem para contar a origem deste ser, partindo da lenda do conde Vlad III – O Empalador, que recebeu o título pelo hábito de empalar seus inimigos, utilizada posteriormente por Bram Stoker como origem do vampirismo. A figura do bebedor de sangue encantou e aterrorizou o imaginário de muitas histórias de ficção. O personagem vilão foi apresentado de diversas maneiras em contos e no cinema, como em Nosferatu (Figura 42) de Friedrich Murnau, em que o tirano aparece como uma criatura deformada que vive e emerge da escuridão criando uma atmosfera maligna e tenebrosa ao seu redor. Mais tarde, a figura mítica é apresentada na versão cinematográfica do livro Drácula (1897) do citado Bram Stoker, dirigido por Coppola em 1992, ainda aterrorizante, porém sedutor, o monstro dos piores pesadelos age movido por um amor possessivo, utilizando de sua maldade para obter a mulher desejada. Figura 42 - Nosferatu Fonte: http://setufam.blogspot.com.br/2012/01/classic-movies-nosferatu-uma-sinfonia.html, em 30/03/2012 182 Imagem e Imaginário dos Vilões Contemporâneos Mônica de Faria Através dos romances da escritora Anne Rice, o vampiro recebe uma nova atualização sendo agora um ser sofredor e romântico, que vivencia ao extremo as paixões e prazeres sem deixar sua natureza perversa. As figuras dos personagens, mais tarde tendo sua representação cinematográfica em Entrevista com o Vampiro (Figura 43), se mostram andrógenas e dúbias, refletindo o imaginário do ser anacrônico que não se encontra no tempo e nem mesmo em sua sexualidade, em um conflito de dubiedade pós-moderno. “O andrógeno decadente aparece, então, como uma figura que resume as interrogações de uma sociedade quanto relações entre os sexos” (LEGROS, MONNEYRON, RENARD & TACUSSEL, 2007, p. 242). A dúvida também é refletida nas ações dos vampiros dos contos de Rice, o advento da culpa surge na consciência do monstro que sofre por seus pecados. Porém o vampiro permanece como um ser luxurioso, enganador, dissimulado e vil, ao mesmo tempo em que é encantador e perturbado, cariando uma criatura ambígua na separação entre bem e mal. Figura 43 - androgenia em Entrevista com o Vampiro Fonte: http://naty-land.blogspot.com.br/2010/05/entrevista-com-o-vampiro.html, em 30/03/2012 183 Imagem e Imaginário dos Vilões Contemporâneos Mônica de Faria É isto o arquétipo do “patife”: ele favorece a rebelião pontual, suscita a heresia libertadora, dinamiza a criação artística, permite a marginalidade fundadora. Em suma, sacode o instituído, reanima o peso mortífero das instituições. O “patife” cristaliza a força da anomia, sem esquecer que este anômico ou alguns de seus elementos tornarse-ão “cânone” das sociedades em gestação. Pois é sabido que o marginal, o poeta maldito, o teórico rejeitado e o rebelde de todos os tipos tendem a tornar-se a referência incontornável (MAFFESOLI, 2004, p. 101). O vampiro enquanto personagem é, de certa forma, o “patife” ao qual Maffesoli (2004) se refere. O canalha, porém encantador morto-vivo, pode ser considerado a criatura lendária mais atualizada e que mais desperta interesse e curiosidade nas ficções de terror da pós-modernidade, muito mais que seus “colegas” horripilantes – fantasmas, lobisomens, zumbis etc. Talvez a aproximação com o mal e a natureza bestial mascarada tratem de gerar uma identificação com o sujeito contemporâneo, que se encanta com o terrível bebedor de sangue. “Cada um de nós desfruta menos de uma identidade estável do que uma série de identificações por meio das quais expressa as diferentes possibilidades que o caracterizam” (MAFFESOLI, 2004, p. 95). Tanto o vampiro encanta o imaginário contemporâneo que são inúmeras as obras de ficção que abordam o tema, agora mostrando o vampiro inclusive como um anti-herói, de natureza má, mas boas ações, que tenta conviver em harmonia com os seres humanos em literaturas melosas e cafonas para o público adolescente. O vampiro pode ser encontrado como temática de todo o tipo de entretenimento midiático: cinema, quadrinhos, games, séries televisivas e jogos de RPG, tanto fazendo se ele será herói ou vilão. Considerando o gênero de terror percebe-se de maneira evidente a relação do mal, o vilão e a morte. Nestes filmes o foco é o medo de sofrer e por fim de morrer, tendo esta como o grande mal, sendo apresentada inúmeras 184 Imagem e Imaginário dos Vilões Contemporâneos Mônica de Faria vezes das mais criativas, originais e horripilantes maneiras possíveis. Os filmes de terror trabalham essencialmente o imaginário do medo, através dos mesmos recursos de cenas escuras, ações imorais, violência em cenários e temáticas macabras. Dentro do próprio gênero vêem-se várias distinções sobre como abordar a questão da relação do medo da morte (RICOEUR, 2007), uma delas é através de vilões icônicos como Jason Vorhees (Figura 44) da série de filmes Sexta-Feira 13 e Freddy Krueger de A Hora do Pesadelo, que levam o terror a uma extremidade bizarra com monstros assassinos que trabalham exatamente a relação onírica de a morte ser algo da instância do desconhecido, mas que se teme em pesadelos (MALRIEU, 1996), o monstro de quem se quer fugir mas não se consegue, ele continua sempre perseguindo. Figura 44 - o vilão Jason de Sexta-Feira 13 Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Jason_Voorhees, em 30/03/2012 A violência é outra marca registrada do gênero, mostradas em filmes como O Massacre da Serra Elétrica, O Albergue, Jogos Mortais entre outros, e 185 Imagem e Imaginário dos Vilões Contemporâneos Mônica de Faria em games como Resident Evil, Alone in the Dark e inúmeros títulos. A violência e morte andam juntas como forma de catarse nos meios de comunicação, sendo estranhamente ao mesmo tempo atraente e repulsiva, tendo esses filmes e jogos inúmeras seqüências que comprovam a rentabilidade do gênero. Em outros enfoques, jogos como Silent Hill (Figura 45) e Alan Wake, filmes como Seven, quadrinhos como 30 Dias de Noite, trabalham o suspense, a ânsia causada pelo medo como principal estratégia, causando tensão em situações sombrias que aguardam o “susto” a qualquer momento. Conforme Maffesoli (2004): Como estrutura antropológica, a violência é certamente um bom exemplo do aspecto indivisível do dado mundano. Em todas as coisas existe um misto de atração-repulsa, amor-ódio, generosidade e egoísmo. Basta olhar um pouco mais de perto para constatar que os sentimentos mais elevados são permeados do seu contrário (MAFFESOLI, 2004, p. 62). Figura 45 – Silent Hill – exemplo de jogo de terror Fonte: http://www.konami.com/officialsites/silenthill/index.php, em 30/03/2012 186 Imagem e Imaginário dos Vilões Contemporâneos Mônica de Faria Essa estranha atração que a violência e o medo trazem também é exemplificada com a enorme horda de filmes, quadrinhos, séries televisivas e games que abordam os gêneros terror e suspense. Nunca se viu tanto entretenimento com a temática de zumbis e/ou mortos-vivos gerando uma indústria ainda maior com brinquedos, parques temáticos e mercadorias em geral que vendem o “medo” como forma de diversão para pessoas que estão dispostas a pagar para isso. E o vilão? O vilão acaba sendo um ícone catalisador desse medo, aquele que vai instaurar e infligir o terror para o deleite dos espectadores. Patmore (2006) sugere algumas possibilidades de vilões e suas variações. Elas vão desde o vilão “sinistro” – aquele misterioso, que gera dúvida e medo – passando por um vilão voltado para o público infantil – que deve ser mal, porém sem extremos – e outras possibilidades como uma antítese do herói – o enfrentamento do próprio herói, seu duplo – e a já comentada ideia do anjo caído – relacionada diretamente com o demônio. Independente das possibilidades apresentadas por Patmore (2006) percebe-se que sim existem diferenças entre os vilões na ficção, cada um representando determinado estereótipo de maldade. Darth Vader, da série cinematográfica Star Wars de George Lucas, é um exemplo de vilão que detém alguns estereótipos. O personagem começa como um herói que, seduzido por suas habilidades e a possibilidade de mais poder, cede ao mal – o “lado negro da força”, que só pelo nome já conota o escuro simbólico do mal. Sendo o grande antagonista da “série clássica” (episódios IV, V e VI), enfrenta o herói Luke Skywalker, seu filho, que no final o leva a redimirse e tornar-se novamente bom. Darth Vader (Figura 46), na verdade, trilha a 187 Imagem e Imaginário dos Vilões Contemporâneos Mônica de Faria jornada do herói (CAMPBELL, 2007), tendo grande empatia com o público, possivelmente, pela sua “humanidade”: aquele que errou, se redimiu e cumpriu sua pena, tendo em sua história o conflito da dualidade bem e mal. Segundo Patmore (2006, p. 92): “Darth Vader é, provavelmente, o antagonista mais conhecido dos últimos tempos e é a personificação da luta entre o interior do indivíduo e o mundo exterior”17. O personagem vilão acaba por representar um duelo entre o código moral e sua própria consciência. Figura 46 – Darth Vader – talvez o mais conhecido vilão da contemporaneidade Fonte: http://www.starwars.com/explore/encyclopedia/characters/darthvader/, em 30/03/2012 Outros vilões parecem maus simplesmente por assim serem – o mal metafísico de Ullmann (2005) ou místico de Ricoeur (2007). É o caso de Lex 17 Livre tradução da autora. No original: “Darth Vader es, probablemente, el antagonista más conocido de los últimos tiempos y es la personificación de la lucha entre el interior del individuo y el mundo exterior”. 188 Imagem e Imaginário dos Vilões Contemporâneos Mônica de Faria Luthor, conhecido antagonista do super-herói dos quadrinhos Super-Homem. O personagem, que teve sua história reescrita várias vezes, por muito tempo um cientista, agora um grande empresário, é exatamente aquilo que enfrenta o indestrutível homem de aço: um vilão que busca poder político-científico, pois tem condições para isso, sem nenhum desejo maior de vingança ou maldade estimulada. O mal pelo mal. Também se tem o exemplo do contemporâneo vilão da série de livros e cinema Harry Potter, Lord Voldemort (Figura 47). O personagem é bem caricato quanto aos estereótipos do mal: é um bruxo – assim como o herói, porém este entra nos novos bruxos “bonzinhos” –, é cercado de cores escuras, tem feições metamorfas, parecendo uma cobra, comete maldades e violência, é preconceituoso com os humanos e outras raças, busca por poder acima dos outros e tenta de qualquer maneira dominar a morte – aliás, o personagem chega a voltar da morte. Voldemort não tem dualidades, é um vilão que representa aquilo que é o mal: comete o pecado, causa sofrimento e, no fim, sofre sua punição. Talvez a escolha de um personagem tão estereotipadamente mau seja para uma fácil moralização para a criança (publico inicial da história que vai se desenvolvendo a medida em que o personagem principal, Harry, cresce), como afirma Malrieu (1996, p. 207), “a identificação efectiva é favorecida por circunstâncias adjuvantes”. Voldemort representa em Harry Potter o imaginário do mal de uma forma tão explícita que o fato de, na história, os personagens não dizerem seu nome – tratam como “Aquele Que Não Deve Ser Nomeado”, ou “Você Sabe Quem” – incita o medo de algo maligno, criando uma atmosfera de terror em torno do vilão. 189 Imagem e Imaginário dos Vilões Contemporâneos Mônica de Faria Figura 47 – Voldemort Fonte: http://diariodepotter.blogspot.com.br/2012/03/voldemort-da-medo.html, em 30/03/2012 Estereótipos de vilões maus estão em muitas obras. É comum observarmos, principalmente no universo infantil, a figura do vilão de maneira explícita, como, por exemplo, nos desenhos animados dos estúdios Disney que, muitas vezes, tratam de “amenizar” contos de fadas para uma linguagem moderna/contemporânea. Em desenhos como A Bela Adormecida tem-se a clássica bruxa – na história chamada de Maleficent (Figura 48) – que quer dominar o reino, lança uma maldição na princesa e, ao final, quando enfrenta o valente príncipe, transforma-se num dragão, metaforizando sua monstruosa maldade. Noutro conto do estúdio, 101 Dálmatas, a figura má de Cruella de Vil surge como uma mulher feia e caprichosa que quer matar filhotes de cães para fazer casacos com suas peles, em uma nítida lição moral. O nome da personagem por si só denota maldade através dos trocadilhos com a palavra cruel e devil – diabo em inglês. Numa linha mais contemporânea, a adaptação Disney de A Bela e a Fera traz o vilão Gastão como um homem forte, bonito e viril, porém preconceituoso e desprovido de inteligência, em contraponto com o 190 Imagem e Imaginário dos Vilões Contemporâneos Mônica de Faria herói: um monstro que, ao longo da história se arrepende de suas maldades e se revela um lindo príncipe. Neste clássico a figura do vilão é apresentada como uma relação moral de julgamento, mostrando a popular questão de que as ações importam mais do que a imagem, o que vale é a “beleza interior”. Figura 48 – Maleficent Fonte: http://justoedigno.blogspot.com.br/2012/01/ricky-martin-jeremy-renner-e-maleficent.html, em 30/03/2012 Esses estereótipos de vilões maus ou vilões de uma maldade justificada podem ser encontrados em diversos meios. São muitos desenhos animados, filmes, games, quadrinhos etc. que mostram vilões mesquinhos, monstruosos, violentos ou até charmosos que se mostram extremamente maus. Alguns personagens como Mr. Burns (Figura 49) da série Os Simpsons de Matt Groening, chegam a ter um grau de maldade a ser carismático, criando um personagem maldosamente cativante. Os vilões ainda podem ser cômicos como no musical dos anos 70 The Rocky Horror Picture Show, que apresenta Dr. Frank N Furter (Figura 50), um antagonista “cientista maluco”, travesti, carismático e duvidoso, satirizando os modelos morais da sociedade em uma 191 Imagem e Imaginário dos Vilões Contemporâneos Mônica de Faria construção polissêmica de hibridismos pós-modernos. É impossível citar ou comentar todos os vilões marcantes do mundo do entretenimento, a questão é que o vilão, como representação do mal cria personagens que afetam o público de maneira a serem, não só temidos, mas amados. Figura 49 – Mr. Burns Fonte: http://live.drjays.com/index.php/2012/03/06/who-said-it-mitt-romney-or-mr-burns/, em 30/03/2012 Figura 50 – Dr. Frank N Furter Fonte: http://www.fanpop.com/spots/frank-n-furter/images/3031696/title/dr-frank-n-furter-photo, em 30/03/2012 192 Imagem e Imaginário dos Vilões Contemporâneos Mônica de Faria Na vida cotidiana somos cercados por espetáculos horríveis. Vemos imagens de populações onde as crianças morrem de fome, reduzidas a esqueletos de barriga inchada, de países onde as mulheres são estupradas por invasores, de outros onde corpos humanos são torturados assim como ressurgem continuamente sob nossos olhos as visões não muito remotas de outros esqueletos vivos à espera de entrar em uma câmara de gás. Vemos membros dilacerados pela explosão de um arranha-céu ou de um avião em vôo e vivemos no terror de que isso possa acontecer conosco. Tais coisas são feias, não apenas em sentido moral, mas em sentido físico, isso porque suscitam nojo, susto, repulsa – independentemente do fato que possam inspirar piedade, desdém, instinto de rebelião, solidariedade, mesmo quando aceitas com o fatalismo de quem acredita que a vida nada mais é que uma história contada por um idiota, cheia de som, fúria e vazia de significado (ECO, 2007, p. 436). A revolta e repulsa diante do mal da violência é cotidiana. Mesmo assim, se dando conta do horror do caos e do sofrimento, de que existe algo maligno que acontece, o mal tem seus encantos. Desvio moral? Nietzsche (2010) afirmaria que seria parte da animalidade do homem, seu lado natural bestial aflorando uma vez tenta ser sempre suprimido pelo domínio apolíneo. A dualidade bem e mal, para bem ou mal, faz parte do ser humano, seja ela com o intuito de fazer a maldade ou canalizada pelo “instinto de rebelião” (ECO, 2007), vingança, vontade de fazer justiça que tanto se fala na contemporaneidade. O vilão, como um personagem de ficção que representa esse mal, o inimigo, a violência, serve também como a possibilidade de vencer, de derrotar o mal, mostra de maneira metafórica que se tem o desejo de acabar com o inimigo, de por fim à maldade. Na pós-modernidade, com a relativização das dualidades maniqueístas, outro tipo de personagem surge: o anti-herói. Muito mais explicito agora, o anti- herói já aparecia nos modernos desenhos animados como, por exemplo, Bugs Bunny – Pernalonga no Brasil (Figura 51) – da Warner Bros. Ou Donald Duck da Disney. O primeiro, sendo um pilantra que se diverte sendo trapaceiro e 193 Imagem e Imaginário dos Vilões Contemporâneos Mônica de Faria enganando os outros, ainda que, muitas vezes, para sua sobrevivência ante os caçadores. O segundo, o sujeito mal-humorado e mal intencionado que tenta tirar proveito das situações não importando a maneira, porém, neste caso, nem sempre o personagem se dá bem, tendo a “lição de moral” no fim da história. Figura 51 – Pernalonga pode ser um exemplo de anti-herói Fonte: http://www.cinedica.com.br/Filme-Pernalonga-11925.php, em 30/03/2012 Muito mais dúbios e sinistros podem ser os anti-heróis pós-modernos. Sua dubiedade vai desde suas ações até sua aparência, como o exemplo do famoso super-herói Batman, que enfrenta os bandidos como um vigilante fora da lei, veste-se de preto metaforizando um morcego – o que por si só já é um ícone do mal – e também é conhecido como “cavaleiro das trevas”, associando mais à temática maléfica do que do bem. Com conflitos psicológicos severos, beirando a insanidade, Batman ainda é reconhecido como herói, mesmo sabendo que sua conduta segue uma moralidade própria e não aquela da vivência social. Conforme Maffesoli: Para ficarmos na esfera do exemplo cinematográfico, podemos evocar a estranha fascinação que nunca deixam de exercer as 194 Imagem e Imaginário dos Vilões Contemporâneos Mônica de Faria inúmeras versões de Zorro, Robin Hood ou Batman, para só falar deles. Sucesso que não deve ser pura e simplesmente modismo, mas que, tal como acontece com as narrativas míticas, é redundante, apresentando variadas “lições” e “réplicas”. Esses filmes são construídos, precisamente, sobre a ambivalência do bem e do mal, sobre o aspecto fundador de cada uma dessas entidades. Entidades que podem alternadamente comover e provocar fascínio ou repulsa. Dessa forma, os sentidos é que são solicitados (MAFFESOLI, 2004, p. 48-49). No anti-herói pode-se ver essa complementaridade, o bom fazendo o mal com fins justificados, reforçando a necessidade de violência da natureza humana. Um bom exemplo deste tipo de personagem é Light Yagami, do mangá – quadrinho japonês – Death Note (Figura 52), escrito por Tsugumi Oba e desenhado por Takeshi Obata, lançado no Brasil pela JBC entre 2007 e 2008. Na história Light, recebe um caderno de um shinigami – espécie de espírito ou deus da morte da mitologia japonesa – que tem o poder de matar a quem tem o seu nome escrito nele. O protagonista logo começa a fazer uso do artefato assassinando criminosos divulgados pela imprensa, assim tornando-se um tipo de serial killer com intenções justificadas. O mangá discute a moralidade da postura de Light, tratando-o como um criminoso que mata sem aval das autoridades, mas ao mesmo tempo sendo aclamado pelas pessoas, por fazer a justiça que não acontece. O personagem é dúbio e inteligente matando também aqueles que tentam desvendar sua identidade. Nunca na história se tem uma postura fixa sobre o personagem, ele é ao mesmo tempo bom e mal, ou não se sabe se é bom ou mal. 195 Imagem e Imaginário dos Vilões Contemporâneos Mônica de Faria Figura 52 – Death Note vol. 1 Fonte: OHBA & OBATA, 2007 Em um estilo muito parecido é a série televisiva Dexter (Figura 53), cujo protagonista homônimo é um serial killer que mata assassinos. Dexter, que tem uma ânsia por violência e morte, trabalha como criminalista policial e segue, inclusive, um código de conduta, que o faz sempre confirmar se sua vítima é realmente um assassino culpado antes de executá-la. Um herói que comente maldades e justifica seus atos, um verdadeiro anti-herói. 196 Imagem e Imaginário dos Vilões Contemporâneos Mônica de Faria Figura 53 – Dexter – um assassino que mata assassinos Fonte: http://screenrant.com/dexter-season-8-homeland-season-2-premiere-dates-yman-159137/, em 30/03/2012 Outro exemplo contemporâneo é o da obra literária de George Martin, adaptada para a televisão pelo canal de televisão fechada HBO, Game of Thrones. Tanto os livros quanto a série televisiva vem alcançando grande sucesso de público em uma história na qual não existem heróis bem definidos, ma sim vários anti-heróis cujas ações são guiadas por suas motivações e crenças pessoais no que se diz respeito à ética e a moral. A história complexa e cheia de violência trata sobre a guerra – em termos de batalha e político – pela conquista do trono de Westeros – cenário de fantasia medieval fictício onde se passa a história. Mesmo que sem heróis bem definidos, a narrativa possui vilões, e os anti-heróis (Figura 54) são carismáticos e ardilosos chegando ao ponto de não ser possível definir se são bons ou maus. 197 Imagem e Imaginário dos Vilões Contemporâneos Mônica de Faria Figura 54 – o anão Tyrion Lannister – impossível dizer se é bom ou mal Fonte: http://www.hbo.com/assets/images/series/game-of-thrones/downloads/wallpaper-tyrion-1600.jpg, acessom em 30/03/2012 Nos games a figura do anti-herói é muito comum, uma vez que a violência é constante temática do meio. Como o exemplo de Kratos (Figura 55) da série God of War, que busca vingança pelo que os deuses fizeram a ele e sua família. O protagonista, que não pode ser considerado nem herói nem vilão, age impulsionado apenas pelo sentimento de vingança, retribuição da violência cometida contra ele. Entre outros inúmeros exemplos, os heróis dos games em sua maioria têm a dubiedade de bem e mal, cometendo atos de violência e matança para atingir o bem maior, ou saciar sua satisfação pessoal. O barroco, como tenho indicado com freqüência, é uma boa ilustração da complementaridade do bem e do mal, da doçura e da violência, da sombra e da luz. É algo que dá a noção de contrapost em italiano: o que se opõe se corresponde, se reforça. (...) Aquela que, mesmo pertencendo à esfera do sofrimento, não pode deixar de integrar tudo que constitui a natureza humana. Mesmo o que é monstruoso. Esta monstruosidade, este mal, este lado sombrio está aí, onipresente (MAFFESOLI, 2004,p. 75). 198 Imagem e Imaginário dos Vilões Contemporâneos Mônica de Faria Figura 55 – Kratos, de God of War Fonte: http://instinctalternative.blogspot.com.br/2011/06/kratos.html, em 30/03/2012 Assim, ao observar a assiduidade da ambivalência bem e mal e suas manifestações nos personagens contemporâneos, bem como o encanto do vilão na pós-modernidade através desta revisão teórica, o próximo capítulo apresenta análises de dois vilões e um anti-herói, com a finalidade de buscar compreender as noções que permeiam o imaginário do vilão contemporâneo e a sua imagem. 199 Imagem e Imaginário dos Vilões Contemporâneos Mônica de Faria 5. DE VILÕES E ANTI-HERÓIS - ANÁLISES Neste capítulo são apresentadas análises sobre dois vilões – Saruman de O senhor dos Anéis; e Curinga de Batman Asilo Arkhan – uma séria casa em um sério mundo – e um anti-herói – Ezio de Assassin’s Creed II – a fim de tentar compreender como se dá o imaginário do mal e sua imagem nos vilões contemporâneos. Para a realização destes comentários, divide-se em três partes: apresentação do personagem; imaginário e moral do mal; e imaginário da imagem do mal. A apresentação do personagem consiste em descrevê-lo, contar sua história, ambientação e referências de criação, possibilitando um conhecimento do objeto. Imaginário e moral do mal trata de relacionar o imaginário do personagem com o referencial teórico sobre o mal trabalhado ao longo deste estudo, na tentativa de desvendar o porquê este é considerado um vilão – ou anti-herói – e porque ele pratica o mal. A questão imaginário e imagem do mal, discute a relação da imagem que cerca o personagem e suas relações com os simbolismos imagéticos do imaginário do mal introduzidos ao longo corpo do trabalho. 200 Imagem e Imaginário dos Vilões Contemporâneos Mônica de Faria Por fim, será apresentada uma discussão relacionando as análises expostas, na tentativa de responder a questão problema desta tese e alcançar seu objetivo. 5.1 Saruman 5.1.1 Apresentando Saruman Saruman, ou “Saruman O Branco”, é um dos personagens vilões da obra literária O Senhor dos Anéis, escrita por J. R. R. Tolkien e lançada em 19541955. Neste estudo, o personagem será analisado a partir da versão cinematográfica da obra, dirigida por Peter Jackson e dividida, assim como os livros, em três partes: A Sociedade do Anel – (2001); As Duas Torres – (2002); e O Retorno do Rei – (2003). Na versão cinematográfica o personagem é interpretado pelo ator britânico Christopher Lee. A narrativa da qual participa o personagem é ambientada na Terra Média (Figura 56), cenário fictício de fantasia medieval criado pelo autor no qual se passa a maior parte de sua obra literária. Neste cenário fantasioso, desprovido de tecnologias científicas, onde homens e outros seres lutam com espadas e escudos, existem criaturas mágicas e místicas, assim como criaturas e monstros e a própria magia. “Aristóteles disse que enquanto as comédias envolvem pessoas que são piores que nós, e épicos envolvem pessoas que são melhores que nós, tragédias são sobre pessoas que são justamente como nós somos” (DAVISON in BASSHAN & BRONSON orgs., 201 Imagem e Imaginário dos Vilões Contemporâneos Mônica de Faria 2003, p. 99)18. A Terra Média traz então um pouco disso, tratando o mal, tanto quanto o bem, como possibilidades das pessoas, ou seja, para seus personagens. É válido realçar que a Terra Média, assim como a obra O Senhor dos Anéis, tem um caráter moral dualista, sendo claras as distinções de bem e mal baseadas numa moralidade moderna. A obra de Tolkien foi escrita em um período de transição entre a modernidade e a condição pós-moderna, tendo então elementos fortes que caracterizam os dois períodos. Lembra-se ainda que, a versão analisada, é a adaptação para o cinema, conseqüentemente com uma visualidade oriunda da pós-modernidade. Figura 56 – Terra Média Fonte: http://galeria.tolkienianos.com/details.php?image_id=2499, em 01/04/2012 18 Livre tradução da autora. No original: “Aristotle said that whereas comedies involve people who are worse than we are, and epics involve people who are better than we are, tragedies are about people who are just like we are”. 202 Imagem e Imaginário dos Vilões Contemporâneos Mônica de Faria Saruman é um dos cinco magos de uma raça superior – chamada de Istari – que foram enviados à Terra Média pelos Valar – tipo de divindades do cenário – para fazer frente a Sauron, o grande vilão do conto e da mitologia criada por Tolkien (TOLKIEN, 1999). O mago, porém, durante sua jornada, sucumbe ao mal ganhando poder próprio e formando uma aliança com o inimigo, tornando-se um dos maiores antagonistas da história. Sua relevância na história como vilão é tanta que, o título do segundo filme – As Duas Torres – se refere às torres controladas pelos antagonistas – a torre de Orthanc, de Saruman; e a torre de Barad-dûr, de Sauron – no mesmo segundo filme, Saruman é, na verdade, o grande inimigo a ser derrotado. O antagonista é associado à modernidade e industrialização, pois é responsável por gerar criaturas “modificadas” – Uruk-hai – que servem como melhores combatentes em guerra, além de criar “máquinas” de destruição para combate, assim como utilizar a pólvora. Mais da história do personagem será apresentado durante as análises. 5.1.2 Imaginário e moral do mal em Saruman Observando as referências sobre o mal apresentadas por Ricoeur (2007), Ullmann (2005) e Maffesoli (2004), pode-se dizer, inicialmente, que Saruman é o corrompido pelo poder e sedução do mal. “Mas mesmo uma pessoa totalmente corrompida e ainda uma pessoa, uma criatura existente com poderes e capacidades que não são maus em si” (DAVISON in BASSHAN & 203 Imagem e Imaginário dos Vilões Contemporâneos Mônica de Faria BRONSON orgs., 2003, p. 101)19. O personagem, a princípio bom, seguia uma conduta dentro dos princípios éticos do bem moral – lembrando que O Senhor dos Anéis é sim uma obra de dualidade bem contra o mal, e então Saruman faz do mal sua escolha. Em sua primeira aparição na história o personagem é procurado por outro mago – Gandalf, um dos protagonistas da história – por sua sabedoria a respeito de um artefato maligno – o anel. Já nesta passagem, o antagonista – ainda não entendido como tal – se apresenta dúbio, o que se confirma com o passar do filme. Os motivos de Saruman tornar-se mau não são claros na história, apenas se observa que, obcecado por poder próprio, o mago alia-se ao grande vilão, querendo exterminar os homens e elfos da Terra Média, revoltando-se contra as divindades, e gerando horror. As ações do personagem demonstram o que seria o “mal” para Tolkien num ponto de vista moral. O mago branco controla uma região chamada de Isengard (Figura 57), onde se encontra sua torre Orthanc, neste lugar o vilão faz seus “experimentos” mágicos, criando a raça de monstros guerreiros, a partir do “aperfeiçoamento” de orcs – criatura maligna da mitologia da Terra Média – chamada de Uruk-hai. Esse exemplo pode ser entendido como uma crítica à evolução científica utilizada para fins bélicos, a criação de criaturas com o objetivo da luta e violência. O autor da obra participou da Primeira Guerra20, o que influenciou sua narrativa, sendo assim evidente o entendimento da guerra e da violência como um mal (MAFFESOLI, 2004), o infligir o mal físico que é entendido como uma das formas de mal (RICOEUR, 2007). 19 Livre tradução da autora. No original: “But even a totally corrupt person is still a person, an existing creature with powers and capacities that are note evil in themselves”. 20 Informação disponível em http://www.valinor.com.br/8390/, acesso em 07/03/2012. 204 Imagem e Imaginário dos Vilões Contemporâneos Mônica de Faria [...] é necessário considerar (...), que a arte e a literatura, antes de proporem simplesmente a representação patente de códigos latentes, têm também por função impor modelos de comportamento. (...) Sem dúvida, pode-se admitir que hoje a literatura é, amplamente, substituída na sua função social por outros vetores como o cinema, e, de fato, certos autores tomam cuidado quando estudam no século XX, o destino do imaginário sedutor que apareceu no século XVIII no cinema, assim como na cena musical e na moda (LEGROS, MONNEYRON, RENARD & TACUSSEL, 2007, p. 240-241). Figura 57 - Isengard Fonte: http://lotr.wikia.com/wiki/Isengard, em 01/04/2012 O próprio nome do segundo filme – As Duas Torres (Figura 58) - faz alusão à aliança entre as torres de Orthanc e Barad-dur, ou seja, de Saruman com o inimigo maior. Indo ao encontro das idéias de Legros, Monneyron, Renard e Tacussel (2007), observa-se que Saruman é nitidamente um modelo, porém um modelo de comportamento ligado ao mal, uma crítica ao comportamento progressista moderno e de guerra. No filme As Duas Torres, esta crítica é bem demonstrada no momento em que o vilão prepara seu exército para tomar Rohan, um país vizinho habitado por homens guerreiros, porém simples, de vida campesina. Nesse momento, o personagem tem atitudes como criar máquinas e os já citados monstros de guerra, recruta 205 Imagem e Imaginário dos Vilões Contemporâneos Mônica de Faria homens considerados párias e criminosos com desejo de vingança contra a população de Rohan, e, num vislumbre de uma temática contemporânea – a da preocupação ecológica –, o mago resolve represar um rio e destruir a antiga floresta de Fangorn para conseguir mais material para seu equipamento bélico. Figura 58 – As Duas Torres Fonte: http://www.tumblr.com/tagged/as-duas-torres, em 04/04/2012 O mago também aparece na história fazendo uso de “magia negra”. Por muito tempo, o vilão controla Théoden, rei de Rohan através de sua feitiçaria, sendo reforçada pelo apoio de seu lacaio Gríma. O rei, enquanto sob o feitiço de Saruman, fica débil e facilmente manipulável, deixando o reino em ruínas e sem defesa contra os ataques de Isengard. A magia do inimigo é suprimida após um ato de magia do mago protagonista Gandalf, em uma cena similar a um exorcismo. Assim pode-se observar que, apesar de ser um conto fantástico, 206 Imagem e Imaginário dos Vilões Contemporâneos Mônica de Faria existe uma ligação com os valores morais cristãos, exibindo a ideia de o poder do inimigo ser mal e até mesmo demoníaco, ligado à ideia noção cristã do que é profano necessitando de salvação. Saruman comete o pecado e a violência de forma explícita e consciente, executa ações que são socialmente condenadas – a guerra, a poluição, o desmatamento, a morte – sendo sim um vilão que representa o mal nas características apresentadas por Ricoeur (2007). Ao maquinar sua guerra, o mago não exita em atacar o povo mesmo na presença de mulheres e crianças, a fim de não deixar as pessoas chegarem até sua proteção. Suas ações representam o imaginário do mal puro, simples e verdadeiramente moralista em relação aos parâmetros éticos e morais que podem definir socialmente o que é correto ou errado: o personagem é mal e está contra o bem, ele inflige não somente a dor, mas o terror e o medo, aparentemente deleitando-se com suas atitudes. Ao mesmo tempo, levando em consideração as ideias de Campbell (2007), Saruman pode ser considerado um herói caído, um fracassado que se tornou um tirano. Sendo inicialmente bom, o sábio, que tem a função de orientar o herói contra o mal (CAMPBELL, 2007), Saruman cai na tentação do poder que o mal oferece, ficando obcecado por sua grandeza e tornando-se assim um tirano. Para Campbell (2007), essa pode ser uma das fases do herói, o deslumbramento pelo poder, que causa a corrupção. No monomito – a jornada do herói (CAMPBELL, 2007) –, porém, em algum momento este dá-se conta de seu erro, assumindo sua culpa, sofrendo sua punição e redimindo-se. Ao desvincular as bênçãos com que seu reino foi contemplado de sua fonte transcendente, o imperador destrói a visão estereotipada que lhe cabe suster. Ele deixa de ser o mediador entre dois mundos. A 207 Imagem e Imaginário dos Vilões Contemporâneos Mônica de Faria perspectiva do homem se estreita, incluindo apenas o termo humano da equação, e a experiência da força sublime fracassa de imediato. A idéia mantenedora da comunidade s perde. A força é tudo que a mantém. O imperador torna-se o ogro tirano (...), o usurpador de quem o mundo ora é salvo (CAMPBELL, 2007, 333). Saruman representa, de certa maneira, a mudança deste herói para imperador e tirano, o personagem antes bom, desliga-se de sua função sublime e isola-se em sua torre como um comandante supremo, sábio, poderoso e a beira da loucura, detentor de um poder canalizado para suas intenções e benefícios. O personagem em seu reduto cria um “reino do mal”, tomado por trevas e violência transformando-se do sábio e poderoso conselheiro ao estereótipo do vilão tirano. Todavia, o mais interessante de Saruman como vilão é a força de sua corrupção ao mal. O vilão cego por seu desejo de derrotar os homens de Rohan na batalha do Abismo de Helm, não prevê as conseqüências de suas ações, sendo ao mesmo tempo atacado pelos ents – criaturas da mitologia do cenário que são árvores falantes e móveis – que vivem na floresta de Fangorn, em Insengard. Finalmente, derrotado nas duas batalhas, apesar de todo seu poderio bélico, ao mago é dada a chance de redenção pelos heróis da história. O vilão, consumido pelo seu orgulho e poder maligno, nega a chance de redimir-se, firmando-se como uma força contrária ao bem. Saruman comete o pecado, gera dor, morte e sofrimento, é conscientemente culpado de seus atos e se firma neles, é julgado punido por sua maldade e ainda nega a chance de ser novamente bom. Ao final, o personagem tenta uma última reação e acaba morto, como uma punição final e definitiva por seus atos de crueldade e vilania. Saruman, então, pode ser considerado de um imaginário de vilão estereótipo do mal moral, em uma visão maniqueísta da questão. 208 Imagem e Imaginário dos Vilões Contemporâneos Mônica de Faria 5.1.3 Imaginário da imagem do mal em Saruman Saruman o Branco (Figura 59), a princípio, não aparenta ser um vilão estereotipado. Como o próprio nome diz, o mago se veste de branco e não das cores escuras geralmente relacionadas ao mal. Sua imagem é de um velho de cabelos longos e barba branca comum ao imaginário do velho e bom mago ou mágico dos contos de fadas. Porém, Saruman apresenta uma expressão perspicaz e irônica, deixando sua fisionomia dúbia quanto à bondade do personagem. O vilão foi muito ilustrado na obra literária e sua representação cinematográfica segue os moldes das ilustrações originais. Figura 59 – Saruman em suas vestes brancas Fonte: http://lotr.wikia.com/wiki/Saruman, em 01/04/2012 Apesar, então, de o personagem vestir branco, raramente aparece em locais claros na película. O mago está sempre cercado do escuro, estimulando 209 Imagem e Imaginário dos Vilões Contemporâneos Mônica de Faria o imaginário de tensão e medo em torno do personagem (ECO, 2007). Sua sala na torre de Orthanc mostra-se um local escuro de pedra e frio, com arquitetura que lembra catedrais góticas de certa majestosidade ostentando o poder tirânico do vilão (Figura 60), o que, mais uma vez, vai ao encontro do imaginário do mal dos contos de fantasia. Figura 60 – Saruman em Orthanc Fonte: http://dvdsofaepipoca.blogspot.com.br/2011/12/saruman-o-mago-branco.html, em 01/04/2012 Continuando a respeito do cenário, os locais em Isengard onde o mago cria seus monstros e armas aparecem sempre escuros, fundos como um abismo, com pedras e muito fogo, lembrando, de certa maneira, a representação do inferno cristão (ECO, 2007) em tons de preto, marrom e vermelho. O tirano passeia pelas forjas com certo deleite, demonstrando seu domínio sobre aquele poder maligno. Há seres que provocam comoção a partir do momento que o vemos, atraentes ou repulsivos, partes humanas insólitas, que parecem deformadas, membros fantasmas que são sentidos depois de uma amputação, naturezas que provocam o espanto, o nojo, a segregação, o terror, o deboche ou a piedade entre os que os contemplam. Tudo isso interessa à teatrologia fantástica (LEGROS, MONNEYRON, RENARD & TACUSSEL, 2007, p. 246). 210 Imagem e Imaginário dos Vilões Contemporâneos Mônica de Faria Saruman, apesar de não aparentar ser um, está sempre cercado por monstros, comanda os odiosos e grotescos orcs, e cria os Uruk-hai (Figura 61), que são monstros parecidos com os orcs, porém maiores, mais fortes e mais grotescos. Os monstros malignos que cercam o mago são criaturas deformadas e repulsivas, até mesmo as armaduras utilizadas pelos exércitos de criaturas, são peças toscas e inacabadas remetendo a um certo primitivismo, uma não civilidade correspondida por suas ações agressivas e violentas. O exército de Saruman parece uma horda infernal oriunda das trevas e do pesadelo. É possível perceber que as imagens do contemporâneo não se preocupam em apresentar pureza estilística ou em apresentar soluções inéditas de vanguarda, pois é resultado da intertextualidade, da citação, da cópia, da hibridação e de vários estilos. Ao mesmo tempo cultiva o grotesco, contradizendo conceitos estruturados de beleza (RAHDE & DALPIZZOLO, 2007, p. 3-4). Figura 61 – Uruk-hai Fonte: http://lotr.wikia.com/wiki/Uruk-hai, em 01/04/2012 Apesar da monstruosidade do terrível exército, o filme mostra essas imagens com uma estética que consegue transformar, a sua maneira, em algo belo. O trabalho de luz e sombra, aliado aos enquadramentos, maquiagem e a 211 Imagem e Imaginário dos Vilões Contemporâneos Mônica de Faria própria direção de arte do filme, conseguem uma estrutura estética “aprazivelmente repulsiva”, sendo interessante que as imagens possam causar ao mesmo tempo nojo e encanto. Isso nitidamente é uma característica do hibridismo imagístico e imaginário pós-modernos que aceita o pastiche e a quebra de cânones estéticos reconhecendo o belo onde tradicionalmente ele não poderia existir (RAHDE, 2001). A ligação com as formas grotescas também podem ser percebidas com o lacaio Gríma e com o rei Théoden (Figura 62) sob os efeitos da feitiçaria. O lacaio apresenta-se como uma figura maligna estereotipada: roupas pretas e esvoaçantes, pele pálida fazendo ligação com a lembrança da morte, ou do medo da morte e rosto distorcido. “Tal é também a realidade do ser fantástico. Sua disformidade é sinônimo de comparação, de distanciamento e, ao mesmo tempo, de integração” (LEGROS, MONNEYRON, RENARD & TACUSSEL, 2007, p. 246). Assim como a figura de Grima, o rei Théoden quando sob feitiço é representado por uma velhice deformada e moribunda, aproximando-se à noção da doença e da morte. A feitiçaria do vilão deixa o rei em estado miserável tanto fisicamente quanto debilitado mentalmente, sendo incapaz de discernir a respeito do que ocorre à sua volta, não se dando conta nem mesmo da morte do filho. Théoden sofre do mal físico e moral perante os atos do vilão que não carrega o fardo da culpa, mas aproveita-se de seus feitos moralmente destorcidos (RICOEUR, 2007). 212 Imagem e Imaginário dos Vilões Contemporâneos Mônica de Faria Figura 62 - Gríma e Théoden Fonte: http://protocolonerd.com.br/2011/02/09/e-ai-vamos-falar-de-quem-grima-lingua-de-cobra/, em 01/04/2012 “Daí o caráter equívoco do monstro fantástico. Ele não pertence nem completamente ao imaginário, nem completamente à realidade” (LEGROS, MONNEYRON, RENARD & TACUSSEL, 2007, p. 246). Os monstros de O Senhor dos Anéis, associados ao vilão Saruman são imaginários simbólicos (DURAND, 2002) da presença e do medo da morte e da violência. Suas imagens refletem a atrocidade, a mutilação, a impureza, o mal que a guerra, o ódio e a violência contêm. O sofrimento, como sinal do mal executado e sofrido (RICOEUR, 2007) é o que o vilão causa, através de uma moralidade moderna submetida a uma estética pós-moderna. A derrota do mago é contada diferentemente na versão literária e na versão cinematográfica, a qual este estudo se atém. Em O Retorno do Rei, após ser derrotado tanto pelos homens de Rohan na Batalha do Abismo de Helm, quanto em Isengard pelos ents, o tirano isola-se em sua torre e é julgado por Gandalf que, como já descrito, lhe oferece a redenção e esta é negada. Ainda com suas últimas forças o vilão tenta lutar até que, por um erro de seu lacaio – que também sofre a punição da morte (Figura 63) – cai da torre e 213 Imagem e Imaginário dos Vilões Contemporâneos Mônica de Faria morre cravado em estacas, em uma imagem violenta e repentina. Finalmente, o inimigo sofre a conseqüência máxima como punição por seus atos terríveis: a própria morte violenta que ele mesmo causava. Figura 63 – Morte de Saruman Fonte: http://www.herr-der-ringe-film.de/v3/de/news/tolkienfilme/news_14825.php, em 01/04/2012 Observando os estereótipos de personagens de ficção da Patmore (2006), que por sua vez, baseia-se em Campbell (2007), Saruman passa do sábio mentor do herói ao vilão corrompido pelo poder, de uma figura sublime a uma figura caída, que denota um discurso moral bem definido do que representa o bem e o que representa o mal em O Senhor dos Anéis. Saruman então pode ser considerado um vilão dentro dos preceitos morais modernos (MARCONDES, 2004), porém com algumas características pós-modernas em seu imaginário estético ligado ao mal, ao não apresentar-se da maneira caricata, demoníaca ou deformada conforme os cânones imagísticos do mal moderno, deixando isso para suas ações e pelos monstros que o cercam. 214 Imagem e Imaginário dos Vilões Contemporâneos Mônica de Faria 5.2 Curinga 5.2.1 Apresentando Curinga O arquiinimigo de Batman, Curinga, foi criado por Bob Kane e Bill Finger com participação de Jerry Robinson em 1940, aparecendo pela primeira vez na estréia da revista solo do Homem-Morcego: Batman #1, durante a Era de Ouro dos quadrinhos (MOYA in MOYA org., 1977). Desde sua primeira aparição o vilão apresentava sua principal característica de um humor mórbido marcado pela insanidade. Em seu primeiro ato criminoso “ele injetava em suas vítimas uma fórmula química que além de despachá-las para o „outro mundo‟, contraía seus músculos faciais, fazendo com que elas estampassem um sinistro sorriso no rosto!” (BASÍLIO, 2008)21. O bandido é capturado por Batman e seu ajudante Robin, porém, logo foge da prisão gerando uma perseguição que culmina quando acidentalmente o vilão se esfaqueia ficando à beira da morte, sugerindo, desde cedo, o fim do vilão. Todavia, o editor Whitney Ellsworth, gostou tanto do personagem que exigiu que Kane não desse fim ao palhaço (BASÍLIO, 2008), sustentando assim, a existência de um dos mais famosos vilões dos quadrinhos. Curinga aparece em inúmeras histórias como inimigo do HomemMorcego, desde a Era de Ouro, perpassando os anos 50 e 60 sumindo por 3 anos no início dos anos 70, porém, em 1973 o vilão retorna com força tendo 21 Disponível em: http://hqmaniacs.uol.com.br/principal.asp?acao=materias&cod_materia=531, acesso em 18/03/2012. 215 Imagem e Imaginário dos Vilões Contemporâneos Mônica de Faria como marco a revista Batman #251 com a história The Joker’s Five Way Revange (BASÍLIO, 2008) (Figura 64), escrita por Danny O‟Neal e desenhada por Neal Adams, em uma história na qual o bandido foge de uma instituição mental e resolve vingar-se de um ex-capanga que o dedura para a polícia. Essa história é relevante não apenas por trazer o Coringa de volta após longo “inverno” de três anos. O item mais importante desse autêntico clássico dos quadrinhos americanos é que depois de anos e anos de golpes mirabolantes e frustradas e cômicas tentativas de executar seus desafetos, o Coringa voltava a matar, da mesma forma que fazia quando estreou em 1940 em Batman #1. Isso aconteceu porque no inicio dos anos setenta o público consumidor de quadrinhos ficou maduro o bastante para assimilar enredos mais sofisticados (e até mesmo mais violentos) e principalmente porque nesse período o Comic Code Authority havia perdido parte da sua força restritiva (BASÍLIO, 2008). Figura 64 – Batman #251 Fonte: http://tytempletonart.wordpress.com/tag/roy-thomas/, em 01/04/2012 Nos anos 80, o insano palhaço retorna ainda mais perturbado, juntamente com a “remodelagem” que sofre Batman através das obras de 216 Imagem e Imaginário dos Vilões Contemporâneos Mônica de Faria Frank Miller. Dentre as várias revistas nas quais trazem historias do Curinga como principal vilão escolheu-se a novela gráfica Asilo Arkhan – uma séria casa em um sério mundo (2003) (Figura 65) – publicada primeiramente em 1989 –, escrita por Grant Morrison e ilustrada por Dave McKean não por acaso, mas justamente pela atmosfera de terror, medo e insanidade que são pretendidas tanto com o roteiro quanto com as imagens, que deixam várias pistas da representação do vilão como alguém mau. Tanto o roteirista Morrison quanto o ilustrador McKean são conhecidos por suas histórias macabras e estéticas assustadoras; Morrison ficou conhecido na década de 80 por suas histórias que traziam “outros lados” dos super-heróis; já McKean ganhou fama ao ilustrar as capas das novelas gráficas Sandman, de Neil Gaiman; o histórico destes artistas fez com a parceria para Asilo Arkhan fosse ideal em sua atmosfera fantasiosa, aterrorizante e perturbadora. A história de Asilo Arkhan (2003) se tornou grande referência dentre as novelas gráficas de Batman, o título da novela gráfica é baseado no lugar Asilo Arkhan que nas histórias do Homem-Morcego é uma instituição mental na qual o herói prende os vilões após capturá-los, tornando-se por muito tempo “moradia” do Palhaço do Crime. Mais sobre a obra será apresentado ao longo da análise. 217 Imagem e Imaginário dos Vilões Contemporâneos Mônica de Faria Figura 65 - Asilo Arkhan Fonte: MORRISON & MCKEAN, 2003 5.2.2 Imaginário e moral do mal em Curinga Nas ultimas décadas, o Coringa se transformou de Príncipe Palhaço do Crime em um odioso assassino sem rival. Fato notório, ele matou o segundo Robin, Jason Todd, surrando-o até arrancar sangue, antes de explodi-lo. Feriu e matou a tenente Sarah Essen, a segunda mulher do comissário Jim Gordon – diante de dúzias de crianças a quem ameaçou matar, conseguindo, assim, atrair Essen. Anos antes, o Coringa atirou em Barbara Gordon – a filha adotiva de Jim Gordon e ex-Batgirl – na coluna vertebral, paralisando-a da coluna para baixo, e depois atormentou Jim com fotos da moça caída, nua e sangrando. E não esqueçamos os inúmeros cidadãos de comuns de Gothan City – recentemente o Coringa eliminou até seus próprios cúmplices! (WHITE, In WHITE & ARP orgs., 2008, p. 17). 218 Imagem e Imaginário dos Vilões Contemporâneos Mônica de Faria Apesar de as ações citadas por White (In WHITE & ARP orgs., 2008) não serem da novela gráfica Asilo Arkhan (2003), percebe-se de imediato que as definições de mal apresentadas por Ricoeur (2007) e Ullmann (2005) são encontradas nas atitudes do personagem. Porém, talvez o mais interessante em relação ao Curinga seja a sua relação com o insano e a amoralidade de sua postura. Entende-se aqui por amoral aquilo que é além da moral, é diferente do imoral, pois não é o contrário à moralidade, mas está indiferente a ela. Em Asilo Arkhan (2003), os internos da instituição realizam um motim e tomam conta do lugar. Liderados pelo vilão palhaço, fazem trabalhadores de reféns pedindo apenas que Batman entre no asilo. O discurso do Curinga é que a instituição seria a “casa” do herói, afirmando que este é tão louco quanto seus moradores. O conto apresenta uma visão simultaneamente moderna e pós-moderna de mal, uma vez que aquilo que é o mal praticado pelo vilão é bem claro e definido, porém, existe também uma validação da amoralidade insana do bandido, justificando a sua maldade como algo natural a ele. Ainda assim tem-se medo do Curinga, pois suas ações ilógicas geram a violência de uma forma grotesca e aterradora por motivos infundados, sendo um triunfo soberbo do dionisíaco (MAFFESOLI, 2004), uma relação macabra com o prazer da dor e da morte. A morte está sempre no centro das ações do vilão, como o resultado fatídico e cruel se suas exigências não forem atendidas. Todavia, diferentemente da maioria dos vilões, o Curinga não tem nenhum desejo de poder ou vingança, o palhaço apenas se diverte com as conseqüências de pânico e terror que suas ações causam: o simples ato de “ver o circo pegar fogo”. 219 Imagem e Imaginário dos Vilões Contemporâneos Mônica de Faria Na novela gráfica em questão o que acontece é exatamente isso: o vilão convida o herói para participar de seu jogo, entrar no Asilo e reconhecê-lo, ou não, como seu lugar. Não existe relação de poder, mas sim de viver a efervescência das ações (MAFFESOLI, 2004) geradas pelo seu terror psicológico. Logo em uma das primeiras cenas do quadrinho, ao falar pelo interfone da instituição com Batman, o palhaço ameaça ferir os olhos de uma cozinheira com seus lápis-de-cor para atrair a atenção do herói. Chegando ao local, o Homem-Morcego descobre que o bandido não feriu a refém, revelando uma brincadeira de “primeiro de abril” (Figura 66), demonstrando a atmosfera de suspense de um vilão maníaco cujas ações são completamente imprevisíveis. Exatamente essa imprevisibilidade amoral das ações do palhaço é o que conferem a ele todo um imaginário de terror fantástico: nunca se sabe o que esperar, por isso tem-se o medo constante (RICOEUR, 2007). Conforme as ideias de Legros, Monneyron, Renard e Tacussel (2007) o Curinga também é um modelo imaginário, porem um modelo não só do mal, mas do medo daquilo que não se espera, exatamente por não ter um padrão social éticomoral compreensível pela maioria das pessoas. 220 Imagem e Imaginário dos Vilões Contemporâneos Mônica de Faria Figura 66 – “Primeiro de Abril” Fonte: MORRISON & MCKEAN, 2003 O Curinga não tem moral, e isso desde as visões antigas de Platão e Aristóteles (PEGORARO, 2010) é considerado um mal, pois não age para o bem viver. Porém, quanto à questão da felicidade esse ponto de vista torna-se dúbio, uma vez que o vilão delicia-se com suas ações, sendo então, para ele, uma possibilidade de felicidade fazer o que é considerado mal, buscando não o bem maior, mas o seu bem. Então, pode-se dizer que as atitudes malignas e insanas do bandido caem em um hedonismo, o prazer o jogo, de não cumprir regras e fazer exatamente aquilo que é considerado errado. De acordo com Maffesoli: O vaivém estabelecido por Jung entre a personalidade particular e a mitologia social é particularmente sugestivo. De minha parte, eu diria que se trata de uma verdadeira reversibilidade. A sombra que cada um tem em si, os aspectos que podemos classificar de “inferiores”, a fraqueza necessária à força, a noite que compensa o dia, tudo isso 221 Imagem e Imaginário dos Vilões Contemporâneos Mônica de Faria inscreve-se num ciclo civilizatório. Bem e mal funcionam em perfeita sinergia (MAFFESOLI, 2004, p. 102). Segundo o discurso do próprio personagem na novela gráfica (MORRISON & MCKEAN, 2003), ele é o que mantém a existência do seu arquiinimigo herói, seu complemento. O vilão passa todo o tempo provocando o herói, como se o compelindo a tornar-se mal, ou moralmente mal, exatamente o maior medo de Batman. Como exemplo, em um quadrinho da novela gráfica o vilão “apalpa a bunda” do herói (Figura 67), com o único e hilário – ao menos para o palhaço – objetivo de irritar de forma “divertida” o Homem-Morcego, o que, em uma conduta moralmente aceita, gera a humilhação e embaraço do herói, ocasionando exatamente a sensação desejada pelo Curinga: desequilibrar Batman. Figura 67 – “brincadeiras” do Curinga Fonte: MORRISON & MCKEAN, 2003 222 Imagem e Imaginário dos Vilões Contemporâneos Mônica de Faria O Curinga é então um vilão, pois inflige o mal tanto moral quanto físico (ULLMANN, 2005), através da violência psicológica e da violência da dor e da morte, cometendo o pecado e sendo culpado por ele (RICOEUR, 2007). Porém o Curinga nem sempre sofre a punição pelos seus atos, ou, mesmo sofrendo – ao ser trancafiado no Asilo – a punição não faz efeito, uma vez que ele “escapa” de seu castigo e volta a cometer atrocidades. Assim, o Curinga representa o monstro social, ou monstro real (LEGROS, MONNEYRON, RENARD & TACUSSEL, 2007), aquele ser que sempre está presente para cometer o mal e não pode ser parado ou controlado. De acordo com Legros, Monneyron, Renard e Tacussel: É na sua função, apenas, que a monstruosidade se segmenta em dois grupos bem distintos: se o monstro é imaginário nós lhe damos possibilidades inigualáveis. Quanto ao monstro real, mesmo se nós desenvolvermos em torno dele os poderes sobrenaturais, ele permanece, inevitavelmente, ligado à natureza da espécie. No entanto, no caso destes seres fantásticos, sua função particular permanece prenhe pelo seu ambiente social, que constitui o âmbito de referência para nossas divagações, mesmo as mais extravagantes delas. Deduz-se que as capacidades dos seres fantásticos são da mesma natureza que aquelas presentes na nossa vida real, mas amplificadas (LEGROS, MONNEYRON, RENARD & TACUSSEL, 2007, p. 246-247). Então, entende-se que o Curinga é uma projeção imaginária do monstro real encontrada na ficção. O vilão representa o medo da violência social, da insanidade, do terror anárquico do não cumprimento das regras estabelecidas pelo jogo moral e ético do convívio em sociedade. O bandido é uma catalisação do medo do caos, daquilo de mais terrível que o ser humano pode ser e fazer. Os seres imaginários, como o próprio personagem maligno, também representam “traumas coletivos e históricos, que o discurso racional é incapaz de exprimir” (LEGROS, MONNEYRON, RENARD & TACUSSEL, 2007, p. 251). 223 Imagem e Imaginário dos Vilões Contemporâneos Mônica de Faria Se a insanidade é o que gera a capacidade de fazer o mal do Curinga, mais algumas questões podem ser levantadas. Robichaud (in WHITE & ARP orgs., 2008) sugere que o Curinga pode não ser responsável por suas ações devido sua perturbação mental. Para essa afirmação o autor parte do princípio que se entende que o palhaço vilão é insano, isso porque o bandido comete atos que são considerados estranhos em um âmbito social geral, e por causa da sua relação com outros indivíduos: o de cometer a violência contra eles sem se importar com as implicações ou simplesmente não ser afetado emocionalmente. De acordo com o autor: “a responsabilidade moral se relaciona ao elogio à culpa moral ligados a uma ação” (ROBICHAUD, in WHITE & ARP orgs., 2008, p. 76). Assim, o vilão é responsável pelos atos apesar de, devido sua perturbação mental, ele seja inábil em formar desejos de livrearbítrio, de escolher cometer ações dentro da moral vigente ou não, não conseguindo suprimir tendências homicidas e violentas. A insanidade do Curinga torna-se o que sustenta o imaginário do medo, do não conseguir refletir sobre suas ações maléficas. Os verdadeiros nomes, origens e motivações de praticamente todos os adversários do Homem Morcego sempre foram de conhecimento dos fãs, e a única exceção a essa regra sempre foi o Coringa. Provavelmente os autores e editores que trabalharam com o Batman desde os anos quarenta até os dias de hoje entenderam que tal mistério (em especial no que tange ao verdadeiro nome do criminoso) era um componente fundamental da caracterização do Palhaço do Crime (...) (BASÍLIO, 2008). O próprio fato de o Curinga não ter uma origem definida aumenta a relação de imaginário de medo em torno do personagem. O não conhecimento de seu histórico, do motivo de ele ser mal, gera a tensão e insegurança a respeito de suas ações, concluindo-se que o vilão é mau simplesmente por ser 224 Imagem e Imaginário dos Vilões Contemporâneos Mônica de Faria mal. No personagem Curinga percebe-se claramente o mal o nível do mito abordado por Ricoeur (2007), o mal metafísico e sem explicação prévia, vindo de um lugar imaginário que não pode ser explicado pela racionalidade. 5.2.3 Imaginário da imagem do mal em Curinga Em Asilo Arkhan – uma séria casa em um sério mundo (2003), o Curinga é apresentado com algumas das conhecidas características do personagem: a maquiagem de palhaço, o cabelo verde desgrenhado, o casaco azul escuro, figura magra e longilínea. Porém, algumas características são atribuídas ao personagem de maneira diferenciada pelos desenhos de McKean. O ilustrador, em uma estética representativa da condição pós-moderna, trabalha as imagens da novela gráfica e do personagem de maneira peculiar e autoral, se utilizando de traços disformes, embaçados e poluídos, contribuindo com o imaginário tenso e macabro do conto e do vilão (Figura 68). Até mesmo em outras representações do vilão como no filme Batman – o Cavaleiro das Trevas (2008), ou no game Batman: Arkhan Asylum (2009), nitidamente se utilizam das referências visuais de McKean para representar o personagem disforme, grotesco e perturbador. 225 Imagem e Imaginário dos Vilões Contemporâneos Mônica de Faria Figura 68 – estética pós-moderna de McKean Fonte: http://rancidrainbow.com/thesite/?p=843, em 04/04/2012 McKean utiliza a mistura de várias técnicas ao ilustrar Asilo Arkhan (2003) contemplando o grafite, pintura a óleo, colagens e computação gráfica, gerando uma estética rica e complexa condizente com o texto tenso de Morrison (2003). A estética gerada para a revista contém formas não definidas, excesso de informação e imperfeições, resultando num jogo estético interpretativo no qual o leitor preciso desvendar os mistérios não só da história ou do personagem, mas de todo o discurso apresentado pela linguagem gráfica. [...] uma das estratégias que o design pós-moderno utiliza (conscientemente ou não) para induzir o sujeito a participar desse jogo interpretativo, é a utilização do que tenho chamado de “estética visual do palimpsesto” na articulação dos significantes das mensagens visuais (...). Esse recurso não permite que se esgotem as possibilidades de geração de sentido, e assim mantem prêsa a atenção dos sujeitos interpretantes por muito tempo (mesmo que o 226 Imagem e Imaginário dos Vilões Contemporâneos Mônica de Faria designer procure privilegiar a produção de certos sentidos mais que de outros) (CAUDURO, 2000, p. 133). A estética do palimpsesto de Cauduro (2000) é bem visível na representação visual do palhaço vilão. Sua imagem aparece sempre de forma grotesca, suja e imperfeita, sendo difícil visualizar o personagem em formas definidas, o que, mais uma vez, contribui para a atmosfera de medo, uma vez que as imagens indefinidas causam a sensação de estranheza não se tendo conhecimento do que realmente está ali. O vilão também é cercado de cenários escuros e sombrios evocando a presença do mal (DURAND, 2002), aliados a imagens dúbias excessivas como pode ser visto na página dupla na qual o Curinga “apresenta” o asilo a Batman. O imaginário do mal e da insanidade também pode ser percebido nos diferentes tratamentos dados em relação às tipografias diferentes utilizadas nas falas tanto do Curinga quanto do Batman. Nas falas do Homem-Morcego, os balões têm a forma bem definida e aparecem com preenchimento preto e tipos brancos, dando um caráter sério, porém soturno, às falas do personagem. Já no caso do vilão não existem balões de fala, mas um traço indicativo de que aquele texto está relacionado ao Curinga e a tipografia solta (Figura 69). A escolha tipográfica também é distinta, apresentando características irregulares e mais orgânicas, além de ser na cor vermelha, o que, por muitas vezes dificulta a legibilidade do texto. As características poluídas, imperfeitas e pósmodernas da tipografia utilizada para as falas do vilão dão tensão ao texto e à imagem, traduzindo, neste jogo interpretativo, as qualidades insanas e malignas do bandido. Quanto à diagramação dos quadrinhos, apesar de ser, de certa maneira, tradicional e dura, os cortes e ângulos apresentam estruturas 227 Imagem e Imaginário dos Vilões Contemporâneos Mônica de Faria similares às cinematográficas, gerando um dinamismo estético confluente às duas mídias narrativas, o que demonstra mais uma característica do imaginário visual pós-moderno. Figura 69 - diferenças no tratamento tipográfico das falas Fonte: MORRISON & MCKEAN, 2003 O mal do Curinga também é representado por estar cercado por figuras escuras e grotescas. Todo o cenário do Asilo é tomado do escuro, de trevas, como que o mal pertença àquele lugar que é uma casa insana. As representações dos outros vilões antagonistas de Batman aparecem como formas decadentes, perturbadas e perturbadoras em uma estética agressiva, violenta e, às vezes, escatológica (ECO, 2007). O terror e o medo são aliados visuais da representação do mal através do grotesco e do disforme das imagens indefinidas, sujas e tensas, em imagens que lembram um devaneio ou pesadelo. De acordo com Legros, Monneyron, Renard e Tacussel (2007), as diferentes definições do sonho são reflexos de um devaneio dentro de uma 228 Imagem e Imaginário dos Vilões Contemporâneos Mônica de Faria dinâmica social. O pesadelo então representaria o devaneio daquilo que é considerado um mal para o sonhador, sendo aqui o personagem vilão uma representação deste sonho ruim. O devaneio também pode ser entendido como insanidade. Na novela gráfica o Curinga, assim como o Batman, são submetidos à um “teste de pranchas”, no qual devem descrever o que vêem em manchas em um papel (Figura 70). O vilão, diagnosticado pela psiquiatra como louco e sem personalidade, pois cria uma diferente a cada dia – indo ao encontro ao mistério da não origem do Curinga, ampliando a tensão e o medo em relação ao personagem -, logo dá uma enxurrada de possibilidades visuais desconexas à imagem mostrada, criando devaneios violentos e incompreensíveis representativos de uma mente perturbada. Figura 70 – teste de manchas Fonte: MORRISON & MCKEAN, 2003 229 Imagem e Imaginário dos Vilões Contemporâneos Mônica de Faria O personagem vilão também é representado repetidamente fazendo troça do estado debilitado dos outros detentos do manicômio, e até mostrandose entusiasmado com o fato. Em outras ocasiões o bandido brinca com a possibilidade da violência da morte de outro, como se matar não gerasse nenhum conflito moral, o que, para o personagem, realmente não gera. Assim, o vilão gera o sofrimento ao não se importar e debochar da angústia alheia, sendo um claro exemplo de infligir o mal moral (RICOEUR, 2007). O mal e a morte fazem parte do Curinga, de acordo com Maffesoli: “a morte, o diabo, o mal, o animal, passam então a ser parte integrante de um conjunto do qual não se pode arrancar um pedaço arbitrariamente, intelectualmente” (MAFFESOLI, 2004, p. 51). Existe apenas uma seqüência de imagens na qual o vilão não aparece em cores escuras. Esta seqüência acontece ao final da história quando o Curinga acompanha Batman a saída do Asilo, após o fim da “brincadeira” elaborada pelo bandido e da qual o herói, ao longo do conto, participa (Figura 71). Nestas imagens em tom de sépia, o Curinga se despede do HomemMorcego dando a entender uma “dor da separação”, e tratando Batman como igual, referindo-se ao mundo fora da instituição como “o asilo”, e o Asilo como o lugar ao qual o herói pertence. Neste final percebe-se um tratamento de igualdade do antagonista para com o protagonista, deixando clara a intenção do Curinga em continuar seus atos, em outro momento, e divertir-se com eles, em uma nostálgica cena de despedida e encontro com sua nêmese. 230 Imagem e Imaginário dos Vilões Contemporâneos Mônica de Faria Figura 71 – final da história Fonte: MORRISON & MCKEAN, 2003 Portanto o Curinga é um vilão pós-moderno exatamente pelas incertezas de suas ações e certezas de seus malefícios. O vilão representa um mal hedonista e descontrolado, muito além de qualquer código ou ética moralmente aceitos. As ações amorais do personagem transformam-se em atos maléficos e violentos dignos de pesadelo. 231 5.3 Ezio Imagem e Imaginário dos Vilões Contemporâneos Mônica de Faria 5.3.1 Apresentando Ezio Ezio Auditore é o protagonista de três dos quatro títulos da série de games Assassin´s Creed – Assassins´s Creed II (2009) (Figura 72); Assassins´s Creed II – Brotherhood (2010); e Assassins´s Creed II – Revelations (2011) –, desenvolvida pela Ubisoft Montreal. Neste trabalho, será levado em conta o título Assassin´s Creed II (2009) para delimitar o objeto de análise. Figura 72 – Assassin´s Creed II Fonte: http://assassinscreed.ubi.com/revelations/en-GB/home/, em 04/04/2012 232 Imagem e Imaginário dos Vilões Contemporâneos Mônica de Faria O protagonista do jogo é um jovem nobre carismático e encrenqueiro, filho de um rico banqueiro da Florença renascentista. A história começa quando o pai e os irmãos de Ezio são mortos devido a uma conspiração política, da qual o rapaz consegue escapar juntamente com sua irmã caçula e a mãe perturbada após a morte da família. Ao fugir de Florença jurando vingança aos carrascos de seu pai, Ezio recorre ao auxílio de um tio, que explica os motivos da conspiração. Através de Mario – o tio – o rapaz se descobre envolvido em uma trama maior, que revela uma guerra velada entre duas facções: a da Ordem dos Assassinos e a dos Templários. Sendo por herança um membro da Ordem dos Assassinos, Ezio começa seu treinamento a fim de vingar a morte de seu pai contra Rodrigo Borgia – mais tarde o Papa Alexandre VI – grande conspirador do assassinato22. Ezio então abraça a causa da Ordem dos Assassinos que, historicamente, coloca-se em posição reacionária às tiranias ou regimes totalitários vigentes, defendendo uma ideia “libertária” contra as dominâncias políticas, sociais etc. Ainda assim, mesmo concordando e agindo de acordo com os ideais dos Assassinos, Ezio é motivado não pelo bem maior defendido pela Ordem, mas pelo seu desejo pessoal de vingança pela morte de sua família. Na franquia de jogos Assassin´s Creed, a Ordem dos Assassinos é associada às rebeliões populares e outras manifestações de contestação contra o governo ou abuso de poder de minorias privilegiadas ao longo da 22 Informações disponíveis em http://assassinscreed.wikia.com/wiki/Ezio_Auditore_da_Firenze, acesso em 20/03/2012. 233 Imagem e Imaginário dos Vilões Contemporâneos Mônica de Faria história da humanidade. A Igreja, através da Ordem Templária, é o principal alvo dos Assassinos na obra de ficção devido ao poderio político expansionista ordenador associado à corrupção, então os Assassinos não deixam de ter um cunho anarquista, criticando o poderio ordenado e defendendo a “liberdade” de a humanidade seguir seu caminho. Ao longo da análise se falará mais a respeito de Ezio e da história de Assassin´s Creed II. 5.3.2 Imaginário e moral do mal em Ezio Entende-se Ezio como um anti-herói primeiramente por sua motivação: vingança. O personagem antes de ter as ações conduzidas para um bem maior – o ato heróico (CAMPBELL, 2007) – ele busca saciar o seu sentimento de falta, punir aqueles que o fizeram mal. Segundo Maffesoli: [...] o espírito de vingança – como a “vendetta”, no caso extremo – pode ser entendido como uma experiência dessa “religação”, uma forma de solidariedade, de participação na comunidade. Alguma coisa foi perturbada na ordem social, é preciso concertar. A vingança como “ato reparador e salvador” é algo que pode parecer paradoxal, mas, sem justificar seus aspectos criminais, é preciso reconhecer sua dimensão ética. Ela cimentou um corpo social (MAFFESOLI, 2004, p. 124). Observando a afirmação de Maffesoli (2004), entende-se que a vingança é um “mal justificado”, o que se encaixa no caso de Ezio. Em nenhum momento se julga o ato do protagonista como criminoso, mas sim como um “acerto de contas” legitimado, apesar de sorrateiro e discordante de um código ético que verificaria uma ordem legal de “não matar”. Ezio rompe com a ordem moral, se utiliza de técnicas obscuras – de assassinato -, torna-se então um criminoso, inflige o mal moral e físico, mas, ainda assim, é considerado um herói, pois 234 Imagem e Imaginário dos Vilões Contemporâneos Mônica de Faria suas ações são consideradas punidoras (RICOEUR, 2007) de um mal maior. O imaginário da vingança gera uma violência justificada – no caso do jogo – conferindo ao personagem um poder de julgar e condenar (RICOEUR, 2007). Este aspecto vingativo do herói, ou anti-herói – acaba gerando outra condição: a de um personagem humanizado. Diferentemente dos heróis clássicos de honra inabalável e que a tudo venciam (CAPPELARI, 2007), o Assassino é frágil uma vez que se abala com a violência sofrida e cede ao seu impulso maligno de querer causar o mal aos seus malfeitores, indo de acordo com o pensamento de Nietzsche (2010) ao se religar a uma animalidade, um impulso visceral e naturalmente humano de sobrevivência e reação. Assim, o personagem humanizado, ou seja, com ações que refletem o comportamento humano, causando uma ligação ou projeção-identificação (MORIN, In XAVEIR, 2003) do personagem com o jogador, “o individuo é causa e efeito da lógica da identidade” (MAFFESOLI, 2004, p. 95). A importância do personagem heróico na eficácia simbólica da narração fantástica é evidente. A imagem imaginária fragiliza a angústia dá lugar à criação recíproca de uma imagem imaginária que afronta essa primeira imagem. Este combate e dá em torno de uma angústia predominante (ás vezes, várias), e a função fantástica tem, como principal objetivo, a regulação desta (LEGROS, MONNEYRON, RENARD & TACUSSEL, 2007, p. 119). Ressaltando que Ezio é personagem de um jogo digital, mais do que a ligação imaginária de o herói fazer o bem social para o social – mesmo que por motivações pessoais -, tem a ligação maior de o jogador “ser” o personagem. Essa ligação de identificação é potencializada pelo meio, dando ao usuário a potencia de ser, de julgar, de condenar o mal. 235 Imagem e Imaginário dos Vilões Contemporâneos Mônica de Faria Ezio é um anti-herói também porque mata, como o próprio nome da ordem sugere, ele é um assassino. O imaginário ou noção de “assassino” é notoriamente ligado ao mal, afinal assassino é aquele que gera a morte. Sendo assim Ezio é um pecador, carrega o pecado da morte, pratica o mal, mas, é considerado bom. Uma dubiedade e postura oriundas de um contexto pósmoderno, que permite a ambivalência da moralidade do herói (RAHDE, 1997). A violência causada pelo Assassino é então justificada por uma outra moralidade, a da punição dos maiores vilões, aqueles que, além de terem feito o mal para o personagem, conspiram para um mal maior que afeta todo o contexto social e moral de dominação. O bem pessoal que veio antes do bem maior é desculpado, pois a violência da punição é aceita, e os efeitos conseqüentes do ato de vingança geram o bem maior. O retorno cíclico da violência alimenta-se do vazio em que se transformou o instituído. É a partir que ela pretende refundar outra coisa. É isto o querer-viver. Inconsciente de si mesmo, nem por isso deixa de ser criador. Ele é uma “força que vai”, cujo aspecto construtivo só pode impor-se depois de realizada a obra de sua ação destrutiva (MAFFESOLI, 2004, p. 73-74). A violência, o mal físico (RICOEUR, 2007) gerado por Ezio são então fases necessárias para atingir bem, seja a felicidade, ou preenchimento do vazio do personagem, seja acabar com um esquema que visa algo que – no jogo – é considerado maléfico para todo um espectro social. A Ordem dos Assasssinos, ao condenar o controle ordenador templário reagindo a ele com atos violentos, sugere uma “ética da revolução”, através do motim, da guerrilha e da revolta dos grupos, fazendo valer – de certa maneira – o caos como predecessor do bem. 236 Imagem e Imaginário dos Vilões Contemporâneos Mônica de Faria A morte não é o único mal cometido por Ezio. O personagem ao longo do game rouba lugares e pessoas, sendo uma das formas de se conseguir dinheiro no jogo. Essa atitude não é justificada na história, ao mesmo tempo não é condenada, sendo sim um desvio de conduta ética do herói. Outra característica é que o personagem se relaciona e tem entre seus contatos pessoas e facções do submundo como as guildas de ladrões, mercenários e prostitutas. Pessoas dessas facções são, inclusive, os maiores contatos e aliados do Assassino, tendo ajuda e lutando pelas mesmas causas que pessoas que são consideradas criminosas ou marginais. Estas relações mostram uma subversão dos valores heróicos apresentados no jogo, ao mesmo tempo vão ao encontro do espírito reacionário e de contestação ao dar voz e importância às minorias sociais. Ainda assim, Ezio cumpre com a jornada do herói (CAMPBELL, 2007), uma vez que, mesmo inicialmente relutante, aceita seu destino e enfrenta os antagonistas. Porem Ezio também apresenta uma mudança drástica em reação às posturas éticas e virtuosas esperadas de um herói, suas atitudes levam que ele seja simultaneamente herói e bandido, em um equilíbrio sinérgico entre bem e mal (MAFFESOLI, 2004) que representa o imaginário da condição pósmoderna. 5.3.3 Imaginário da imagem do mal em Ezio No jogo Assassin´s Creed II o protagonista Ezio (Figura 73) contem algumas características dos heróis: é bem constituído, carismático e charmoso. 237 Imagem e Imaginário dos Vilões Contemporâneos Mônica de Faria Porém, ao mesmo tempo, o Assassino apresenta algumas outras características que são não usuais nos heróis: é brigão, mulherengo, não tem escrúpulos em roubar e matar, e apresenta uma cicatriz no rosto – sendo esta uma marca deste e de outros protagonistas da franquia Assassin´s Creed. Então, pode-se observar de início que a imagem de Ezio não é perfeita, tendo, apesar do charme e ser “bem apessoado”, algo de feio, relativo ao mal (ECO, 2007). Na própria história do jogo, o personagem começa com uma postura de “playboy”, promovendo confusões ao dormir com mulheres e/ou arranjar brigas de rua de maneira indisciplinada. A postura do personagem vai amadurecendo ao longo do jogo, o que faz juz à ideia de herói e sua jornada (CAMPBELL, 2007), tornando-se menos impulsivo ou promovendo menos o caos por diversão, e assumindo melhor as conseqüências de seus atos, mesmo que, por muitas vezes ainda apresente características do seu antigo comportamento, como com brigas e mulheres. Figura 73 – Ezio sem capuz Fonte: http://thisheapofthings.blogspot.com.br/2010/11/assassins-creed-ii-my-reason-to-avenge.html, em 04/04/2012 238 Imagem e Imaginário dos Vilões Contemporâneos Mônica de Faria O já comentado fato de que o personagem se relacionar com prostitutas, ladrões e mercenários também colaboram na construção da imagem do antiherói. Ao fazer contato com estes indivíduos Ezio aparece, nas cenas do jogo, escondendo-se e localizando locais furtivos e obscuros, assim como as cenas de diálogo apresentam certa tensão, com os personagens falando baixo, como se alguém pudesse estar vendo ou escutando de maneira secreta. As representações dos personagens do submundo apresentam também algumas peculiaridades, sendo muitas vezes figuras “feias” com postura agressiva (ECO, 2007), corroborando com o imaginário deste nicho. Já Ezio é representado de forma diferenciada uma vez que apresenta certas contradições. O Assassino veste roupas brancas – cor que representa a Ordem dos Assassinos – extremamente ornamentadas – além da estética da Itália Renascentista, onde se passa o jogo -, com capuz, capa e carregando muitas armas. Os trajes brancos e ricos em detalhes conotam uma certa riqueza condizente com o status de nascença do personagem mas não com o discurso libertário da Ordem (Figura 74). Provavelmente, o excesso de adornos das vestimentas e armadura venham a desempenhar o papel de identificação do herói como tal, uma vez que a imagem tem este papel (JOLY, 1996), e sua construção polissêmica acaba por ser um reflexo das manifestações visuais pós-modernas (RAHDE & CAUDURO, 2005). 239 Imagem e Imaginário dos Vilões Contemporâneos Mônica de Faria Figura 74 – vestes ricas em detalhes e excessos Fonte: http://www.techzilla.it/assassins-creed-revelations-due-nuovi-fantastici-video-hd-2931/, em 04/04/2012 O fato de o personagem utilizar sempre capuz e máscara também confere a ele um caráter misterioso e sinistro. O ocultar-se, ficar à sombra gera a sensação de medo, desconhecimento e mistério (DURAND, 2002). De acordo com Ruiz (2003) a imagem é essencial para atribuir sentido ao imaginário que não é concreto, “por esse motivo, quando produz o sentido das coisas, tem que objetivar o ideal num objeto concreto” (RUIZ, 2003, p. 115). Assim, ao construir a visualidade de Ezio, existe a preocupação o caráter misterioso e místico, uma vez que o herói é dúbio e dado a ações malignas apesar das boas intenções. “A transformação das impressões em imagens com sentido é a obra-prima do imaginário” (RUIZ, 2003, p. 90). Essa a potencialidade criadora do imaginário da qual fala o autor. A morte está por toda aparte na sociedade humana; ela é inexplicável se permanece indizível e, por conseqüência, duplamente destrutiva. É por esse motivo que ela sonha figuras particulares, para que ela seja uma vez mortal, figuras que nos dão um pouco de certeza (ou, mais exatamente, previsibilidade): saber por quais razões a morte nos escapa é dar os meios de conhecimento do tempo da finitude, do “quando” se arrisca a ultrapassar (LEGROS, MONNEYRON, RENARD & TACUSSEL, 2007, p. 119). 240 Imagem e Imaginário dos Vilões Contemporâneos Mônica de Faria Ezio por ser um assassino acaba por representar a morte – mais um motivo para ser considerado um anti-herói ao invés de um herói -, ele gera a morte. Sua figura misteriosa e enigmática, ligada ao sonho e pesadelo (MALRIEU, 1996) é a primeira representação disso, outras são seus artefatos: as armas. Ao longo do jogo, o personagem porta diversos armamentos diferentes, assim como são demonstradas inúmeras técnicas, para os seus assassinatos que estão disponíveis para a escolha do jogador (Figura 75). A relação da arma com a morte se dá através do ato de violência, da dor e do sofrimento causado, e menos com o simbolismo da arma do herói, como instrumento de justiça (CAMPBEL, 2007). Isso porque, tanto as armas como as inventivas técnicas de assassinato em Assassin´s Creed não carregam nenhum elemento místico, mas sim são objetos com os quais se gera a morte. Figura 75 – cenas de assassinatos Fonte: http://assassinscreed.ubi.com/revelations/en-GB/home/, em 04/04/2012 Existe, porém, no jogo, artefatos místicos que perpassam todos os títulos. O mais relevante em Assassin´s Creed II é a Maçã do Éden, com um poder de destruição imenso e que é justamente o alvo de desejo dos 241 Imagem e Imaginário dos Vilões Contemporâneos Mônica de Faria Templários na narrativa. A Maçã se apresenta como um objeto místico e poderoso sendo então procurada ao longo do jogo pelos Assassinos para guardá-la e pelos Templários para usá-la como instrumento de dominação. O artefato representa então o desejo de poder e a conduta moral em relação a ele: usá-lo para o bem ou para o mal, justificando então o lado heróico do protagonista (CAMPBELL, 2007). Ao se passar na Itália da Renascença, na história do jogo Ezio encontra alguns personagens que realmente existiram, esse artifício é típico das narrativas pós-modernas que adicionam dados reais à ficção, conferindo um caráter imaginário fictício e fantástico ao game (MALRIEU, 1996). Dentre esses personagens estão ilustres como o mecena e estadista Lorenzo di Medici – que torna-se um benfeitor do protagonista e simpático à causa dos Assassinos -, e Leonardo da Vinci (Figura 76) – que, inclusive, é quem projeta as complexas armas utilizadas por Ezio. A utilização de personagens históricos na obra de ficção certamente auxiliam na construção de verossimilhança do imaginário do jogo, o que faz com que a narrativa torne-se, ainda que fictícia, mais crível. As imagens dos cenários das cidades italianas na época da Renascença também passam por essa construção, aparecendo no jogo locais famosos de cidades como Florença (Figura 77) e Veneza. Ser herói é ser reconhecido como tal, é porque está sintonizado com as características comuns. Ele participa do húmus coletivo. Mais que produtor, ele é o “produto” de sua época, em relação de amor com ela. É próprio de uma relação como esta ser ambígua. Disto o princípio de contradição, que devemos entender em sua acepção lógica, vem a ser uma expressão privilegiada. A oscilação entre o bem e o mal, o escuro e o claro, o céu e a terra, acentua, em sua dinâmica própria, aquilo que caracteriza o que é vivo. As qualidades morais do santo, do herói, do gênio são, claro, importantes, mas seus defeitos não o são menos. É com as duas coisas que o homem sem qualidades comungará (MAFFESOLI, 2004, p. 119 – 120). 242 Imagem e Imaginário dos Vilões Contemporâneos Mônica de Faria Figura 76– Ezio e Leonardo da Vinci Fonte: http://diadegamer.nerdrops.com/2010/game-on-assassins-creed-2/, em 04/04/2012 Figura 77 – Florença no jogo Fonte: hhttp://assassinscreed.ubi.com/revelations/en-GB/home/, em 04/04/2012 Ezio é ambíguo, dúbio, polissêmico, ele representa ao mesmo tempo o bem, é o herói, o salvador e benfeitor, e o mal, a morte, a violência; ele causa a dor, julga e pune, comete crimes, mas estes são entendidos como justificados. Essas características são então comuns aos heróis pós-modernos, ou, assim chamados anti-heróis. Interessante essa condição que permite um herói 243 Imagem e Imaginário dos Vilões Contemporâneos Mônica de Faria autoproclamado assassino. Essas contradições apresentadas em Ezio confirmam uma mudança no entendimento moral e ético de bem e mal que são vislumbrados na pós-modernidade. Para o bem ou para o mal, os heróis mudaram. 5.4 Vilões e anti-heróis: relações dos imaginários do mal de Saruman, Curinga e Ezio Os personagens contemplados apresentam, por muitas vezes, semelhanças e diferenças. Saruman, surgido da literatura em um período de transição de uma modernidade a uma condição pós-moderna e atualizado no cinema na contemporaneidade; Curinga, surgido nos quadrinhos dos anos 40, remodelado e atualizado nos quadrinhos dos anos 70 e 80, tendo como referência a novela gráfica do final dos anos 80; e Ezio, contemporâneo e de um meio contemporâneo, oriundo da condição pós-moderna. Os três personagens, apesar de só dois deles serem realmente vilões, apresentam características do imaginário do mal, eles praticam o mal e o representam, porém de maneiras ou pontos de vista diferentes. A primeira diferença está na motivação. Saruman é motivado pela conquista, a sedução do poder. O mago é a representação do mal fantástico e místico (MALRIEU, 1996), sendo aquele que, uma vez foi bom e corrompeu-se pela promessa de um poder maior. O mal de Saruman é claro, e o contexto é maniqueísta, sendo a divisão do que é bom e o que mal bem claras e definidas. 244 Imagem e Imaginário dos Vilões Contemporâneos Mônica de Faria Já o Curinga é motivado pelo prazer do enfrentamento do herói, suas ações são baseadas na insanidade, no instinto. O vilão palhaço representa, por sua vez, o mal perigoso, simplesmente mal, o mal mítico (RICOEUR, 2007). Ele realiza a violência pelo simples fato de divertir-se com isso, o mal é claro e explícito, porém pode gerar dúvidas justamente por causa do caráter insano, da não responsabilidade pelos atos. Ezio motiva-se pela vingança, preencher o vazio deixado pela violência sofrida, assim causando mais violência (MAFFESOLI, 2004). O personagem representa então o mal da violência e do julgamento (RICOEUR, 2007), o assassinato como a justa causa de punição a um mal já realizado. O que não deixa de ser um poder e soberba, pois se é juiz e carrasco do pecado de outro. Seguindo este pensamento, a outra diferenciação está no imaginário moral. Saruman é a corrupção, o mal do poder da dominação sobre o outro causando a dor e o sofrimento é a sombra que atormenta e causa o medo (DURAND, 2002), é ciente de seus atos maléficos e não é atormentado pela culpa (RICOEUR, 2007), ao fim, sofre a punição por isso. O Curinga é amoral, ele não tem moral, devido sua insanidade ele é capaz de atos violentos sem racionalizar sobre eles, sua estrutura “moral” esta centrada num caos hedonista (MAFFESOLI, 2004), o simples prazer em cometer a violência e causar sofrimento. Já o anti-herói é calcado em um imaginário moral da revolução, a violência justificada, a luta contra um mal maior para fins benéficos, o mal de Ezio tem um propósito, considerado benéfico. Por fim a diferença no imaginário da imagem: o vilão de características modernas que é Saruman é calcado na escuridão. Apesar de vestir branco, é cercado do escuro e de monstros grotescos e nojentos (ECO, 2007) 245 Imagem e Imaginário dos Vilões Contemporâneos Mônica de Faria estereótipos do imaginário maligno (LEGROS, MONEYRON, RENARD, TACUSSEL & 2007). O Curinga tem sua imagem disforme e indefinida, o mal do qual não se sabe o que esperar, o medo tenso construído a partir do hibridismo imagístico pós-moderno (RAHDE, 1997). Ezio, por fim, carrega consigo características visuais tanto do herói quanto da representação da violência, criando uma ambivalência que fazem dele um anti-herói, um personagem polissêmico que ora pode ser visto como bom, ora como mal. Assim, cria-se a seguinte tabela a fim de sintetizar essas características: Motivação para o mal Imaginário moral do Imagem do imaginário mal do mal Saruman Poder; corrupção. Consciência de seus atos maus. Corrupção e dominação. Bem definida, escuro, grotesco. Sujeita a estereótipos. Curinga Insanidade, satisfação pessoal. Amoral. Sem consciência da moralidade ou diferença entre bem e mal. Indefinida, grotesca, assustadora. Aura de medo, incerteza. Híbrida. Ezio Vingança. Mal justificado como Mescla características meio para o bem maior. do bem e do mal. A imagem do herói que é capaz de atos maus. Tabela 1 – Síntese das análises Fonte: a autora 246 Imagem e Imaginário dos Vilões Contemporâneos Mônica de Faria Não podemos pensar todas as coisas a partir da via recta da simples razão, naquilo que ela tem de claro e discriminador. O “labirinto do vivido” (...) exige o estabelecimento de um conhecimento plural, do qual participem o sensível e a incerteza. E também a intuição e a imaginação, que permitem apreender a importância dos afetos e das paixões. Coisas cuja importância vem sendo cada vez mais reconhecida na sociedade pós-moderna. Assim, certas categorias, como a metáfora ou a analogia, são ferramentas pertinentes e no mínimo operacionais, desde que nos esforcemos para entender o comum da vida social (MAFFESOLI, 2004, p. 178). Os personagens aqui analisados de maneira nenhuma podem responder de maneira totalitária e racionalista a todas as questões referentes ao mal. Porém, através deles, e de uma interpretação sensível, pode-se sim ter uma noção de como se dá a imagem e o imaginário dos vilões, culminando no pósmoderno anti-herói, de uma bondade relativa. São estas pistas as humildes respostas que este trabalho se propõe. 247 Imagem e Imaginário dos Vilões Contemporâneos Mônica de Faria CONSIDERAÇÕES FINAIS Ao longo do estudo apresentado, buscou-se a compreensão da imagem e do imaginário do vilão contemporâneo como representação do mal. Para isso, foram enfocados estudos sobre a imagem e o imaginário, além de discussões sobre a noção de mal. Também foram pesquisadas a modernidade e a condição pós-moderna, seus imaginários e representações visuais, como épocas selecionadas para enfoque. Sem poder esquecer que o vilão é um personagem de ficção, apresentado dentro dos meios de comunicação, área na qual se concentra o presente trabalho. Dentre as várias possibilidades de meios de comunicação a serem escolhidos, elegeram-se três: as histórias em quadrinhos, o cinema e os games. As histórias em quadrinhos fazem-se válidas uma vez que são um meio de comunicação visual e gráfico, surgido na modernidade sofrendo constantes atualizações até e durante a condição pós-moderna, sendo um meio representativo para o estudo da temática “vilão”, já que os personagens são peças centrais na constituição das HQs. O cinema, assim como os quadrinhos, surgiu também na época moderna, atualizando-se e remodelando-se durante sua trajetória à contemporaneidade. As imagens do cinema são reconhecidas e evidenciadas 248 Imagem e Imaginário dos Vilões Contemporâneos Mônica de Faria na pós-modernidade, sendo um dos meios mais conhecidos e estudados da comunicação, fazendo-se também do uso de personagens heróis e vilões. Já os games são oriundos da pós-modernidade, sendo, portanto legitimamente representativos da condição contemporânea, o que por si só torna o meio relevante de ser estudado. A construção tanto da imagem quanto da narrativa dos jogos digitais, apesar de possuírem linguagem própria, sofrem referencias das outras mídias citadas, construindo um diálogo entre os meios selecionados. A escolha dos meios e dos objetos de pesquisa sempre acaba por fazer seleções e excluir possibilidades. Neste trabalho caberia o estudo, por exemplo, de meios como as telenovelas, literatura, séries televisivas, teatro entre outros (CAPPELARI, 2007). Porém, ao selecionar um corpus de pesquisa, é impossível abranger todas as possibilidades, sendo necessário um filtro, seja ele por relevância ou até mesmo conhecimento e afetividade com o objeto, a fim de desempenhar uma melhor relação de estudo. Dentre as escolhas necessárias, também foi decidido trabalhar com meios e vilões que estivessem dentro da temática da fantasia, assunto através do qual foi abordado o imaginário (MALRIEU, 1996). Essa escolha deu-se devido a polissemia de possibilidades e riquezas de vilões do gênero, além de ir ao encontro do referencial teórico da pesquisa e ter um caráter de afecção. Ainda dentre os meios, foi necessário estabelecer quais os personagens seriam analisados, outra seleção que afeta os resultados da pesquisa, excluindo possibilidades e elencando favoritos. Porém, conforme explicitado nos caminhos metodológicos deste estudo, não é função da pesquisa 249 Imagem e Imaginário dos Vilões Contemporâneos Mônica de Faria qualitativa buscar respostas ou conceitos fechados e/ou irreversíveis, mas sim apontar possibilidades e pistas sobre os assuntos e objetos abordados, buscando então considerações generalistas. Portanto, foram selecionados dois vilões e um anti-herói para objeto de estudo, sendo um vilão do cinema, um vilão das histórias em quadrinhos e um anti-herói dos jogos digitais. Saruman foi o primeiro personagem a ser analisado. Criado por J.R.R. Tolkien na obra literária de três volumes O Senhor dos Anéis, foi adaptado para o cinema na trilogia homônima dirigida por Peter Jackson de 2001 a 2003, e interpretado por Christopher Lee. O vilão escolhido surgiu num período de transição entre a modernidade e a condição pós-moderna, além de ser um vilão de fantasia. O mago branco mostra-se um vilão oriundo de uma concepção moral dualista de bem e mal, ou seja, um vilão nitidamente mau. Saruman é um antagonista que foi corrompido pelo poder do mal em busca de benefício próprio e buscando a dominação do outro. O tirano realiza ações más de destruição e violência (RICOEUR, 2007) e não carrega o sentimento de culpa, sendo assim consciente e defensor dos seus atos de maldade. O vilão apresenta-se também cercado por estereótipos imaginário do mal, como aparecer e viver em locais escuros, apresentar fisionomia sinistra e ser cercado por seres monstruosos e grotescos, além de ser responsável por sua criação. Por fim, afirma-se que Saruman é um vilão que representa o mal de maneira bem definida de acordo com os parâmetros determinantes de mal apresentados pelo referencial teórico deste estudo. O segundo vilão analisado foi Curinga, criado por Bob Kane em 1940 na revista em quadrinhos Batman #1, e atualizado na contemporaneidade na novela gráfica Asilo Arkhan – uma séria casa em um sério mundo, escrita por 250 Imagem e Imaginário dos Vilões Contemporâneos Mônica de Faria Grant Morrison e ilustrada por Dave McKean em 1989. Este vilão foi selecionado por ter surgido na Era de Ouro dos quadrinhos – na modernidade – sofrendo diversas adaptações e tendo uma estrutura própria na condição pós-moderna na versão de Morrison e McKean entre outras. Curinga é um vilão amoral, ele não segue ou descumpre de maneira consciente um código ético socialmente aceito; devido sua insanidade ele ignora a moralidade agindo de maneira naturalmente má, e divertindo-se com isso, um mal do nível do mito (RICOEUR, 2007). Em suas manifestações visuais, na novela gráfica Asilo Arkhan, observa-se que o imaginário construído se dá a partir do contexto da insanidade, utilizando-se de imagens grotescas, disformes, ruidosas e escuras, sendo então complexas e polissêmicas (RAHDE, 1997) características da condição pós-moderna. Curinga também é um vilão que representa o imaginário do mal, mas de maneira mais complexa e, de certa forma, hedionda, podendo até mesmo ser relativizado devido ao seu contexto insano. O anti-herói, dos games, escolhido para análise foi Ezio Auditore do jogo Assassin´s Creed II de 2009 – segundo jogo da franquia Assassin´s Creed de 2007 –, desenvolvido pela empresa Ubisoft Montreal. Este personagem foi selecionado – dentre várias possibilidades de anti-heróis contemporâneos – por suas características e imaginários contraditórios, além de ser um personagem bem atual. Ezio é um protagonista que segue um código moral próprio, ou justificado, isso porque coloca seus interesses e motivações pessoais à frente da conduta heróica de fazer o bem maior. Ezio não faz sacrifícios, ainda que lute contra o mal assim considerado ou estabelecido, o personagem busca a sua felicidade e satisfaz os seus prazeres (MAFFESOLI, 2004). Além do mais, em um imaginário contraditório, o protagonista, como o nome do jogo sugere, é 251 Imagem e Imaginário dos Vilões Contemporâneos Mônica de Faria um assassino, que busca vingança, comete a violência do mal físico (ULLMANN, 2005) e ao executar seus inimigos os julga por seus atos (RICOEUR, 2007) levando-lhes a punição, em um tipo de conduta moral de auto atribuição de poder. A imagem do personagem confere às características contemporâneas, sendo misteriosa, às vezes excessiva e carregada de elementos que remetem tanto à violência quanto ao heroísmo. Sempre armado, Ezio não carrega sua espada como um símbolo de poder do herói (CAMPBELL, 2007), mas como uma ferramenta de assassinato. Portanto Ezio é confirmadamente um anti-herói uma vez que comete atos para um bem maior, mas primando por suas motivações pessoais e causando o mal, uma polissemia característica da condição pós-moderna. Para tratar de todos esses assuntos e escolhas, esta pesquisa foi organizada em uma introdução; logo após cinco capítulos, sendo o primeiro deles a apresentação das escolhas metodológicas; o segundo a discussão acerca das noções do imaginário, bem como suas relações com a comunicação e com os meios selecionados para o estudo – histórias em quadrinhos, cinema e jogos digitais –; a terceira parte trata da imagem, suas relações com o imaginário e a comunicação visual, e seu lugar na modernidade e na pós-modernidade; o quarto capítulo aborda o vilão como representação do mal, passando por uma discussão a respeito das noções de moral e ética como uma forma de entender o mal; posteriormente são apresentadas abordagens sobre as noções de mal, e finalmente discute o vilão e sua imagem como mal; as análises dos personagens já apresentados são contempladas no quinto capítulo, assim como uma síntese sobre elas. Fechando este estudo estão estas considerações finais e a lista de referências utilizadas. 252 Imagem e Imaginário dos Vilões Contemporâneos Mônica de Faria O caminho metodológico escolhido para o estudo de caráter qualitativo, apresentado então no primeiro capítulo, foi a Hermenêutica de Profundidade, apresentada como opção investigativa por John Thompson (2005). A HP é ideal para a análise das formas simbólicas, então, também das imagens, uma vez que contextualizam o objeto dentro do discurso de sua época, sendo enriquecedora na mediada em que permite a interpretação e a reinterpretação dos resultados obtidos pelo pesquisador de maneira flexível e, também, sensível. No segundo capítulo discutiram-se, primeiramente, as noções de imaginário, essenciais para o desenvolvimento da tese. Nessa etapa foram levantadas noções teóricas de Gilbert Durand, Michel Maffesoli, Juremir Machado da Silva, Philippe Malrieu, Castor Ruiz dentre outros estudiosos relevantes à área. Abordou-se o imaginário como perspectiva para pensar o mal nos objetos analisados, entendendo que a ficção, a fantasia, o onírico, o fantástico (MALRIEU, 1996) são essenciais para a construção do trajeto antropológico (DURAND, 1998) dos indivíduos que é impulsionado por seu reservatório motor (SILVA, 2006). Assim, os vilões enquanto personagens de ficção (ROSENFELD, in CANDIDO & ROSENFELD, 2009), são peças construtoras de um imaginário, e que, por sua vez, possuem imaginários próprios, uma vez representantes de um conjunto de construções simbólicas que os significam. Ainda neste capitulo é abordada a comunicação, área de estudo desta tese, e suas relações com as teorias do imaginário, através de autores como Vilém Flusser, Pierre Lévy entre outros, reforçando a relevância da comunicação como fomentadora de um cimento social (MAFFESOLI, 2006) que caracterizam os imaginários coletivos. Por fim são apresentadas as 253 Imagem e Imaginário dos Vilões Contemporâneos Mônica de Faria histórias em quadrinhos, o cinema e games como meios de comunicação relevantes na contemporaneidade, podendo ser considerados, inclusive, como formas de cultura e fomentadores de imaginários. O capítulo três discorre sobre a imagem, foco comunicacional desta tese, por serem os meios selecionados eminentemente visuais – apesar de o cinema e os games serem audiovisuais. Traça-se um breve trajeto histórico da imagem para a compreensão de como surgem e funcionam as manifestações visuais, e conferem-se algumas discussões teóricas a respeito destas manifestações para um melhor entendimento da imagem enquanto meio de comunicação visual e, para tanto são abordados autores como Martine Joly, Maria Beatriz Rahde, Philip Meggs entre demais outros. Na segunda parte do capítulo, são apresentadas as noções dos pensamentos modernos e pósmodernos acerca de seu contexto sócio-cultural, relacionando como esse pensamento é afetado e representado nas manifestações visuais dos períodos. Conclui-se que existem divergências que transformam o entendimento éticomoral em ambas as fases, sendo na época moderna observada a evidência de um pensamento racionalista, refletido nas imagens através de uma preocupação estético-formal baseada na ciência e na experimentação, que, aos poucos, é modificada com as vanguardas artísticas do século XX. Essas vanguardas abrem portas para um novo pensamento que põe em cheque às certezas erigidas pelo iluminismo moderno, culminando na condição pósmoderna (LYOTARD, 2009), que duvida dos postulados determinantes. Este pensamento de uma condição pós-moderna também afeta as manifestações visuais, que abrem portas para uma pluralidade de imagens que nem sempre seguem os cânones estabelecidos, porém sem excluí-los por completo, 254 Imagem e Imaginário dos Vilões Contemporâneos Mônica de Faria permitindo uma polissemia de visualidades. Para este estudo foram utilizadas as referências de Danilo Marcondes, Teixeira-Coleho, Jean François Lyotard, Zygmunt Bauman, Maria Betariz Rahde e outros estudiosos. A próxima etapa da tese, o quarto capítulo, abordou o vilão enquanto representação do mal, começando por uma discussão sobre alguns pensamentos erigidos ao longo da história da filosofia sobre a moral e a ética como formas de entender o que é o mal. Vale lembrar que este, de nenhuma maneira, pretende ser um estudo de filosofia, que é uma área do conhecimento com referenciais e metodologias próprias que não pertencem a este trabalho, porém, a referida área das ciências humanas, serve como subsídio teórico para colaborar com a construção do pensamento deste estudo, sem nenhuma pretensão de passar-se por um estudo filosófico. Nesta etapa percebe-se então, que as noções de bem e mal ao longo da história da filosofia estão ligadas à moral e a ética, e que essas noções variam de acordo com seus contextos históricos e sociais, adaptando-se às situações espaço-temporais nas quais estão inseridas. Foram utilizadas nesta fase as referências de Danilo Marcondes, Olinto Pegoraro além de grandes nomes da filosofia, tais como Platão, Aristóteles, Kant e Nietzsche. Ainda no quarto capítulo são estudadas noções sobre o mal para o entendimento do vilão enquanto um personagem que o representa. Para tanto foram estudados pensadores como Ullmann, Ricoeur e Maffasoli, constatando que Ullmann e Ricoeur pensam o mal a partir de um ponto de vista cristão, relacionando-o com a moral e os ensinamentos religiosos de não causar o sofrimento, seja ele de corpo ou de espírito (ULLMANN, 2005) à outro, sendo isto um mal. Ricoeur (2007) ainda discute o advento da culpa e da punição ao mal cometido, como possibilidade de 255 Imagem e Imaginário dos Vilões Contemporâneos Mônica de Faria redenção ou condenação do malfeitor. O autor ainda discorre sobre o mal ao nível do mito, um mal sem explicação ou justificativa, simplesmente existente, que corrobora, por muitas vezes, com o entendimento imaginário do vilão. Já Maffesoli (2004) relativiza o mal no contexto contemporâneo, contemplando a necessidade de uma sinergia entre bem e mal no convívio social humano da pós-modernidade, uma vez que a animalidade, advinda do dionisíaco, faz parte da socialidade humana, sendo necessário um equilíbrio com o apolíneo, em um entendimento e convívio de bem e mal. Finalizando o capítulo, através dos referenciais de Umberto Eco, Legros, Moneyron, Renard e Tacussel e da retomada dos autores e pensamentos sobre imaginário, imagem e mal utilizados ao longo do estudo, discute-se sobre as representações visuais do vilão enquanto imaginário do mal em diversos momentos da comunicação visual, contemplando as possibilidades de esta classe de personagens ser compreendida e representada como o entendimento do próprio mal, concluindo-se, de maneira aberta e abrangente que o vilão é sim uma representação do mal, e que, apesar das mudanças de contextos, sempre é entendido como tal. Por fim são apresentadas no capitulo cinco as análises de Saruman, Curinga e Ezio, como os vilões e anti-herói escolhidos para representar o universo imaginário do mal nos meios selecionados dentro do recorte espaçotemporal determinado, conforme anteriormente explicado nestas mesmas considerações. Com as análises foi possível perceber que, independentemente do contexto sócio-histórico ou do meio o vilão é uma representação do mal, mesmo que existam algumas diferenças nos imaginários, discursos éticos e visualidades dos personagens apresentados. 256 Imagem e Imaginário dos Vilões Contemporâneos Mônica de Faria Valendo-se do referencial teórico apresentado ao longo da tese, contemplou-se que Saruman é um vilão que faz valer o pensamento dualista moderno de bem e mal, o que é compreensível dentro do contexto sóciohistórico no qual foi criado o personagem por Tolkien – de 1954 a 1955 – em um período de transição da modernidade à condição pós-moderna, fazendo-se valer de características dos dois períodos. O mago representa o mal a partir da fuga de uma conduta ética, sendo corrompido pela sedução do poder que o mal lhe oferece. Assim, o imaginário do mal de Saruman é verificável através de suas ações de dominação através da violência visando seu benefício próprio em busca de poder. Suas manifestações visuais na versão cinematográfica contemporânea (JACKSON, 2001-2003) corroboram com essa ideia, mostrando o personagem cercado de imagens que verificam o imaginário dualista de bem e mal, sendo estas imagens escuras, decrépitas e monstruosas, apesar de belas, dentro de um contexto de direção de arte pósmoderna. O Curinga também é verificado como uma representação do mal, apesar das diferenças de motivação e conduta em relação ao primeiro vilão. Analisado em uma situação espaço-temporal contemporânea – na novela gráfica Asilo Arkhan – uma séria casa em um sério mundo (MORRISON & MCKEAN, 2003) –, o bandido demonstra não uma quebra da conduta moral, mas uma amoralidade, um desconhecimento das leis e códigos de conduta sociais, cometendo o mal por razões de prazer hedonistas (MAFFESOLI, 2004), deliciando-se assim com seus atos de crueldade, o que é entendido como o mal no nível do mito de Ricoeur (2007) e , de certa maneira, ligado à noção do imaginário fantástico e onírico – mesmo que de pesadelo – de Malrieu (1996). 257 Imagem e Imaginário dos Vilões Contemporâneos Mônica de Faria Suas manifestações visuais na novela gráfica (MORRISON & MCKEAN, 2003) compreendem as características visuais da contemporaneidade (RAHDE & CAUDURO, 2005), mostrando-se imperfeitas, sujas, ruidosas, sinistras e polissêmicas, permitindo interpretações dúbias em um jogo de significação imagética complexo. Essas imagens corroboram com o imaginário do mal que o vilão representa, sendo assustadoras, sinistras e disformes. Já Ezio, considerado um anti-herói, convive simultaneamente com condutas de bem e mal, fazendo o bem, a princípio por razões próprias de vingança, o que, de acordo com o referencial de Maffesoli (2004), pode ser entendido como uma característica da humanidade do personagem, colaborando com a relação de projeção-identificação (MORIN in XAVIER, 2003) com o jogador. Porém, ao fazer o bem, pessoal e heróico, se utiliza de artifícios ligados ao imaginário do mal, como a violência e o assassinato, sendo ao mesmo tempo bom e mal. Suas manifestações visuais também carregam características contemporâneas, buscando um caráter místico, sombrio e dúbio, além de excessiva. Assim, pode-se concluir que o vilão, tanto em um contexto de transição da modernidade para a condição pós-moderna e na contemporaneidade, através de suas manifestações visuais e condutas, representam sim o imaginário do que é entendido por mal, sendo este encontrado nos vilões dos meios – histórias em quadrinhos e cinema - de forma clara, porém de maneiras diferentes. O vilão contemporâneo apresenta algumas diferenças do moderno, deixando margens para interpretação e até possíveis justificativas do porquê de ser mal, o que não o exime de suas características e capacidades malignas e violentas, além de deixar o personagem ainda mais obscuro, violento e 258 Imagem e Imaginário dos Vilões Contemporâneos Mônica de Faria assustador, uma vez que nunca se sabe o que esperar dele, e de, nem sempre ele sofrer a merecida punição. Enquanto o de um pensamento moderno, valese de uma visão dualista (CAPPELARI, 2007), tendo o bem e o mal lugares definidos no contexto visual e narrativo, sofrendo a punição esperada ao final pelo triunfo do bem. No contexto contemporâneo, o bem nem sempre vence, o que gera uma das principais diferenças entre os contextos: a dúvida quanto às certezas erigidas, neste caso o triunfo da razão do bem. Esse contexto complexo e polissêmico quanto às condutas e imagens do mal na contemporaneidade podem então ser expressas no surgimento do antiherói, um personagem humanizado, que nem sempre a tudo vence e que é sensível às práticas maléficas infligidas a ele e anseia por uma reparação, mesmo que essa reparação necessite de ações más. O anti-herói é a sinergia entre bem e mal (MAFFESOLI, 2004), o encontro do apolíneo e do dionisíaco, a demonstração de que as duas forças trabalham juntas no indivíduo e, portanto, no imaginário coletivo, construindo um personagem complexo e ambíguo, muito mais crível aos olhos do indivíduo pós-moderno, em uma síntese humana e sensível dos valores e desejos de bem e mal que são encontrados de forma natural (MAFFESOLI, 2004) no ser humano enquanto ser social. Apresentadas estas considerações, acredita-se ter sido atingido o objetivo desta tese: “Contemplar as possíveis evidências de imaginário e imagem contemporâneos que fazem do vilão uma representação do mal. Passando para isso por um estudo sobre as noções de imagem e imaginário do mal modernos e pós-modernos e analisando vilões dos distintos períodos”. Bem como aos objetivos específicos e ter respondido à 259 Imagem e Imaginário dos Vilões Contemporâneos Mônica de Faria questão-problema proposta, encontrando nos estudos e nas analises, possíveis evidências de como se dão as imagens e imaginários dos vilões contemporâneos entendendo-os como manifestações do mal, conforme explicitadas ao longo da tese e destas últimas considerações. Sendo assim, considera-se também verificada a tese proposta: A imagem e o imaginário do vilão contemporâneo – das histórias em quadrinhos, cinema e games – não mais respeitam as dualidades bem e mal estabelecidos até a época moderna. Esse novo vilão pós-moderno, através de suas imagens, ainda que mau, demonstra através de suas imagens e imaginários uma relativização do mal, sendo este uma complementação do bem, visível na contemporânea construção do antiherói. Isso porque ao investigar as imagens, o imaginário e as noções de mal, aliado às análises, através da metodologia de Thompson (1995), encontraramse pistas das diferenças apresentadas no imaginário do pensamento moderno e pós-moderno a respeito das imagens e do mal, que refletiram-se ao analisar os vilões propostos dentro de seus meios e contextos.Verificou-se também o anti-herói como essa nova construção ambígua e polissêmica de uma relativização de bem e mal, que podem ser ambos encontrados nesse personagens. Esta não foi uma tarefa simples, uma vez que foram necessários os estudos de diversas correntes de pensamento que perpassam áreas confluentes à comunicação. Porém, ao passar por esta árdua jornada, percebese um enriquecimento teórico acerca das propostas estipuladas, não limitando- 260 Imagem e Imaginário dos Vilões Contemporâneos Mônica de Faria se a um único ponto de vista e respeitando a diversidade e polissemia dos conhecimentos transdisciplinares tão necessários ao pensamento acadêmico contemporâneo, sem, ao mesmo tempo, nunca ter a pretensão de dominar as diversas áreas do conhecimento, mas sim fazer valer da rica troca destes conhecimentos que acabam por confluir à bacia semântica deste trabalho e fazendo parte da construção do trajeto-antropológico (DURAND, 1998) da autora. Assim, encerra-se este estudo, sem a pretensão de finalizar a discussão acerca deste estudo de comunicação que perpassa outras áreas do conhecimento. Fica em aberto novas possibilidades de pensamento sobre este assunto ou assuntos afins em novas possíveis oportunidades, não desejando qualquer tipo de finalização ou ponto final derradeiro sobre as investigações humildemente propostas. Espera-se também ter contribuído ao conhecimento acadêmico, deixando a possibilidade a outros pesquisadores de explorarem temáticas similares sem fechar as construções de novos pensamentos. Isso, uma vez que essas perspectivas conforme o pensamento polissêmico pósmoderno, são ricas e inúmeras, podendo assim construir novas formas de compreender o mundo e reencantá-lo, dentro de determinados contextos, e de uma pluralidade de visualizações. 261 Imagem e Imaginário dos Vilões Contemporâneos Mônica de Faria REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ARISTÓTELES. Poética. In: Os Pensadores – Aristóteles. São Paulo: Nova Cultural, 2000. _______. Ética a Nicômaco. Bauru: Edipro, 2009. AUMONT, Jacques. A imagem. Campinas: Papirus, 2010. _______. A estética do filme. 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